Lima Barreto
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A diretoria da Biblioteca Nacional tem o cuidado de publicar mensalmente a estatística dos leitores que a procuram, das classes de obras que eles consultam e da língua em que as mesmas estão escritas.
Pouco freqüento a Biblioteca Nacional, sobretudo depois que se mudou para a Avenida e ocupou um palácio americano.
A minha alma é de bandido tímido, quando vejo desses monumentos, olho-os, talvez, um pouco, como um burro; mas, por cima de tudo, como uma pessoa que se estarrece de admiração diante de suntuosidades desnecessárias.
É ficar assim, como o meu amigo Juvenal, medroso de entrar na vila do patrício, de que era cliente, para pedir a meia dúzia de sestércios que lhe matasse a fome – a espórtula!
O Estado tem curiosas concepções, e esta, de abrigar uma casa de instrução, destinada aos pobres-diabos, em um palácio intimidador, é das mais curiosas.
Ninguém compreende que se subam as escadas de Versalhes senão de calção, espadim e meias de sêda; não se pode compreender subindo os degraus da Ópera, do Garnier, mulheres sem decote e colares de brilhantes, de mil francos; como é que o Estado quer que os mal vestidos, os tristes, os que não tem livros caros, os maltrapilhos “fazedores de diamantes” avancem por escadarias suntuosas, para consultar uma obra rara, com cujo manuseio, num dizer, aí das ruas, têm a sensação de estar pregando à mulher do seu amor?
A velha biblioteca era melhor, mais acessível, mais acolhedora, e não tinha a empáfia da atual.
Mas, assim mesmo, amo a biblioteca e, se não vou lá, leio-lhe sempre as notícias. A estatística dos seus leitores é sempre provocadora de interrogações.
Por exemplo: hoje, diz a notícia, que treze pessoas consultaram obras de ocultismo. Quem serão elas? Não acredito que seja o Múcio. O antigo poeta é por demais sabido, para consultar – obras de sua profissão. Quero crer que sejam tristes homens desempregados, que fossem procurar no invisível, sinais certos da sua felicidade ou infelicidade, para liquidar a sua dolorosa vida.
Leio mais que houve quatro pessoas a consultar obras em holandês. Para mim, são doentes de manias, que foram um instante lembrar-se na língua amiga das amizades que deixaram lá longe.
O guarani foi procurado por duas pessoas. Será a D. Deolinda Daltro? Será algum abnegado funcionário da inspetoria de caboclos?
É de causar aborrecimento aos velhos patriotas, que só duas pessoas procurassem ler obras na língua que, no entender deles, é a dos verdadeiros brasileiros. Decididamente este país está perdido…
Em grego, as obras consultadas foram unicamente duas, tal e qual como no guarani; e certamente, esses dois leitores não foram os nossos professores de grego, porque, desde muito, eles não lêem mais grego…
Correio da Noite, 13-1-1915
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