Redondilhas de Luís Vaz de Camões
Trovas
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que Luís de Camões fez, na Índia,
a certos fidalgos a quem convidara para cear
A primeira iguaria foi posta
a Casco de Ataíde. entre dous pratos,
e diria assim:
Se não quereis padecer
üa ou duas horas tristes,
sabeis que haveis de fazer?
Volveros por do venistes,
que aqui não há que comer.
E posto que aqui leiais
trovinha que vos enleia,
corrido não estejais;
porque por mais que corrais
não heis-de alcançar a ceia.
A segunda, a D. Franeisco d’Almeida:
Heliogábalo zombava
das pessoas convidadas,
e de sorte as enganava
que as iguarias que dava
vinham nos pratos pintadas.
Não temais tal travessura,
pois já não pode ser nova;
que a ceia está mui segura
de vos não vir em pintura,
mas há-de vir toda em trova.
A terecira, a Heitor da Silveira:
Ceia não a papareis;
contudo, porque não minta,
para beber achareis,
não Caparica, mas tinta,
e mil cousas que papeis.
E vós torceis o focinho,
com esta anfibologia?
Pois sabei que a Poesia
vos dá aqui tinta por vinho,
e papéis por iguaria.
A quarta foi posta a João Lopes Leitão,
a quem o Autor mandou um moto,
que vai adiante, sobre uma peça
de cacha, que este mandas ü a da Dama:
Porque os que vos convidaram
vosso estâmago não danem,
por justa causa ordenaram,
se trovas vos enganaram,
que trovas vos desenganem.
Vós tereis isto por tacha,
converter tudo em trovar;
pois se me virdes zombar,
não cuideis, Senhor, que é cacha,
que aqui não há cachar.
Finge que, responde João Lopes Leitão:
Pesar ora não de São!
Eu juro pelo Céu bento
se de comer me não dão,
que eu não sou camaleão
que me hei-de manter do vento.
Finge que responde o Autor:
Senhor, não vos agasteis,
porque Deus vos proverá;
e se mais saber quereis,
nas costas deste lereis
as iguarias que há.
Vira o papel, que dizia assi:
Tendes nem migalha assada,
cousa ne~nua de molho,
e nada feito em empada,
e vento de tigelada,
picar no dente em remalho.
De fumo tendes tassalhos,
aves da pena que sente
quem de fome anda doente;
bocejar de vinho e de alhos,
manjar em branco excelente.
A quinta e derradeira iguaria foi posta
a Francisco de Melo e dizia:
De um homem que teve o ceptro
da veia maravilhosa,
não foi cousa duvidosa
que se lhe tornava em metro
o que ia a dizer em prosa.
De mim vos quero apostar
que faça cousas mais novas
de quanto podeis cuidar:
esta ceia, que é manjar,
vos faça na boca em trovas
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
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