Redondilhas de Luís Vaz de Camões
Trovas a üas suspeitas
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Suspeitas, que me quereis?
Que eu vos quero dar lugar,
que, de certas, me mateis,
se a causa de que nasceis
vos quisesse confessar.
Que de não lhe achar desculpa
a grande mágoa passada
me tem a alma tão cansada
que, se me confessa a culpa, tê-la-ei por desculpada.
Ora vede que perigos
têm cercado o coração,
que, no meio da opressão,
a seus próprios inimigos
vai pedir a defensão!
Que, suspeitas, eu bem sei,
como se claro vos visse,
que é certo o que já cuidei;
que nunca mal suspeitei
que certo me não saísse.
Mas queria esta certeza
daquela que me atormenta;
por que em tamanha estreiteza
ver que disso se contenta
é descanso da tristeza.
Porque se esta só verdade
me confessa, limpa e nua
de cautela e falsidade,
não pode a minha vontade
desconformar-se da sua.
Por segredo namorado
é certo estar conhecido
que o mal de ser enjeitado
mais atormenta sabido,
mil vezes, que suspeitado.
Mas eu só, em quem se ordena
novo modo de querela,
de medo da dor pequena,
venho achar na maior pena
o refrigério para ela.
Já nas iras me inflamei,
nas vinganças, nos furores
que já, doudo, imaginei;
e já mais doudo o jurei
de arrancar d’alma os amores.
Já determinei mudar-me
pra outra parte com ira;
depois vim a concertar-me que
era bom certificar-me
no que mostrava a mentira.
Mas depois já de cansadas
as fúrias do imaginar,
vinha enfim a arrebentar
em lágrimas magoadas
e bem para magoar.
E deixando-se vencer
os meus fingidos enganos,
de tão claros desenganos
não posso menos fazer
que contentar-me cos danos.
E pedir que me tirassem
este mal de suspeitar
que me vejo atormentar,
ainda que me confessassem
quanto me pode matar.
Olhai bem se me trazeis,
Senhora, posto no fim;
pois neste estado a que vim,
para que vós confesseis
se dão os tratos a mim.
Mas para que tudo possa
Amor, que tudo encaminha,
tal justiça lhe convinha;
porque da culpa que é vossa
venha a ser a morte minha.
Justiça tão mal olhada,
olhai com que-cor se doura,
que quer, no fim da jornada,
que vós sejais confessada
para que eu seja o que moura!
Pois confessai-vos já’ gora,
inda que tenho temor
que nem nest’ última hora
me há-de perdoar Amor
vossos pecados, Senhora.
E assi vou desesperado,
porque estes são os costumes
de amor que é mal empregado,
do qual vou já condenado
ao inferno, de ciúmes!
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
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