Hotel 7 de setembro

Lima Barreto

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Li nos jornais que um grupo de senhoras da nossa melhor sociedade e gentis senhoritas inauguraram, com um chá dançante, a dez mil-réis a cabeça, o Hotel do Sr. Carlos Sampaio, nas encostas do morro da Viúva. Os resultados pecuniários de semelhante festança, segundo diziam os jornais, reverteriam em favor das crianças pobres, das quais as referidas senhoras e senhoritas, agremiadas sob o título de “Pequena Cruzada”, se fizeram espontâneas protetoras.

Ora, não há nada mais belo que a Caridade; e, se não cito aqui um profundo pensamento a respeito, motivo é não ter ao alcance da mão um dicionário de “chapas”.

Se o tivesse, os leitores veriam como eu ia além do esteta Antônio Ferro, que saltou no cais Mauá, para nos ofuscar, com os seus trapos de José Estêvão, Alexandre Herculano e outros que tais!

Felizmente não o tenho e posso falar simplesmente – o que já é uma vantagem. Quero dizer que semelhante festa, a dez mil-réis a cabeça, para proteger crianças pobres, é uma injúria e uma ofensa, feita a essas mesmas crianças, num edifício em que o governo da cidade gastou, segundo ele próprio confessa, oito mil contos de réis.

Pois é justo que a municipalidade do Rio de Janeiro gaste tão vultosa quantia para abrigar forasteiros ricos e deixe sem abrigo milhares de crianças pobres ao léu da vida?

O primeiro dever da Municipalidade não era construir hotéis de luxo, nem hospedarias, nem zungas, nem quilombos, como pensa o Sr. Carlos Sampaio. O seu primeiro dever era dar assistência aos necessitados, toda a espécie de assistência.

Agora, depois de gastar tão fabulosa quantia, dar um bródio para minorar o sofrimento da infância desvalida, só uma coisa resta dizer à edilidade: passem bem!

Um dia é da caça e outro é do caçador. Digo assim, para não dizer em latim: “Hodie mihi, cras tibi”.

Nada mais ponho na carta. Adeus.

Careta, 5-8-1922.

Fonte: pt.wikisource.org

 

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