Balada de Pedro Nava

Vinícius de Moraes

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(O anjo e o túmulo)

I

Meu amigo Pedro Nava
Em que navio embarcou:
A bordo do Westphalia
Ou a bordo do Lidador?

Em que antárticas espumas
Navega o navegador
Em que brahmas, em que brumas

Pedro Nava se afogou?

Juro que estava comigo
Há coisa de não faz muito
Enchendo bem a caveira
Ao seu eterno defunto.

Ou não era Pedro Nava
Quem me falava aqui junto
Não era o Nava de fato
Nem era o Nava defunto?…

Se o tivesse aqui comigo
Tudo se solucionava
Diria ao garçom: Escanção!
Uma pedra a Pedro Nava!

Uma pedra a Pedro Nava
Nessa pedra uma inscrição:
“- deste que muito te amava
teu amigo, teu irmão…”

Mas oh, não! que ele não morra
Sem escutar meu segredo
Estou nas garras da Cachorra
Vou ficar louco de medo

Preciso muito falar-lhe
Antes que chegue amanhã:
Pedro Nava, meu amigo

DESCEU O LEVIATÃ!

II

A moça dizia à lua
Minha carne é cor-de-rosa
Não é verde como a tua
Eu sou jovem e formosa.
Minhas maminhas – a moça
À lua mostrava as suas –
Têm a brancura da louça
Não são negras como as tuas.
E ela falava: Meu ventre
É puro – e o deitava à lua
A lua que o sangra dentro
Quem haverá que a possua?
Meu sexo – a moça jogada
Entreabria-se nua –
É o sangue da madrugada
Na triste noite sem lua.
Minha pele é viva e quente
Lança o teu raio mais frio
Sobre o meu corpo inocente…
Sente o teu como é vazio.

III

A sombra decapitada
Caiu fria sobre o mar…
Quem foi a voz que chamou?
Quem foi a voz que chamou?

– Foi o cadáver do anjo
Que morto não se enterrou.

Nas vagas boiavam virgens
Desfiguradas de horror…
O homem pálido gritava:
Quem foi a voz que chamou?

– Foi o extático Adriático
Chorando o seu paramor.

De repente, no céu ermo
A lua se consumou…
O mar deu túmulo à lua.
Quem foi a voz que chamou?

– Foi a cabeça cortada
Na praia do Arpoador.

O mar rugia tão forte
Que o homem se debruçou
Numa vertigem de morte:
Quem foi a voz que chamou?

– Foi a eterna alma penada
Daquele que não amou.

No abismo escuro das fragas
Descia o disco brilhante
Sumindo por entre as águas…
Oh lua em busca do amante!
E o sopro da ventania
Vinha e desaparecia.

Negro cárcere da morte
Branco cárcere da dor
Luz e sombra da alvorada…
A voz amada chamou!

E um grande túmulo veio
Se desvendando no mar
Boiava ao sabor das ondas
Que o não queriam tragar.

Tinha uma laje e uma lápide
Com o nome de uma mulher
Mas de quem era esse nome
Nunca o pudesse dizer.

 

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