Lima Barreto
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Não sei como possa dizer bem da atividade literária de Nestor Vítor. Eu o conheci menino, quando fazia preparatórios no Ginásio Nacional.
Nesse tempo, Nestor era vice-diretor do Internato; e eu não gostava dele. Correm os tempos e aquele homem que me parecia seco, dogmático, cheio de sentenças, surge-me deliciosamente como uma grande alma, capaz de dedicações e sacrifícios.
Comecei a ler-lhe as obras. Há nelas alguma coisa daquela secura que lhe notei em menino. Ele não é efusivo e revolto. Nestor é uma floresta do Paraná. Não tem entrelaçamentos dos nossos cipós nem as surpresas de variedades de essências que a nossa mata tropical ou subtropical oferece.
As árvores de sua floresta são quase sempre de uma mesma espécie; são como as do Paraná; são araucárias, e sempre araucárias.
Não há árvore mais monótona e mais fácil de explorar do que ela. A nossa floresta tropical ou subtropical é triste, mas grandiosa e impressionadora. Tudo nela é mistério, pululamento de vida, interrogação; mas as araucárias são de uma tristeza impassível e sem eloqüência.
Entretanto, graças ao atrativo do contraste, eu aprecio Nestor, nas suas obras, quando ele revela as modalidades naturais do seu temperamento.
Neste Elogio do Amigo mais do que em nenhuma obra, eu vejo Nestor meditativo, solitário, como um pinho do Paraná, com as suas escassas ramagens, a querer atingir um outro que lhe fica bem distante.
Nestor é bem um amigo dessa forma, porque ele o soube ser de um pobre preto que teve audácia de fazer versos, e foi excomungado por ser preto e fazer versos, como se neste país todos nós não fôssemos mais ou menos pretos e todos nós não fizéssemos versos.
Não há na literatura brasileira, a não ser a amizade de Sílvio Romero por Tobias Barreto, outro exemplo de tão forte amizade literária que esta de Nestor por Cruz e Sousa.
Li este seu livro, em que Nestor tão bem retrata o seu íntimo de amigo, a sua força de amar o camarada; li-o, repito, cheio de embevecimento e entusiasmo.
Nunca amei; nunca tive amor; mas sempre tive amigos, nos transes mais dolorosos da minha vida.
É por isso que gostei muito do livro que o meu amigo Nestor Vítor me ofereceu e que me deu extraordinária satisfação intelectual.
A.B.C., 5-8-1922
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