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Não haverá muitas estradas tão longas e retilíneas como a Stuart Highway, no coração da Austrália.
São 2.834 quilômetros que cruzam o interior desértico do país, de Darwin, bem a norte, até Port Augusta, no litoral sul, já bem próximo de Adelaide.
Percorri-a de ponta a ponta, 145 anos depois do explorador europeu John McDouall Stuart o ter feito em sentido inverso, e garanto que o esforço é plenamente justificado.
De Darwin a Port Augusta, Outback Australiano
É uma viagem polvilhada de paisagens deslumbrantes e surpresas agradáveis. Cidades subterrâneas e homens rudes, lagos salgados e cascatas, desfiladeiros imponentes e rochas sagradas, serpentes, térmitas e cangurus e, a espaços, uma ou outra povoação de assinalar, eis parte daquilo com que um viajante se depara numa travessia da Stuart Highway.
Mas é também uma jornada cansativa, não há que negar. Percorrer toda a extensão da Stuart Highway, mais o inevitável desvio até Uluru (Ayers Rock), exige muitas horas ao volante.
São 2.834 quilômetros que cruzam o interior desértico da Austrália, atravessando-a completamente, de Darwin, na costa do mar de Timor, até Port Augusta, no litoral sul, já bem próxima da capital do estado Austrália do Sul, Adelaide.
A Stuart Highway atravessa maioritariamente zonas despovoadas, onde os raros aglomerados urbanos distam centenas de quilômetros uns dos outros. O estado dos Territórios do Norte, por exemplo, com cerca de quinze vezes a dimensão territorial de Portugal, tem apenas três localidades de dimensão registável: Darwin, Alice Springs e Katherine.
Austrália
Na verdade, o nome Stuart Highway diz respeito não a uma, mas sim à junção de duas estradas nacionais. A Nacional 1, que liga Darwin a Daly Waters e daí prossegue em direcção à costa leste, e a Nacional 87, que continua de Daly Waters em linha quase reta até Port Augusta.
Um percurso de retas intermináveis em paisagens planas, áridas e belas, e também o local onde com frequência se avistam os “animais” mais estranhos das estradas australianas: os road trains.
São camiões de transporte de carga que mais parecem comboios de mercadorias, com dois, três ou mais atrelados de grandes dimensões, e que podem totalizar mais de uma centena de metros de comprimento.
Quer os road trains, quer os normais veículos de passageiros, circulam, regra geral, a grandes velocidades mas, não obstante as excelentes condições rodoviárias, a Stuart Highway deve ser feita sem sofreguidão.
Com tempo para se permitir deter numa qualquer planície isolada por motivo nenhum, com tempo para apreciar o nascer do sol nos desertos semi-áridos, com tempo para absorver as culturas aborígenes, com tempo, enfim, para desfrutar da viagem pela estrada a que John McDouall Stuart deu o nome.
Ele foi o primeiro europeu a cruzar a Austrália de sul a norte, seguindo, em traços largos, a rota que se viria a transformar na atual Stuart Highway.
Km 0 – Darwin
Considerada a capital multicultural da Austrália, possui uma das maiores percentagens de população indígena entre todas as cidades australianas, e uma significativa percentagem de imigrantes do sudeste asiático e outras paragens.
Mas, aparte os conhecidos problemas de integração das comunidades aborígenes, Darwin é uma cidade bonita e agradável.
Organizada. Sem prédios de grande altura e tráfego congestionado. As pessoas andam despreocupadamente pelas ruas, num ritmo de vida lento e prazenteiro. O calor é tórrido, e convida sobremaneira à inatividade.
Talvez por isso, só ao fim da tarde a cidade ganha vida, quando as pessoas se juntam nos bares do centro em torno de umas quantas cervejas. Partilho desses momentos, enquanto se fazem os últimos preparativos para a longa viagem que se aproxima.
Centro de Darwin, norte da Austrália
Km 105 – Parque Nacional de Lietchfield
Uma paragem no Parque Nacional de Litchfield, a um par de horas de viagem de Darwin, constitui um óptimo início para a extensa viagem. Cascatas como a de Florence ou Wangi proporcionam aos viajantes a oportunidade de nadar em águas cristalinas e, mais importante, refrescar o corpo.
Nunca é demais referir as altas temperaturas existentes nesta região da Austrália, pelo que todas as oportunidades que surgem para as combater são muito, muito bem-vindas, e devem ser aproveitadas para tal.
É também em Litchfield que o viajante toma contato com construções arquitetónicas verdadeiramente extraordinárias. Montes gigantes construídos por laboriosas térmitas impressionam pela magnitude e pela sua orientação quase milimétrica, de forma a controlar as temperaturas dos seus interiores. É espantoso como criaturas tão pequenas constroem edificações tão colossais e engenhosas.
Montes de térmitas no Parque Nacional de Litchfield, norte da Austrália
Mais à frente, indiferente à passagem da viatura, uma cobra venenosa atravessa a estrada. Aqui e ali, dezenas de pequenos cangurus saltitam graciosamente. E emas, lindas. Uma oportunidade de vislumbrar animais completamente selvagens no seu habitat natural. Quase às portas de Katherine.
Km 321 – Katherine
Katherine, apesar de ser a terceira cidade do estado, não tem mais do que dez mil habitantes. Não há grandes motivos de interesse na cidade, embora Katherine seja um ponto a ter em conta para abastecimento de combustível e de viveres nos grandes supermercados da cidade. E vale, principalmente, pela oportunidade de tomar contato com a história de Glen, uma das raras biografias de integração bem sucedida de um aborígene no chamado mundo dos brancos.
Entra-se na loja de Glen, um misto de cibercafé, galeria de arte e ponto de venda de artesanato aborígene, e é-se recebido com enorme simpatia pelo próprio. Bom conversador e esclarecido, Glen sabe que constitui a excepção (“sou um dos poucos indígenas a ter um negócio próprio em todo o estado”). Vende artesanato feito pelo seu povo ao “homem branco”. Divulga as suas raízes culturais. Contribui para a independência económica da sua comunidade. Lá fora, no entanto, o cenário é um pouco diferente. Aborígenes de aspeto miserável deambulam, ébrios e sem rumo aparente, pela principal rua de Katherine. São a maioria, infelizmente.
Km 427 – Mataranka
Pub em Daly Waters
Depois das emoções de Litchfield e da curta paragem em Katherine, as fontes termais de Mataranka são um bom pretexto para uma pausa na viagem. As nascentes de água quente recompõem o corpo moído após as primeiras centenas de quilômetros na estrada.
O contíguo parque de campismo é opção para quem já só quer mesmo dormir. Manhã cedo, curiosos e atentos aos desperdícios dos campistas, pequenos cangurus aproximam-se sem medo. É um encontro cara-a-cara com as saltitantes criaturas.
Km 587 – Daly Waters
Poderia passar completamente despercebida, como tantas outras minúsculas povoações, não fora o fato de ser em Daly Waters que a Stuart Highway se despede da Nacional 1, que segue em direcção a Borroloola, na costa leste.
Daly Waters é, portanto, um importante entroncamento na esparsa rede viária do interior australiano e, talvez por isso, ali surgiu, corria o ano de 1983, aquele que se viria a tornar na maior atracção turística da localidade: o bar da localidade.
É um pub curioso, cujas paredes são decoradas com notas, fotografias, mensagens, lenços, bandeiras e outras marcas deixadas por visitantes de todo o mundo. Uma espécie de Peters Café Sport transportado do Atlântico para o outback australiano, transformou-se em ponto de paragem obrigatório para quem cruza a Stuart Highway. No exterior, um carrinho de mão tem afixado um letreiro carregado de bom humor: “Taxi Daly Waters”. Para quem já não conseguir voltar para casa sozinho.
Km 984 – Tennant Creek
Não pela beleza extraordinária da povoação mas sim devido à sua localização geográfica, a aproximadamente quinhentos quilômetros de Alice Springs, Tennant Creek constitui um local frequentemente escolhido para pernoitar e recarregar baterias. Nada mais.
Formações rochosas Devil Marbles, Austrália
Km 1494 – Alice Springs
Alice Springs é a segunda maior cidade dos Territórios do Norte, logo após a capital Darwin. Convenientemente localizada no centro geográfico da Austrália, constitui ponto de passagem quase obrigatório para quem cruza o país.
Para a grande maioria dos turistas, Alice Springs constitui apenas uma porta de acesso à magia de Uluru. Mas sabe bem um pouco de civilização após tanto tempo fora dela.
Uma ida ao centro comercial, por exemplo, pode até ganhar contornos de prazer. Uma entrada na discoteca, ser algo totalmente fora do contexto, depois da poeira de tanto tempo na estrada. Um banco de rua, uma oportunidade banal para parar e sentir o pulsar da cidade.
Nem sempre harmonioso, é certo, já que aqui, tal como em Darwin ou Katherine, muitos aborígenes enfrentam terríveis dificuldades de integração após a “invasão” dos nossos dias. Uma nódoa na vida da agradável Alice.
Longa é a estrada…
Poucas serão as pessoas a ter uma homenagem de milhares de quilômetros mas John MacDouall Stuart teve-a. Merecida, diga-se. São 3200 os quilômetros que ligam o norte ao sul da Austrália, de Darwin a Port Augusta, 3200 km que levam o apelido de quem a tornou possível, 3200km que se resumem em duas palavras: Stuart Highway.
O seu traçado, cheio de aventuras e desventuras, faz parte da história da Austrália, escrita em inglês, pelos novos habitantes.
As comunicações com a mãe pátria eram tudo menos rápidas e dependiam do tempo que os navios à vela levavam a fazer a viagem de ida e volta. Nunca menos de 6 meses. O telégrafo, que já unia Inglaterra à Índia, prometia encurtar as distâncias mas só seria viável se fosse possível estabelecer uma ligação terrestre através do novo continente.
E, cinquenta anos após a colonização, o interior continuava terra incógnita. Nenhum branco lá entrara, não existia um único caminho que pudesse ligar o sul povoado ao norte inóspito, os mapas apresentavam um extenso espaço completamento vazio.
A imensidão, as temperaturas absurdamente elevadas ou as chuvas torrencias, um mato cerrado e feito de espinhos fortes que se cravavam na pele ao maispequeno contato e, so bretudo, o desconhecimento dos raros pontos onde o abastecimento de água fosse possível, faziam de qualquer tentativa um pesadelo a que, geralmente, só a morte vinha trazer alívio.
Em expedições com poucos homens e cavalos, para assim poder avançar mais facilmente, JMS foi avançando tenazmente pelo centro infernal. Escorbuto, falta de água, esgotamento físico e mental, temperaturas abrasadoras, obrigaram-no a retroceder 5 vezes.
Partiu para a 6ª tentativa em outubro de 1861 e, depois de sucessivos avanços e retrocessos, atingiu a baía de Chambers, perto do que hoje é Darwin, em Julho de 1862. Estava aberto o caminho para o telégrafo!
Regressemos ao séc XXI e à Stuart Highway, que tem aproximadamente o traçado do caminho que JMS fez no regresso. Não conseguimos sentir o sofrimento e o esforço dos exploradores mas a dureza do terreno não passa despercebida. Não há uma sombra, uma gota de água, um ribeiro, uma poça. Há mato cerrado ou um deserto vermelho que se estende bem para além do que conseguimos ver.
Cruzamos road trains que são a seiva do país, paramos em todas as áreas de serviço. São poucas, espaçadas de uns 200 kms, e tudo fazem para chamar a atenção de quem passa na estrada e levar a uma paragem, uma qualquer despesa.
Em Ailleron são as estátuas gigantescas; Barrow Creek anuncia os vestígios do que foi a sua estação de telégrafo; numa outra o proprietário anuncia ao mundo que tem nova esposa, Wycliffe Creek afirma-se como sendo o local da Austrália onde há provas do aparecimento de ovnis, …
Fonte: mochila-as-costas.blogspot.com.br/www.almadeviajante.com
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