Literatura e Política

Lima Barreto

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Conforme resolveram os chefes políticos do Maranhão, o nome do Sr. Coelho Neto não foi incluído na lista dos que, por conta e risco deles, devem ser aproximadamente sufragados nas urnas, deputados federais por aquele Estado. A coisa tem levantado tanta celeuma nos arraiais literários, que me julgo obrigado a tratar do escandaloso acontecimento, pedindo que não vejam nestas considerações a mínima hostilidade ao conhecido escritor.

Por mais que não queiram, eu também sou literato e o que toca a coisas de letras não me é indiferente. Vamos ao que serve.

Não descubro razão para tanto barulho. O Sr. Coelho Neto como literato-político, fez “forfait”. Isto é explicável muito facilmente para quem conhece, mesmo ligeiramente, as suas obras, e nelas descobre as suas tendências literárias e espirituais.

O Sr. Coelho Neto, que surgiu para as letras nas últimas décadas do século XIX, não se impressionou com as mais absorventes preocupações contemporâneas que lhe estavam tão próximas.

As cogitações políticas, religiosas, sociais, morais, do seu século, ficaram-lhe inteiramente estranhas. Em tais anos, cujo máximo problema mental, problema que interessava todas as inteligências de quaisquer naturezas que fossem, era uma reforma social e moral, o Sr. Neto não se deteve jamais em examinar esta trágica angústia do seu tempo, não deu para o estudo das soluções apresentadas um pouco do seu grande talento, nem mesmo tratou de conhecer o positivismo que lhe podia abrir grandes horizontes. Tenho para mim que o Sr. Coelho Neto é daqueles a afirmar que Clotilde de Vaux foi uma rameira …

O grande romancista, em religião, ficou num corriqueiro deismo ou, talvez, em um catolicismo singular e oportunista que, muito curiosamente, o faz orgulhar-se, quando é excomungado por um arcebispo do Chile (vide Magda) e exultar, quando uma outra sua obra recebe gabos da mais alta autoridade eclesiástica do Rio de Janeiro.

Em um século de crítica social, de renovação latente, das bases das nossas instituições; em um século que levou a sua análise até os fundamentos da geometria, que viu pouco a pouco desmontar-se o mecanismo do Estado, da Legislação, da Pátria, para chegar aos seus elementos primordiais de superstições grosseiras e coações sem justificações nos dias de hoje; em um século deste, o Sr. Coelho Neto ficou sendo unicamente um plástico, um contemplativo, magnetizado pelo Flaubert da Mme. Bovary, com as suas chinesices de estilo, querendo como os Goncourts, pintar com a palavra escrita, e sempre fascinado por uma Grécia que talvez não seja a que existiu mas, mesmo que fosse, só nos deve interessar arqueologicamente.

O mundo é hoje mais rico e mais complexo…

Glorioso, e muito justamente pelo seu poder verbal; tendo conseguido, por fás e por nefas, a simpatia ativa e incansável de gregos e troianos – os políticos seus conterrâneos, deram-lhe, durante duas legislaturas, uma cadeira de deputado pelo seu Estado natal. Se ele estivesse ao par dos males do seu tempo, com o talento que tem, e o prestígio do seu nome, poderia ter apresentado muita medida útil e original, embora os seus projetos morressem nas pastas das comissões. Mas, nada fez; manteve-se mudo, só dando um ar de sua graça para justificar votos de congratulações a Portugal, por isto ou por aquilo, empregando nos discursos vocábulos senis ou caducos. O deputado ficou sendo o romancista que só se preocupou com o estilo, com o vocabulário, com a paisagem, mas que não fez do seu instrumento artístico um veículo de difusão das grandes idéias do tempo, em quem não repercutiram as ânsias de infinita justiça dos seus dias; em quem não encontrou eco nem revolta o clamor das vítimas da nossa brutalidade burguesa, feita de avidez de ganho, com a mais sinistra amoralidade para também edificar, por sua vez, uma utopia ou ajudar a solapar a construção social que já encontrou balançando.

Em anos como os que estão correndo, de uma literatura militante, cheia de preocupações políticas, morais e sociais, a literatura do Sr. Coelho Neto ficou sendo puramente contemplativa, estilizante, sem cogitações outras que não as da arte poética, consagrada no círculo dos grandes burgueses embotados pelo dinheiro. Indo para a Câmara, onde não podia ser poético ao jeito do Sr. Fausto Ferraz, porque o Sr. Neto tem senso comum; onde também não podia ser político à guisa do Sr. Urbano Santos, porque o Sr. Neto tem talento, vergonha e orgulho de si mesmo, do seu honesto trabalho e da grandeza da sua glória; indo para a Câmara, dizia, o grande romancista sem estar saturado dos ideais da época, não pôde ser o que um literato deve ser quando logra pisar em tais lugares: um semeador de idéias, um batedor do futuro.

Para os literatos, isto foi uma decepção; para os políticos, ele ficou sendo um qualquer Fulgêncio ou Marcelino. Não é de admirar, portanto, que um Fulgêncio ou um Marcelino tenham eles escolhido para substituí-lo. Quem não quer ser lôbo não lhe veste a pele..

A Lanterna, 18-1-1918

 

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