O Saldo

Lima Barreto

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No meado da semana passada, os povos destes brasis foram surpreendidos com a notícia de golpes de morte desfechados em duas tradições veneráveis: uma, da nação, e a ou­tra, da cidade.

Refiro-me ao anúncio de que para o ano que vem, o orçamento havia de fechar-se com saldo avultado e do aviso do observatório do Castelo de que o venerável “balão do meio dia” ia ser suprimido e substituído por lâmpadas elé­tricas de tal força que a sua luz seria capaz de bater a do Sol a pino e brilhar mais do que a do astro-rei.

O balão, segundo dizem, tem oitenta anos de existência; o déficit,porém, é mais velho.

Não sei se ele vem do tempo do Brasil colônia; mas é de crer que sim, porquanto os reis de Portugal, mesmo nos tempos da maior prosperidade do velho reino, sempre andaram em aperturas, imaginando expedientes para arranjar dinheiro.

Às vezes, atiravam-se à bolsa dos judeus; às vezes a concessões de estancos e monopólios. Saldo, porém, não havia.

Isto, porém, não posso eu afirmar com segurança, porquanto, apesar de ser as minhas luzes no assunto muito poucas, creio mesmo que, por aquelas priscas eras, os soberanos não se davam ao trabalho de ter escrita de suas finanças ou coisa que o valha.

O princípio dos seus orçamentos devia ser o daquele pândego que dizia ser a receita determinada pela despesa e não esta por aquela.

Com o império, salvo em três ou quatro exercícios, se não estou em erro, o déficit foi constante.

A monarquia é o déficit,dizia alguém na Câmara.

Se era assim no império, que se dirá na república?

1920 vai marcar uma nova era nas finanças da república, pois, graças ao senhor Antônio Carlos, vamos ter saldo orçamentário.

O que me admira é que, tendo sido este ilustre senhor ministro da Fazenda, não se lembrasse ele de conseguir coisa tão portentosa, quando tinha a faca e o queijo nas mãos.

Sua excelência podia ter dado um bom exemplo de ministro republicano se tal fizesse; mas não quis e esperou ser relator do orçamento, para realizar com um estupendo e fa­moso jogo de cifras tão maravilhosa obra que está provocando para a sua importante pessoa uma grande admiração de todas as camadas da sociedade.

Os algarismos têm o seu mistério. Pitágoras e Augusto Comte tinham alguns por sagrados; e o povo tem singular ojeriza pelo treze que reputa nefasto, por trazer azar.

Os do senhor Antônio Carlos devem também possuir o seu transcendentalismo esotérico; e eu, que não sou dado à cabala e outras ciências ocultas, estou impossibilitado e mesmo não quero decifrar o enigma que encerram.

Careta, Rio, 20-12-1919

 

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