Machado de Assis
A misérrima Dido
Pelos paços reais vaga ululando.
Garção
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De quanto sonho um dia povoaste
A mente ambiciosa,
Que te resta? Uma página sombria,
A escura noite e um túmulo recente.
Ó abismo! Ó fortuna! Um dia apenas
Viu erguer, viu cair teu frágil trono.
Meteoro do século, passaste,
Ó triste império, alumiando as sombras.
A noite foi teu berço e teu sepulcro.
Da tua morte os goivos inda acharam
Frescas as rosas dos teus breves dias;
E no livro da história uma só folha
A tua vida conta: sangue e lágrimas.
No tranqüilo castelo,
Ninho de amor, asilo de esperanças,
A mão de áurea fortuna preparara,
Menina e moça, um túmulo aos teus dias.
Junto do amado esposo,
Outra c’roa cingias mais segura,
A coroa do amor, dádiva santa
Das mãos de Deus. No céu de tua vida
Uma nuvem sequer não sombreava
A esplêndida manhã; estranhos eram
Ao recatado asilo
Os rumores do século.
Estendia-se
Em frente o largo mar, tranqüila face
Como a da consciência alheia ao crime,
E o céu, cúpula azul do equóreo leito.
Ali, quando ao cair da amena tarde,
No tálamo encantado do ocidente,
O vento melancólico gemia,
E a onda murmurando,
Nas convulsões do amor beija a areia,
Ias tu junto dele, as mãos travadas,
Os olhos confundidos,
Correr as brandas, sonolentas águas,
Na gôndola discreta. Amenas flores
Com suas mãos teciam
As namoradas Horas; vinha a noite,
Mãe de amores, solícita descendo,
Que em seu regaço a todos envolvia,
O mar, o céu, a terra, o lenho e os noivos.
Mas além, muito além do céu fechado,
O sombrio destino, contemplando
A paz*do teu amor, a etérea vida,
As santas efusões das noites belas,
O terrível cenário preparava
A mais terríveis lances.
Então surge dos tronos
A profética voz que anunciava
Ao teu crédulo esposo:
“Tu serás rei, Macbeth!” Ao longe, ao longe,
No fundo do oceano, envolto em névoas,
Salpicado de sangue, ergue-se um trono.
Chamam-no a ele as vozes do destino.
Da tranqüila mansão ao novo império
Cobrem flores a estrada, — estéreis flores
Que mal podem cobrir o horror da morte.
Tu vais, tu vais também, vítima infausta;
O sopro da ambição fechou teus olhos…
Ah! quão melhor te fora
No meio dessas águas
Que a régia nau cortava, conduzindo
Os destinos de um rei, achar a morte:
A mesma onda os dois envolveria.
Uma só convulsão às duas almas
O vínculo quebrara, e ambas iriam,
Como raios partidos de uma estrela,
À eterna luz juntar-se.
Mas o destino, alçando a mão sombria,
Já traçara nas páginas da história
O terrível mistério. A liberdade
Vela naquele dia a ingênua fronte.
Pejam nuvens de fogo o céu profundo.
Orvalha sangue a noite mexicana…
Viúva e moça, agora em vão procuras
No teu plácido asilo o extinto esposo.
Interrogas em vão o céu e as águas.
Apenas surge ensangüentada sombra
Nos teus sonhos de louca, e um grito apenas,
Um soluço profundo reboando
Pela noite do espírito, parece
Os ecos acordar da mocidade.
No entanto, a natureza alegre e viva,
Ostenta o mesmo rosto.
Dissipam-se ambições, impérios morrem.
Passam os homens como pó que o vento
Do chão levanta ou sombras fugitivas.
Transformam-se em ruína o templo e a choça.
Só tu, só tu, eterna natureza,
Imutável, tranqüila,
Como rochedo em meio do oceano,
Vês baquear os séculos.
Sussurra
Pelas ribas do mar a mesma brisa;
O céu é sempre azul, as águas mansas;
Deita-se ainda a tarde vaporosa
No leito do ocidente;
Ornam o campo as mesmas flores belas…
Mas em teu coração magoado e triste,
Pobre Carlota! o intenso desespero
Enche de intenso horror o horror da morte.
Viúva da razão, nem já te cabe
A ilusão da esperança.
Feliz, feliz, ao menos, se te resta,
Nos macerados olhos,
O derradeiro bem: — algumas lágrimas!
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