Poesias – Alphonsus de Guimarães

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A Catedral

Entre brumas, ao longe, surge a aurora.
O hialino orvalho aos poucos se evapora
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Aparece, na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino geme em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

Árias e Canções

A suave castelã das horas mortas

Assoma à torre do castelo. As portas,

Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,

Brilham do luar à Luz celeste e clara.

Como em órbitas de fatais caveiras

Olhos que fossem de defuntas freiras,

Os astros morrem pelo céu pressago…

São como círios a tombar num lago.

E o céu, diante de mim, todo escurece…

E eu nem sei de cor uma só prece!

Pobre Alma, que me queres, que me queres?

São assim todas, todas as mulheres.

Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça

Numa almofada de cetim bordada em lírios.

Ei-la morta afinal como quem adormeça

Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa

Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:

Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa

Da Idade Média, morta em sagrados delírios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano

Vão enchendo de luto as paredes vazias,

E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,

Alveja, embalsamando as brancas agonias

Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…

Cisnes Brancos

Cisnes brancos, cisnes brancos,

Porque viestes, se era tão tarde?

O sol não beija mais os flancos

Da montanha onde morre a tarde.

O cisnes brancos, dolorida

Minh’alma sente dores novas.

Cheguei à terra prometida:

É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,

Cisnes brancos! Sede felizes…

Deixai-me só com as minhas chagas,

E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,

De risada que esfria os ossos…

Minh’alma, cheia de caveiras,

Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,

Venham as tentações daninhas,

Que eu lhes porei, bem sob as asas,

A alma cheia de ladainhas.

O cisnes brancos, cisnes brancos,

Doce afago de alva plumagem!

Minh’alma morre aos solavancos

E poeiras de astros nas sandálias trazes…

Hão de chorar por ela os cinamomos,

Murchando as flores ao tombar do dia.

Dos laranjais hão de cair os pomos,

Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: – “Ai! nada somos,

Pois ela se morreu, silente e fria… ”

E pondo os olhos nela como pomos,

Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,

Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la

Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos…

E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar…

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,

Banhou-se toda em luar…

Queria subir ao céu,

Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,

Na torre pôs-se a cantar…

Estava perto do céu,

Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu

As asas para voar…

Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par…

Sua alma subiu ao céu,

Seu corpo desceu ao mar…

Nesta medonha carruagem…

Quando chegaste, os violoncelos

Que andam no ar cantaram hinos.

Estrelaram-se todos os castelos,

E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo.

Tanto sonhadas! Ainda, ainda

Hoje os meus pobres versos perfumo

Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas

Nos violoncelos e nas harpas…

E anjos disseram : – Não mais acordas,

Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto

Dobres eternos na minha ermida.

E os pobres versos ainda hoje enluto

Com os beijos santos da despedida.

O Cinamomo Floresce…

O cinamomo floresce
Em frente do teu postigo
Cada flor murcha que desce
Morre de sonhar contigo.

E as folhas verdes que vejo
Caídas por sobre o solo,
Chamadas pelo teu beijo
Vão procurar o teu colo.

Ai! Senhora, se eu pudesse
Ser o cinamomo antigo
Que em flores roxas floresce
Em frente do teu postigo:

Verias talvez, ai! Como
São tristes em noite calma
As flores do cinamomo
De que está cheia a minh’alma!

Ossa Mea

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,

De tons marfíneos, de ossatura rica,

Pairando no ar, num gesto brando e leve,

Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve

Alguém que ante os altares sacrifica:

Mãos que consagram, mãos que partem breve,

Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,

Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,

Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,

Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,

Cerrando os olhos das visões defuntas…

Os Sonetos

Vagueiam suavemente os teus olhares

Pelo amplo céu franjado em linho:

Comprazem-te as visões crepusculares…

Tu és uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares

Repoisas, anjo errante, de mansinho?

E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,

Que vês no azul o teu caixão de pinho.

És a essência de tudo quanto desce

Do solar das celestes maravilhas…

Harpa dos crentes, cítola da prece…

Lua eterna que não tivesse fases,

Cintilas branca, imaculada brilhas,

Pensando em mim: – “Por que não vieram juntos?”

Como se moço e não bem velho eu fosse

Uma nova ilusão veio animar-me.

Na minh’alma floriu um novo carme,

O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.

E o meu olhar, outrora suave e doce,

Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se

Todo em raios que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha,

Tentando unir ao peito a luz dos círios

Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto:

Do céu tombei aos caos dos meus martírios,

Pulcra ut Luna

Celeste… É assim, divina, que te chamas.

Belo nome tu tens, Dona Celeste…

Que outro terias entre humanas damas,

Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste… E como tu és do céu não amas:

Forma imortal que o espírito reveste

De luz, não temes sol, não temes chamas,

Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,

Andas em tudo: o sol no poente vasto

Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,

Pede-te o luar indefinido e casto

Da tua palidez de hóstia sagrada.

Rosas

Rosas que já vos fostes, desfolhadas
Por mãos também que Já foram, rosas
Suaves e tristes! Rosas que as amadas,
Mortas também, beijaram suspirosas…

Umas rubras e vãs, outras fanadas,
Mas cheias do calor das amorosas…
Sois aroma de almofadas silenciosas,
Onde dormiram tranças destrançadas.

Umas brancas, da cor das pobres freiras,
Outras cheias de viço de frescura,
Rosas primeiras, rosas derradeiras!

Ai! Quem melhor que vós, se a dor perdura,
Para coroar-me, rosas passageiras,
O sonho que se esvai na desventura ?

Sem saber para que subi tão alto…

Cantem outros a clara cor virente

Do bosque em flor e a luz do dia eterno…

Envoltos nos clarões fulvos do oriente,

Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente

É um manto de carinho suave e terno:

Cantam a vida, e nenhum deles sente

Que decantando vai o próprio inferno.

Cantam esta mansão, onde entre prantos

Cada um espera o sepulcral punhado

De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nós é a bússola sem norte.

Sempre o presente pior do que o passado.

Cantem outros a vida: eu canto a morte.

Terceira Dor

P. Sião que dorme ao luar.

Vozes diletas Modulam salmos de visões contritas…

E a sombra sacrossanta dos Profetas

Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas,

Onde velam, nas noites infinitas,

Mil guerreiros sombrios como ascetas,

Erguem ao Céu as cúpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas

Aromatizam com os ungüentos brancos

dos nigromantes de mortais aromas…

Jerusalém, em meio às Doze Portas,

Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos

Evoca ruínas de cidades mortas.

Vagueiam Suavemente Os Teus Olhares…

Vaguei suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu todo franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares…
Tu és a ave que perdeu o ninho.

Em nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho ?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.

És a essência de tudo o quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cítola da prece.

Lua eterna que não tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes…

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