Maldita Parentela

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CENA I – Damião Teixeira e Raimunda

Damião (Entrando por uma das portas da esquerda, a Raimunda, que entra
pela direita) Onde está Marianinha? (Com alegria) As salas regorgitam
de gente e neste momento acaba de entrar a família do Comendador Pestana.

Raimunda Marianinha está no toalete com as filhas do Conselheiro Neves.

Damião Que reunião luzida! São apenas nove horas e já
tenho em casa dois desembargadores, três deputados, um conselheiro,
um tenente-coronel…

Raimunda O pior é que chove a cântaros.

Damião Tanto melhor. Haverá à porta maior número
de carros e o nosso baile, durante uma semana pelo menos, será o assunto
das conversações na vizinhança.

Raimunda Você só pensa nos seus comendadores e barões
e não se lembra do mano Basílio e das meninas da Prainha. Sabe
Deus como elas virão por aí, coitadinhas, metidas num bonde,
todas enlameadas e correndo o risco de uma constipação.

Damião Se é por esse motivo que a chuva a incomoda, então
fique sabendo desde já que eu não duvidaria dar às almas
o dobro do que gastei esta noite para ver desabar sobre a cidade um tremendo
temporal, dez vezes maior que o de dez de outubro.

Raimunda Se a minha família o envergonha, porque casou comigo?

Damião Ora, Raimunda, falemos com franqueza, a tua parentela é
um escândalo!

Raimunda Em que é que os seus parentes são melhores que os
meus?

Damião Aqui para nós, que ninguém nos ouça. Tu
achas que teu mano Basílio…

Raimunda Teu mano, não; seu cunhado.

Damião Vá lá; tu achas que meu cunhado Basílio
e aquelas duas filhas; uma muito desengonçada e a dar gargalhadas a
todo o momento e a outra de cara sempre amarrada a responder às amabilidades
que lhe dizem com desaforos e muxoxos de crioula, estão no caso de
entrar em um salão de gente que se trata?

Raimunda Quem te viu e quem te vê!

Damião Desde que me entendo, encontro-as em toda parte com uns célebres
vestidos brancos, tão cheios de fofinhos, pregas e canudos que parecem
estar vestidas de tripas. E o tal Senhor CassianoVilasboas? Não se
me dá de apostar que ele vem por aí de casaca e calça
branca.

Raimunda Pois olhe, o primo Vilasboas foi sempre um janota.

Damião Um janota da Ponta do Caju, que me tem quebrado, com os seus
estouvamentos, quanta louça tenho em casa.

Raimunda Não é tanto assim.

Damião Eu daria parabéns a mim próprio, senhora, se
a sua parentela tivesse a feliz lembrança de não pôr cá
os pés. Sabe que este baile é dado especialmente ao Senhor Joaquim
Guimarães, que é um homem às direitas, com quem desejo
casar Marianinha. Já vê, que é preciso que nos meus salões
se encontre a nata da sociedade fluminense.

Raimunda Não compreendo porque queres a nata da sociedade em tua casa
quando pretendes casar tua filha com um lorpa, um sujeito sem educação,
que vai fazer a sua infelicidade.

Damião Pois um homem que traz para o casal aquilo com que se compram
os melões faz porventura a infelicidade de alguém?! Pelo amor
de Deus, senhora, não diga disparates.

Raimunda Se reservavas esta sorte para a pobre menina, seria melhor que não
a tivesses mandado educar com todo o esmero em um colégio francês.

Damião Pois saiba que é atendendo mesmo a essa educação
que desejo casá-la com o tal lorpa, como a senhora o chama. Marianinha
está acostumada ao luxo, à vida da alta sociedade e um marido
dinheiroso é para ela hoje tão necessário como o ar que
respira.

Raimunda Um marido que há de envergonhá-la em toda a parte.

Damião Não há de ser tanto assim. Concordo que a princípio
ele cometa suas inconveniências e que dê mesmo algumas patadas
bravias; mas depois há de ir se acostumando pouco a pouco à
atmosfera dos salões e acabará finalmente por falar a linguagem
do bom-tom e não dar um passo sem atender ao formulário da etiqueta.

Raimunda Veremos.

Damião Ora, minha amiga, tu queres medir todos pela bitola de tua
família, que nasceu na Prainha, na Prainha foi educada e há
de morrer na Prainha.

Raimunda Está bom, a minha família não está em
discussão.

Damião Eu já sei o que a senhora quer. Vem com pés de
lã advogar a causa do tal doutorzinho que me anda a namorar a pequena…

Raimunda Pois fique sabendo que Marianinha já me disse que, a não
dar a mão ao Senhor Doutor Aurélio, não se casava com
mais ninguém. E eu acho que ela faz muito bem.

Damião O quê?! Pensa porventura a Senhora Raimunda que eu vou
casar minha filha com um valdevinos sem fortuna e sem família?…

Raimunda Mas…

Damião Sim, sem família. Dou um doce ao tal sujeitinho se ele
for capaz de dizer quem seja seus pais.

CENA II – Os Mesmos e Três Convidados

Damião (A duas damas e a um velho que entram pelo fundo) Ó
Senhor Visconde, pensei que não viesse. (Aperta a mão do Visconde)
Raimunda, leva as capas das senhoras para o toalete. (Raimunda beija as duas
moças, tira-lhes as capas e entra pela esquerda voltando logo. As moças
sentam-se) Pode dispor desta casa como se fosse sua.

Raimunda (Para as moças) A Senhora Viscondessa por que não
veio?

Damião (Para o velho) É verdade, por que não trouxe
a Excelentíssima Senhora?

CENA III – Os Mesmos e mais Três Convidados

Damião (A um moço que entra com duas damas pelo fundo) Ó
Excelentíssimo! Raimunda, o Senhor Doutor Chefe de Polícia.
Minha mulher. (Raimunda cumprimenta o moço, beija as três moças,
tira-lhes as capas e leva-as para o toalete, depois do quê, volta para
a cena. As moças sentam-se)

CENA IV – Raimunda, Damião

Os Convidados, Basílio, Laurindinha, Cocota, Três Meninos,
de 7 a 10 anos e Uma Menina de 8 anos

Raimunda Como está, mano Basílio? (Laurindinha, Cocota e os
meninos tomam a bênção a Raimunda)

Damião (À parte) Jesus! Veio a família em peso!

Laurindinha (Rindo-se às gargalhadas) Estamos todas enlameadas! (Apertando
a mão de todos que estão na sala, um por um) Como tem passado?
(A outra) Eu estou boa, muito obrigada. (A outro) Boa noite. (A outro) Tem
passado bem? (A outro) Como vai?

Damião (À parte) Que vergonha, meu Deus! Entram em um baile
apertando a mão de todos, sem uma apresentação sequer!

Laurindinha (A outra) Viva!

Damião (Baixo a Raimunda) Senhora, pelo amor de Deus, toque estas
sirigaitas daqui para fora. (O major Basílio, os três meninos,
a menina e Cocota seguem também um atrás do outro apertando
a mão de todos, que ocultam o riso com o lenço na boca)

Raimunda (Baixo a Damião) De que é que esta súcia se
ri?

Damião (Baixo) A senhora ainda o pergunta?! Olhe para aqueles vestidinhos,
cheios de fitas de todas as cores. Parece-me estar vendo o mastro do Castelo
em dia de chegada de voluntários.

Basílio (Abraçando o Chefe de Polícia) Oh! Há
quanto tempo não o vejo.

Damião (À parte) O que é aquilo, o que é aquilo?!

Basílio Não é o Senhor Tomé da rua do Alcântara,
a quem tenho a honra de falar?

Damião (Pondo-se de permeio) Venha tirar par para uma quadrilha, Excelentíssimo.

Basílio Desculpe-me, estou sofrendo tanto da vista.

Laurindinha (Rindo-se) Ah! Ah! Ah! Titia, não imagina o reboliço
que houve lá em casa por causa deste baile.

Damião (Com riso forçado) Nós imaginamos, nós
imaginamos.

Laurindinha Ah! Ah! Ah! Eu e Cocota queríamos fazer uns vestidos novos
para pôr poeira hoje aqui em tudo. O diabo do italiano que costuma levar
fazendas lá na Prainha flauteou-nos e não tivemos remédio
senão lançar mão destes vestidos que fizemos para a chegada
do Conde D’Eu. Toca a mudar fitas. Ah! Ah! Ah! Papai estava furioso.
Já não posso com tanta despesa, disse ele. Ah! Ah! Ah! Saímos
de casa todas engomadas, principiava a fuzilar. Quando chegamos ao Largo da
Imperatriz, desabou uma pancada d’água…Ah!Ah! Ah! Os bondes
passavam…papai, sciu, sciu, sciu, pára! Qual! Iam todos atopetados.
Ah! Ah! Ah!

Damião (Interrompendo) Vamos tirar pares, vamos tirar pares.

Laurindinha A mana está danada.

Cocota (Zangada) Me deixe.

Laurindinha Ah! Ah! Ah! Está com os sapatos todos encharcados, e a
meia caiu-lhe pela perna abaixo.
Cocota (Zangada) Não é de sua conta; cuide de sua vida que não
faz tão pouco.

Laurindinha Eu lá tenho a culpa que você viesse com os sapatos
rotos?

Cocota Vá plantar batatas.

Damião (À parte) Que vergonha! (Alto) Vamos tirar pares, vamos
tirar pares.

Cocota Se você me exaspera muito, olhe que eu faço uma das minhas,
hein?

Basílio (Para Cocota e Laurindinha) Vocês não trouxeram
aquela música a quatro mãos?

Cocota Eu não, não tinha eu mais que fazer.

Basílio Mas por que não trouxeste a música?

Cocota Porque não quis, está aí.

CENA V – Os Mesmos e Vilasboas

Vilasboas (Entra pelo fundo, traja casaca e calça branca; traz um
cachê-nez ao pescoço, a bainha da calça dobrada, sapatos
de borracha e um chapéu de chuva sobraçado com a ponta para
o ar) Afinal, sempre cheguei.

Laurindinha (Batendo palmas) Iu…ó primo Vilasboas. Que pagode. Ah!
Ah! Ah! (Vilasboas cumprimenta a todos com a ponta do guarda-chuva voltada
para o ar)

Damião (À parte) Mais outro.

Basílio (A Vilasboas que o cumprimenta) Olhe que você fura-me
um olho.

Vilasboas Estou molhado como um pinto. (Recuando para apertar a mão
de Raimunda dá com o cabo do chapéu em um aparador e atira uma
jarra ao chão)

Damião (À parte) Começa o diabo a quebrar-me tudo.

Vilasboas (Para Raimunda) Não se incomode, eu pago. Com licença.
(Abre o chapéu de chuva e coloca-o no chão)

Damião O que é isto, senhor?

Vilasboas É para enxugar. (Damião fecha o chapéu e coloca-o
a um canto. Vilasboas senta-se no sofá, tira os sapatos de borracha
e atira-os para baixo, desenrola o cachê-nez e desdobra a bainha da
calça)

Damião (Baixo a Raimunda) Estou com a cara mais larga que um tacho.
(Alto) Vamos tirar pares, vamos tirar pares.

CENA VI Vilasboas

Os Convidados, Os Meninos, Laurindinha, Cocota, Basílio, Damião,
Raimunda, Hermenegilda e Miranda

Raimunda Entre, prima Hermenegilda.

Hermenegilda (Cumprimentando a todos) Pensei que não nos apropinquássemos
mais às avenidas deste palácio, todo por dentro e por fora iluminado,
como diz Alexandre Herculano no Otelo.

Damião (Á parte) Faltava mais este casal para coroar a obra.

Vilasboas (Para Laurindinha) A mana Hermenegilda fala que se pode ouvir.

Hermenegilda Deixamos a poética Praia do Caju envolvida nos vapores
fosforescentes do cair das sombras que abandonavam a terra.

Damião (Á parte) Quanta asneira, meu Deus!

Hermenegilda A lua ocultava o perfil entre nuvens negras como diz o cantor
do Jocelyn.

Damião (Interrompendo) Mas vamos tirar pares, vamos tirar pares.

Miranda (Para o Chefe de Polícia) Se não me engano, é
o Senhor Doutor Chefe de Polícia da Corte? Há de permitir-me
que apresente minha filha a Sua Excelentíssima. (Apresentando Hermenegilda)
O Senhor Doutor Chefe de Polícia. Minha filha, Dona Hermenegilda Taquaruçu
de Miranda.

Hermenegilda Creio que é inútil esta apresentação,
porquanto já tive o prazer de enlaçar o meu braço no
de Vossa Excelência no voluptuoso baile do Fragoso.

Vilasboas É verdade, como esteve voluptuoso aquele baile! Havia gente
como terra. (A orquestra toca dentro uma quadrilha)

Damião A orquestra dá o sinal para a segunda quadrilha. Não
há tempo a perder, meus senhores.

Miranda (Para o Chefe de Polícia) Se Vossa Excelência não
tem par, tomo a liberdade de oferecer-lhe minha filha. (O Chefe de Polícia
dá o braço a Hermenegilda)

Hermenegilda Eu amo a dança, como o saltitante colibri, pulando de
várzea em várzea ora aqui, ora ali, ama as pétalas de
flores, onde a borboleta vai colher o delicioso mel. (Saem ambos)

Laurindinha (Para Vilasboas) Primo, você dança comigo; nós
cá quando nos ajuntemos, pintemos. Ah! Ah! Ah! (Sai de braço
com Vilasboas)

Basílio (Para a menina) Eu vou ver um par para ti, Isabelinha. (Dirigindo-se
a um dos convidados) Se ainda não tem dama peço-lhe que dance
com esta menina. (A menina sai de braço com o convidado) Vocês
(Para as meninas) vejam lá como se portam, vão para a sala,
fiquem bem sossegadinhas num canto e sobretudo não me metam a mão
nas bandejas. (Saem as meninas, os outros convidados tiram pares e saem também)

Damião (Para Cocota) Você não vai dançar, menina?

Cocota Estou muito bem sentada.

Damião Se veio cá para fazer papel de jarra, seria melhor ter
ficado em casa.

Cocota Jarra será ele, veja lá se está falando com seus
negros. Se pensa que faço muito empenho em vir aos seus bailes, fique
sabendo que vim cá somente para fazer a vontade a papai. Depois que
apanhou umas patacas ficou tão cheio de impostúrias e de sobêrbias
que parece que tem o rei na barriga. Eu não faço caso de dinheiro.

Basílio Menina, respeite seu tio, que é mais velho; vá
dançar.

Cocota Não vou, não vou e não vou. (Sai para a toalete
levando consigo uma moça)

Basílio (Dando o braço a duas damas e saindo) É muito
bem criada, mas quando teima, ninguém pode com ela.

CENA VII – Damião e Miranda

Miranda Na realidade, invejo a posição em que te achas.

Damião (Com ar pretensioso) Ora, meu amigo, mudemos de conversa.

Miranda Infelizmente não posso fazer outro tanto, apesar de ter um
elemento com quem podia figurar mais do que tu.

Damião Qual é?

Miranda Uma filha inteligente e interessante.

Damião Não te compreendo.

Miranda Desconheces porventura a importância da mulher na sociedade?
Não sabes que de um momento para outro ela pode arremessar-nos ao abismo
com a mesma facilidade com que eleva-nos às mais altas posições?
Hermenegilda tem todos os dotes para fazer-me subir e, no entanto, ainda nada
consegui até hoje.

Damião Ora Miranda…

Miranda Ela, por sua parte, coitada, faz todo o possível. Não
a viste, há pouco, com o Chefe de Polícia? Um homem solteiro,
em boa posição…um corte de marido, às direitas. Parece-me
que o caiporismo vem de mim.

CENA VIII – Os Mesmos e Joaquim Guimarães

Guimarães (Entrando pelo fundo) Há um quarto de hora que ando
pelas salas a sua procura. Irra!…Estou suando como um burro.

Damião Ó Senhor Guimarães, a sua ausência já
me era muito sensível!

Miranda (Baixo a Damião) Este homem não é aquele sujeito
muito apatacado de que me falaste uma vez ?

Guimarães Não pude vir mais cedo. Mandei ver umas botas para
o seu bródio, encomendo ao diabo do caixeiro que me procurasse quarenta
e oito, três, que é o número que calço, e o ladrão
traz-me estas botinas. Estou com os pés intransitáveis.

Miranda (Baixo a Damião) Apresenta-me a este homem.

Guimarães Decididamente não me sei haver com isto. Quem me
tira de um bom chinelo-de-tapete, tira-me de tudo.

Damião Já esteve na sala da frente?

Guimarães Acabo de sair de lá.

Damião Que tal?

Guimarães O mulherio é magnífico!

Miranda (À parte) É preciso que ele dance com Hermenegilda.

Guimarães Mas quer que lhe fale com franqueza? Eu não gosto
de bailes de cerimônia. Se algum dia der reuniões em minha casa,
não hei de fazer convites. Encontrando algum conhecido na rua, chamo-o
e digo-lhe: Vem cá, fulano, vai tomar hoje uma xícara de água
suja lá em casa; podes ir assim mesmo que lá não vai
ninguém de bem. Não me entendo com negócios cá
de casaca e gravata ao pescoço, está a gente fora de seus hábitos.

Miranda O senhor é como eu.

Guimarães Quem é o senhor?

Miranda Chamo-me Desidério José de Miranda, moro na Ponta do
Caju e sou pai de uma menina que é um anjo.

Guimarães Onde está ela?

Damião (Interrompendo com vivacidade) Vamos para a outra sala; minha
filha espera-o com ansiedade…

Miranda Venha, eu vou apresentá-la.

Damião Oh! Aí vem Marianinha.

CENA IX – Marianinha, Aurélio, Damião, Miranda
e Guimarães

Guimarães (A Marianinha) Ora muito boas noites, minha senhora. Então,
como vai a Sé velha? (Apertando-lhe a mão)

Damião (A Aurélio) Desejava falar-lhe, Senhor Doutor.

Aurélio (À parte) Compreendo.

Miranda (À parte) O patife quer me empatar as vasas.

Damião (Saindo com Aurélio) Vamos também, Miranda, quero
comunicar-te um negócio de muita importância. (Saem os três.
Aurélio lança, ao sair, um olhar furtivo para Marianinha)

CENA X – Marianinha e Guimarães

Guimarães (À parte) Que diabo lhe hei de eu dizer? (Alto) O
dia de hoje tem me corrido muito bem, minha senhora.

Marianinha Deveras?

Guimarães É verdade.

Marianinha Então, pelo quê?

Guimarães Vendi de manhã no meu armazém três barricas
de paios avariados e tenho agora o prazer de estar ao seu lado.

Marianinha Que amabilidade!

Guimarães Ah! eu não sou homem de etiquetas, digo o que sinto.
Fiz um bom negócio e desabafo com a menina, que é uma pessoa
a quem amo com todas aquelas. Também se não gostasse da senhora,
dizia-lhe logo nas ventas; eu para isso sou bom.

Marianinha O senhor gosta de franqueza?

Guimarães É a alma do negócio

Marianinha (Com ironia) O Senhor Guimarães é um espírito
altamente poético; o negócio jamais lhe sai da cabeça,
mesmo ao lado da mulher a quem ama.

Guimarães Se eu não pensar no negócio ao pé da
senhora, quando é que hei de pensar então? Além disso
o casamento é um verdadeiro negócio.

Marianinha Ah?!

Guimarães Sim, senhora; é uma sociedade sujeita a perdas e
lucros e que tem por capital o amor. Quando o capital se esgota, dissolve-se
a firma social, e cada um trata de procurar o seu rumo.

Marianinha Pois já que o senhor gosta de franqueza, há de permitir-me
que lhe diga que a nossa firma social é impossível.

Guimarães Impossível?! Por quê?

Marianinha Já dei o meu capital a outra sociedade.

Guimarães Já deu o seu capital?! Não é isto o
que seu pai tem me dito!

Marianinha Mas é o que lhe digo agora.

Guimarães Ora, a menina está caçoando. E se o Senhor
Damião a obrigar?

Marianinha Casar-me-ei com o senhor, mas o meu coração nunca
lhe pertencerá. (Aurélio aparece ao fundo. Marianinha vai retirar-se)

Guimarães Venha cá.

Marianinha (Para Aurélio) Dê-me o seu braço, Senhor Aurélio.
(Sai com Aurélio)

Guimarães (Pensando) Nada. (Pausa) Não me serve.

CENA XI – Guimarães, Miranda e Hermenegilda

Miranda (Apresentando Hermenegilda) Aqui está o anjo de que lhe falei.
(Baixo a Hermenegilda) Trata-o com toda a amabilidade e vê se o seguras;
olha…(Faz sinal de dinheiro) Eu a entrego, Senhor Guimarães.

Guimarães Minha senhora…

Hermenegilda Eu já o conhecia tradicionalmente.

Guimarães (À parte) Isto é aguardente de outra pipa.

Hermenegilda O seu ar nobre, as suas maneiras distintas, cativaram-me o peito
em arroubos divinais.

Guimarães Ora, minha senhora, quem sou eu? Um pobre diabo carregado
de esteiras velhas…

Hermenegilda Mas que tem um coração magnânimo e generoso,
como um poeta. Não gosta de versos?

Guimarães Hum…Assim, assim.

Hermenegilda Certamente ama mais a música?

Guimarães Já fiz parte da Sociedade Recreio da Harmonia, estive
aprendendo a tocar clarineta, mas tenho uma péssima embocadura. Nunca
cheguei a sair incorporado à banda.

Hermenegilda A música é a minha paixão predilética.
Naquelas notas místicas, como diz Eugene Sue nos Ciúmes do Bardo,
a alma esvai-se e perfumes ignotos. Conhece Meyerbeer?

Guimarães Muito. Não conheço eu outro.

Hermenegilda Que alma!

Guimarães É verdade, mas deu com os burros n’água.

Hermenegilda Com os burros n’água?!

Guimarães Sim, senhora. Pois o Meyerbeer não é aquele
mocinho estrangeiro que tinha uma loja de drogas na rua Direita? Quebrou e
está hoje sem nada.

Hermenegilda Não, eu falo de Meyerbeer, o cantor da Africana, de Julieta
e Romeu, e da Traviata.

Guimarães Com esse nunca tive relações. (À parte)
Decididamente, isto é gênero de primeira qualidade.

Hermenegilda Não gosta de dança?

Guimarães Lá isto sim, é o meu fraco; morro por dançar,
como macaco por banana.

Hermenegilda Já tem par para a primeira polca?

Guimarães Não, senhora.

Hermenegilda Poderei eu merecer a honra de voltigear com o senhor nesses
mundos aéreos, até onde não ousa subir a acanhada concepção
dos espíritos tacanhos e positivos?

Guimarães O que é que a senhora quer? Eu não compreendi
bem.

Hermenegilda Quer dançar esta polca comigo?

Guimarães Essa é boa, pois não. (À parte) Esta
mulher está me provocando, e eu ataco-lhe já uma declaração
nas bochechas.

CENA XII – Guimarães, Vilasboas, Hermenegilda e Laurindinha

Laurindinha (Rindo-se às gargalhadas) Ah! Ah! Ah! Você já
viu, primo, que súcia de feiosas, todas caiadas e a fazerem umas cortesias
muito fora de propósito! (Arremedando)

Vilasboas E que lingüinhas! Uma delas que dançou perto de mim,
estava falando do seu balão.

Laurindinha O que é que ela podia dizer do meu balão?

Vilasboas Eu lá sei; disse que você estava estufada, como uma
pipoca.

Laurindinha Ah! Ah! Ah! E elas são umas escorridas; parecem uns chapéus
de sol fechados!

CENA XIII – Os Mesmos e Cocota

Cocota (Entrando pelo fundo zangada) Vamos ver a capa, eu vou-me embora.

Laurindinha O que foi?

Cocota Estou furiosa! Vamos embora.

Vilasboas (Para Laurindinha) Não caia nessa, prima. Já que
veio cá, espere pela mamata, que não há de tardar.

Laurindinha Mas o que foi que te aconteceu?

Cocota Um diabo de um mono assim que encontrei na sala tirou-me para uma
quadrilha e entendeu que devia tomar-me para seu palito. Depois de me ter
dito uma porção de asneiras, perguntou-me se eu não era
da Cascadura, e acabou por pedir-me o molde do meu penteado.

Laurindinha Ah! Ah! Ah! E tu encavacaste com isto?

Cocota Ora, falem com franqueza, vocês acham alguma coisa neste penteado?
Pois o mono saiu às gargalhadas dizendo aos companheiros: Olhem o chique
com que está aquela flor espetada no cabelo; parece uma lanterna de
tílburi! Eu, que não aturo desaforos, mandei-o plantar abóboras
e dei-lhe as costas.

Guimarães A menina fez muito bem. Uma ocasião, no baile das
Nove Musas, estive às duas por três por lascar uma bolacha numa
sujeita que me dirigiu uma graçola pesada. (Para Vilasboas) O senhor
quer ouvir o que ela me disse? Olhe, escute (Diz-lhe um segredo ao ouvido)

Vilasboas Safa!

CENA XIV

Raimunda, Cocota, Laurindinha, Vilasboas, Guimarães, Hermenegilda,
Dois criados, um com uma bandeja de doces e outro com a do chá, uma
negra, com um pão-de-ló em uma salva, os meninos e a menina,
Basílio e depois Damião

(Os três meninos pulam para alcançar as bandejas que devem
ser levantadas pelos criados)

Raimunda (Para Laurindinha) Já tens par para todas as quadrilhas?
(Cocota e Laurindinha sentam-se no sofá)

Basílio (Com uma xícara de chá, seguindo atrás
das bandejas) Deixa ver isto. (Os criados, atropelados pelas crianças,
levantam as bandejas, sem atenderem a Basílio. Guimarães tira
uma xícara que oferece a Hermenegilda, Vilasboas tira outra que vai
oferecer a Cocota no momento em que as meninas esbarram-se com ele, obrigando-o
a despejar a xícara em cima do vestido de Cocota)

Cocota Ah! Estou com a pele da barriga toda assada! Que diabo de desastrado!

Laurindinha Ah! Ah! Ah!

Vilasboas Não foi por querer, prima.

Damião (Entrando pelo fundo e deparando com a negra que traz o pão-de-ló,
baixo, zangado, a Raimunda) A senhora mande esta negra para dentro. Pois eu
alugo para o serviço criados do Carceler e a senhora quer me envergonhar?!
(Para a negra, baixo) Passa para dentro, tição. (À parte)
Põem-me a cabeça tonta! (Olha para os lados como quem procura
alguma coisa e sai pelos fundos. A negra sai)

Vilasboas Não haverá por aí pão com manteiga?

Guimarães O senhor é dos meus, para chá, pão
com manteiga. Não entendo cá essas histórias de biscoitinhos
e doces. (Laurindinha e Basílio enchem os lenços de doces)

Raimunda (Tirando doces da bandeja, para Basílio) Leve este para Chiquinha.
(Para Laurindinha) Dê este docinho à filha do Barnabé
do Tesouro; diga-lhe que não me esqueci dela.

Vilasboas (Para o criado) Deixa-me ver outra xícara. (Tira a xícara,
para Guimarães) Não vai a outra?

Guimarães Reservo-me para logo mais.

Vilasboas Faz bem; é preciso deixar algum lugar para o sólido,
mas, por causa das dúvidas, vou sempre me prevenindo. (A orquestra
toca dentro sinal para uma polca, os criados saem seguidos pelos meninos e
a menina)

Guimarães (Para Hermenegilda) Esta é a nossa. (Saem. Entram
dois convidados e tomam o braço de Cocota e Laurindinha, saindo todos
pelo fundo)

Raimunda Dão sinal para uma polca, primo Vilasboas.

Vilasboas E eu que não tenho par. Ora, hei de encontrar alguma desgarrada.
(Sai juntamente com Raimunda e Basílio)

CENA XV – Aurélio e Marianinha

Marianinha Por que está tão triste hoje?

Aurélio A tristeza tem-me sido companheira fiel desde o berço
e há de guiar-me talvez até o túmulo. (A orquestra dentro
toca a polca) No horizonte negro que se estendia diante dos meus olhos vi
luzir uma estrela de bonança. Quando seus raios principiaram aquecer-me,
o astro empalideceu e disse ao coração do pobre órfão:
– Louco, que ousaste sonhar a felicidade, volta ao martírio e segue
teu destino.

Marianinha O teu destino é o meu; expele de teu rosto as nuvens sombrias
da tristeza e pensa nesse amor que será a nossa ventura.

Aurélio Esse amor é impossível, Marianinha. Sem nome,
sem família e sem fortuna, vejo-me repelido por teu pai e a consciência
diz-me, nas horas em que a esperança vem acalentar-me, que devo fugir
quanto antes desta casa.

Marianinha Mas minha mãe te adora, Aurélio.

Aurélio O coração de uma mãe é sempre
generoso!

Marianinha Eu te juro que serei tua.

Aurélio Não jures; entre a opulência que te espera, embora
amargurada, e a pobreza feliz, teu pai escolherá aquela e os teus votos
serão impotentes diante de tão funesta ambição.

Marianinha Tu não me conheces.

Aurélio Conheço-te. És um anjo! Se a sorte te ligar
a esse homem não te criminarei por isso. Curvar-me-ei submisso ante
o meu destino e seguirei meu caminho.

CENA XVI – Os Mesmos e Damião

Damião (Entrando às pressas pelos fundos, baixo a Marianinha)
Lá está a deslambida da Hermenegilda a dançar com o Guimarães
e tu aqui. Anda, vem para a sala. Com licença, Senhor Aurélio.
(Sai com Marianinha)

CENA XVII – Vilasboas e a Menina, Aurélio e depois
Hermenegilda e Guimarães

Vilasboas (Para a menina) Afinal sempre achei um par! Vamos dançar
aqui, Isabelinha, que está mais folgado. (Dançam, e Aurélio
senta-se pensativo) Faça o passo largo, levante mais o braço,
não envergue tanto o pescoço; bravo! Assim.

Guimarães (Com Hermenegilda) Aqui não há tanto aperto.
(Dança a varsoviana ao passo que Hermenegilda dança a polca)

Hermenegilda Nós laboramos em engano. O que é que o senhor
está dançando?

Guimarães Pois não é assim?

Hermenegilda A orquestra executa uma polca e o senhor está dançando
a varsoviana!

Guimarães Pois isto que estão tocando não é a
valsa-viana? Minha senhora, eu aprendi com o Guedes e sei onde tenho o nariz.
Vamos lá, havemos de acertar. (Dançam outra vez desencontrados;
Vilasboas esbarra-se com Guimarães e atira-o ao chão)

Vilasboas (Continuando a dançar muito entusiasmado) Desculpe-me; quando
encontro um bom par, perco a cabeça. (A orquestra pára)

Hermenegilda (Para Guimarães) Machucou-se? Venha beber um copo de
água. (Saem todos menos Aurélio)

CENA XVIII – Basílio e Aurélio

Basílio Não dança, Senhor Aurélio?

Aurélio Já dancei a primeira quadrilha.

Basílio Devia ter dançado a segunda que é a dos namorados.
Maganão!

Aurélio (À parte) Que maçante!

Basílio Eu também já não danço. O meu
maior prazer nestas reuniões é a boa conversa. (Tirando a caixa
de rapé e oferecendo uma pitada a Aurélio) Não gosta?
(Aurélio agradece) Ora, diga-me uma coisa; o senhor não é
filho de São Paulo?

Aurélio Sim, senhor; nasci na capital, lá eduquei-me e formei-me.

Basílio Boa terra! Passei ali a minha mocidade e ainda tenho saudosas
recordações dos pagodes que lá tive. Nós, quando
somos moços, fazemos cada extravagância…

Aurélio Eu imagino o que o Major por lá faria…

Basílio O senhor conheceu lá uma… Não; não
há de ser do seu tempo.

Aurélio Diga sempre.

Basílio Ora, isto já foi há tantos anos, e graça
é que nunca mais soube notícias daquela pobre criatura! Foi
uma rapaziada… Mas, enfim, eu lhe conto. Havia na Luz uma rapariguinha viva
e travessa que era requestada por muitos estudantes, menina séria.
Eu fazia o meu pé-de-alferes com a sujeita e em um belo dia, quando
menos pensava, sou apanhado em flagrante pela velha que era um demônio.
Espalhou-se a notícia pela cidade, a polícia soltou atrás
de mim os seus agentes, e eu, – pernas para que te quero! Venho para a corte,
meu pai soube do negócio e assenta-me a farda às costas. Pobre
menina! Nunca mais dela soube notícia.

Aurélio (Com interesse) Esta mulher morava na Luz?

Basílio Sim, senhor, quase a chegar à Ponte Grande.

Basílio (Com interesse crescente) E como se chamava?

Basílio Maria da Conceição.

Aurélio Maria da Conceição!! E o nome da velha que morava
com ela?

Basílio Mas que diabo tem o senhor?

Aurélio (Disfarçando) Nada. O nome da velha?

Basílio Creio que era Aurélia.

Aurélio (Segurando em Basílio) Foi pois o senhor quem atirou
no caminho da perdição uma mulher pura e inocente que devia
mais tarde lançar ao mundo um desgraçado?!

Basílio O que é isto, senhor? Deixe-me.

Aurélio Sim; saiba que este que tem à sua frente é o
fruto desse amor criminoso.

Basílio O fruto? Pois que…o senhor… Tu és meu filho! (Chorando
e ajoelhando-se) Perdão.

Aurélio Senhor, minha pobre mãe, que está no céu,
sofreu tanto…

Basílio Perdão, meu Aurélio. Deixa-me contemplar teu
rosto. (Abraça-se com Aurélio chorando em altas vozes) Se procedi
como um miserável para com aquela infeliz que te deu o ser, eu juro
que doravante saberei ser teu pai. Vira para cá esse rosto (Dá
um beijo em Aurélio chorando) És o retrato da tua defunta mãe.
E como chegaste à posição em que te achas?

Aurélio Graças à alma generosa de um protetor que já
não existe e que foi um verdadeiro pai que encontrei no caminho da
vida.

Basílio O teu verdadeiro pai aqui está… Tu serás o
arrimo da minha velhice. Não me perdoas?

Aurélio Meu pai. (Abraça aBasílio)

Basílio Meu filho. (Abraça-o chorando e rindo-se ao mesmo tempo)

CENA XIX – Os Mesmos e Damião

Damião (Entrando pela direita) O que é isto?

Basílio (Abraçado com Aurélio) Eu fui um grandíssimo
patife, porém juro-te que serei teu escravo.

Damião (Para Basílio) Mas que diabo é isto?

Basílio Ah! És tu? Abraça-me, abraça-me, Damião!
(Abraçando-o) Eu quero abraçar todo o mundo.

Damião Já sei, tu fizeste algumas visitas à copa e bebeste
mais do que devias.

Basílio O que se passa em mim é tão grande, acho-me
neste momento tão altamente colocado, que não desço a
responder à chufa pesada que acabas de me dirigir.

Damião Por que motivo queres abraçar então todo o mundo?

Basílio Conheces aquele rapaz?

Damião Pois não conheço o Senhor Doutor Aurélio?!

Basílio Olha bem para ele. (Pausa) Olha agora para mim. (Pausa) Não
achas ali um quê…

Damião Um quê?!

Basílio Aurélio é meu filho e eu sou seu pai.

Damião Ah! Ah! Ah!

Basílio É uma história que depois te contarei. (Para
Aurélio) Vamos para a sala, preciso desabafar com todos a alegria que
me vai pelo coração. Vamos, meu filho, quero te apresentar como
tal às tuas irmãs. (Sai com Aurélio)

Damião Um filho natural! Eu já devia sabê-lo. Aquele
rubor que lhe subia às faces quando se lhe falava na família…
(Sai pensativo pelo fundo)

CENA XX – Hermenegilda e Guimarães

Hermenegilda Os perfumes dos salões falam-me às fibras mais
recônditas da alma. Sinto um indefinível que me atrai para os
espaços como as estrelas que brilham no éter purpurino das melodias
do céu.
Guimarães (Com um cravo na mão, à parte) O negócio
há de começar por esta flor.

Hermenegilda (Depois de pequena pausa) Que ar pensativo é este que
lhe anuvia a fronte em cismas de poeta?

Guimarães O que é que a senhora está dizendo?

Hermenegilda Por que está tão pensativo?

Guimarães Eu…Ora esta…É meu modo. Quando estou no armazém
é sempre assim. (À parte) Vou lhe dar a flor. (Alto) Minha senhora…(À
parte) Deixe-me ver se me lembro…

Hermenegilda O que quer?

Guimarães (Oferecendo-lhe o cravo) Tomo a liberdade de oferecer um
cravo a outro cravo.

Hermenegilda – Ah! Será possível? Deixe-me oferecer-lhe também
uma flor do meu inodoro ramalhete. (Tira uma flor do buquê que traz)
Tome, é uma perpétua. Sabe o que quer dizer no dicionário
das flores esta inocente filha dos vergéis, vestida com as cores sombrias
do sentimentalismo?

Guimarães Não, senhora.

Hermenegilda Quer dizer constância eterna.

Guimarães (À parte) Eu atiro-me aos pés dela e acabo
com isto de uma vez.

Hermenegilda (Pondo o cravo no peito) Este cravo não me sairá
do peito até que morra. “Morte, morte de amor, melhor que a vida.”

Guimarães (Ajoelhando bruscamente) Ah! Minha senhora, eu a adoro;
pela senhora… Eu a amo.

Hermenegilda Não repita essa palavra, que me afeta todo o sistema
nervoso.

CENA XXI – Os Mesmos, Vilasboas e Laurindinha

Vilasboas Um patife ajoelhado aos pés de minha mana.

Laurindinha Ah! Ah! Ah!

Vilasboas Não se ria, prima, que isto é muito sério.

Guimarães (Levantando-se) Que tem você com isto?
Vilasboas O que tenho com isto?!

Laurindinha (Apontando para Guimarães) Ah! Ah! Ah! Olhe, que cara,
primo Vilasboas.

Vilasboas Não se ria, prima, que eu tenho gosto de sangue na boca.
(Para Guimarães) Prepare-se para bater-se comigo, senhor.

Guimarães Pois para bater-me com você é preciso preparar-me?

Vilasboas Escolha as armas!

Hermenegilda (Pondo-se de permeio) Cassiano Vilasboas, meu irmão,
não derrames o sangue deste homem.

Laurindinha Ah! Ah! Ah!

Vilasboas Escolha as armas, senhor!

Guimarães Estou pronto. (Avança para Vilasboas e dá-lhe
uma bofetada)

Vilasboas (Gritando) Ai! Ai! Ai!

Laurindinha Ah! Ah! Ah!

Guimarães Em guarda, e defenda-se! (Dá outra bofetada)

Vilasboas (Gritando) Ai! Ai! Socorro! Socorro! (Hermenegilda desmaia nos
braços de Laurindinha)

CENA XXII

Vilasboas, Hermenegilda, Miranda, Damião, Raimunda, Marianinha,
Basílio, Laurindinha, Cocota, Guimarães, Aurélio, Convidados
e os Meninos

Damião O que é isto, meus senhores? Que escândalo!

Vilasboas (Apontando para Guimarães) Este homem ousou levantar a mão
para o meu rosto. Deve-me uma reparação.

Miranda Minha filha! (Hermenegilda acorda)

Vilasboas (Para Miranda) Meu pai, surpreendi-o aos pés de minha mana
e desafiei-o para bater-se comigo.

Miranda (À parte) É preciso fazer render a situação.
(Alto, para Guimarães) O senhor deve-nos uma reparação.

Guimarães Mas que diabo de reparação querem vocês?
Eu gosto desta moça, caso-me com ela e está acabado.

Miranda (Abraçando Guimarães) O senhor é um homem de
bem.

Damião (Para Guimarães) Mas, minha filha…

Guimarães Sua filha disse-me na bochecha que já tinha dado
o capital a outra sociedade e isto de mulher sem o capital…Hum…temos conversado.

Basílio (Para Damião) Sua filha tem aqui um noivo. (Apresentando
Aurélio) E eu, como pai, dou o meu consentimento.

Laurindinha e Cocota Como pai?

Basílio Sim, é seu irmão.

Laurindinha Ah! Ah! Ah! Donde saiu este irmão de comédia?

Marianinha (Ajoelhando-se com Aurélio aos pés de Damião)
Meu pai, a sua benção. (Damião volta o rosto)

Guimarães (Para Vilasboas) Se quiser bater-se comigo ainda estou às
suas ordens.

Vilasboas Uma vez que o senhor vai ser meu cunhado, eu o perdôo; fica
a bofetada em família.

Damião (Para Marianinha e Aurélio) Casem-se, eu irei acabar
a minha vida longe daqui. Maldita parentela! Envergonham-me, roubam-me o genro
e acabam introduzindo-me em casa ainda um parente! (Canta)

Meus senhores, neste espelho

Podem todos se mirar.

Em parentes desta ordem

Ninguém deve se fiar.

Se algum dia se casarem

Vejam lá, tenham cautela!

Que há mulheres que, por dote,

Trazem esta parentela.

(Cai o pano)

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