PUBLICIDADE
Clique nos links abaixo para navegar no capítulo desejado: | ||||
Invocação à saudade
Oh! filha melancólica dos ermos,
Consolo extremo, e amiga no infortúnio
Fiel e compassiva;
Saudade, tu que única inda podes
Nest’alma, erma de amor e de esperança,
Um som vibrar melodioso e triste,
Qual vento, que murmura entre ruínas,
Os gemebundos ecos acordando;
Vem, ó saudade, vem; — a ti consagro
De minha lira as magoadas cordas.
Quando o sopro da sorte impetuoso
Nos ruge n’alma, e para sempre a despe
Do pouco que há de amável na existência;
Quando tudo se esvai, — ledos sorrisos,
Suaves ilusões, prazeres, sonhos,
Ventura, amor, e até a mesma esp’rança,
Só tu, meiga saudade,
Fiel amiga, jamais nos abandonas!
Jamais negas teu bálsamo piedoso
Às chagas do infortúnio!
Qual de remotas, flóridas campinas
Da tarde a branda aragem
Nas asas nos conduz suave aroma,
Assim tu, ó saudade,
Em quadras mais ditosas vais colhendo
As risonhas visões, doces lembranças,
Com que vens afagar-nos,
E ornas do presente as sendas nuas
Co’as flores do passado.
Não, não é dor o teu pungir suave,
É um triste cismar que tem delícias,
Que o fel aplaca, que nos ferve n’alma,
E o faz correr banhando áridos olhos,
Em mavioso pranto convertido.
No íntimo do peito
Despertas emoções que amargam, pungem,
Mas fazem bem ao coração, que sangra
Entre as garras de austero sofrimento!
Agora que do dia a luz extrema
Se expande a frouxo nos calados vales,
Lá do róseo palácio vaporoso
Desce, ó saudade, vem, num desses raios
Que se escoam do ocaso enrubescido,
Envolta em nuvem mística e diáfana,
Lânguido o olhar, a fronte descaída,
Em minha solidão vem visitar-me,
E oferecer-me a taça misteriosa
Onde vertes a um tempo o fel e o néctar.
Agora, que o africano a enxada pondo,
Da terra de seus país saudades canta
Aos sons de tosca lira, e os duros ferros
Da escravidão por um momento esquece,
Enquanto no silêncio desses vales
Soa ao longe a canção do boiadeiro,
E o sabiá na cúpula virente
Ao manso rumorejo da floresta
Mescla o trinar de mágicos arpejos,
Vem, ó saudade, leva-me contigo
A alguma encosta solitária e triste,
Ou ignorado vale, onde só reine
Mistério e solidão;
Junto a algum tronco antigo, em cuja rama
Passe gemendo a viração da tarde,
Onde se ouça o monótono queixume
Da fonte do deserto.
Lá, ó saudade, cerca-me das sombras
De maviosa, plácida tristeza,
Que em lágrimas sem dor os olhos banha;
Vem, que eu quero cismar, até que a noite
Fresco orvalho esparzindo-me na fronte,
De meu doce delírio mansamente
Me venha despertar.
Recordação
Ilusão
Vê, que painel formoso a tarde borda
Na brilhante alcatifa do ocidente!
As nuvens em fantásticos relevos
Aos olhos fingem, que inda além da terra
Novo horizonte infindo se prolonga,
Onde lindas paisagens se desenham
Descomunais, perdendo-se no vago
De vaporosos longes
Lagos banhados de reflexos d’ouro,
Onde se espelham gigantescas fábricas;
Solitárias encostas, onde avultam
Aqui e além ruínas pitorescas,
Agrestes brenhas, serranias broncas,
Pendentes alcantis, agudos píncaros,
Fendendo um lindo céu de azul e rosas;
Fontes, cascatas, deleitosos parques,
Encantadas cidades quais só pode
Criar condão de fadas,
Surdem do vale, entre vapor brilhante,
Com a fronte coroada de mil torres,
De esguios coruchéus, de vastas cúpulas;
E além ainda mil aéreas formas,
Mil vagas perspectivas se debuxam,
Que por longes sem fim se vão perdendo!
Todo enlevado na ilusão donosa
Longo tempo meus olhos espaireço
Porém do céu as cores já desbotam,
Os fulgores se extinguem, se esvaecem
As fantásticas formas vem de manso
A noite desdobrando o véu das sombras
Sobre o aéreo painel maravilhoso;
Apenas pelas orlas do horizonte
Bruxuleia através da escuridade
O crespo dorso dos opacos montes,
E sobre eles fulgindo merencória,
Suspensa, como pálida lucerna,
A solitária estrela do crepúsculo.
Assim vos apagais em sombra escura,
Ledas visões da quadra dos amores!…
Lá vem na vida um tempo
Em que a um sopro gélido se extingue
A fantasia ardente,
Esse sol puro da manhã dos anos,
Que doura-nos as nuvens da existência,
E mostra além, pelo porvir brilhando,
Um céu formoso e rico de esperança;
E esses puros bens, que a mente ilusa
Cismara em tanto amor, tanto mistério,
Lá vão sumir-se um dia
Nas tristes sombras da realidade;
E de tudo que foi, conosco fica,
No fim dos tempos, a saudade apenas,
Triste fanal, brilhando entre ruínas!
O sabiá
L’oiseau semble la véritable embléme
du chrétien ici-bas; il pref`ère, comme le
fidèle, la solitude au monde; le ciel à la
terre, et sa voix bénit sans cesse les
merveilles du Créateur
(Chateaubriand)
Tu nunca ouviste, quando o sol é posto,
E que do dia apenas aparece,
Por sobre os ermos píncaros do ocaso,
A orla extrema do purpúreo manto;
Quando lã do sagrado campanário
Já reboa do bronze o som piedoso,
Abençoando as horas do silêncio;
Nesse instante de místico remanso,
De maga solidão, em que parece
Pairar bênção divina sobre a terra,
No momento em que a noite vem sobre ela
Desdobrar o seu manto sonolento;
Tu nunca ouviste, em solitária encosta,
De anoso tronco na isolada grimpa,
A voz saudosa do cantor da tarde
Erguer-se melancólica e suave
Como uma prece extrema, que a natura
Envia ao céu, — suspiro derradeiro
Do dia, que entre sombras se esvaece?
O viandante para ouvir-lhe os quebros
Pára, e se assenta à margem do caminho;
Encostado aos umbrais do pobre alvergue,
Cisma o colono aos sons do etéreo canto
Já das rudes fadigas deslembrado;
E sob as asas úmidas da noite
Aos meigos sons em êxtase suave
Adormece embalada a natureza.
Quem te inspira o doce acento,
Sabiá melodioso?
Que mágoas triste lamentas
Nesse canto suspiroso?
Quem te ensinou a canção,
Que cantas ao pôr do dia?
Quem revelou-te os segredos
De tão mágica harmonia?
Acaso a ausência tu choras
Do sol, que além se sumira;
E teu canto ao dia extinto
Mavioso adeus suspira?
Ou nessas notas sentidas,
Exalando o terno ardor,
Tu contas à meiga tarde
Segredos do teu amor?
Canta, que o teu doce canto
Nestas horas tão serenas,
Nos seios d’alma adormece
O pungir de acerbas penas.
Cisma o vate ao brando acento
De tua voz harmoniosa,
Cisma, e deslembra tristuras
De sua vida afanosa.
E ora n’alma se lhe acorda
Do passado uma visão,
Que em perfumes de saudade
Vem banhar-lhe o coração;
Ora um sonho lhe vislumbra
Pelas trevas do porvir,
E uma estrela d’esperança
Em seu céu lhe vem sorrir:
E por mundos encantados
Lhe desliza o pensamento.
Qual nuvem que o vento embala
Pelo azul do firmamento.
Canta, avezinha amorosa,
Em teu asilo soidoso;
Saúda as horas sombrias
Do silêncio e do repouso;
Adormenta a natureza
Aos sons de tua canção;
Canta, até que o dia morra
De todo na escuridão.
Assim o bardo inspirado,
Quando a eterna noite escura
Lhe anuncia a fatal hora
De baixar à sepultura,
Um adeus supremo à vida
Sobre as cordas modulando,
Em seu leito sempiterno
Vai adormecer cantando.
Colmou-te o céu de seus dons,
Sabiá melodioso;
Tua vida afortunada
Desliza em perene gozo.
No tope do tronco excelso
Deu-te um trono de verdura;
Deu-te a voz melodiosa
Com que encantas a natura;
Deu-te os ecos da valada
Pra repetir-te a canção;
Deu-te amor no doce ninho,
Deu-te os céus da solidão.
Corre-te a vida serena
Como um sonho afortunado;
Oh! que é doce o teu viver!
Cantar e amar eis teu fado!
Cantar e amar! — quem dera ao triste bardo
Assim viver um dia;
Também nos céus os anjos de Deus vivem
De amor e de harmonia:
Quem me dera qual tu, cantor dos bosques,
Na paz da solidão,
Sobre as ondas do tempo ir resvalando
Aos sons de uma canção,
E exalando da vida o sopro extremo
Num cântico de amor,
Sobre um raio da tarde enviar um dia
Minh’alma ao Criador!…
Hino do prazer
Et ces voix qui passaient, disaient joyeu—sement:
Bonheur! gaîté! délices!
A nous les coupes d’or, remplies d’un vin charmant,
A d’ autres les calices!…
(V. Hugo)
I
As orgias celebremos:
Evoé! — Peian! — cantemos.
(C. Semedo)
Convivas do prazer, vinde comigo
Ao folgar dos festins; — encham-se as taças,
Afine-se o alaúde.
Salve, ruidosos hinos desenvoltos!
Salve, tinir dos copos!
Festas de amor, alegres algazarras
De ebritroante bródio!
Salve! co’a taça em punho eu vos saúdo!
Beber, cantar e amar eis, meus amigos,
Das breves horas o mais doce emprego;
O mais tudo é quimera… o ardente néctar
No brilhante cristal férvido espume,
E verta n’alma encantador delírio
Que a importuna tristeza longe espanca,
E alenta o coração para os prazeres.
Pra levar sem gemer à fatal meta
Da vida o peso, vinde em nosso auxílio,
Amor, poesia e vinho.
Ferva o delírio ao retinir dos copos,
E entre ondas de vinho e de perfumes,
Se evapore em festivos ditirambos.
É doce assim viver! — ir desfolhando,
Descuidado e a sorrir, a flor dos anos,
Sem lhe contar as pétalas, que fogem
Nas torrentes do tempo arrebatadas:
É doce assim viver-se a vida é sonho,
Seja um sonho de rosas.
Quero deixar de minha vida as sendas
Juncadas das relíquias do banquete;
Frascos vazios, machucadas flores,
Grinaldas pelo chão, cristais quebrados,
E entre murchos festões roto alaúde,
Que reboando balanceia ao vento,
Lembrando amores que cantei na vida,
Sejam de meu passar por sobre a terra
Os únicos vestígios.
Antes assim, do que passar os dias,
— Qual feroz caímã, guardando o ninho,
Inquieto a vigiar avaros cofres,
Onde a cobiça aferrolhou tesouros
Colhidos entre as lágrimas do órfão
E as ânsias do faminto.
Antes assim, do que sangrentos louros
Ir pleitear nos campos da carnagem,
E ao som de horríveis pragas e gemidos,
Passar deixando após um largo rio
De lágrimas e sangue.
Antes assim… mas quem aqui vos chama,
Importunas idéias? — por que vindes
Mesclar voz agoureira
Das meigas aves aos mimosos quebros?
Vinde vós, do prazer risonhas filhas,
De ebúrneo colo, torneados seios,
Flores viçosas dos jardins da vida,
Vinde, ó formosas, bafejai perfumes
Sobre estas frontes, que em delírios ardem,
Vozes casai da citara aos arpejos,
E ao som de meigos, deleixados cantos,
Ao quebrado languor dos olhos lindos,
Ao mole arfar dos mal ocultos seios,
Fazei brotar nos corações rendidos
Os férvidos anelos, que despontam
Nos vagos sonhos d’alma, bafejados
De fagueira esperança, e são tão doces!…
Talvez mais doces do que os gozos mesmos
Seja harmonia o ar, flores a terra,
Amor os corações, os lábios risos,
Para nós seja o mundo um céu de amores.
II
Je veux rêver, et non pleurer! (Lamartine)
Mas é já tempo de depor as taças:
Que este ardente delírio, que inda agora
Ao som de soltos hinos
Tripudiava n’alma, vai de manso
Para os lânguidos sonhos descambando,
Sonhos divinos, quais só tê-los sabe
Ditoso amante, quando a fronte inclina
No regaço da amada, e entre as delícias
De um beijo adormecera.
Basta pois, — que o prazer não só habita
Na mesa dos festins, entre o alvoroço
De jogos, danças, músicas festivas…
Vertei, ó meus amigos,
Vertei também no cíato da vida
Algumas gotas de melancolia;
Cumpre também banquetear o espírito,
Na paz e no silencio inebriá-lo
Cos místicos aromas que se exalam
Do coração, nas horas de remanso:
Na solidão, ao respirar das auras
Se acalme um pouco o férvido delírio
Dos atroados bródios.
E ao túmulo suceda a paz dos ermos
Bem como a noite ao dia!
Quanto é grato depois de ter sumido
Largas horas em risos e folguedos,
Deixando estanque a taça do banquete,
Ir respirar o hálito balsâmico
Que em torno exalam flóridas campinas,
E reclinado à’ sombra da mangueira
Fruir em solidão esse perfume
De tristeza, de amor e de saudade,
Que em momentos de plácido remanso
Do mais íntimo d’alma se evapora!
Vertei, brisas, vertei na minha fronte
Com macio murmúrio alma frescura;
Fagueiras ilusões, vinde inspirar-me;
Aéreos cantos, quérulos rumores,
Doces gorjeios, sombras e perfumes,
Com risonhas visões vinde embalar-me,
E adormecei minh’alma entre sorrisos.
Longe, bem longe destes doces sítios
O torvo enxame de cruéis pesares…
Deixai-me a sós fruindo
A taça misteriosa onde a poesia
A flux verte seu néctar.
Busquem outros sedentos de tristezas,
De dores só nutrir o pensamento,
E quais duendes pálidos vagueiem,
Entre os ciprestes da mansão funérea,
Lições severas demandando às campas;
Meditações tão graves não me aprazem;
Longe, tristes visões, fúnebres larvas
De agoureiro sepulcro
Longe também, ó vãos delírios d’alma,
Glória, ambição, futuro. — Oh! não venhais
Crestar com o bafo ardente
A viçosa grinalda dos amores.
Nos jardins do prazer colham-se rosas,
E com elas se esconda o horror da campa….
Deixai que os insensatos visionários
Da vida o campo só de abrolhos junquem,
Lobrigando ventura além da campa;
Míseros loucos… que os ouvidos cerram
A voz tão meiga, que ao prazer os chama,
E vão correndo após um bem sonhado,
Oco delírio da vaidade humana….
De flores semeai da vida as sendas,
E com elas se esconda o horror da campa…
A campa! — eis a barreira inexorável,
Que nosso ser inteiro devorando
Ao nada restitui o que é do nada!.
Mas enquanto se oculta a nossos olhos
Nos longes nebulosos do futuro,
Nas ondas do prazer, que mansas correm,
Larguemos a boiar a curta vida,
Bem como a borboleta matizada,
Que desdobrando ao ar as leves asas
Contente e descuidosa se abandona
Ao brando sopro de benigno zéfiro.
III
Venez…………………………………………………………………….
L’air est tiède, et là—bas dans les forêts prochaines
La mousse épaisse et verte abonde au pied des chênes.
(V. Hugo)
Descamba o sol — e a tarde no horizonte
Saudosos véus desdobra…
Do manso rio na dourada veia
Tremem ainda os últimos reflexos
Do dia, que se extingue;
E os píncaros agudos, onde pousam
Do sol poente os raios derradeiros,
Ao longe avultam quais gigantes feros,
Que a fronte cingem com diadema d’ouro.
Ah! eis a hora tão saudosa e meiga,
Em que o amante solitário vaga
A cismar ilusdes, doces mistérios
De sonhada ventura…
E vem, ó tarde, suspirar contigo,
Enquanto não desdobra o manto escuro
A noite a amor propícia….
Afrouxa a viração — mole sussurro
Suspira apenas na sombria veiga,
Qual voz sumida a murmurar queixumes.
É junto a ti, meu bem, que nestas horas
Me voa o pensamento. — Ah! não vens inda
Pousar aqui de teu amante ao lado
Sobre este chão de relva?
Vem, ninfa, vem, meu anjo, aqui te aguarda
Quem só por ti suspira….
Da tarde as auras para ti desfolham
Cheirosas flores na macia relva,
E para te embalar em doces êxtases,
Murmura a solidão meigos acordes
De vagas harmonias:
Vem, que ermo é tudo, e as sombras
Da noite, mãe de amor.
Ah! tu me ouviste; — já ligeiras roupas
Sinto leve rugir; — estes aromas
São as tuas madeixas, que recendem.
Oh! Bem-vinda sejas,
Entre meus braços, doce amiga minha!
Graças à aragem, diligente serva
Dos ditosos amantes, que levou-te
Meus suspiros, e trouxe-te a meu seio!
Vem, meu querido amor, vem reclinar-te
Neste viçoso leito, que a natura
Para nós recamou de musgo e flores,
Em diáfanas sombras escondido:
Desata as longas tranças,
E a seda espalha das madeixas negras
Por sobre os níveos ombros;
Desprende os véus ciosos, deixa os seios
Livremente ondearem; — quero vê-los
Em tênues sombras alvejando a furto,
No afã de amor ansiosos arquejarem.
Da boca tua nos mimosos favos
Oh! Deixa-me sorver num longo beijo
Dos prazeres o mel delicioso,
De amor toda a doçura.
Eu sou feliz! — cantai minha ventura,
Auras da solidão, aves do bosque;
Astros do céu, sorride a meus amores,
Flores da terra, derramai perfumes
Em torno deste leito, em que adormece
Entre os risos de amor o mais ditoso
Dos seres do universo!
Brisas da noite, bafejai frescura
Sobre esta fronte que de amor delira,
Com cantos alentai-me, e com aromas,
Que em tamanha ventura desfaleço.
Eu sou feliz… demais!… cessai delícias,
Que a tanto gozo o coração sucumbe!
Assim cantava o filho dos prazeres…
Mas no outro dia um golpe inopinado
Da sorte lhe quebrou o tênue fio
Da risonha ilusão que o fascinava:
A noite o viu cantando hino de amores,
A aurora o achou curvado a verter pranto
Sobre uma lousa fria.
Hino à Tarde
A tarde está tão bela e tão serena
Que convida a cismar …
Ei-la saudosa e meiga reclinada
Em seu etéreo leito,
Da muda noite amável precursora;
Do róseo seio aromas transpirando,
Com vagos cantos, com gentil sorriso
Ao repouso convida a natureza.
Montão de nuvens, como vasto incêndio,
Resplende no horizonte, e o clarão rábido
Céus e montes ao longe purpureia.
Pelas odoras veigas
As auras brandamente se espreguiçam,
E o sabiá na encosta solitária
Saudoso cadenceia
Pousado arpejo, que entristece os termos.
Oh! que grato remanso! — que hora amena,
Propícia aos sonhos d’alma!
Quem me dera voltar à feliz quadra,
Em que este coração me transbordava
De emoções virginais, de afetos puros!
Em que esta alma em seu selo refletia,
Como o cristal da fonte, pura ainda,
Todo o fulgor do céu, toda a beleza
E magia da terra! …ó doce quadrar
Quão veloz te sumiste — como um sonho
Nas sombras do passado!
Quanto eu te amava então, tarde formosa.
Qual pastora gentil, que se reclina
Rósea e louçã, sobre a macia relva,
Das diurnas fadigas descansando;
A face em que o afã lhe acende as cores,
Na mão repousa — os seios lhe estremecem
No mole arfar, e o lume de seus olhos
Em suave langor vai desmaiando;
Assim me aparecias, meiga tarde,
Sobre os montes do ocaso debruçada;
Tu eras o anjo da melancolia
Que à paz da solidão me convidava.
Então no tronco, que o tufão prostrava
No viso da colina ou na erma rocha,
Sobre a margem do abismo pendurada,
Me assentava a cismar, nutrindo a mente
De arroubadas visões, de aéreos sonhos.
Contigo a sós sentindo o teu bafejo
De aromas e frescor banhar-me a fronte,
E afagar brandamente os meus cabelos,
Minh’alma então boiava docemente
Por um mar de ilusões e parecia
Que um coro aéreo, pelo azul do espaço,
Me ia embalando com sonoras dálias:
De um puro sonho sobre as asas de ouro
Me voava enlevado o pensamento,
Encantadas paragens devassando;
Ou nas vagas de luz que o ocaso inundam
Afoito me embebia, e o espaço infindo
Transpondo, ia entrever no estranho arroubo
Os radiantes pórticos do Elísio.
Ó sonhos meus, ó ilusões amenas
De meus primeiros anos,
Poesia, amor, Saudades, esperanças,
Onde fostes? por que me abandonasses?
Inda do tempo me não pesa a destra
E não me alveja a fronte; — inda não sinto
Cercar—me o coração da idade os gelos,
E já vós me fugis, ó ledas flores
De minha primavera!
E assim vós me deixais, — tronco sem seiva,
Só, definhando na aridez do mundo?
sonhos meus, por que me abandonasses?
A tarde está tão bela e tão serena
Que convida a cismar: — vai pouco a pouco
Desmaiando o rubor dos horizontes,
E pela amena solidão dos vales
Caladas sombras pousam: — breve a noite
Abrigará com a sombra de seu manto
A terra adormecida.
Vinde ainda uma vez, meus sonhos de ouro,
Nesta hora, em que tudo sobre a terra
Suspira, cisma ou canta,
Como esse afagador extremo raio,
Que à tarde pousa sobre as grimpas ermas,
Vinde pairar ainda sobre a fronte
Do bardo pensativo; — iluminara
Com um raio inspirado;
Antes que os ecos todos adormeçam
Da noite no silêncio,
Quero um hino vibrar nas cordas d’harpa
Para saudar a filha do crepúsculo.
Ai de mim! — esses tempos já caíram
Na sombria voragem do passado!
Os meus Sonhos queridos se esvaíram,
Como após o festim murchas se espalham
As flores da grinalda:
Perdeu a fantasia as asas d’ouro,
Com que Se alava às regiões sublimes
De mágica poesia,
E despojada de seus doces sonhos
Minh’alma vela a sós com o sofrimento,
Qual vela o condenado
Em sombria masmorra à luz sinistra
De amortecida lâmpada.
Adeus, formosa filha do Ocidente,
Virgem de olhar sereno que meus sonhos
Em doces harmonias transformavas,
Adeus, ó tarde! — já nas frouxas cordas
Rouqueja o vento e a voz me desfalece…
Mil e mil vezes raiarás ainda
Nestes sítios saudosos que escutaram
De minha lira o desleixado acento;
Mas ai de mim! nas solitárias veigas
Não mais escutarás a voz do bardo,
Hinos casando ao sussurrar da brisa
Para saudar teus mágicos fulgores.
Silenciosa e triste está minh’alma,
Bem como lira de estaladas cordas
Que o trovador esquece pendurada
No ramo do arvoredo,
Em ócio triste balançando ao vento.
Redes Sociais