Redondilhas de Luís Vaz de Camões
Glosas
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ao moto que lhe enviou Dona
Francisca de Aragão para que Iho glosasse:
Mas porém a que cuidados ?
1ª.
Tanto maiores tormentos
foram sempre os que sofri,
daquilo que cabe em mi,
que não sei que pensamentos
são os para que nasci.
Quando vejo este meu peito
a perigos arriscados
inclinado, bem suspeito
que a cuidados sou sujeito;
Mas porém a que cuidados ?
2ª.
Que vindes em mim buscar,
cuidados, que sou cativo,
e não tenho que vos dar?
Se vindes a me matar,
já há muito que não vivo;
se vindes, porque me dais
tormentos desesperados,
eu, que sempre sofri mais,
não digo que não venhais;
Mas porém a quê, cuidados?
3ª.
Se as penas que Amor me deu
vêm por tão suaves meios,
não há que temer receios,
que val um cuidado meu
por mil descansos alheios.
Ter nuns olhos tão fermosos
os sentidos enlevados,
bem sei que em baixos estados
são cuidados perigosos;
Mas porém, ah! que cuidados!
Carta
que Luís de Camões mandou
a Dona Francisca de Aragão,
com as glosas acima:
Senhora
Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m., crendo me
seria assi mais seguro: mas agora que é servida de me
tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe
que üa vida trabalhosa é menos de agradecer que üa
morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo
me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, não
me fica mais que desejar, que poder acertar com este
moto de v. m., ao qual dei três entendimentos, segundo as
palavras dele puderam sofrer: se forem bons, é o moto de
v. m.; se maus, são as glosas minhas
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
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