Coesão Textual
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“A coesão não nos revela a significação do texto, revela-nos a construção do texto enquanto edifício semântico.” –M. Halliday
A metáfora acima representa de forma bastante eficaz o sentido de coesão, assim como as partes que compõem a estrutura de um edifício devem estar bem conectadas, bem “amarradas”, as várias partes de uma frase devem se apresentar bem “amarradas”, para que o texto cumpra sua função primordial ? veículo de articulação entre o autor e seu leitor.
A coesão é essa “amarração” entre as várias partes do texto, ou seja, o entrelaçamento significativo entre declarações e sentenças.
Existem, em Língua Portuguesa, dois tipos de coesão: a lexical e a gramatical.
A coesão lexical é obtida pelas relações de sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e formas elididas. Já a coesão gramatical é conseguida a partir do emprego adequado de artigo, pronome, adjetivo, determinados advérbios e expressões adverbiais, conjunções e numerais.
Seguem alguns exemplos de coesão:
Perífrase ou antonomásia – expressão que caracteriza o lugar, a coisa ou a pessoa a que se faz referência
Exemplo: O Rio de Janeiro é uma das cidades mais importantes do Brasil. A cidade maravilhosa é conhecida mundialmente por suas belezas naturais, hospitalidade e carnaval.Nominalizações – uso de um substantivo que remete a um verbo enunciado anteriormente. Também pode ocorrer o contrário: um verbo retomar um substantivo já enunciado.
Exemplo: A moça foi declarar-se culpada do crime. Essa declaração, entretanto, não foi aceita pelo juiz responsável pelo caso. / O testemunho do rapaz desencadeou uma ação conjunta dos moradores para testemunhar contra o réu.Palavras ou expressões sinônimas ou quase sinônimas – ainda que se considere a inexistência de sinônimos perfeitos, algumas substituições favorecem a não repetição de palavras.
Exemplo: Os automóveis colocados à venda durante a exposição não obtiveram muito sucesso. Isso talvez tenha ocorrido porque os carros não estavam em um lugar de destaque no evento.Repetição vocabular– ainda que não seja o ideal, algumas vezes há a necessidade de repetir uma palavra, principalmente se ela representar a temática central a ser abordada. Deve-se evitar ao máximo esse tipo de procedimento ou, ao menos, afastar as duas ocorrências o mais possível, embora esse seja um dos vários recursos para garantir a coesão textual.
Exemlo: A fome é uma mazela social que vem se agravando no mundo moderno. São vários os fatores causadores desse problema, por isso a fome tem sido uma preocupação constante dos governantes mundiais.Um termo síntese – usa-se, eventualmente, um termo que faz uma espécie de resumo de vários outros termos precedentes, como uma retomada.
Exemplo – O país é cheio de entraves burocráticos. É preciso preencher uma enorme quantidade de formulários, que devem receber assinaturas e carimbos. Depois de tudo isso, ainda falta a emissão dos boletos para o pagamento bancário. Todas essas limitações acabam prejudicando as relações comerciais com o Brasil.Pronomes – todos os tipos de pronomes podem funcionar como recurso de referência a termos ou expressões anteriormente empregados. Para o emprego adequado, convém rever os princípios que regem o uso dos pronomes.
Exemplo – Vitaminas fazem bem à saúde, mas não devemos tomá-las sem a devida orientação. / A instituição é uma das mais famosas da localidade. Seus funcionários trabalham lá há anos e conhecem bem sua estrutura de funcionamento. / A mãe amava o filho e a filha, queria muito tanto a um quanto à outra.Numerais – as expressões quantitativas, em algumas circunstâncias, retomam dados anteriores numa relação de coesão.
Exemplo – Foram divulgados dois avisos: o primeiro era para os alunos e o segundo cabia à administração do colégio. / As crianças comemoravam juntas a vitória do time do bairro, mas duas lamentavam não terem sido aceitas no time campeão.Advérbios pronominais (classificação de Rocha Lima e outros) – expressões adverbiais como aqui, ali, lá, acolá, aí servem como referência espacial para personagens e leitor.
Exemplo – Querido primo, como vão as coisas na sua terra – Aí todos vão bem – / Ele não podia deixar de visitar o Corcovado. Lá demorou mais de duas horas admirando as belezas do Rio.Elipse – essa figura de linguagem consiste na omissão de um termo ou expressão que pode ser facilmente depreendida em seu sentido pelas referências do contexto.
Exemplo – O diretor foi o primeiro a chegar à sala. Abriu as janelas e começou a arrumar tudo para a assembléia com os acionistas.Repetição de parte do nome próprio – Machado de Assis revelou-se como um dos maiores contistas da literatura brasileira. A vasta produção de Machado garante a diversidade temática e a oferta de variados títulos.
Metonímia outra figura de linguagem que é bastante usada como elo coesivo, por substituir uma palavra por outra, fundamentada numa relação de contigüidade semântica.
Exemplo – O governo tem demonstrado preocupação com os índices de inflação. O Planalto não revelou ainda a taxa deste mês.
Coesão – Técnicas / Mecanismos
As técnicas ou mecanismos de coesão têm por objetivo dar consistência ao texto, interligando suas partes para que tenha uma unidade de sentido, evitando a repetição de palavras.
O que é coesão textual?
Existem basicamente dois mecanismos de coesão textual:
Coesão léxica: É obtida através de relações de sentido entre as palavras, ou seja, do emprego de sinônimos.
Coesão gramatical: É obtida a partir do emprego de artigos, pronomes, adjetivos, advérbios, conjunções e numerais.
Coesão e Coerência Textual
A coesão, ou conectividade seqüencial, é a ligação, o nexo que se estabelece entre as partes de um texto, mesmo que não seja aparente.
Contribuem para esta ligação elementos de natureza gramatical (como os pronomes, conjunções, preposições, categorias verbais), elementos de natureza lexical (sinônimos, antônimos, repetições) e mecanismos sintáticos ( subordinação, coordenação, ordem dos vocábulos e orações).
É um dos mecanismos responsáveis pela interdependência semântica que se instaura entre os elementos constituintes de um texto.
Considerações sobre o Conceito de Coesão
São muitos os autores que têm publicado estudos sobre coerência e coesão. Apoiados nos trabalhos de Koch (1997), Platão e Fiorin (1996), Suárez Abreu (1990) e Marcuschi (1983), apresentamos algumas considerações sobre o conceito de coesão com o objetivo de mostrar a presença e a importância desse fenômeno na produção e interpretação dos textos.
Koch (1997) conceitua a coesão como “o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos lingüísticos presentes na superfície textual se encontram interligados, por meio de recursos também lingüísticos, formando seqüências veiculadoras de sentido.” Para Platão e Fiorin (1996), a coesão textual “é a ligação, a relação, a conexão entre as palavras, expressões ou frases do texto.” A coesão é, segundo Suárez Abreu (1990), “o encadeamento semântico que produz a textualidade; trata-se de uma maneira de recuperar, em uma sentença B, um termo presente em uma sentença A.”
Daí a necessidade de haver concordância entre o termo da sentença A e o termo que o retoma na sentença B. Finalmente, Marcuschi (1983) assim define os fatores de coesão: “são aqueles que dão conta da seqüenciação superficial do texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos lingüísticos do texto, relações de sentido.”
A coesão pode ser observada tanto em enunciados mais simples quanto em enunciados mais complexos.
Observe:
1) Mulheres de três gerações enfrentam o preconceito e revelam suas experiências.
2) Elas resolveram falar. Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de mulheres decidiram contar como aconteceu o fato que marcou sua vida.
3) Do alto de sua ignorância, os seres humanos costumam achar que dominam a terra e todos os outros seres vivos.
Nesses exemplos, temos os pronomes suas e que retomando mulheres de três gerações e o fato, respectivamente; os pronomes elas e sua antecipam oito dezenas de mulheres e os seres humanos, respectivamente. Estes são apenas alguns mecanismos de coesão, mas existem muitos outros, como veremos mais adiante.
Vejamos agora a coesão num período mais complexo:
Os amigos que me restam são da data mais recente; todos os amigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal freqüência é cansativa. (Machado de Assis, Dom Casmurro)
Observemos os elementos de coesão presentes neste texto.
No primeiro período, temos o pronome que remetendo a amigos, que é o sujeito dos verbos restam e são, daí a concordância, em pessoa e número, entre eles.
Do mesmo modo, amigos é o sujeito de foram, na oração seguinte; todos e os se relacionam a amigos.
Já no segundo período, em que o autor discorre sobre as amigas, os pronomes algumas, outras, todas remetem a amigas; os numerais duas, três também remetem a amigas, que, por sua vez, é o sujeito de datam, crêem, fariam, falam; nela retoma a expressão na mocidade, evitando sua repetição; que representa a língua. E, para retomar muita vez, o autor usou a expressão sinônima tal freqüência.
Esses fatos representam mecanismos de coesão, assinalando relações entre os vocábulos do texto. Outros mecanismos marcam a relação de sentido entre os enunciados. Assim, os vocábulos mas ( mas a língua que falam ), e ( e quase todos crêem na mocidae, e tal freqüência é cansativa ) assinalam relação de contraste ou de oposição e de adição de argumentos ou idéias, respectivamente. Dessa maneira, por meio dos elementos de coesão, o texto vai sendo “tecido”, vai sendo construído.
A respeito do conceito de coesão, autores como Halliday e Hasan (1976), em obra clássica sobre coesão textual, que tem servido de base para grande número de estudos sobre o assunto, afirmam que a coesão é condição necessária, mas não suficiente, para que se crie um texto. Na verdade, para que um conjunto de vocábulos, expressões, frases seja considerado um texto, é preciso haver relações de sentido entra essas unidades (coerência) e um encadeamento linear das unidades lingüísticas presentes no texto (coesão). Mas essa afirmativa não é categórica nem definitiva, por algumas razões. Uma delas é que podemos ter conjuntos lingüísticos destituídos de elos coesivos que, no entanto, são considerados textos porque são coerentes, isto é, apresentam uma continuidade semântica.
Um outro bom exemplo da possibilidade de haver texto, porque há coerência, sem elos coesivos explicitados lingüisticamente, é o texto do escritor cearense Mino, em que só existem verbos.
Como se conjuga um empresário
Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se. Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se. Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou. Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se …
Neste texto, a coerência é depreendida da seqüência ordenada dos verbos com os quais o autor mostra o dia-a-dia de um empresário. Verbos como lesou, burlou, explorou, safou-se … transmitem um julgamento de valor do autor do texto em relação à figura de um empresário.
Podemos constatar que ” Como se conjuga um empresário ” não precisou de elementos coesivos para ser considerado um texto. Por outro lado, elos coesivos não são suficientes para garantir a coerência de um texto.
É o caso do exemplo a seguir:
As janelas da casa foram pintadas de azul, mas os pedreiros estão almoçando. A água da piscina parece limpa, entretanto foi tratada com cloro. A vista que tenho da casa é muito agradável.
Finalizando, vale dizer que, embora a coesão não seja condição suficiente para que enunciados se constituam em textos, são os elementos coesivos que dão a eles maior legibilidade e evidenciam as relações entre seus diversos componentes. A coerência em textos didáticos, expositivos, jornalísticos depende da utilização explícita de elementos coesores.
Mecanismos de Coesão
São variadas as maneiras como os diversos autores descrevem e classificam os mecanismos de coesão. Consideramos que é necessário perceber como esses mecanismos estão presentes no texto (quando estão) e de que maneira contribuem para sua tecitura, sua organização.
Para Mira Mateus (1983), “todos os processos de seqüencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação lingüística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual podem ser encarados como instrumentos de coesão.”
Esses instrumentos se organizam da seguinte forma:
Coesão Gramatical
Faz-se por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos vocábulos, dos conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor temporal.
De acordo com o quadro antes apresentado, passamos a ver separadamente cada um dos tipos de conexão gramatical, a saber, frásica, interfrásica, temporal e referencial.
Coesão Frásica – este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os componentes da frase, com base na concordância entre o nome e seus determinantes, entre o sujeito e o verbo, entre o sujeito e seus predicadores, na ordem dos vocábulos na oração, na regência nominal e verbal.
Exemplos:
1) Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com ondas, sem ondas, rústicas, sofisticadas.
Concordância Nominal
praias | desertas, agitadas, rústicas, sofisticadas |
(subst.) | (adjetivos) |
todos | os | gostos |
(pron.) | (artigo) | (substantivo) |
Concordância Verbal
Florianópolis | tem |
(sujeito) | (verbo) |
2) A voz de Elza Soares é um patrimônio da música brasileira. Rascante, oclusiva, suingada, é algo que poucas cantoras, no mundo inteiro, têm.
Concordância Nominal
voz rascante, oclusiva, suingada poucas cantoras música brasileira mundo inteiro
Concordância Verbal
voz é cantoras têm
Com respeito à ordem dos vocábulos na oração, deslocamentos de vocábulos ou expressões dentro da oração podem levar a diferentes interpretações de um mesmo enunciado.
Observe estas frases:
a) O barão admirava a bailarina que dançava com um olhar lânguido.
A expressão com um olhar lânguido , devido à posição em que foi colocada, causa ambigüidade, pois tanto pode se referir ao barão como à bailarina. Para deixar claro um ou outro sentido, é preciso alterar a ordem dos vocábulos.
O barão, com um olhar lânguido, admirava a bailarina que dançava. O barão admirava a bailarina que, com um olhar lânguido, dançava.
b) A moto em que ele estava passeando lentamente saiu da estrada..
A análise deste período mostra que ele é formado de duas orações: A moto saiu da estrada e em que ele estava passeando . A qual das duas, no entanto, se liga o advérbio lentamente ? Da forma como foi colocado, pode se ligar a qualquer uma das orações. Para evitar a ambigüidade, recorremos a uma mudança na ordem dos vocábulos.
Poderíamos ter, então:
A moto em que lentamente ele estava passeando saiu da estrada. A moto em que ele estava passeando saiu lentamente da estrada.
Também em relação à regência verbal, a coesão pode ficar prejudicada se não forem tomados alguns cuidados. Há verbos que mudam de sentido conforme a regência, isto é, conforme a relação que estabelecem com o seu complemento.
Por exemplo, o verbo assistir é usado com a preposição a quando significa ser espectador, estar presente, presenciar.
Exemplo: A cidade inteira assistiu ao desfile das escolas de samba. Entretanto, na linguagem coloquial, este verbo é usado sem a preposição. Por isso, com freqüência, temos frases como: Ainda não assisti o filme que foi premiado no festival . Ou A peça que assisti ontem foi muito bem montada (ao invés de a que assisti).
No sentido de acompanhar, ajudar, prestar assistência, socorrer, usa-se com proposição ou não.
Observe: O médico assistiu ao doente durante toda a noite.Os Anjos do Asfalto assistiram as vítimas do acidente.
No que diz respeito à regência nominal, há também casos em que os enunciados podem se prestar a mais de uma interpretação. Se dissermos A liquidação da Mesbla foi realizada no fim do verão , podemos entender que a Mesbla foi liquidada , foi vendida ou que a Mesbla promoveu uma liquidação de seus produtos . Isso acontece porque o nome liquidação está acompanhado de um outro termo ( da Mesbla ).
Dependendo do sentido que queremos dar à frase, podemos reescrevê-la de duas maneiras:
A Mesbla foi liquidada no fim do verão. A Mesbla promoveu uma liquidação no fim do verão
Coesão Interfrásica – designa os variados tipos de interdependência semântica existente entre as frases na superfície textual. Essas relações são expressas pelos. É necessário, portanto, usar o conector adequado à relação que queremos expressar.
Seguem exemplos dos diferentes tipos de conectores que podemos empregar:
a) As baleias que acabam de chegar ao Brasil saíram da Antártida há pouco mais de um mês. No banco de Abrolhos, uma faixa com cerca de 500 quilômetros de água rasa e cálida, entre o Espírito Santo e a Bahia, as baleias encontram as condições ideais para acasalar, parir e amamentar. As primeiras a chegar são as mães, que ainda amamentam os filhotes nascidos há um ano. Elas têm pressa, porque é difícil conciliar amamentação e viagem, já que um filhote tem necessidade de mamar cerca de 100 litros de leite por dia para atingir a média ideal de aumento de peso: 35 quilos por semana. Depois, vêm os machos, as fêmeas sem filhote e, por último, as grávidas. Ao todo, são cerca de 1000 baleias que chegam a Abrolhos todos os anos. Já foram dezenas de milhares na época do descobrimento, quando estacionavam em vários pontos da costa brasileira. Em 1576, Pero de Magalhães Gândavo registrou ter visto centenas delas na baía de Guanabara. (Revista VEJA, no 30, julho/97)
b) Como suas glândulas mamárias são internas, ela espirra o leite na água. (idem)
c) Ao longo dos meses, porém, a música vai sofrendo pequenas mudanças, até que, depois de cinco anos, é completamente diferente da original. (idem)
d) A baleia vem devagar, afunda a cabeça, ergue o corpanzil em forma de arco e desaparece um instante. Sua cauda, então, ressurge gloriosa sobre a água como se fosse uma enorme borboleta molhada. A coreografia dura segundos, porém tão grande é a baleia que parece um balé em câmara lenta. (idem)
e) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns segundos. (idem)
f) A jubarte é engenhosa na hora de se alimentar. Como sua comida costuma ficar na superfície, ela mergulha e nada em volta dos peixes, soltando bolhas de água. Ao subir, as bolhas concentram o alimento num círculo. Em seguida, a baleia abocanha tudo, elimina a água pelo canto da boca e usa a língua como uma canaleta a fim de jogar o que interessa goela adentro. (idem)
g) Várias publicações estrangeiras foram traduzidas, embora muitas vezes valha a pena comprar a versão original. (idem)
h) Como guia de Paris, o livro é um embuste. Não espere, portanto, descobrir através dele o horário de funcionamento dos museus. A autora faz uma lista dos lugares onde o turista pode comprar roupas, óculos, sapatos, discos, livros, no entanto, não fornece as faixas de preço das lojas. (idem)
i) Se já não é possível espantar a chicotadas os vendilhões do templo, a solução é integrá-los à paisagem da fé. (…) As críticas vêm não só dos vendilhões ameaçados de ficar de fora, mas também das pessoas que freqüentam o interior do templo para exercer a mais legítima de suas funções, a oração. (Revista VEJA, no 27, julho/97)
j) Na verdade, muitos habitantes de Aparecida estão entre a cruz e a caixa registradora. Vivem a dúvida de preservar a pureza da Casa de Deus ou apoiar um empreendimento que pode trazer benesses materiais. (idem)
l) A Igreja e a prefeitura estimam que o shopping deve gerar pelo menos 1000 empregos. (idem)
m) Aparentemente boa, a infraestrutura da Basílica se transforma em pó em outubro, por exemplo, quando num único fim de semana surgem 300 mil fiéis. (idem)
n) O shopping da fé também contará com um centro de eventos com palco giratório. (idem)
Conectores:
e (exemplos a,d,f) – liga termos ou argumentos.
porque (exemplo a), já que (exemplo a), como (exemplos b, f) – introduzem uma explicação ou justificativa.
para (exemplos a, i), a fim de (exemplo f) – indicam uma finalidade.
porém (exemplos c, d), mas (e) , embora (g) , no entanto (h) – indicam uma contraposição.
como (exemplo d) , tão … que (exemplo d), tão … quanto (exemplo e) – indicam uma comparação.
portanto (h) – evidencia uma conclusão.
Depois (a) , por último (a), quando (a), já (a), ao longo dos meses (c), depois de cinco anos (c), em seguida (f), até que (c) – servem para explicar a ordem dos fatos, para encadear os acontecimentos.
então (d) – operador que serve para dar continuidade ao texto.
se (exemplo i) – indica uma forma de condicionar uma proposição a outra.
não só…mas também (exemplo i) – serve para mostrar uma soma de argumentos.
na verdade (exemplo j) – expressa uma generalização, uma amplificação.
ou (exemplo j) – apresenta um disjunção argumentativa, uma alternativa.
por exemplo (exemplo m) – serve para especificar o que foi dito antes.
também (exemplo n) – operador para reforçar mais um argumento apresentado.
Ainda dentro da coesão interfrásica, existe o processo de justaposição, em que a coesão se dá em função da seqüência do texto, da ordem em que as informações, as proposições, os argumentos vão sendo apresentados. Quando isto acontece, ainda que os operadores não tenham sido explicitados, eles são depreendidos da relação que está implícita entre as partes da frase.
O trecho abaixo é um exemplo de justaposição:
Foi em cabarés e mesas de bar que Di Cavalcanti fez amigos, conquistou mulheres, foi apresentado a medalhões das artes e da política. Nos anos 20, trocou o Rio por longas temporadas em São Paulo; em seguida foi para Paris. Acabou conhecendo Picasso, Matisse e Braque nos cafés de Montparnasse. Di Cavalcanti era irreverente demais e calculista de menos em relação aos famosos e poderosos. Quando se irritava com alguém, não media palavras. Teve um inimigo na vida. O também pintor Cândido Portinari. A briga entre ambos começou nos anos 40. Jamais se reconciliaram. Portinari não tocava publicamente no nome de Di.
(Revista VEJA, no 37,setembro/97)
Há, neste trecho, apenas uma coesão interfrásica explicitada: trata-se da oração “Quando se irritava com alguém, não media palavras”. Os demais possíveis conectores são indicados por ponto e ponto-e-vírgula.
Coesão Temporal – uma seqüência só se apresenta coesa e coerente quando a ordem dos enunciados estiver de acordo com aquilo que sabemos ser possível de ocorrer no universo a que o texto se refere, ou no qual o texto se insere. Se essa ordenação temporal não satisfizer essas condições, o texto apresentará problemas no seu sentido. A coesão temporal é assegurada pelo emprego adequado dos tempos verbais, obedecendo a uma seqüência plausível, ao uso de advérbios que ajudam a situar o leitor no tempo (são, de certa forma, os conectores temporais).
Exemplos:
A dita Era da Televisão é, relativamente, nova. Embora os princípios técnicos de base sobre os quais repousa a transmissão televisual já estivessem em experimentação entre 1908 e 1914, nos Estados Unidos, no decorrer de pesquisas sobre a amplificação eletrônica, somente na década de vinte chegou-se ao tubo catódico, principal peça do aparelho de tevê. Após várias experiências por sociedades eletrônicas, tiveram início, em 1939, as transmissões regulares entre Nova Iorque e Chicago – mas quase não havia aparelhos particulares. A guerra impôs um hiato às experiências. A ascensão vertiginosa do novo veículo deu-se após 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiências pioneiras de laboratório (Roquete Pinto chegou a interessar-se pela transmissão da imagem), a tevê só foi mesmo implantada em setembro de 1950, com a inauguração do Canal 3 (TV Tupi), por Assis Chateaubriand. Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, já havia cerca de cem estações, servindo a doze milhões de aparelhos. Existem hoje mais de 50 canais em funcionamento, em todo o território brasileiro, e perto de 4 milhões de aparelhos receptores. [dados de 1971]
(Muniz Sodré, A comunicação do grotesco)
Temos, neste parágrafo, a presentação da trajetória da televisão no Brasil, e o que contribui para a clareza desta trajetória é a seqüência coerente das datas: entre 1908 e 1914, na década de vinte, em 1939, Após várias experiências por sociedades eletrônicas, (época da) guerra, após 1945, em setembro de 1950, nesse mesmo ano, hoje.
Embora o assunto neste tópico seja a coesão temporal, vale a pena mostrar também a ordenação espacial que acompanha as diversas épocas apontadas no parágrafo: nos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Chicago, no Brasil, em todo o território brasileiro .
Coesão Referencial – neste tipo de coesão, um componente da superfície textual faz referência a outro componente, que, é claro, já ocorreu antes. Para esta referência são largamente empregados os pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos.
Exemplos:
a) Durante o período da amamentação, a mãe ensina os segredos da sobrevivência ao filhote e é arremedada por ele. A baleiona salta, o filhote a imita. Ela bate a cauda, ele também o faz. (Revista VEJA, no 30,julho/97)
ela, a – retomam o termo baleiona, que, por sua vez, substitui o vocábulo mãe. ele – retoma o termo filhote ele também o faz – o retoma as ações de saltar, bater, que a mãe pratica.
b) Madre Teresa de Calcutá, que em 1979 ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho com os destituídos do mundo, estava triste na semana passada. Perdera uma amiga, a princesa Diana. Além disso, seus problemas de saúde agravaram-se. Instalada em uma cadeira de rodas, ela mantinha-se, como sempre, na ativa. Já que não podia ir a Londres, pretendia participar, no sábado, de um ato em memória da princesa, em Calcutá, onde morava há quase setenta anos. Na noite de sexta-feira, seu médico foi chamado às pressas. Não adiantou. Aos 87 anos, Madre Teresa perdeu a batalha entre seu organismo debilitado e frágil e sua vontade de ferro e morreu vítima de ataque cardíaco. O Papa João Paulo II declarou-se “sentido e entristecido”. Madre Teresa e o papa tinham grande afinidade. (Revista VEJA, nº 36, setembro/97)
que, seu, seus, ela, sua referem-se a Madre Teresa. princesa retoma a expressão princesa Diana. papa retoma a expressão Papa João Paulo II. onde refere-se à cidade de Calcutá.
Há ainda outros elementos de coesão, como Além disso, já que , que introduzem, respectivamente, um acréscimo ao que já fora dito e uma justificativa.
c) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir. Os machos vão atrás, na expectativa de ver se a fêmea cai na rede, com o perdão do trocadilho,e aceita copular. Como há mais machos que fêmeas, elas copulam com vários deles para ter certeza de que engravidarão. (Revista VEJA, no 30, julho/97)
Neste exemplo, ocorre um tipo bastante comum de referência – a anafórica. Os pronomes elas (que retoma jubartes ), ela (que retoma fêmea ), elas (que se refere a fêmeas ) e deles (que se refere a machos ) ocorrem depois dos nomes que representam.
d) Ele foi o único sobrevivente do acidente que matou a princesa, mas o guarda-costas não se lembra de nada. (Revista VEJA, no 37, setembro/97)
e) Elas estão divididas entre a criação dos filhos e o desenvolvimento profissional, por isso, muitas vezes, as mulheres precisam fazer escolhas difíceis. (Revista VEJA, no 30, julho/97)
Nas letras d, e temos o que se chama uma referência catafórica. Isto acontece porque os pronomes Ele e Elas, que se referem, respectivamente a guarda-costas e mulheres aparecem antes do nome que retomam.
f) A expedição de Vasco da Gama reunia o melhor que Portugal podia oferecer em tecnologia náutica. Dispunha das mais avançadas cartas de navegação e levava pilotos experientes. (Revista VEJA, no 27, julho/97)
Temos neste período uma referência por elipse. O sujeito dos verbos dispunha e levava é A expedição de Vasco da Gama, que não é retomada pelo pronome correspondente ela, mas por elipse, isto é, a concordância do verbo – 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo – é que indica a referência.
Existe ainda a possibilidade de uma idéia inteira ser retomada por um pronome, como acontece nas frases a seguir:
a) Todos os detalhes sobre a vida das jubartes são resultado de anos de observação de pesquisadores apaixonados pelo objeto de estudo. Trabalhos como esse vêm alcançando bons resultados. (Revista VEJA, no 30, julho/97)
O pronome esse retoma toda a seqüência anterior.
b) Se ninguém tomar uma providência, haverá um desastre sem precedentes na Amazônia brasileira. Ainda há tempo de evitá-lo. (Revista VEJA, junho/97)
O pronome lo se refere ao desastre sem precedentes citado antes.
c) A lei é um absurdo do começo ao fim. Primeiro, porque permite aos moradores da superquadra isolar uma área pública, não permitindo que os demais habitantes transitem por ali. Segundo, o projeto não repassa aos moradores o custo disso, ou seja, a responsabilidade pela coleta de lixo, pelos serviços de água e luz e pela instalação de telefones. Pelo contrário, a taxa de limpeza pública seria reduzida para os moradores. Além disso, a aprovação do texto foi obtida mediante emprego de argumentos falsos. (Revista VEJA, julho/97)
Este texto apresenta diferentes tipo de elementos de coesão. ali – faz referência a área pública , anteriormente citada. disso – retoma o que é considerado um absurdo dentro da nova lei. Ao mesmo tempo, disso é explicado a partir do operador ou seja . ou seja, pelo contrário – conectores que introduzem uma retificação, uma correção. Além disso – conector que tem por função acrescentar mais um argumento ao que está sendo discutido. Primeiro e Segundo – estes conectores indicam a ordem dos argumentos, dos assuntos.
Coesão lexical
Neste tipo de coesão, usamos termos que retomam vocábulos ou expressões que já ocorreram, porque existem entre eles traços semânticos semelhantes, até mesmo opostos. Dentro da coesão lexical, podemos distinguir a reiteração e a substituição.
Por reiteração entendemos a repetição de expressões lingüísticas; neste caso, existe identidade de traços semânticos. Este recurso é, em geral, bastante usado nas propagandas, com o objetivo de fazer o ouvinte/leitor reter o nome e as qualidades do que é anunciado. Observe, nesta propaganda da Ipiranga, quantas vezes é repetido o nome da refinaria.
Em 1937, quando a Ipiranga foi fundada, muitos afirmavam que seria difícil uma refinaria brasileira dar certo.
Quando a Ipiranga começou a produzir querosene de padrão internacional, muitos afirmavam, também, que dificilmente isso seria possível.
Quando a Ipiranga comprou as multinacionais Gulf Oil e Atlantic, muitos disseram que isso era incomum.
E, a cada passo que a Ipiranga deu nesses anos todos, nunca faltaram previsões que indicavam outra direção.
Quem poderia imaginar que a partir de uma refinaria como aquela a Ipiranga se transformaria numa das principais empresas do país, com 5600 postos de abastecimento anual de 5,4 bilhões de dólares?
E, que além de tudo, está preparada para o futuro?
É que, além de ousadia, a Ipiranga teve sorte: a gente estava tão ocupado trabalhando que nunca sobrou muito tempo para prestar atenção em profecias.
(Revista VEJA, nº 37, setembro/97)
Outro exemplo:
A história de Porto Belo envolve invasão de aventureiros espanhóis, aventureiros ingleses e aventureiros franceses, que procuraram portos naturais, portos seguros para proteger suas embarcações de tempestades.
(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)
A substituição é mais ampla, pois pode se efetuar por meio da sinonímia, da antonímia, da hiperonímia, da hiponímia. Vamos ilustrar cada um desses mecanismos por meio de exemplos.
Sinonímia
a) Pelo jeito, só Clinton insiste no isolamento de Cuba. João Paulo II decidiu visitar em janeiro a ilha da Fantasia. (Revista VEJA, nº 39, outubro/97)
Os termos assinalados têm o mesmo referente. Entretanto, é preciso esclarecer que, neste caso, há um julgamento de valor na substituição de Cuba por ilha da Fantasia, numa alusão a lugar onde não há seriedade.
b) Aos 26 anos, o zagueiro Júnior Baiano deu uma grande virada em sua carreira. Conhecido por suas inconseqüentes “tesouras voadoras”, ele passou a agir de maneira mais sensata, atitude que já levou até a Seleção Brasileira.
Patrícia, a esposa, e os filhos Patrícia Caroline e Patrick são as maiores alegrias desse baiano nascido na cidade de Feira de Santana. “Eles são a minha razão de viver e lutar por coisas boas”, comenta o zagueiro.
Na galeria do ídolos, Júnior Baiano coloca três craques: Leandro, Mozer a Aldair. “Eles sabem tudo de bola, diz o jogador. O zagueiro da Seleção só questiona se um dia terá o mesmo prestígio deles.
Deixando para trás a fase de desajustado e brigão, o zagueiro rubro-negro agora orienta os mais jovens e aposta nesta nova geração do Flamengo.
(Jornal dos Sports, 24/08/97)
Este tipo de procedimento é muito útil para evitar as constantes repetições que tornam um texto cansativo e pouco atraente. Observe quantas diferentes maneiras foram empregadas para fazer alusão à mesma pessoa.
Dentro desse parágrafo, observamos ainda outros mecanismos de coesão já vistos anteriormente: sua, ele, o, que retomam o jogador Júnior Baiano, e deles, que retoma os três craques.
c) Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo do bonde, o homem mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em colorir retrato e fazia caricatura em cinco minutos. No momento, ele retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um dos melhores sorrisos do presidente morto. (Wander Piroli, Trabalhadores do Brasil )
d) Vestia um camisolão azul, sem cintura. Tinha cabelos longos como Jesus e barbas longas. Nos pés calçava sandálias para enfrentar o pó das estradas e, a cabeça, protegia-a do sol inclemente com um chapelão de abas largas. Nas mãos levava um cajado, como os profetas, os santos, os guiadores de gente, os escolhidos, os que sabiam o caminho do céu. Chamava os outros de “meu irmão”. Os outros chamavam-no “meu pai”. Foi conhecido como Antonio dos Mares, uma certa época, e também como Irmão Antonio. Os mais devotos o intitulavam “Bom Jesus“, “Santo Antonio“. De batismo, era Antonio Vicente Mendes Maciel. Quando fixou sua fama, era Antônio Conselheiro, nome com o qual conquistou os sertões e além. (Revista VEJA,setembro/97)
Os vocábulos assinalados indicam a sinonímia para o nome de Antônio Conselheiro.Por ser um parágrafo rico em mecanismos de coesão, vale a pena mostrar mais alguns deles. Por exemplo, o sujeito de vestia, tinha, calçava, levava, chamava, foi conhecido, fixou é sempre o mesmo, isto é, Antônio Conselheiro, mas só ao final do texto esse sujeito é esclarecido. Dizemos, então, que, neste caso, houve uma referência por elipse.
Chamavam-no e o intitulavam – os pronomes oblíquos no e o retomam a figura de Antônio Conselheiro. Da mesma forma, o pronome a (protegia-a) refere-se ao nome cabeça, e o possessivo sua (sua fama) tem como referente o mesmo Antônio Conselheiro.
e) Depois do ciclo Romário, o Flamengo entra na era Sávio. Pelo menos é essa a intenção do presidente Kleber Leite. O dirigente nega a intenção do clube em fazer de seu atacante uma moeda de troca. “No ano passado me ofereceram US $ 9 milhões e mais o passe do Romário pelo Sávio e eu não fiz negócio”, lembrou. Segundo Kleber, o jogador tem categoria suficiente para se transformar em um ídolo nacional. Por falar em prata da casa,o presidente do Flamengo, apoiado por Zico, vai apostar nos jovens valores do clube para o segundo semestre. Ele acha que, mantendo a base, com Sávio, Júnior Baiano, Athirson, Evandro e Lúcio, o time rubro-negro terá condições de chegar às finais do Campeonato Brasileiro e Supercopa. (Jornal dos Sports, 24/08/97)
As expressões assinaladas em azul se referem à mesma pessoa. Na verdade, temos em dirigente um sinônimo de fato, enquanto as outras substituições podem ser chamadas de elipses parciais, embora todas remetam ao presidente do clube carioca. Existe igualmente sinonímia entre Sávio, atacante e jogador.
f) Penando para tentar reduzir a conta dos direitos e benefícios dos trabalhadores, todo governante europeu hoje em dia baba de inveja dos Estados Unidos – o país do cada um por si e o governo, de preferência, bem longe dessas questões. Pois foi justamente na terra do vale-tudo entre patrão e empregado que 185000 filiados de um sindicato cruzaram os braços neste mês e pararam por quinze dias a UPS, a maior empresa de entregas terrestres do mudo . (Revista VEJA, setembro/97)
Não podemos deixar de apontar que, neste exemplo, os sinônimos escolhidos para Estados Unidos se revestem de um juízo de valor, são denominações de caráter pejorativo.
Antonímia – É a seleção de expresões lingüísticas com traços semânticos opostos.
Exemplos:
a) Gelada no inverno, a praia de Garopaba oferece no verão uma das mais belas paisagens catarinenses. (JB, Caderno Viagem, 25/08/93)
Hiperonímia e Hiponímia – Por hiperonímia temos o caso em que a primeira expressão mantém com a segunda uma relação de todo-parte ou classe-elemento.
Por hiponímia designamos o caso inverso: a primeira expressão mantém com a segunda uma relação de parte-todo ou elemento-classe. Em outras palavras, essas substituições ocorrem quando um termo mais geral – o hiperônimo – é substituído por um termo menos geral – o hipônimo, ou vice-versa. Os exemplo ajudam a entender melhor.
a) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns segundos. (Revista VEJA, no 30, julho/97)
b) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir. (Idem)
c) Dentre as 79 espécies de cetáceos, as jubartes são as únicas que cantam – tanto que são conhecidas também por “baleias cantoras”. (Idem)
d) A renda de bilro é a mais conhecida e criativa forma de artesanato catarinense. (JB, Caderno Viagem, 25/08/93)
e) O litoral norte de Santa Catarina tem um verdadeiro festival de localidades famosas: a praia de Camboriu, a ilha de São Francisco do Sul, a enseada do Brito . (Idem)
f) Dado que, entre os assentados, é expressivo o número de analfabetos, pode-se ter uma idéia de quanto é difícil elaborar um projeto ou usar novas tecnologias. Com pouco dinheiro e escassa assistência, eles costumam usar sementes de qualidade baixa e voltar-se para a produção de consumo familiar. Mesmo entre os instrumentos de trabalho mais corriqueiros, também há escassez brutal, e a maioria dos assentados não dispõe nem mesmo de uma pá ou de uma picareta. Entre eles, ainda que os sem-terra tenham escolhido a foice como um dos seus símbolos de luta pela reforma agrária, o instrumento mais comum ainda é a velha enxada. (Revista VEJA, nº 29, julho/97)
Hiperônimos (termos mais gerais) | Hipônimos (termos mais específicos) |
baleias animais cetáceos artesanato litoral norte instrumentos | jubartes jubartes baleias renda de bilro praia, ilha, enseada pá, picareta, foice, enxada |
Vale a pena apontar também a coesão lexical por sinonímia, entre assentados e sem-terra (exemplo f) e entre jubartes e baleias cantoras (exemplo c). Os pronomes eles ( caso reto ) e se ( caso oblíquo ) são exemplos de coesão gramatical referencial, pois remetem aos assentados .
Coesão – O que é
Leia o texto a seguir completando mentalmente as lacunas
1. O papa João Paulo II disse ontem, dia de seu 77º aniversário, que seu desejo
2. é “ser melhor”. …………….. reuniu-se na igreja romana de Ant’Attanasio com
3. um grupo de crianças, uma das quais disse: “No dia do meu aniversário
4. minha mãe sempre pergunta o queeu quero.E você, o que quer? ……………..
5. respondeu: “Ser melhor”. Outro menino perguntou a ………………… que
6. presente gostaria de ganhar neste dia especial. “A presença das crianças me
7. basta”, respondeu ………………………. . Em seus aniversários, ……………
8. costuma compartilhar um grande bolo, preparado por irmã Germana, sua
9. cozinheira polonesa, com seus maiores amigos, mas não sopra as velinhas,
10. pois este gesto não faz parte das tradições de seu país, a Polônia. Os
11. convidados mais freqüentes a compartilhar nesse dia a mesa com…………….
12. no Vaticano são o cardeal polonês André Marie Deskur e o engenheiro
13. Jerzy Kluger, um amigo judeu polonês de colégio. Com a chegada da
14. primavera, ………….. parece mais disposto. ………….. deve visitar o Brasil na
15. primeira quinzena de outubro.
Agora complete as lacunas com
O aniversariante
O Pontífice
João Paulo II
O Sumo Pontífice
O Santo Padre
O Papa
Como você pode constatar, a palavra “papa” foi substituída várias vezes pelas palavras e expressões acima indicadas. Essas substituições evitam a repetição pura e simples da mesma palavra e propiciam o desenvolvimento contínuo ou o encadeamento semântico do texto, na medida em que se recupera numa frase ou passagem um termo ou idéia presente em outra.
O pronome “seu(s)” (linhas 1 e 7) também recupera semanticamente a expressão “papa João Paulo II”, assim como “este gesto” recupera “sopra as velinhas”; “nesse dia”, o “dia do aniversário do Papa”.
Assim, um texto não é uma unidade constituída por uma soma de sentenças ou por um amontoado caótico de palavras e frases. Os enunciados, os segmentos do texto estão estritamente interligados entre si; há conexão entre as palavras, entre as frases, entre os parágrafos e as diferentes partes. Há encadeamento semântico.
Diz-se, pois, que um texto tem COESÃO quando seus vários elementos estão organicamente articulados entre si, quando há concatenação entre eles.
2. Mecanismos de coesão
A língua possui amplos recursos para realizar a coesão.
Eis os principais:
2.1 Coesão por referência
Exemplo:
João Paulo II esteve em Porto Alegra.
Aqui, ele disse que a Igreja continua a favor do celibato.
Onde “aqui” retoma “Porto Alegre”, e “ele” retoma “João Paulo II”.
Os elementos de referência não podem ser interpretados por si mesmos; remetem a outros itens do texto, necessários a sua interpretação.
São elementos de referência os pronomes pessoais (ele,ela, o, a, lhe, etc.), possessivos (meu, teu, seu, etc.), demonstrativos (este, esse aquele, etc.) e os advérbios de lugar (aqui, ali, etc.).
2.2 Coesão por elipse
Exemplo:
João Paulo II esteve em Porto Alegre. Aqui, disse que a Igreja continua a favor do celibato.
Onde = a João Paulo II, ou seja, o leitor, ao ler, ao ler o segmento B, se depara com o verbo disse e, para interpretar seu sujeito, tem que voltar ao segmento A e descobrir que quem disse foi João Paulo II.
2.3 Coesão lexical
2.3.1 Coesão lexical por sinônimo Exemplo:
João Paulo II esteve em Porto Alegre.
Na capital gaúcha, o papa disse que a Igreja continua a favor ….
Onde “Porto Alegre” = “capital gaúcha” e ‘João Paulo II” = “papa”
A coesão lexical permite àquele que escreve manifestar sua atitude em relação aos termos.
Compare as versões: João Paulo II esteve em Porto Alegre. Aqui, Sua Santidade disse que a Igreja … João Paulo II esteve ontem em Varsóvia. Lá, o inimigo do comunismo afirmou … Rui Barbosa, na sua magistral conferência sobre Oswaldo Cruz, em 1917, nos dá lições acabadas da arte da sinonímia.
Santo Presente
(Zero Hora, 19/05/1997)
Para dizer febre amarela, por exemplo, empregou todas estas expressões sinônimas: vômito negro, a praga amarela, estigma desastroso, contágio brasileiro, o mesmo flagelo, germe amarílico, a tenaz endemia, a prega, a terrível doença, o contágio homicida, calamidade exterminada, a devoradora calamidade, a maligna enfermidade, essa desgraça, a terrível coveira, infecção xantogênica, esse contagio fatal … nada menos que dezessete formas e recursos para evitar a repetição enfadonha.
Referindo-se aos ratos, eis a série por ele excogitada: rataria, rasteira e abjeta família, esses vilíssimos roedores, essa espécie roaz, ralé inumerável, raça insaciável dos murídeos.
Mencionando o fato da morte assim resolve Rui o problema da não repetição de termos: a cólera-mórbus deu morte … a peste negra roubou 25 milhões de indivíduos à Europa … dessa calamidade apenas escaparam um terço dos habitantes … o número dos sepultados excede o dos sobreviventes … de vinte mal se salvam duas pessoas … no Hotel-Dieu expiram quinhentos … para servirem de sepulcrário aos corpos que nos cemitérios já cabem … Paris registra cinqüenta, Londres cem mil óbitos … A Itália perde a metade de sua população … vinte cinco milhões, pelo menos, desaparecem … se diz haver arrebatado ao gênero humano cem milhões de vidas. Onze recursos de sinonímia num trecho de 34 linhas apenas!
(LEITE, Ulhoa Cintra Marques. “Novo Manual de Redação e Estilo”, Rio de Janeiro, 1953)
A substituição de um nome próprio por um nome comum se processa muitas vezes mediante a antonomásia. Trata-se de um recurso que expressa um atributo inconfundível de uma pessoa, de uma divindade, de um povo, de um país ou de uma cidade.
Veja os exemplos.
Castro Alves – O Poeta dos Escravos
Gonçalves Dias – O Cantor dos Índios
José Bonifácio – O Patriarca da Independência
Simon Bolívar – O Libertador
Rui Barbosa – O Águia de Haia
Jesus cristo – O Salvador, o nazareno, o Redentor
Édipo – O Vencedor da Esfinge
Átila – O Flagelo de Deus
Aquiles – O Herói de Tróia
D. Quixote – O Cavaleiro de Triste Figura
Cuba – A Pérola das Antilhas
Veneza – A rainha do Adriático
Jerusalém – O Berço do Cristianismo
Egito – O Berço dos Faraós Ásia – O Berço do Gênero Humano
Leônidas – O Herói das Termópilas Sólon – O Legislador de Atenas
Moisés – O Legislador dos Judeus
Hipócrates – O Pai da Medicina
Heródoto – O Pai da História
José de Alencar – O Autor de Iracema
Raimundo Correa – O Autor de As Pombas
Vênus – A Deusa da Beleza
2.3.2 Coesão lexical por hiperônimoe
Muitas vezes, neste tipo de coesão, utilizamos sinônimos superordenados ou hiperônimos, isto é, palavras que correspondem ao gênero do termo a ser retomado.
Exemplo:
Gênero
Mesa ® móvel
Faca ® talher
Termômetro ® instrumento
Computador ® equipamento
Enceradeira ® eletrodoméstico
Exemplo: Acabamos de receber 30 termômetros clínicos. Os instrumentos deverão ser encaminhados ao Departamento de Pediatria.
2.3.3 Coesão lexical por repetição do mesmo item
Exemplo:
O papa viajou pelo Brasil.
O papa reuniu nas capitais grande multidão de admiradores.
2.4 Coesão por substituição
A coesão por substituição consiste na colocação de um item num lugar de outro segmento.
Exemplo:
O papa ajoelhou-se. As pessoas também.
O papa é a favor do celibato. Mas eu não penso assim.
O papa ajoelhou-se. Todos fizeram o mesmo.
3. Observação de textos
Melhor do que teorizar sobre o assunto, com definições e classificações, é OBSERVAR os textos, conforme convicção exposta no capítulo “Como desenvolver a competência textual”, que embasa a proposta deste “Guia de Produção Textual”. A melhor escola é a leitura inteligente de textos modelares.
3.1 Leia o texto a seguir completando mentalmente as lacunas.
Uma cocheira para dois
David Coimbra – (Zero Hora, 28/3/1996)
Algumas pessoas têm a sensibilidade de um cavalo. São poucas, porém. Nem todas demonstram tanta ternura quanto …………………. que se equilibram sobre quatro ferraduras. E às vésperas de um grande acontecimento do mundo …… , como o GP Bento Gonçalves do próximo domingo, eles se tornam ainda mais dados a melindres, tais são os mimos que lhes dispensam cavalariços, proprietários, jóqueis e treinadores. ……….. são carentes. Nada pior para eles do que a solidão. Precisam de uma companhia. Qualquer uma. Outros ……… , se possível. Não sendo, se contentam com uma ovelha, um galo-de-briga, até um radinho de pilha. Em último caso, serve um espelho para lhes dar a ilusão de que não estão sós no escuro da cocheira. O …….. inglês Dani Angeli, três anos de idade, se afeiçoou especialmente a uma ……………… que vive no Grupo de Cocheiras Clóvis Dutra, na Vila Hípica do Cristal.
Quando ………… não está por perto, ……………. fica inquieto. Não dorme sem ela. Uma noite longe da …………… significa uma noite de insônia, de ranger nostálgico de dentes e patadas nervosas na forragem que lhe serve como leito. Ao raiar da manhã, o cavalariço o encontra irreconhecível, estressado, incapaz de enfrentar um dia de trabalho …………… e a ovelhinha dormem juntos, passeiam diariamente lado a lado e até quando ele viaja para disputar alguma prova fora do Estado ela precisa ir junto. Sem ……………….. Dani Angeli não é ninguém.
3.2 Agora observe os mecanismos de coeão.
3.2.1 – Coesão lexical por sinônimos
Complete as lacunas com:
a companheira encaracolada
a amiga lanuda
ovelhinha que substituem a palavra “ovelha”.
Complete as lacunas com:
puro sangue
esses espíritos suscetíveis
eqüino que substituem a palavra “cavalo(s)”.
3.2.2 – Coesão lexical por repetição do mesmo item
Complete as lacunas com:
cavalos
cavalos
Dani Angeli
Que efeito estilístico decorre da substituição de “ovelha” por “ovelhinha”, “a companheira encaracolada” e “a amiga lanuda”? Em outras palavras, que atitude o autor do texto expressa mediante tais substituições?
3.2.3 – Coesão lexical por referência
Circule os pronomes que se referem a “ovelha”.
Sublinhe os pronomes que se referem a “cavalo”.
3.2.4 – Coesão por elipse
Identifique os elipses em:
Precisam de uma companhia
… se contentam com uma ovelha …
… não estão sós no escuro da cocheira
Não dormem sem ela
… passeiam diariamente lado a lado
3.3 Complete mentalmente as lacunas do texto a seguir
Duas trajetórias nada edificantes
Augusto Nunes – (Zero Hora, 11/04/1996)
Não são poucas as semelhanças entre Alphonse Capone e Frnando Collor de Mello – a começar pelo prenome inspirado no mesmo antropônimo originário do Latim. ………… nasceram em famílias de imigrantes …….. teve ascendência italiana, o …………… descende de alemães, … sempre apreciaram charutos, noitadas alegres, uísque, verões em Miami, ternos bem cortados, companhias suspeitas e largos espaços na imprensa.
…………… quanto ……………….. chegaram ao poder muito jovens. E dele acabaram apeados por excesso de confiança: certos de que as asas da impunidade estariam eternamente abertas sobre seus crimes, não trataram com o devido zelo da remoção de todas as pistas.
Mais de 60 anos depois da prisão de Al Capone, Fernando Collor acaba de tropeçar na mesma armadilha que destruiria a carreira e a fortuna do …………. .
Dono de um prontuário escurecido por assassinatos, seqüestros, roubos e outras violências, ……. foi trancafiado num catre pela prática de um delito bisonho para um ……………… do seu calibre: sonegação de impostos. Dono de uma folha corrida pontilhada de proezas nada edificantes, …………… enredou-se nesta semana na malha fina da Receita Federal. Depois de ter driblado acusações bem mais pesadas, ……………. irá para a cadeia se não pagar R$ 8 milhões de impostos atrasados. Caso consiga o dinheiro, seguirá em liberdade. Mas terá fornecido outra evidência de que saiu do Palácio do Planalto muito mais rico do que era quando ali chegou.
3.4 Agora, complete as lacunas com
o primeiro
o segundo
ambos
um e outro
Tanto o rei do crime em Chicago
o ex-presidente
Capone
Collor
legendário Scarface
gânster
3.5 Observe, finalmente, o terceiro texto completando as lacunas com
Ribamar
O autor de “Marimbondos de Fogo”
ex-presidente da República
as beldades
Coesão de um Texto – Característica
De que consiste a Coesão de um Texto?
A coesão resulta da relação harmoniosa entre os pensamentos e as idéias apresentadas em um texto sobre um determinado assunto, ou seja, refere-se à seqüência ordenada das opiniões ou fatos expostos; está ligada à inteligibilidade do texto em uma situação de comunicação.
Para que o comentário crítico se realize como um texto predominantemente argumentativo, ele deverá apresentar uma estrutura específica, em que exista uma relação entre argumentos e uma dada conclusão.
O exemplo que segue expõe tal característica:
O Brasil é um país que necessita bastante de pessoas honestas no poder, para que possa emergir como uma das grandes potências mundiais. Se forem resolvidos os problemas de ordem político-social, as camadas mais pobres terão condições de usufruir tudo que essa nação tem para lhes oferecer.
É necessária, também, a presença de determinados tipos de frases, como os mais adequados para a argumentação, tais como asserção ou a interrogação.
Identificamos isso no exemplo que segue. Vale destacar que nunca é usado o imperativo.
Por vários anos, manteve-se o silêncio em relação à pedofilia no meio sacerdotal, tudo isso era reprimido simbolicamente, com transferência para outra paróquia, tratamento psicológico ou pagamento de indenização às vítimas. Tal negligência pode ter causado certo estímulo ao agravamento do problema. Entre os direitos, um nos considerados mais importantes é o do voto. O escândalo dos padres pedófilos fez tremer as bases do sistema em voga na Igreja Católica. O que pode ter acontecido?
Apontamos, ainda, que o gênero comentário crítico deverá ser escrito no dialeto padrão (língua culta), atendendo às regras socialmente estabelecidas para o uso da língua materna. Sendo assim, vale destacar que, dentre as competências necessárias à produção desse gênero, é imprescindível ao aluno-produtor desenvolver sua competência lingüística.
A coesão é decorrente de relações de sentido que se operam entre elementos do texto. Às vezes, a interpretação de um termo depende da interpretação de outro ao qual se faz referência, ou seja, a significação de uma palavra vai pressupor a de outra.
Por exemplo, se nos deparássemos com a seguinte frase: Lá era possível adquiri-las a um preço relativamente baixo.
Certamente, perguntaríamos: lá onde?
Adquirir o quê? O sentido dessas palavras pressupõe a existência de outras às quais devem estar se referindo. Entretanto, se a frase fosse Naquela feira, havia muitas blusas vindas diretamente de Nova Iorque. Lá era possível adquiri-las a um preço relativamente baixo, com certeza não encontraríamos nenhum problema para a compreensão das idéias. O sentido do advérbio lá e da forma pronominal las fica claro, pois eles guardam íntima relação com outros termos da frase (lá: naquela feira; -las: as blusas). Assim, podemos dizer que essas palavras funcionam, na frase acima, como elementos de coesão.
Vários fatores podem acarretar a falta de coesão textual, como as regências incorretas, concordância incorreta, ambigüidades, frases inacabadas, emprego incorreto de pronomes e muitas outras situações.
Exemplos
Ela é uma pessoa onde sempre procurou fazer o melhor para os outros. (que)
Fazem cinco anos que estamos casados, mas não se damos bem. (Faz; nos)
Houveram muitos problemas naquele jogo e eles precisavam o apoio do público. (houve; do)
Marcos encontrou uma obra na biblioteca que estava mal conservada. (A frase é ambígua: quem estava mal conservada? A obra ou a biblioteca?)
Para tornar uma frase coesa, bastaria escrevê-la assim: Marcos encontrou uma obra que estava mal conservada na biblioteca.
Para perceber a ausência de coesão num texto que produzimos, a melhor atitude é lê-lo atentamente, sempre procurando estabelecer as relações entre as palavras que forma as orações, as orações que formam os períodos e, finalmente, entre os vários períodos ou partes que formam o texto.
Coesão e Coerência
Uma das propriedades que distingue um texto de um amontoado de palavras ou frases é o relacionamento existente entre si.
De que trata, então, a coesão textual?
Da ligação, da relação, da conexão entre as palavras de um texto, através de elementos formais, que assinalam o vínculo entre os seus componentes.
Uma das modalidades de coesão é a remissão. E a coesão pode desempenhar a função de (re)ativação do referente. A reativação do referente no texto é realizada por meio da referenciação anafórica ou catafórica, formando-se cadeias coesivas mais ou menos longas.
A remissão anafórica (para trás) realiza-se por meio de pronomes pessoais de 3ª pessoa (retos e oblíquos) e os demais pronomes; também por numerais, advérbios e artigos.
Exemplo
André e Pedro são fanáticos torcedores de futebol. Apesar disso, são diferentes. Este não briga com quem torce para outro time; aquele o faz.
Explicação
O termo isso retoma o predicado são fanáticos torcedores de futebol; este recupera a palavra Pedro; aquele , o termo André; o faz, o predicado briga com quem torce para o outro time são anafóricos.
A remissão catafórica (para a frente) realiza-se preferencialmente através de pronomes demonstrativos ou indefinidos neutros, ou de nomes genéricos, mas também por meio das demais espécies de pronomes, de advérbios e de numerais.
Exemplo
Qualquer que tivesse sido seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele, o professor, gordo e silencioso, de ombros contraídos.
Explicação
O pronome possessivo seu e o pronome pessoal reto ele antecipam a expressão o professor são catafóricos.
De que trata a coerência textual ? Da relação que se estabelece entre as diversas partes do texto, criando uma unidade de sentido. Está, portanto, ligada ao entendimento, à possibilidade de interpretação daquilo que se ouve ou lê.
Coerência e Coesão Textuais
Conceitos nucleares da linguística textual, que dizem respeito a dois fatores de garantia e preservação da textualidade. Coerência é a ligação em conjunto dos elementos formativos de um texto; a coesão é a associação consistente desses elementos. Estas duas definições literais não contemplam todas as possibilidades de significação destas duas operações essencias na construção de um texto e nem sequer dão conta dos problemas que se levantam na contaminação entre ambas. As definições apresentadas constituem apenas princípios básicos de reconhecimento das duas operações (note-se que o fato de designarmos a coerência e a coesão como operações pode ser inclusive refutável). A distinção entre estas duas operações ou fatores de textualidade está ainda em discussão quer na teoria do texto quer na linguística textual.
Entre os autores que apenas se referem a um dos aspectos, sem qualquer distinção, estão Halliday e Hasan, que, em Cohesion in English (1976), defendem ser a coesão entre as frases o fator determinante de um texto enquanto tal; é a coesão que permite chegar à textura (aquilo que permite distinguir um texto de um não-texto); a coesão obtém-se em grande parte a partir da gramática e também a partir do léxico.
Por outro lado, autores como Beaugrande e Dressler apresentam um ponto de vista que partilhamos: coerência e coesão são níveis distintos de análise.
A coesão diz respeito ao modo como ligamos os elementos textuais numa sequência; a coerência não é apenas uma marca textual, mas diz respeito aos conceitos e às relações semânticas que permitem a união dos elementos textuais.
A coerência de um texto é facilmente deduzida por um falante de uma língua, quando não encontra sentido lógico entre as proposições de um enunciado oral ou escrito. É a competência linguística, tomada em sentido lato, que permite a esse falante reconhecer de imediato a coerência de um discurso.
A competência linguística combina-se com a competência textual para possibilitar certas operações simples ou complexas da escrita literária ou não literária: um resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um tema dado, um comentário a um texto literário, etc.
Coerência e coesão são fenômenos distintos porque podem ocorrer numa sequência coesiva de fatos isolados que, combinados entre si, não têm condições para formar um texto. A coesão não é uma condição necessária e suficiente para constituir um texto.
No exemplo:
(1)
A Joana não estuda nesta Escola.
Ela não sabe qual é a Escola mais antiga da cidade.
Esta Escola tem um jardim.
A Escola não tem laboratório de línguas.
o termo lexical “Escola” é comum a todas as frases e o nome “Joana” está pronominalizado, contudo, tal não é suficiente para formar um texto, uma vez que não possuímos as relações de sentido que unificam a sequência, apesar da coesão individual das frases encadeadas (mas divorciadas semanticamente).
Pode ocorrer um texto sem coesão interna, mas a sua textualidade não deixa de se manifestar ao nível da coerência.
Seja o seguinte exemplo:
(2)
O Paulo estuda Inglês.
A Elisa vai todas as tardes trabalhar no Instituto.
A Sandra teve 16 valores no teste de Matemática.
Todos os meus filhos são estudiosos.
Este exemplo mostra-nos que não é necessário retomar elementos de enunciados anteriores para conseguir coerência textual entre as frases. Além disso, a coerência não está apenas na sucessão linear dos enunciados mas numa ordenação hierárquica. Em (2), o último enunciado reduz os anteriores a um denominador comum e recupera a unidade.
A coerência não é independente do contexto no qual o texto está inscrito, isto é, não podemos ignorar fatores como o autor, o leitor, o espaço, a história, o tempo, etc.
O exemplo seguinte:
(3) O velho abutre alisa as suas penas.
é um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen que só pode ser compreendido uma vez contextualizado (pertence ao conjunto “As Grades”, in Livro Sexto, 1962): o “velho abutre” é uma metáfora subtil para designar o ditador fascista Salazar. Não é o conhecimento da língua que nos permite saber isto mas o conhecimento da cultura portuguesa.
A coesão textual pode conseguir-se mediante quatro procedimentos gramaticais elementares, sem querermos avançar aqui com um modelo universal mas apenas definir operações fundamentais:
i. Substituição: quando uma palavra ou expressão substitui outras anteriores:
(4) O Rui foi ao cinema. Ele não gostou do filme.
ii. Reiteração: quando se repetem formas no texto:
(5) – «E um beijo?! E um beijo do seu filhinho?!» – Quando dará beijos o meu menino?!
(Fialho de Almeida)
A reiteração pode ser lexical (“E um beijo”) ou semântica (“filhinho”/”menino”).
iii. Conjunção : quando uma palavra, expressão ou oração se relaciona com outras antecedentes por meio de conectores gramaticais:
(6) O cão da Teresa desapareceu. A partir daí , não mais se sentiu segura.
(7) A partir do momento em que o seu cão desapareceu, a Teresa não mais se sentiu segura.
iv. Concordância: quando se obtém uma sequência gramaticalmente lógica, em que todos os elementos concordam entre si (tempos e modos verbais correlacionados; regências verbais correctas, gênero gramatical corretamente atribuído, coordenação e subordinação entre orações):
(8) Cheguei, vi e venci.
(9) Primeiro vou lavar os dentes e depois vou para a cama.
(10) Espero que o teste corra bem.
(11) Esperava que o teste tivesse corrido bem.
(12) Estava muito cansado, porque trabalhei até tarde.
De notar que os vários modelos teóricos sobre coesão textual prevêem uma rede mais complexa de procedimentos, muitos deles coincidentes e redundantes: Halliday e Hasan (1976), propõem cinco procedimentos: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e o léxico; Marcushi (1983) propõe quatro fatores: repetidores, substituidores, sequenciadores e moduladores; Fávero (1995) propõe três tipos: referencial, recorrencial e sequencial.
A coerência de um texto depende da continuidade de sentidos entre os elementos descritos e inscritos no texto. A fronteira entre um texto coerente e um texto incoerente depende em exclusivo da competência textual do leitor/alocutário para decidir sobre essa continuidade fundamental que deve presidir à construção de um enunciado. A coerência e a incoerência revelam-se não direta e superficialmente no texto mas indiretamente por ação da leitura/audição desse texto. As condições em que esta leitura/audição ocorre e o contexto de que depende o enunciado determinam também o nível de coerência reconhecido.
O estudo dialéctico da literariedade – literário versus não literário – é acompanhado pelos mesmos problemas da definição da coerência e da coesão de um texto. Seja dado o seguinte exemplo:
(13) ! Experimenta falar pela minha boca, assoar-te pelo meu nariz…
Este texto poderá ser considerado literário? Em caso afirmativo, como definir a sua literariedade? Poderemos dizer que é coerente? Poderemos dizer que é coeso? Se o texto estiver assinado por um autor reconhecido por uma comunidade interpretativa como escritor (o que significa invariavelmente: criador de textos literários ), tal circunstância pode afetar o nosso juízo sobre a literariedade, a coerência e a coesão deste texto? Tal questão é equivalente a estoutra: Até que ponto a identificação autoral de um texto pode influenciar a determinação ou reconhecimento da sua literariedade, da sua coerência ou da sua coesão?
A primeira reação de um leitor comum é a de não reconhecer qualquer elemento específico que permita concluir tratar-se de um texto literário, mesmo que seja possível reconhecer nele coesão (o enunciado está construído linearmente e respeita todas as regras gramaticais de conexão). O que nos faz duvidar da literariedade (e da textualidade) deste “texto” é a sua aparente falta de sentido na relação entre o sinal gráfico de exclamação, centralizado como um título, e o enunciado subjetivo. De certeza, muitos resistirão inclusive à aceitação de tal texto como um texto e dirão tratar-se de uma “aberração linguística”, um “capricho semântico”, uma “construção acidental de palavras e sinais”, ou qualquer outra coisa semelhante. Um leitor mais exigente poderá argumentar que tal construção é de fato um texto literário, cuja literariedade e textualidade estão associadas combinação intencional entre um signo gráfico e signos linguísticos, com o objetivo de produzir uma relação significativa simbólica – existirá, portanto, uma certa coerência. A explicitação de tal relação significativa variará naturalmente de leitor para leitor, conforme a sensibilidade literária de cada um. Neste segundo caso, em que se procura uma significação literária para uma construção aparentemente não literária, dificilmente poderíamos defender a pretensa literariedade e a textualidade com argumentos lógicos para todos os leitores, o que nos leva a concluir que o que faz a literariedade e a textualidade de um texto é em primeiro lugar o reconhecimento geral dessa propriedade por toda uma comunidade interpretativa. A coerência do texto, ou seja, a negação de poder ser considerado um absurdo, segue o mesmo critério de aceitação. Contudo, mesmo esta regra, que parece satisfatória, está sujeita a excepções incômodas. Seja o exemplo, entre muitos outros, do poema “Ode marítima” de Álvaro de Campos. Quando foi publicado pela primeira vez no Orpheu 2 (1915), produziu escândalo na comunidade interpretativa da época, não sendo reconhecido como texto literário mas como pura “pornografia”, “alienação”, “literatura de manicômio” e outros epítetos do gênero – todos apontando a falta de coerência do texto e não certamente a sua falta de coesão. Todas as obras artísticas de vanguarda respeitam de alguma forma a exigência de provocação, que quase invariavelmente redunda em anátema. Isto significa que o princípio de aceitação universal da literariedade, da textualidade e da coerência de um texto está sujeito também a um certo livre-arbítrio. Todas as declarações de guerra à sintaxe tradicional que as literaturas de vanguarda costumam fazer são, logicamente, guerras à coesão gramatical dos textos literários de vanguarda. Contudo, não deixam de ser literários por essa falta de coesão, uma vez que a sua literariedade e a sua textualidade se conquista ao nível da coerência.
Poderá a revelação da identidade autoral do texto (13) em particular levar a uma outra conclusão? Se eu tivesse apresentado o texto como um poema do autor surrealista Alexandre O’Neill, que pertence série “Divertimento com sinais ortográficos”, in Abandono Vigiado (1960), alguém duvidaria por um momento que se tratava não só de um texto coerente como de um texto literário? O que nos pode dizer o título “Divertimento com sinais ortográficos”? O fato de o autor intitular a sua criação como “Divertimento” inspira-nos uma nova pista para o reconhecimento da literariedade e da coerência textual: um texto será literário se contiver sinais, sugestões ou elementos que revelem o gozo (no sentido da lacaniana jouissance ) que o seu autor experimentou ao criá-lo. A criação de um texto literário é a mais erótica de todas as criações textuais. A coerência de certos textos-limite só pode ser avaliada por este lado. Mas será que um texto não literário não pode arrastar consigo sinais de gozo de quem o criou? Roland Barthes admitiu em “Theory of the Text” (artigo inicialmente publicado em Encyclopaedia Universalis , 1973), que qualquer texto “textual” conduz pela sua essência criativa à jouissance do autor, seja literário ou não, isto é, conduz necessariamente não só a um prazer de escrita como a própria escrita ou texto produzido é uma espécie de clímax sexual – um têxtase . Se reduzíssemos este princípio de textualidade e decidíssemos que qualquer tentativa de levar o erotismo criativo da escrita para além de certos limites significa entrar de imediato no limiar do literário (=textualmente coerente), então teremos encontrado um critério de definição da literariedade e da textualidade. Do texto que seja resultado de um têxtase , diremos ser literário; mas também que é possível medir macrotextualmente o seu nível de coerência a partir dessa descoberta.
O princípio do têxtase textual está naturalmente sujeito ao livre-arbítrio do leitor, como o está a detecção do grau de coerência textual. Ora, a teoria literária distingue-se das ciências exatas precisamente porque é intrinsicamente inexata, dispensando o enunciado de leis universais de resolução de problemas. Em teoria literária, não é possível dizer: “Tenho a solução para este problema.” Todas as soluções definitivas são absolutamente discutíveis, portanto, não há soluções definitivas, tal como não há leitores peritos. Todo o texto literário, enquanto cemitério de sentidos mortos-vivos, é uma ameaça constante para o leitor que se julgue perito nesse texto. Não há equações que permitam concluir com exatidão a coerência textual. Não esquecer ainda que qualquer texto pode resistir à tentativa de controlar a sua organização interna, isto é, pode resistir a qualquer delimitação do seu nível de coerência. Nisto se distingue da coesão, que possui um grau de resistência menor. A coerência está mais sujeita à interpretação do que a coesão. Se não é possível determinar uma taxonomia textual, porque não é possível sistematizar processos de resolução hermenêutica, já é possível determinar regras gramaticais de coesão e sistematizar processos de construção textual.
Para além da linguística textual, podemos discutir os conceitos de coesão e sobretudo o de coerência no âmbito da textualidade puramente literária, por exemplo, na construção de uma narrativa. Tradicionalmente, todas as formas naturais (para distinguir das formas subversivas de vanguarda) de literatura ambicionam a produção de textos coesos e coerentes, por exemplo, no caso do romance, com personagens integradas linearmente numa narrativa, com uma intriga de progressão gradual controlada por uma determinada lógica, com ações interligadas numa sintaxe contínua, com intervenções do narrador em momentos decisivos, etc. Por outro lado, nunca ficará claro que todas as formas de anti-literatura possam ser desprovidas de coesão e de coerência. As experiências textuais que tendam a contrariar as convenções de escrita e/ou até mesmo as regras da gramática tradicional também podem distinguir-se por uma forte coesão ou coerência dos seus elementos. Sejam os dois textos:
(14)
A fome alastrava. A estação fria acossava os homens, os coelhos do mato, os morcegos, e fechava-os nas tocas. As árvores ficavam nuas, as grandes chuvas voltavam.
(Carlos de Oliveira, Casa na Duna )
(15)
dezembro 9 soaram de fora os passos pesados da dona descendo um bater depois hesitante na porta a voz dela hesitante: então o senhor não vai votar? Não não vou talvez logo à tarde estou ainda deitado. no quarto de janelas fechadas com riscos de luz das frestas na parede a lâmpada apagada desde a véspera amávamos possessos de amor um do outro.
(Almeida Faria, Rumor Branco)
Nenhum leitor terá dificuldade em reconhecer a coesão textual de (14), com os seus elementos léxico-gramaticais devidamente postos numa sequência lógica, e a coerência das ideias comunicadas num contínuo narrativo convencional. Numa primeira leitura, o texto (15) oferece resistência a ser considerado um texto, a ser considerado um texto coeso, a ser considerado um texto coerente. Este texto é uma forma de anti-literatura, cuja coesão e coerência dependem em exclusivo da capacidade de abstração do leitor para poder ser entendido. Se começámos por dizer que um falante necessita de possuir uma competência textual e uma competência linguística para reconhecer a coerência e a coesão de um enunciado escrito ou oral, também é legítimo exigir uma competência literária e cultural ao leitor que quiser interpretar um texto anti-literário ( não literário) ou de textualidade literária não convencional.
Não é de desprezar o conceito de coerência dentro da filosofia, nomeadamente no âmbito das especulações sobre a verdade, que ocuparam pensadores como Espinoza, Leibniz, Hegel , Bradley, Neurath ou Hempel, cada um defendendo abordagens diferentes entre si, mas todos estudando o critério da verdade a partir do conceito de coerência. Bohdan Chwedenczuk (1996: p.335) resume assim as principais proposições que os teóricos da coerência discutem: 1) a coerência é o critério da verdade; 2) a coerência é uma propriedade essencial do mundo; 3) a verdade só pode ser definida em termos de coerência. Ora, se não há filosofia sem a coerência de juízos, também não há teoria nem crítica literária, ou qualquer ciência que pretenda alcançar alguma forma de conhecimento. Em termos de textualidade convencional, um texto necessita da mesma coerência de juízos para formar sentido e poder constituir-se como texto legível. Esta coerência pode ser aceite como critério geral de textualidade como é aceite na avaliação filosófica da veracidade dos juízos. O teórico da literatura só não precisa de concordar (ou de provar) que o mundo seja igualmente coerente – tarefa das crenças ontológicas na coerência. Ao contrário da matemática, por exemplo, a literatura não é uma rede de verdades que consideramos verdadeiras porque é possível provar objetivamente que são coerentes com outras verdades – em literatura, uma verdade não implica necessariamente outra verdade, tal só deve ser possível e lógico ao nível da textualidade pura, que exclui certos problemas epistemológicos como a indeterminação ou a indecidibilidade, verdadeiros inimigos da coerência, não da literatura. Por tudo isto, a coerência como critério de textualidade só faz sentido se buscarmos uma determinada ordem sistemática num texto, em oposição à desordem que proporciona a ilegibilidade, cuja aceitação dependerá sempre da posição crítica do leitor.
Fonte: www.graudez.com.br/aplicweb.feevale.br/acd.ufrj.br
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