Lima Barreto
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Quando saio de casa e vou à esquina da Estrada Real de Santa Cruz, esperar o bonde, vejo bem a miséria que vai por este Rio de Janeiro.
Moro há mais de 10 anos naquelas paragens e não sei por que os humildes e os pobres têm-me na conta de pessoa importante, poderosa, capaz de arranjar empregos e solver dificuldades.
Pergunta-me um se deve assentar praça na Brigada, ois há oito meses não trabalha no seu ofício de carpinteiro; pergunta-me outro se deve votar no Sr. Fulano; e, às vezes mesmo, consultam-me sobre casos embaraçosos. Houve um matador de porcos que pediu a minha opinião sobre este caso curioso: se devia aceitar dez mil-réis para matar o cevado do capitão M., o que lhe dava trabalho por três dias, com a salga e o fabrico de lingüiças; ou se devia comprar o canastra por cinqüenta mil-réis e revendê-lo aos quilos pela redondeza. Eu, que nunca fui versado em coisas de matadouro, olhei os Órgãos ainda fumarentos nestas manhãs de cerração e pensei que o meu destino era ser vigário de uma pequena freguesia.
Ultimamente, na esquina, veio ao meu encontro um homem com quem conversei alguns minutos. Ele me contou a sua desdita com todo o vagar de popular.
Era operário não sei de que ofício; ficara sem emprego, mas, como tinha um pequeno sítio lá para as bandas do Timbó e algumas economias, não se atrapalhou em começo. As economias foram-se, mas ficou-lhe o sítio, com as suas laranjeiras, com as suas tangerineiras, as suas bananeiras, árvore de futuro com a qual o Sr. Cincinato Braga, depois de salvar o café, vai salvar o Brasil. Notem bem: depois.
Este ano foi particularmente abundante em laranjas e o nosso homem teve a feliz idéia de vendê-las. Vendo, porém, que os compradores na porta não lhe davam o preço devido, tratou de valorizar o produto, mas sem empréstimo a 30%.
Comprou um cesto, encheu-o de laranjas e saiu a gritar:
— Vai laranja boa! Uma a vintém!
Foi feliz e pelo caminho apurou uns dois mil-réis. Quando, porém, chegou a Todos os Santos, saiu-lhe ao encontro a lei, na pessoa de um guarda municipal:
— Que dê a licença?
— Que licença?
— Já sei, intimou o guarda. Você é “moambeiro”. Vamos para a Agência.
Tomaram-lhe o cesto, as laranjas, o dinheiro e, a muito custo, deixaram-no com a roupa do corpo.
Eis aí como se protege a pomicultura.
Careta, 7-8-1915
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