Lima Barreto
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Ontem, o Instituto Histórico e outras pessoas conspícuas foram ali pelas bandas do Pão de Açúcar e inauguraram um marco comemorativo da fundação da cidade do Rio de Janeiro.
Nada mais justo e ato não há mais digno de encômios.
O senhor Vieira Fazenda, com aquela sua secura de alfarrabista, com aquele seu amor a datas e às controvérsias, leu um discurso sisudo, muito adstricto ao fato, sem associações de outros fatos próximos e remotos.
A fundação do Rio de Janeiro é, para ele, um simples pretexto de alvarás, cartas régias, foros e sesmarias. O senhor Fazenda não vê nada além dos secos documentos oficiais; não vê as consequências econômicas, as sociais, os encadeamentos de grandes e pequenos acontecimentos, que o ato de Estácio de Sá deu causa, foi gerador, sem que estivessem no seu ou no pensamento dos companheiros dele.
Não nego ao senhor Fazenda méritos de historiógrafo, de paciente pesquisador, de rebuscador de documentos, mas falta-lhe a adivinhação, de que falava Renan, a imaginação criadora necessária para recompor os acontecimentos históricos.
Quero falar, porém, do monumento e não do senhor Vieira Fazenda, pessoa por todos os feitios respeitável, cujo termítico labor em condensar documentos que interessem à história da cidade, me merece a mais intensa admiração.
O tal monumento é a coisa mais “estrambótica” que se possa imaginar.
Deixou de ter a singeleza que era de esperar tivesse, para ser uma coisa cerebrina de uma agulha de granito ponteada com uma bala de canhão moderno, simbolizando assim as lutas que se travaram na fundação da cidade.
Se essa simbolização fosse necessária, creio eu que melhor seriam arcos, flechas, tacapes, mosquetes, arcabuzes, balas esféricas dos velhos canhões de retrocarga, que esse balázio cilindrocônico que é quase de anteontem.
Estamos sempre dispostos a ver no passado lutas; porque não havemos de ver solidariedade?
Porque só um dos aspectos do sucesso há ser relembrado com um produto do Krupp?
A fundação de uma cidade é, antes de tudo, um desejo de comunhão, de associação.
Na cidade, todos colaboram, todos concorrem com o seu quinhão, com o seu pequeno esforço para o culto do seu deus – como é então que os senhores do instituto só viram luta e luta com canhões alemães, a despejar projetis cilindrocônios pelos meados do século XVI?
Correio da Noite, Rio. 21-1-1915
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