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Como documento fundamental orientado pelos princípios da Carta da Terra, o Manifesto Ecológico estabeleceu as metas para apoiar os processos de educação para o desenvolvimento sustentável com base em um ambiente estável e uma natureza saudável alcançada por meio de mudanças em massa na compreensão das pessoas sobre o mundo contemporâneo.
O arcabouço ideológico do Manifesto Ecológico afirma que a humanidade chegou a uma fase em que não precisa mais de mais desenvolvimento, resultando em conforto para poucos, mas cuidado com aqueles que mais precisam.
O Manifesto Ecológico listou a Carta da Terra em uma lista de organizações que trabalham em prol da humanidade e promove as ideias da organização. Por sua declaração, o Manifesto pode ser considerado como um documento integrante dos princípios da Carta da Terra e uma ferramenta útil para sua implementação.
Manifesto Ecológico – O que é
O poder que esta sociedade tem para destruir atingiu uma escala sem precedentes na história da humanidade – e este poder está a ser usado, quase sistematicamente, para causar uma destruição insensata em todo o mundo da vida natural e nas suas bases materiais.
Em quase todas as regiões, o ar está a ser viciado, as águas poluídas, o solo está a ser levado pela água, a terra foi drenada e a vida natural destruída.
As áreas costeiras e mesmo as profundezas do mar não são imunes ao alastramento da poluição. Com maior significância no fim de contas, os ciclos biológicos básicos, tais como o ciclo do carbono e do nitrogênio, dos quais todas as coisas vivas (incluindo os humanos) dependem para a manutenção e renovação da vida, estão a ser alterados até um ponto irreversível.
A introdução arbitrária dos desperdícios radioativos, pesticidas de longa atividade, resíduos de chumbo e milhares de produtos químicos tóxicos ou potencialmente tóxicos na comida, água e ar; a expansão das cidades em vastas cinturas urbanas com concentrações densas de populações comparáveis em tamanho a nações inteiras; o aumento de ruído ambiente; as pressões criadas pela congestão, pela aglomeração e manipulação das massas; as imensas acumulações de lixo, refugo, dejetos e desperdícios industriais; o congestionamento do trânsito nas auto-estradas e nas ruas citadinas; a destruição pródiga de preciosos metais em bruto; a cicatrização da terra feita pelos especuladores da propriedade, os barões das indústrias mineira e da madeira, os burocratas da construção de auto-estradas.
Todos eles fizeram tais estragos numa simples geração, que excede os que foram feitos em milhares de anos pela habitação humana no seu planeta. Se tivermos em mente este ritmo de destruição, é aterrador refletir acerca do que acontecerá no futuro, à geração vindoura.
A essência da crise ecológica do nosso tempo é que esta sociedade – mais do que qualquer outra no passado – está a desfazer literalmente o trabalho da evolução orgânica.
É um axioma dizer que a humanidade faz parte do edifício da vida. É talvez mais importante, nesta fase tardia, sublinhar que a humanidade depende perigosamente da complexidade e variedade da vida, e que o bem-estar e a sobrevivência humanas assentam sobre uma longa evolução de organismos em formas crescentemente complexas e interdependentes. O desenvolvimento da vida num tecido complexo, a criação dos animais e plantas primordiais em formas altamente variadas, tem sido a condiçãso prévia para a evolução e sobrevivência da própria humanidade e para uma relação harmônica entre a humanidade e a natureza.
Tecnologia e População
Uma vez que a geração passada tem testemunhado a expoliação do planeta, que ultrapassa todos os estragos feitos pelas gerações primitivas, pouco mais do que uma geração poderá restar antes que a destruição do meio ambiente se torne irreversível. Por esta razão, devemos debruçar-nos sobre as origens da crise ecológica com honestidade implacável.
O tempo corre precipitadamente e as décadas que restam do século XX podem bem ser a última oportunidade que teremos para restaurar o equilíbrio entre a humanidade e a natureza.
Assentarão as origens da crise ecológica no desenvolvimento da tecnologia?
A tecnologia tem-se tornado um alvo fácil para aqueles que querem evitar encarar as condições sociais profundamente marcadas por máquinas e processos técnicos perigosos.
É tão conveniente esquecer que a tecnologia tem servido não só para subverter o meio ambiente como também para o melhorar. A Revolução Neolítica, a qual produziu o período mais harmonioso entre a natureza e a humanidade pós-paleolítica, foi acima de tudo uma revolução tecnológica. Foi este período que trouxe à humanidade as artes da agricultura, tecelagem, cerâmica, da domesticação dos animais, a descoberta da roda e muitos outros melhoramentos básicos.
É verdade que existem técnicas e atitudes tecnológicas que são inteiramente destruidoras do equilíbrio entre a humanidade e a natureza. É responsabilidade nossa separar a promessa da tecnologia – o potencial criativo – da capacidade da tecnologia para destruir. Na verdade, não existe tal palavra como “tecnologia” que presida a todas as condições e relações sociais. Existem sim, diferentes tecnologias e atitudes para com a tecnologia, algumas das quais são indispensáveis para restaurar o equilíbrio, e outras que têm contribuido profundamente para a sua destruição.
Do que a humanidade necessita não é rejeitar em grande escala as tecnologias avançadas, mas sim peneira-las, necessita realmente de um maior desenvolvimento da tecnologia a par com os princípios ecológicos, o que contribuirá para uma nova harmonização da sociedade e do mundo natural.
Será o crescimento da população, a origem da crise ecológica?
Esta tese é a mais inquietante, e de muitas maneiras a mais sinistra, a ser formulada pelos movimentos ecológicos ativos nos E.U.A. Neste sentido, um efeito chamado “crescimento populacional” baralhado na base de estatísticas e projeções superficiais, transforma-se numa causa.
É dada assim supremacia a um problema de proporções secundárias no momento presente, obscurecendo as razões fundamentais da crise ecológica. De fato, se as atuais condições econômicas, políticas e sociais prevalecerem, a humanidade irá com o tempo superpovoar o planeta, e pelo puro peso dos números transformar-se-á num flagelo no seu próprio habitat global. Há qualquer coisa de obsceno, contudo, acerca do fato de que a um efeito “crescimento populacional”, é concedida supremacia na crise ecológica por uma nação que tem pouco mais do que 7% da população mundial mas que consome prodigamente mais de 50% dos recursos mundiais, e que está atualmente ocupada no despovoamento de um povo do Oriente, que tem vivido à séculos em equilíbrio apurado com o seu meio ambiente.
Devemos fazer uma pausa para examinar o problema populacional tão amplamente observado pelas raças brancas da América do Norte e da Europa – raças que têm explorado arbitrariamente os povos da Ásia, África, América Latina e do Pacífico Sul. Os explorados têm explorado delicadamente os seus exploradores que, do que eles necessitam não são dispositivos anticoncepcionais, nem “libertadores” armados, nem do Prof. R. Ehrlich para resolverem os seus problemas populacionais; precisam antes, de uma devolução justa dos imensos recursos que foram roubados das suas terras, pela América do Norte e pela Europa.
Equilibrar estas contas é mais premente no momento, do que equilibrar as taxas de nascimentos e mortes. Os povos da Ásia, África, América Latina e do Pacífico Sul podem justamente apontar que os seus “conselheiros” Americanos têm mostrado ao mundo como expoliar um continente virgem em menos de um século e têm acrescentado ao vocabulário da humanidade palavras como “esgotamento precoce”.
Isto é claro: quando grandes reservas de mão-de-obra foram necessárias durante a Revolução Industrial dos princípios do século XIX para equipar as fábricas e diminuir os salários, o crescimento populacional foi saudado entusiasticamente pela nova burguesia industrial. E o crescimento populacional ocorreu apesar do fato que, devido ao pesado horário de trabalho e às cidades altamente superpovoadas, a tuberculose, cólera e outras doenças eram epidemicas na Europa e nos Estados Unidos.
Se as taxas de nascimento excederam as da morte nessa altura, não foi porque os progressos feitos ao nível de cuidados médicos e sanitários tenham produzido qualquer declínio dramático na mortalidade humana; antes, o excesso de nascimentos em relação às mortes pode ser explicado pela destruição das formas da família pré-industrial, instituições de vila, ajuda mútua e padrões de vida estáveis e tradicionais, às mãos da “empresa” capitalista. O declínio da moral social introduzido pelos horrores do sistema fabril, o aviltamento das populações agrárias tradicionais transformadas em proletários e moradores urbanos, brutalmente explorados, produziu uma atitude concomitantemente responsável para com a família e a procriação. A sexualidade tornou-se um refúgio de uma vida de trabalho duro, bem como o consumo do gin barato; o novo proletariado gerou crianças (muitas das quais nunca sobreviveram até a idade adulta), tão inconscientemente como foi levado ao alcoolismo. É muito semelhante o caso ocorrido quando as vilas Africanas, Asiáticas e Latino-Americanas foram sacrificadas ao santo altar do imperialismo.
Hoje a burguesia “vê” as coisas de uma forma diferente. Os anos dourados da “livre empresa” e do “trabalho livre” declinam perante uma era de monopólio, cartéis, economias controladas pelo estado, formas institucionalizadas de mobilização operária (sindicatos), e de máquinas automáticas ou cibernéticas.
Largas reservas de mão-de-obra desempregada não são já necessárias para ir ao encontro das necessidades de expansão do capital, e os salários são em grande parte mais negociados do que deixados à livre atuação do mercado de trabalho. Anteriormente necessárias, as reservas de mão-de-obra inútil acabaram por tornar-se numa ameaça à estabilidade de uma economia burguesa manipulada. A lógica desta nova “perspectiva” encontrou a sua mais aterradora expressão no fascismo alemão. Para os nazis, a Europa estava já “superpovoada” nos anos trinta e o “problema populacional” foi “resolvido” nas câmaras de gás de Auschwitz.
A mesma lógica está implícita em muitos dos argumentos neo-Malthusianos que se mascaram hoje como ecologia. Que não haja dúvida quanto a esta conclusão.
Mais tarde ou mais cedo a proliferação descuidada de seres humanos terá de ser detida, mas, ou o controle populacional terá de ser feito por meio de “controles sociais” (métodos autoritários ou racistas e, no fim, ser um genocídio sistemático), ou por uma sociedade libertária, ecologicamente orientada (uma sociedade que desenvolva um novo equilíbrio com a natureza fora da veneração pela vida).
A sociedade moderna encontra-se perante estas alternativas mutuamente restritas e deve fazer uma escolha sem dissimulação. A ação ecológica é fundamentalmente ação social.
Ou vamos diretamente às origens sociais da atual crise ecológica, ou seremos logrados por uma era de totalitarismo.
Ecologia e Sociedade
A concepção básica de que a humanidade deve dominar e explorar a natureza, provém da dominação e exploração do homem pelo homem. Na verdade, esta concepção vem de tempos remotos em que o homem começou a dominar e explorar as mulheres dentro da família patriarcal. Desde essa altura os seres humanos foram olhados, cada vez mais, como meros recursos, como objetos em vez de sujeitos. As hierarquias, classes, sistemas de propriedade e instituições políticas que emergiram com o domínio social foram transferidas conceitualmente para a relação entre a humanidade e a natureza. Esta, também foi cada vez mais olhada como mero recurso, um objeto, uma matéria bruta a ser explorada tão implacavelmente como escravos num latifúndio. Esta “visão do mundo” impregnou não só a cultura oficial da sociedade hierárquica; tornou-se na maneira como os escravos, servos, trabalhadores da indústria e as mulheres de todas as classes sociais se começaram a considerar a eles mesmos. Contida na “ética do trabalho”, na moralidade baseada na recusa e na renúncia, num modo de comportamento baseado na sublimação dos desejos eróticos e noutros aspectos mundanos (sejam eles Europeus ou Asiáticos), os escravos, servos, trabalhadores e metade das mulheres da humanidade foram ensinadas a vigiarem-se a si próprios, a talharem as suas próprias cadeias, a fechar as portas das suas prisões.
Se a “visão do mundo” da sociedade hierárquica começa hoje a declinar é especialmente porque a enorme produtividade da moderna tecnologia abriu uma nova visão: a possibilidade de abundância material, um fim á escassez de uma era de tempos livres (o chamado “lazer”) com um mínimo de trabalho duro. A nossa sociedade está a ser impregnada por uma tensão entre “o que é” e “o que poderia ser”, uma tensão exacerbada pela exploração e destruição irracional e desumana da terra e dos seus habitantes.
O maior obstáculo que dificulta a solução desta tensão é a extensão até à qual a sociedade hierárquica ainda modela os novos pontos de vista e as nossas ações.
É mais fácil refugirmo-nos nas críticas à tecnologia e ao crescimento populacional; tratar com um sistema social arcaico, destrutivo sobre as suas próprias condições e dentro da sua própria estrutura.
Quase desde o berço temos sido socializados pela família, instituições religiosas, escolas e pelo próprio trabalho, aceitando a hierarquia, renúncia e sistemas políticos, como premissas sobre as quais todo o pensamento deve apoiar-se. Sem esclarecer essas premissas, todas as discussões, sobre o equilíbrio ecológico permanecerão meros paliativos e serão contraproducentes.
Em virtude da sua excepcional bagagem cultural, a sociedade moderna – sociedade burguesa orientada para os lucros – tende a exacerbar o conflito entre a humanidade e a natureza, de uma forma mais crítica do que as sociedades pré-industriais do passado. Na sociedade burguesa, os humanos não só se transformam em objetos mas também em mercadorias; em objetos claramente destinados a serem vendidos no mercado. A competição entre os seres humanos, como mercadorias, torna-se um fim em si, em conjunto com a produção de artigos totalmente inúteis.
A qualidade transformou-se em quantidade, a cultura individual em cultura de massas, a comunicação pessoal em comunicação de massas.
O meio ambiente natural tornou-se numa fábrica gigantesca e a cidade num imenso mercado: tudo, desde uma floresta Redwood até ao corpo de uma mulher tem “um preço”.
É tudo equacionado em dólares, seja uma catedral consagrada ou a honra individual. A tecnologia deixa de ser uma extensão da tecnologia. A máquina não amplia o poder do trabalhador; é o trabalhador que amplia o poder da máquina e na verdade ele mesmo se torna numa simples parte da máquina.
É assim tão surpreendente que esta sociedade exploradora, degradante e quantificada oponha a humanidade a si própria e à natureza, numa escala mais assombrosa do que qualquer outra no passado?
Sim, necessitamos mudar, mas mudar tão fundamentalmente e em tão grande escala que mesmo os conceitos de revolução e liberdade devem ser ampliados para além de todos os primitivos horizontes.
Não é já suficiente falar das novas técnicas para a conservação e promoção do ambiente natural; devemos tratar a terra comunalmente, como uma coletividade humana, sem aquelas peias da propriedade privada, que têm distorcido a visão da vida e da natureza da humanidade, desde a rutura da sociedade tribal. Devemos eliminar não só a hierarquia burguesa mas a hierarquia como tal; não só a família patriarcal, mas também todas as formas de domínio familiar e sexual; não só a classe burguesa e o sistema de propriedade, mas sim todas as classes sociais e a propriedade. A Humanidade deve tomar posse de si própria, individual e coletivamente, para que todos os seres humanos obtenham o controle de suas vidas diárias. As nossas cidades devem ser descentralizadas em comunidades ou ecocomunidades talhadas, fina e habilidosamente, para o aproveitamento da capacidade dos ecossistemas nos quais elas estão localizadas. As nossas tecnologias devem ser readaptadas e formuladas em ecotecnologias, fina e inteligentemente adaptadas para usarem as fontes de energia local e os materiais, com um mínimo ou sem poluição do ambiente. Necessitamos recuperar um novo sentimento das nossas necessidades – necessidades que fomentem uma vida saudável e que exprimam as nossas inclinações individuais, não as “necessidades” ditadas pelos meios de comunicação.
Temos que restaurar a escala humana no nosso ambiente e nas nossas relações pessoais, substituto medianeiro das relações pessoais diretas na gestão da sociedade.
Finalmente, todas as formas de domínio – social ou pessoal – devem ser banidas das nossas concepções, de nós próprios, dos nossos semelhantes e da natureza.
A administração dos humanos deve ser substituída pela administração das coisas. A revolução que pretendemos deve envolver não só as instituições políticas e as relações econômicas, mas também a consciência, o estilo de vida, os desejos eróticos e a nossa interpretação do significado da vida.
O balanço aqui, é o espírito antiquado e os sistemas de domínio e repressão que não só opuseram o homem ao homem, mas a humanidade à natureza.
O conflito entre estas é uma extensão do conflito entre o ser humano. A não ser que o movimento ecológico envolva o problema do domínio em todos os seus aspectos, ele não contribuirá em nada para a eliminação da origem das causas da crise ecológica do nosso tempo. Se o movimento ecológico se detém em simples reformas de controle da poluição e conservação, sem tratar radicalmente da necessidade de ampliação de um conceito de revolução, ele servirá meramente como uma válvula de segurança do sistema existente da exploração humana e natural.
Manifesto Ecológico – Objetivos
Sobre certos aspectos o movimento ecológico de hoje está a mover uma ação tardia, contra a destruição desenfreada do ambiente. Noutros aspectos os seus elementos mais conscientes estão envolvidos num movimento criativo, pronto a revolucionar totalmente as relações sociais dos indivíduos para com os outros e da humanidade para com a natureza.
Embora elas se interpenetrem intimamente, os dois esforços devem distinguir-se um do outro. Ecology Action East (Ação Ecológica Leste) apoia qualquer esforço para a conservação do ambiente: preservar a água e o ar puros; limitar o uso dos pesticidas e adubos químicos nos alimentos; reduzir o trânsito de veículos nas ruas e auto-estradas; tornar as cidades mais saudáveis fisicamente; impedir que os desperdícios radioativos penetram no ambiente; proteger e aumentar as áreas desertas e os territórios para a vida selvagem; e defender as espécies animais da depredação humana.
Mas a Ecology Action East não se ilude a si própria pensando que estas ações tardias constituem uma solução para o conflito fundamental que existe entre a atual ordem social e o mundo natural.
Nem tão pouco que estas ações tardias possam deter o ímpeto esmagador de destruição existente nesta sociedade.
Esta ordem social joga conosco. Ela concede reformas a longo prazo, aos poucos e dolorosamente inadequadas, a fim de desviar os nossos esforços e atenção de atos destruidores ainda mais vastos. Em certo sentido, é-nos oferecido um pedaço de terreno da floresta Redwood em troca das Cascades. Visto numa maior perspectiva, esta tentativa para reduzir a ecologia a uma relação de permuta não salva nada; é um modus operandi barato de negociar a maior parte do planeta por umas quantas ilhas desertas, por parques de bolso num mundo devastado de betão.
A Ecology Action East (Ação Ecológica Leste) tem dois objetivos principais: um é incrementar no movimento revolucionário, o conhecimento de que a consequência mais urgente e destrutiva da nossa sociedade exploradora e alienante é a crise ambiente, e que a verdadeira sociedade revolucionária deve ser construída de acordo com preceitos ecológicos; o outro objetivo é provocar na mente de milhões de Americanos que estão preocupados com a destruição do nosso ambiente, uma tomada de consciência de que os princípios da ecologia, levados até ao final lógico, exigem mudanças radicais na nossa sociedade e no nosso modo de olhar o mundo.
A Ecology Action East fundamenta-se na revolução do estilo de vida que, no máximo, pretende uma consciência aumentada de experiência e de liberdade humanas. Nós pretendemos a libertação das mulheres, das ciranças, dos homossexuais, dos povos negros e colonizados, dos trabalhadores de todas as profissões, como parte da crescente luta social contra as tradições e instituições que têm tão destruidoramente modelado a atitude da humanidade para com o mundo natural.
Nós apoiamos comunidades libertárias e lutas pela liberdade aonde quer que surjam; apoiamos também qualquer esforço para promover o auto-desenvolvimento espontâneo dos jovens; opomo-nos a qualquer esforço para reprimir a sexualidade humana e negar à humanidade a experiência do erótico em todas as suas formas.
Unimos todos os esforços para fomentar um artifício feliz, na vida e no trabalho: a promoção dos ofícios e da qualidade de produção; o planejamento de novas ecocomunidades e ecotecnologias; o direito à experiência, numa base diária da beleza do mundo natural, o parzer aberto, espontâneo e sensual que os humanos podem oferecer uns aos outros, o respeito crescente pelo mundo da vida.
Em resumo, nós temos esperanças numa revolução que produza comunidades politicamente independentes cujas fronteiras e populações sejam definidas por uma nova consciência ecológica; comunidades cujos habitantes determinarão por si mesmos, dentro da estrutura desta nova consciência, a natureza e o nível das suas tecnologias, as formas tomadas pelas suas estruturas sociais, visões do mundo, estilos de vida, artes expressivas e todos os outros aspectos das suas vidas diárias.
Mas nós não nos iludimos a nós mesmos de que este mundo orientado para a vida possa ser desenvolvido, inteiramente ou mesmo parcialmente conseguido, através de uma sociedade orientada para a morte.
A sociedade Americana como hoje está constituída, está penetrada de racismo e ergue-se no topo do mundo inteiro não só como consumidora de sua riqueza e recursos, mas como um obstáculo a todas as tentativas de auto-determinação no interior e no estrangeiro. Os seus objetivos inerentes são a produção pela produção, a manutenção da hierarquia e do trabalho árduo à escala mundial, manipulação das massas e controle por meio de instituições políticas centralizadas.
Este tipo de sociedade contrapõe-se inalteravelmente a um mundo orientado para a vida. Se o movimento ecológico não tira estas conclusões dos seus esforços para conservar o ambiente natural, então a conservação torna-se um mero obscurantismo. Se o movimento ecológico não dirige os seus esforços principais para uma revolução em todos os aspectos da vida – social bem como natural – então o movimento tornar-se-á gradualmente numa válvula de segurança para a ordem estabelecida. A nossa esperança está em que os grupos como nós, brotarão através do país, organizados como nós próprios numa base humanista e libertária, empenhada na ação conjunta e com um espírito de cooperação baseado no apoio mútuo.
É também esperança nossa que eles tentem fomentar uma nova atitude ecológica, não só para com a natureza mas também para com os humanos: uma concepção de relações espontâneas variegadas dentro e entre grupos, dentro da sociedade e entre os indivíduos.
Nós esperamos que os grupos ecológicos evitarão todos os apelos aos “chefes de governo” e às instituições estatais nacionais e internacionais, os verdadeiros corpos criminosos e políticos que têm contribuído materialmente para a crise ecológica do nosso tempo. Cremos que os apelos devem ser feitos ao povo e à sua capacidade para a ação direta, que lhe possa permitir tomar o controle das suas próprias vidas e destinos. Porque só desta maneira pode emergir a sociedade sem hierarquia e domínio, a sociedade na qual cada indivíduo é o dono ou a dona da sua própria sorte.
As grandes cisões que dividiram os humanos dos humanos, a humanidade da natureza, o indivíduo da sociedade, a cidade do campo, a atividade mental da física, a razão da emoção e geração de geração devem ser agora ultrapassadas.
O cumprimento da luta antiquada pela sobrevivência e segurança material num mundo de escassez foi uma vez olhado como a condição prévia para a liberdade e para uma vida inteiramente humana. Para viver nós tivemos que sobreviver.
Como Brecht disse: “Primeiro a alimentação e depois a moralidade”.
A situação começou agora a modificar-se. A crise ecológica do nosso tempo, crescentemente, inverteu esta máxima tradicional. Hoje, se nós temos que sobreviver, devemos começar por viver.
As nossas soluções devem ser proporcionais ao nível do problema, ou então a natureza vingar-se-á, terrivelmente, da humanidade.
O MOVIMENTO ECOLÓGICO NO BRASIL (1974-1986): DO AMBIENTALISMO À ECOPOLÍTICA
Manifesto Ecológico
Crise ecológica e ecologismo: uma introdução
A humanidade faz parte da natureza e depende dela para sua sobrevivência, mas a civilização dá a ela o poder de mexer com a natureza em escala sempre crescente, para bem ou para mal.
Entre os efeitos negativos desta intervenção humana encontram-se:destruição do solo através de seu uso abusivo, provocando erosão, inundações e alterações do clima; ameaça à vida biológica nos oceanos, lagos e rios, devido à poluição de suas águas; envenenamento da atmosfera com vapores prejudiciais; criação e produção de armas com poderes absolutos de destruição de qualquer forma de vida; concentração de atividades industriais e comerciais em áreas superlotadas, até o. ponto em que as deseconomias externas do congestionamento, da poluição e da alienação da moderna vida industrial e urbana anulam os ganhos em qualidade de vida obtidos através do aumento do consumo material.
O comportamento humano já gerou múltiplas, e, às vezes, profundas crises ecológicas ao longo da História (Toynbee,1982). Como produto destas, algumas civilizações desapareceram.
O comportamento predatório não é novo na história humana, não se restringe nem ao fim do século XX e nem aos últimos dois séculos de industrialismo, o que sim é novo é a escala dos instrumentos de predação, cujo símbolo máximo são as armas nucleares. A partir de Hiroshima e, mais precisamente, a partir da segunda metade da década de. 50 a humanidade atingiu a capacidade de auto-extermínio. (Para uma excelente discussão sobre a capacidade de auto-extermínio ver Koestler, 1981; Pringle & Spigelman, 1981; Schell, 1985.)
Quatro catástrofes ameaçam concretamente a humanidade neste fim de século: a guerra nuclear; o lixo atômico acumulado e acidentes em usinas nucleares; o efeito estufa e o enfraquecimento da camada de ozônio na atmosfera. Sobre o primeiro não é necessário dizer mais nada além da existência de armas acumuladas que permitiriam destruir 120 vezes a vida na Terra e o surgimento da doutrina da possibilidade de ganhar uma guerra nuclear na década de 80; iniciativa do Reaganismo (Galtung, 1985) com o desenvolvimento de armas de primeiro golpe (mísseis Pershing na Europa) e de defesa absoluta (Programa de “Guerra nas Estrelas” (Thompson, 1985)). Sobre as usinas nucleares, o acidente de Chernobyl mostrou-nos apenas um pálido exemplo do que poderia ser um acidente nuclear maior (Patterson, 1980). O efeito estufa é menos conhecido pela opinião pública, apesar de ter sido objeto de importantes estudos científicos. Como conseqüência do aumento do dióxido de carbono na atmosfera (produto fundamental da queima de combustíveis fósseis e mesmo biomassa), há um acúmulo progressivo de energia e uma tendência ao aumento da temperatura média da Terra.
Cientistas vêm monitorando esta acumulação deste início da década de 60 e seus cálculos indicam uma crise dramática daqui a quatro décadas. O ozônio é um elemento instável, responsável pela filtragem da radiação ultravioleta, que está sendo destruído pela contaminação da atmosfera por aerosóis e outras causas não muito conhecidas.
Nos últimos 5 anos a situação adquiriu um caráter dramático na Antártida: uma janela cada vez maior indica um brutal enfraquecimento de 40% na camada de ozônio da região.
A década de 70 marca o despertar da consciência ecológica no mundo: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo (1972) ; relatório Meadows (1972) sobre os limites do crescimento e relatórios subseqüentes (Tinbergen, 1978; Laszlo, 1977; Bariloche); surgimento do paradigma teórico da ecologia política; proliferação de movimentos sociais ecologistas no mundo norocidental (Eckholm, 1982; Meadows, 1972; Mesarovich & Pestel, 1984; Borgstrom, 1971; Goldsmilh et atii, 1972; Hoffmann et alii, 1982; Falk, 1982).
Pela primeira vez os problemas de degradação do meio ambiente provocados pelo crescimento econômico são percebidos como um problema global que supera amplamente diversas questões pontuais que eram arroladas nas décadas de 50 e 60 pelas agências estatais de meio ambiente dos países do 1º Mundo.
Foi no clima de crise do marxismo, na década de 70, que os movimentos ecológicos se desenvolveram. (Sobre a relação entre crise do marxismo e emergência do movimento ecológico ver Gorz, 1978; Barho, 1984; Gabeira & Bendit, 1985b.).
Três fatores principais estão na base da crise do marxismo, tanto enquanto modelo explicativo do funcionamento da sociedade, como enquanto referencial normativo para sua transformação: o caráter totalitário do socialismo real, a complexidade sócio-política do capitalismo contemporâneo e a crise ecológica.
O caráter totalitário da sociedade soviética e do resto do bloco socialista foi ficando cada vez mais claro para a esquerda ocidental anticapitalista (que tinha-se negado a “ver” a realidade durante pelo menos três décadas) através de uma série de acontecimentos exemplares: invasão soviética à Tchecoslováquia em 1968; revoltas operárias na Polônia em 1970 e 1976; formação das organizações de defesa dos direitos humanos na URSS; dinâmica genocida do Khmer Vermelho em Cambodja logo após a tomada de Phnom Penh em 1975; forte repercussão dos livros de A. Soljenitsyn O arquipélago Gulag e R. Barho “A alternativa” (Soljenitsyn, 1975; Barho, 1978). A partir de meados da década de 70 vai processando-se um enfraquecimento paulatino do movimento operário e sindical no mundo (o Brasil é uma das poucas exceções) como produto de profundas transformações tecnológicas na relação capital-trabalho, o que torna cada vez mais insustentável o argumento marxista que coloca a classe operária como agente principal da mudança histórica em direção ao socialismo (Gorz, 1981).
Finalmente, a crise ecológica questiona no seu cerne o marxismo: a teoria do valor-trabalho supõe a infinitude dos recursos naturais e a natureza como um objeto passivo desprovido de valor (Tamames, 1979).
O Marx da maturidade associava a sociedade ideal a um desenvolvimento ilimitado das forças produtivas materiais, o socialismo continua e aprofunda o capitalismo neste sentido.
Os movimentos ecológicos são parcialmente herdeiros da cultura socialista e particularmente da crítica marxista da ética utilitarista (Ramos, 1981).
O ecologismo critica o utilitarismo não apenas nas relações no interior da sociedade (como o faz o marxismo), mas também, e fundamentalmente, nas relações sociedade-natureza.
Os movimentos ecológicos e pacifistas constituem-se num ponto de inflexão na história da mobilização social e da ação coletiva:trata-se de movimentos portadores de valores e interesses universais que ultrapassam as fronteiras de classe, sexo, raça e idade. (Sobre o caráter universal dos movimentos ecológicos e pacifistas veja-se Offe, 1983; Galtung, 1984; Mische, 1985; Bobbio, 1982; Diner, 1983, p. 86-107).
Os movimentos ecológicos e pacifistas são extremamente complexos desde o ponto de vista sociológico: sua base social atravessa definidamente as fronteiras de classe (participam profissionais de alta qualificação, estudantes, camponeses, colarinhos brancos, funcionários públicos, operários, pequenos empresários, executivos); sexo (participam homens e mulheres); raça (geralmente há participação de minorias étnicas); idade (desde jovens estudantes e crianças do primário até aposentados) (Capra & Spretnak, 1984).
O movimento ecopacifista tem o potencial de incorporação da grande maioria da humanidade (a paz e o equilíbrio ecológico estão diretamente associados à própria sobrevivência da espécie); exceto somente os agentes sociais que ocupam as posições dominantes do complexo militar-industrial-científico da maioria dos países, que são intrinsecamente portadores da lógica predatório-exterminista do mundo contemporâneo.
Outros movimentos sociais (movimento operário e camponês) têm sua dinâmica de ação coletiva vinculada fundamentalmente a uma posição específica na estrutura produtiva da sociedade, ou no local de moradia (associações de moradores), ou em outras características marcantes desde o ponto de vista cultural e biológico (feminismo, estudantes, minorias étnicas).
Qualquer deles tem uma base social real e potencial de desenvolvimento que é sociologicamente delimitada segundo unia situação específica na estrutura social. Apesar do caráter universalizante que, em muitas situações históricas, adquire seu discurso, trata-se de movimentos com limites definidos quanto a potencial de incorporação, ainda que estes limites podem ser muito amplos em alguns casos (o movimento operário na fase de industrialização extensiva, o feminismo hoje, a metade da humanidade).
Diante do quadro de exacerbada degradação social e ambiental em escala planetária, o movimento ecológico propõe um novo sistema de valores sustentado no equilíbrio ecológico, na justiça social, na não-violência ativa e na solidariedade diacrônica com as gerações futuras (Capra & Spretnak, 1984; Porritt, 1984; Journes, 1979).
O meio ambiente surge para o movimento ecológico como uma dimensão fundamental do desenvolvimento, através da idéia-força de ecodesenvolvimento (Boulding, 1978; Sachs, 1982).
A grande maioria dos ecologistas (exceto uma minoria romântica) é favorável a um desenvolvimento ecologicamente equilibrado que inclui a utilização prudente da maioria das tecnologias contemporâneas, rejeitando somente aquelas intrinsecamente predatórias.
Neste sentido, as propostas mais difundidas entre os ecologistas – e que se referem ao desenvolvimento de tecnologias apropriadas que reflitam a interdependência da humanidade com a Terra – são, entre outras, as seguintes: produção de energia flexível que trabalha com os ciclos do sol, da água e do vento; agricultura de regeneração que reabastece o solo e incorpora meios naturais de controle das pragas; fim da devastação das fontes de recursos naturais (renováveis e não-renováveis); parada do envenenamento da biosfera pelo descarregamento de lixo tóxico; drástico controle da poluição do ar efetuada pelas indústrias e meios de transporte e redução dos “níveis aceitáveis” de exposição radioativa.
Os problemas de degradação ambiental enfrentados pelos ecologistas dos 1º e 3º Mundos são de similar natureza, mas os problemas de degradação social são profundamente diferentes; no 1º Mundo a grande maioria da população tem resolvida a satisfação das necessidades materiais básicas (alimentação, moradia, saneamento básico, vestimenta, transporte), no 3º Mundo a maioria da população vive em condições miseráveis. Por isto, os problemas de degradação sócio-ambiental são muito mais graves no 3º Mundo do que no 1º (Oliver, 1983).
Os pobres das cidades não contam com água potável nem saneamento básico e sua subnutrição os expõe em escala ampliada e um meio ambiente superpoluído.
Os sistemas de proteção no meio ambiente de trabalho dos operários industriais são muito precários se comparados com seus similares do Norte.
Os pobres do campo são sempre as vítimas, e muitas vezes os agentes, de perturbações ecológicas: cultivam as encostas que deveriam ser deixadas cobertas de árvores, usam agrotóxicos em escala indiscriminada expondo suas próprias vidas, além do conjunto do ciclo biológico. O Estado, a burguesia local e as corporações multinacionais são tão predatórios em relação ao meio ambiente como o são em relação à força de trabalho.
A situação da população do 2º Mundo aproxima-se à do 1º, com a importante diferença de que não tem acesso a grande parte do consumo suntuário de massas do 1º Mundo, e por esta razão tem um comportamento mais ecológico (ainda que o fascínio com o Ocidente leve a ter a pretensão de uma elevação predatória da capacidade de consumo) (Morin, 1985; Novik, 1982).
O caráter autoritário-totalitário do sistema político bloqueia a emergência de movimentos ecológicos autônomos no 2º Mundo.
A expectativa do movimento ecológico para o 1º Mundo é que um processo de educação ambiental generalizada (que implicará uma for te reestruturação da distribuição do poder na sociedade) tornaria possível e provável a incorporação, por parte da grande maioria da população, de valores pós-materialistas com o conseqüente autocontrole na satisfação das necessidades materiais. Para o 2º Mundo a expectativa é similar, ainda que se suponha que este processo seja mais lento devido aos limites do regime político, já que também aí deveria acontecer uma forte redistribuição do poder.
A expectativa dos ecologistas para o 3º Mundo é um processo de desenvolvimento ecologicamente auto-sustentado e socialmente justo que elevaria consideravelmente o nível de consumo material das grandes massas populares, ao mesmo tempo que se estagnaria e racionalizaria o consumo das classes médias (e, obviamente, reduzir-se-ia o consumo das classes altas).
Este padrão de desenvolvimento exige uma reestruturação do poder mais drástica que nos 1º e 2º Mundos.
No 3º Mundo a difusão da consciência ecológica deveria implicar também uma introdução generalizada de valores pós-materialistas na população, ainda que com características diferenciadas: alterando os hábitos efetivos de sobre consumo dos setores altos e médios; mudando os componentes predatórios das expectativas de consumo dos pobres (gerados pelo efeito de demonstração) e reduzindo seu crescimento demográfico.
O movimento ecológico enfrenta no Sul maiores desafios que no Norte, devido à explosiva combinação dos problemas de degradação ambiental e injustiça social. Existe uma complexa tensão entre a justiça social (que pode implicar, valorizar a distribuição sobre a ecologia) e o ecologismo (que pode implicar valorizar a ecologia sobre a distribuição). Os movimentos ecológicos do 3º Mundo têm sua base social reduzida aos setores médios e enfrentam dificuldades, apesar de alguns esforços desenvolvidos, em penetrar os setores populares. Os setores populares do Sul (movimento sindical, movimentos populares urbanos e rurais) mantêm-se distantes do discurso ecologista, apesar de que alguns dos objetivos mais importantes destes movimentos são profundamente ecologistas (luta por condições de trabalho; saneamento básico, melhoria dos serviços de saúde pública, propriedade da terra para quem a trabalha).
A visão da vida humana que o movimento ecológico traz significa um ponto de ruptura na história do pensamento e do senso comum do Ocidente: constituí-se um novo paradigma (Capra, 1986; Capra & Spretnak, 1984). É devido a este caráter reestruturador cultural e político tão profundo do movimento ecológico que ele se transforma no eixo do surgimento de uma nova safra de partidos políticos, os partidos verdes ou ecopacifistas (Busklin, 1985, p. 463-81; Muller-Rommel, 1985, p. 483-99; Frankeand, 1983;Mewes, 1983). São partidos de valores que não pretendem transformar-se em majoritários, enquanto partidos, e governar ou tomar revolucionariamente o poder (que foram os objetivos em que bifurcou-se o movimento socialista surgido no século XIX), senão agir como transformadores da cultura política introduzindo valores pós materialistas. É claramente o caso do primeiro partido verde, o Partido dos Valores da Nova Zelândia, fundado em 1969, que conseguiu num curto período afetar profundamente a cultura política, ecologizando os dois partidos tradicionais (Trabalhista e Nacional) que alternaram-se historicamente no poder.
É a situação presente no Partido Verde Alemão que está influenciando profundamente a social-democracia, produzindo a emergência no seu seio da importante corrente ecossocialista.
É o caso do Partido Verde Belga que, após 5 anos de trabalho rigoroso e sistemático no Parlamento, conseguiu ser respeitado pela maioria da população e muito considerado pelas agências estatais
Junto com o desenvolvimento do movimento social ecologista surge no mundo ocidental, na última década, um conjunto de pensadores de diversas procedências teóricas (marxismo, teoria dos sistemas, liberalismo) e de variada formação disciplinar que vem tematizando a crise mundial em termos de ecologia política.
A título ilustrativo podemos mencionar os seguintes autores por área disciplinar de origem:
Filosofia: Edgar Morin, Gregory Bateson, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Roger Garaudy, Ivan Illich, Henry Skolimowsky (Bateson, 1972; Garaudy,1981; Castoriadis & Bendit, 1981; Skolimowski, 1981; Morin, 1981; Illich, 1976);
Biologia: Barry Commoner, René Dubos, Francisco Varela, Norman Moore (Commoner, 1980; Ward & Dubos, 1972; Varela, 1980);
Ecologia: Konrad Lorenz, Jean Dorst, Raquel Carlson, Edward Wilson, Paul Colinveaux, Frank Darling (Lorenz, 1986; Dorst, 1973; Carlson, 1980; Wilson, 1981; Colinveaux, 1981; Darling, 1975);
Geografia: Pierre George, Warren Johnson, Amilcar Herrera, YiFu Tuan (George, 1974; Johnson, 1981; Tuan, 1983; Herrera, 1982);
Sociologia: Johan Galtung, Alberto Guerreiro Ramos, André Gorz, Jean Pierre Dupuy, Joseph Huber (além das obras já citadas de Johan Galtung, veja-se: Galtung, 1980; Dupuy, 1980; Huber, 1985);
Ciência Política: William Ophuls, Richard Falk, Ronald Inglehart (Ophuls, 1977; Falk, 1971; Inglehart, 1977);
Antropologia: Richard Wikinson, George Oliver, George Balandier (Wikinson, 1974; Oliver, 1979; Balandier, 1985);
História: Arnold Toynbee, Lewis Mumford, Theodore Roszack; (Toynbee, 1979; Rosback, 1985);
Economia: Robert Heilbroner, Kenneth Boulding, E. F. Schumacher, Aurelio Peccei, Herbert Woodward, Donela Meadows, Nicholas Georgescu-Roegen, Jean Tinbergen, Ignacy Sachs, Joy Forrester (Schumacher, 1977; Georgescu-Roegen, 1976; Heilbroner, 1972; Peccei, 1981; Woodward, 1977; Forrester, 1971);
Agronomia : René Dumont, José Lutzenberger (Dumont, 1973; Lutzenberger, 1980);
Demografia: Paul Ehrlich, Jean Fourastié (Fourastié, 1970; Ehrlich, 1968);
Arquitetura: Pierre Audibert, Alexander Mitscherlich, S. Baer (Mitscherlich, 1972; Audibert, 1979; Baer, 1976);
Astronomia: Carl Sagan, Eric Chaisson (Chaisson, 1984; Sagan, 1980);
Química: Ilya Prigogine, Isabelle Stengers (Prigogine & Stengers, 1984);
Psicologia: Pierre Weil, Marilyn Ferguson (Ferguson, 1982; Weil, 1984);
Educação: Gerald Mische, R. Thomas Tanner (Mische, 1977; Tanner, 1978). Todos estes autores constatam que o mundo, como sistema complexo, apresenta limites intransponíveis, e que a insistência na transposição desses limites representa uma ameaça decisiva à sobrevivência da espécie humana. A ecologia política faz do valor de sobrevivência – respeito dos sistemas vivos e resistência à destruição da vida – o fundamento necessário para a construção e legitimação de um sistema de valores sócio-político pós-materialista.
Para os pensadores da ecologia política, o maior desafio à prática da democracia liberal vem sendo colocado pela situação de “escassez ecológica” que vivemos, isto é, pelo reconhecimento de limites e coações à atividade humana na biosfera, entendida como um sistema de recursos finitos.
Esta situação de escassez ecológica requer a auto-imposição de controles globais que garantam as condições mínimas para o funcionamento equilibrado da biosfera.
A democracia liberal estimula a superexploração competitiva de recursos escassos, os estilos de vida hedonistas, a liberdade entendida como capacidade ilimitada de ação individual, os jogos de poder irresponsáveis, o imediatismo e descompromisso com as gerações futuras. A democracia contemporânea, além de capitalista na sua base sócio-econômica, é predatória na sua relação com a natureza.
Para a ecologia política um novo dilema básico agrega-se aos outros dois fundamentais que dominaram o século XX (democracia-autoritarismo, capitalismo-socialismo): sociedade predatória-sociedade ecológica.
Este último dilema ocupa uma posição hierarquicamente superior, o valor democracia é redefinido pelo valor ecologia, ou seja, a democracia precisa ser limitada pela necessidade de preservação do equilíbrio ecológico.
As questões como extensão e profundidade de participação no processo decisório subordinam-se (mas não se reduzem) ao conteúdo normativo ecológico do sistema político.
Muitos dos pensadores da ecologia política criticam os limites da democracia representativa desde uma época que os situa perto da democracia participativa (combinação de democracia representativa e democracia direta), porém diferenciam-se dos pensadores da democracia radical, em virtude de que estes colocam no topo da escala normativa o valor participação política, subalternizando ou desconsiderando o caráter predatório ou ecológico desta participação. O pensamento democrático radical foi decisivamente marcado pela contestação antiautoritária da década de 60, sendo o eixo liberdade opressão a chave de decifração desta subcultura, com tudo o que ela implicava de supostos otimistas e onipotentes sobre a vida humana.
A ecologia política é produto de uma redefinição mais pessimista e modesta sobre a natureza humana e a gravidade da presente situação, onde o eixo vida-morte substitui o de liberdade-opressão, como chave de decifração (Feber & Heller, 1984).
A tensão entre democracia e ecologia reflete-se no movimento ecológico através da clivagem existente no seu interior entre os fundamentalistas e os realistas.
Os primeiros são mais preocupados com a pureza do movimento, com a criação de uma economia alternativa periférica e fortemente relutantes a qualquer aproximação com outras forças sócio-políticas.
Os realistas são mais preocupados com a extensão do movimento verde, a formulação de um programa econômico de transição viável capaz de ecologizar paulatinamente a sociedade desenvolvimentista e interessados numa aproximação com setores social-democratas, socialistas e liberais que mostram-se sensíveis ao programa ecologista. Os fundamentalistas, enfatizando a pureza do movimento, tendem a adotar uma visão maniqueísta e a bloquear o diálogo com a sociedade, configurando um potencial messiânico-autoritário.
Acredito ser fundamental para a dinâmica futura do movimento ecologista continuar-se a configuração atual em que são os realistas e não os fundamentalistas os que dão a tônica ao conjunto do movimento.
Isto sem prejuízo de reconhecer o papel positivo que os fundamentalistas cumprem no processo permanente de construção da identidade ecologista, desde que contidos ao lugar de um ator secundário.
Os realistas enfrentam a tensão existente entre ecologia e democracia hierarquizando valorativamente a primeira, mas valorizando também a segunda, o que se expressa na proposta de persuadir a sociedade, através de métodos democráticos, sobre a necessidade da opção ecologista. Os fundamentalistas enfrentam a tensão entre ecologia e democracia, desvalorizando a segunda a nível macrossocial, o que os coloca num perigoso dilema com o isolamento de um lado e o potencial da vanguarda iluminada-autoritária do outro.
Se existe um consenso sobre o problema da democracia entre os pensadores ecologistas, não existe consenso a respeito do dilema capitalismo-socialismo, exceto na sua subordinação ao dilema fundamental ecologia-predação.
Existem três posições básicas na ecologia política em relação a esse dilema: ecologista, ecossocialista e ecocapitalista.
Sintetizando as posições existentes no movimento ecologista mundial e na teoria política ecologista podemos diferenciar quatro posições ecologistas fundamentalistas, ecologistas realistas, ecossocialistas e ecocapitalistas.
A posição ecologista fundamentalista, de herança anarconiilista, é de horizonte bastante pessimista; acredita na construção de uma sociedade ecologista alternativa na periferia da sociedade materialista, desconsiderando as possibilidades de transformação global da sociedade. (Uma excelente apresentação da visão fundamentalista encontra-se em Diener & Supp, 1982).
Acredita-se irreversível a lógica predatório-exterminista do mundo contemporâneo, constituindo-se numa ruptura fundamental com a tradição ocidental judeu-cristã desde que o futuro é inviável (não há Terra nem Paraíso), restando apenas esperar o fim vivendo de modo coerente com os princípios.
Os ecologistas realistas apostam na possibilidade de transformação da sociedade, a partir da construção e desenvolvimento de um movimento ecologista rígido nos princípios e flexível na interação com a sociedade. (Uma excelente visão do argumento ecologista realista encontra-se em Galtung, 1984; Ramos, 1981; Sachs, 1982; Schumacher, 1977; Barho, 1984.) O referencial normativo é um sistema sócio-econômico radicalmente diferente do capitalismo e do socialismo, baseado na pequena propriedade privada e na propriedade cooperativa (predominantemente média, mas também grande) com autogestão do sistema produtivo e ênfase no Estado de nível local (município, região) como alocador de recursos. Mas o caminho para chegar até aquele passa por uma longa transição, ecologizando progressivamente os capitalismos e socialismos realmente existentes.
A posição ecologista realista é herdeira do socialismo utópico (Proudhon, Fourier, Owen), do socialismo democrático (Kautsky, Adel, Jaurés, Blum, Gramsci, os esposos Webb, de León), do liberalismo de desenvolvimento da pessoa (John Stuart Mill, Henry Thoreau, James Dewey, Bertrand Russell) e do gandhismo.
A posição ecossocialista é favorável a uma ruptura com a sociedade capitalista (e a socialista real, considerada uma variante estatizada da primeira), segundo o referencial normativo da estatização ampla do sistema produtivo gerido através de planejamento participativo centralizado. (Para uma apresentação da visão ecossocialista veja-se Dumont, 1984; Offe, 1984.)
Esta postura considera inviável uma ecologização progressiva do capitalismo e do socialismo real tal como é preconizada pelos ecologistas realistas. Um marxismo agiornado, bastante heterodoxo, continua sendo fundamental na visão de mundo ecossocialista. Ela é herdeira do socialismo revolucionário-democrático (Marx, R. Luxemburgo, Lefort-Castoriadis da fase “Socialismo ou Barbárie”).
A posição ecocapitalista argumenta a favor do mercado como alocador de recursos, sendo este disciplinado por um Estado que opera como guardião ecológico da sociedade, sendo compatível com o predomínio da grande propriedade oligopólica.
O Estado de Bem-Estar Social deverá transformar-se no Estado de Bem-Estar Sócio-Ecológico. A posição ecocapitalista tem uma visão um tanto otimista do futuro (ao menos segundo os parâmetros relativamente pessimistas do conjunto do ecologismo), sendo herdeira da social-democracia (Bernstein, Schumpeter, Brandt, Palme); do liberalismo social (Harold. Laski) e do conservadorismo social (Bismark, De Gasperi).
No movimento social ecologista mundial a posição ecologista realista é definidamente predominante, sendo minoritárias as outras três. Fora do movimento ecológico a situação muda.
Nos setores sensíveis à ecologia da opinião pública ocidental a posição ecocapitalista é predominante, sendo secundária a posição ecologista-realista.
A posição ecossocialista predomina nos setores sensíveis à ecologia da subcultura socialista-comunista ocidental (por exemplo a forte corrente verde do Partido Comunista Italiano encabeçada por P. Ingrao) e nos setores sensíveis á ecologia da oposição democrática em algumas sociedades da Europa Oriental (Polônia, Alemanha, Hungria, Tchecoslováquia). Finalmente a posição ecologista fundamentalista, por definição, não existe fora do movimento ecologista.
Depois desta introdução sobre o significado da crise ecológica e do ecologismo no mundo, entramos na análise da situação brasileira que é 0 objetivo específico deste paper.
Quatro décadas de crescimento econômico acelerado no Brasil trouxeram uma profunda degradação ambiental, talvez a mais intensa e acelerada que aconteceu na história do industrialismo. (Dumont & Mottin, 1982; Olivier, 1983; Vitale, 1983; Lutzenberger, 1985a e 1985b, p. 14-32; Ramos, 1980.)
Quase paralelamente ao 1.° Mundo, ainda que numa escala muito menor, desenvolveram-se no Brasil os movimentos ecológicos. Podemos situar seu início em 1974, ano em que se inicia a política de “distensão” do presidente Geisel, com o conseqüente afrouxamento dos controles estatais sobre a organização da sociedade civil. (Sobre o contexto geral do surgimento do movimento ecológico em relação a outros movimentos sociais veja-se Mainwaring & Viola, 1984.) O Brasil é o país da América Latina em que os movimentos ecológicos nascem mais cedo e adquirem uma relevância maior até o momento.
Nossa hipótese é que podemos diferenciar três períodos na história do movimento ecológico no Brasil.
Uma primeira: fase que chamamos de ambientalista, desde 1974 até 1981, caracterizada pela existência de dois movimentos paralelos auto-identificados como apolíticos: os movimentos de denúncia da degradação ambiental nas cidades e nas comunidades alternativas rurais.
Uma segunda: fase que chamamos de transição, desde 1982 até 1985, caracterizada pela confluência parcial e politização explícita progressiva dos dois movimentos acima assinalados, além de uma grande expansão quantitativa e qualitativa de ambos. Uma terceira fase, que chamamos de opção ecopolítica, começa em 1986, quando a grande maioria do movimento ecológico auto-identifica-se como político e decide participar ativamente na arena parlamentar.
Este paper é um produto parcial de uma pesquisa iniciada em 1981 e retomada em 1985-86. Tenho trabalhado com material documental produzido pelo próprio movimento ecológico e informação jornalística; realizado entrevistas em profundidade com membros do movimento ecológico de seis Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais); e realizado observação participante sistemática no movimento ecológico de Santa Catarina e eventual nos outros cinco Estados.
Sou consciente do caráter pioneiro deste trabalho e das consequentes limitações acadêmicas que isto implica. A repercussão da problemática ecológica no meio acadêmico das ciências sociais na América Latina, e no Brasil em particular, tem sido até agora muito reduzida. O errôneo suposto de que “ecologia é problema de país desenvolvido” está por trás deste desinteresse.
Esperamos que este paper contribua para dissolver alguns preconceitos que ainda bloqueiam a aproximação da problemática da ecologia política por parte de nossos cientistas sociais.
A crise ecológica no Brasil
Uma vez mais se deve começar falando dos contrastes do Brasil: a oitava economia do mundo capitalista, um dos países de mais injusta distribuição da renda no Mundo, é também um dos países dê mais profunda degradação ambiental entre os países de renda média e alta (acima de 1.000 dólares per capita).
Uma exploração selvagem das florestas e uma monocultura irracional estão transformando em desertos importantes áreas do Sul, Sudeste,. Centro-Oeste e Norte colonial já deixou uma “herança maldita” no Nordeste.
Os detritos da produção industrial, os resíduos de agrotóxicos usados na lavoura e os esgotos diretos nos rios têm comprometido perigosamente os recursos hídricos (Gonçalves, 1984; Lutzenberger, 1985a).
A qualidade das águas da rede pública consumida em quase todo o Brasil é péssima, segundo parâmetros internacionais exigentes. Os gases emanados das indústrias, com nenhum controle antipoluente até o final da década de 70 e com mínimo controle nos anos 80, têm transformado a atmosfera das cidades industriais brasileiras num multiplicador e gerador de doenças respiratórias.
Os carros produzidos no Brasil, salvo quando são destinados à exportação, não dispõem de equipamentos antipoluentes, tornando altamente contaminadas as áreas centrais de cidades apenas terciárias, para não falar das industriais. O controle sanitário da produção de alimentos, ainda nos que destinam-se aos mercados mais sofisticados, é quase inexistente, utilizando-se altas doses de conservantes químicos cujo uso está proibido ou restringido nos países do 1º Mundo.
Isto para não falar da péssima qualidade nutricional e sanitária dos alimentos consumidos pela maioria pobre. A ausência de esgotos para a maioria da população e o tratamento inadequado do lixo (tanto pela população que joga irresponsavelmente em qualquer lugar quanto pelas agências públicas que raramente dispõem de sistemas de tratamento adequado) transformam as cidades em um “campo minado”.
A usina nuclear de Angra I foi construída num lugar geologicamente inadequado; suas condições de segurança são certamente muito inferiores às das usinas do 1º Mundo (ainda que possam ser superiores às soviéticas); a estrutura de defesa civil para enfrentar acidentes e. quase inexistente. Por último, como coroação da degradação sócio-ambiental, a produção de armamentos absorve uma parte significativa do parque industrial e científico-tecnológico do país, o que lhe permite ser o 5º exportador de armas do mundo (Arnt, 1985; Brigagão, 1984).
O crescimento econômico acelerado tornou-se ponto de consenso das elites brasileiras desde que o presidente Juscelino Kubitscheck o erigiu em ideologia dominante através da palavra de ordem: “avançar 50 anos em 5”. A ideologia do crescimento acelerado e predatório chegou ao paroxismo durante a presidência de Médici, quando o governo brasileiro fazia anúncios nos jornais e revistas do 1º Mundo convidando as indústrias poluidoras a transferirem-se para o Brasil, onde não teriam nenhum gasto em equipamento antipoluente, e a delegação brasileira na Conferência Internacional do Meio Ambiente (Estocolmo, 1972) argumentava que as preocupações com a defesa ambiental mascaravam interesses imperialistas que queriam bloquear o ascenso dos países em desenvolvimento.
Durante as duas décadas de regime autoritário-militar, governo e oposição coincidiam na necessidade do crescimento econômico acelerado. As críticas de oposição focalizavam nos custos sociais do crescimento, no seu caráter concentrador da renda, sem fazer quase referência a seu brutal custo ecológico.
Os debates sobre o modelo econômico brasileiro circunscreveram.-se a três posições: a defesa do modelo de capitalismo selvagem vigente, a crítica realizada desde a oposição moderada agrupada no MDB-PMDB que apontava na direção da instauração de um modelo de capitalismo de bem-estar que atenuaria significativamente as desigualdades sócio-econômicas; e a crítica socialista que apontava a substituição do capitalismo pelo socialismo estatista como modo de resolver os problemas de miséria das grandes massas. Poucos políticos ou economistas significativos da oposição (Celso Furtado, Fernando Gabeira, o ex-deputado federal cassado Alberto Guerreiro Ramos) têm defendido um modelo de desenvolvimento que, além de resolver os problemas de desigualdade econômico-social, apontasse também o equilíbrio ecológico. Pelo menos até o fim do regime militar os movimentos ecológicos não tiveram nenhuma influência no debate político global sobre o futuro da sociedade brasileira.
Dos dez governos oposicionistas, eleitos em 1982, somente um deles, o do Paraná, comandado pelo peemedebista José Richa, deu uma importância, efetiva ao meio ambiente no equacionamento da agenda de políticas públicas. Os nove restantes mudaram de retórica em relação aos anteriores governos arenistas-pedessistas que depreciavam a questão ambiental, mas sem que isto significasse políticas efetivas correspondentes.
A Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) foi criada em 1974 pelo então presidente Geisel, com o único objetivo de cumprir exigências de alguns organismos internacionais que exigiam a existência formal deste tipo de órgão, junto com relatórios de impacto ambiental; para a aprovação de empréstimos destinados a grandes obras públicas.
Durante todo o regime militar a SEMA foi uma agência marginal do Ministério do interior chefiado patrimonialisticamente por Paulo Nogueira Neto.
Esta posição marginal continuou ainda na Nova República apesar de ter sido criado com algum estardalhaço o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. O Dr. Nogueira Neto realizou a rara façanha de dirigir a SEMA por 12 anos (até julho de 1986), atravessando as presidências de Geisel, Figueiredo e Sarney, tudo isto apesar de ser parcialmente combatido pelo movimento ecológico. As agências estaduais de meio ambiente criadas nos Estados do Sul-Sudeste, na segunda metade da década de 70, com o objetivo de controlar os excessos maiores em termos de poluição ambiental, somente começaram a agir efetivamente em termos de licenciamento ambiental no começo da década de 80, mesmo assim agindo com mão branda sempre que a resistência das indústrias em realizar “investimentos improdutivos” as colocava diante da necessidade de punir as empresas. O caso de Cubatão, detentora do título de cidade mais poluída do mundo, na área de atuação da CETESB, que é de longe a agência estatal de meio ambiente mais desenvolvida da América Latina, mostra quanto o poder público dobrou-se à resistência das empresas privadas e estatais (Branco, 1974).
O sentido comum “desenvolvimentista estreito” ou “desenvolvimentista predatório” é muito forte e difundido na sociedade brasileira e isto penetra também na intelectualidade crítica.
O fato de o Brasil ser um país continental com vastas áreas populacionalmente vazias criou um “sentido de impunidade desenvolvimentista”, de custos toleráveis altíssimos para o crescimento econômico.
A política econômica da Nova República não tem significado até agora nenhuma mudança efetiva em relação a este desenvolvimentismo predatório, apesar de o discurso do presidente Sarney (em 5 de junho de 1986), por ocasião do tombamento da Serra do Mar, ter um conteúdo genérico de defesa ambiental que se coloca nas antípodas do discurso de Médici em 1972.
O discurso cotidiano da Nova República está totalmente concentrado no crescimento econômico e na necessidade de uma melhor distribuição da renda, este segundo aspecto era secundário no discurso do regime militar. A questão ambiental não está presente no discurso básico da Nova República e muito menos nas suas políticas efetivas.
Porém,é importante diferenciar o fato de, secundariamente, em algumas oportunidades, o Ministro do Planejamento, João Sayad ter falado da necessidade de instaurar um modelo de desenvolvimento que leve em consideração a preservação ambiental.
Acreditamos que estes novos elementos(discurso que valoriza basicamente o desenvolvimento econômico com justiça social e secundariamente considera a questão ambiental) indicam a existência de um campo de forças significativamente alterado em relação ao passado que permitirá uma ampliação do escopo do debate político sobre o futuro da sociedade brasileira no qual terá lugar e voz a posição ecologista.
Na minha opinião o Brasil avança para um cenário em que as posições básicas em debate não serão mais três, mas quatro. Em primeiro lugar, a posição hegemônica da Nova República, favorável a uma instauração a médio prazo de um capitalismo de bem-estar e realizando uma política econômica que vai implicando uma democratização (ainda que limitada) na distribuição da renda. Em segundo lugar, a posição conservadora favorável a bloquear ou retardar ao máximo a instauração do capitalismo de bem-estar. Em terceiro lugar;a posição socialista favorável a uma rápida democratização sócio-econômica através de um significativo avanço na estatização do sistema produtivo e uma drástica limitação do mercado como alocador de recursos. Em quarto lugar, a posição ecologista, favorável a um modelo de desenvolvimento que combine a democratização sócio-econômica com a preservação ambiental, com ênfase na qualidade da vida e no consumo coletivo, antes que no crescimento apenas quantitativo e no consumo individual.
A presença da posição ecologista no debate político nacional poderá ter um efeito ecologizante tanto sobre a posição social-democrata quanto sobre a posição socialista, aumentando deste modo as possibilidades de superar o consenso desenvolvimentista predatório que dominou nas últimas décadas na sociedade brasileira.
O movimento ecológico na fase ambientalista (1974-1981)
Em junho de 1971, um grupo de combativos pioneiros, encabeçado pelo engenheiro agrônomo José Lutzenberger, funda em Porto Alegre a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), a primeira associação ecologista a surgir no Brasil e na América Latina. Existiram previamente algumas personalidades que lutavam quase sozinhas pela proteção da natureza, entre as quais destaca-se o naturalista Henrique Roessler, de São Leopoldo, que teve grande atuação em todo Rio Grande do Sul nas décadas de 50 e 60 (Roessler, 1986).
Alguns destes ativistas naturalistas e pessoas adinheiradas de orientação filantrópica reuniram-se, em 1958, na Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, com sede no Rio de Janeiro. Esta Fundação (vinculada à União Internacional para a Conservação da Natureza fundada em Suiza, em 1947) faz parte da pré-história do ecologismo brasileiro, já que seus objetivos e modo de atuação foram estritamente conservacionistas, na linha das sociedades protetoras de animais surgidas em vários países no século XIX.
Os pontos principais do programa fundacional da AGAPAN eram os seguintes: defesa da fauna e da vegetação; combate ao uso exagerado dos meios mecânicos contra o solo e à poluição causada pelas indústrias e veículos; combate ao uso indiscriminado de inseticidas, fungicidas e herbicidas; combate à poluição dos cursos d’água pelos resíduos industriais e domiciliares não-tratados; combate às destruições desnecessárias de belezas paisagísticas; luta pila salvação da humanidade da destruição, promovendo a ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo uma nova moral ecológica.
A atuação da AGAPAN viu-se muito dificultada durante a presidência Médici, quando o clima repressivo que dominava o país tornava quase heróica qualquer organização autônoma da sociedade civil que não agisse sob o guarda-chuva da Igreja católica (Alves, 1985). A partir de 1974 as condições de atuação da AGAPAN melhoram sensivelmente e ela torna-se visível na sociedade gaúcha. Também no ano 74, como produto do início da liberalização política, surgem algumas associações ecológicas nas principais cidades do Sul-Sudeste, destacando-se o “Movimento Arte e Pensamento Ecológico” em São Paulo. Por tudo isto consideramos 1974 como o ano de começo do movimento ecológico no Brasil.
O Brasil acordou subitamente para a preocupação com os recursos naturais não-renováveis com o choque do petróleo em 1973.
Esta preocupação era a única ponte existente entre o movimento ecológico e setores da tecnoburocracia estatal.
Porém, as três alternativas desenhadas pela tecnoburocracia para a crise do petróleo foram predatória: opção nuclear em grande escala através do acordo com a Alemanha; energia de biomassa através de uma de suas formas ecologicamente mais perigosas, o álcool da cana-de-açúcar; aceleração na construção de grandes usinas hidroelétricas, sem avaliar precisamente seu impacto ambiental e pouco considerando as usinas de médio e pequeno porte (mais apropriadas ecologicamente) (Bôa Nova, 1985).
Durante a fase ambientalista o movimento ecológico brasileiro esteve constituído por dois movimentos paralelos e independentes entre si os movimentos de denúncia da degradação ambiental nas cidades e as comunidades alternativas rurais.
Ambos movimentos se autodefinem como apolíticos, ainda que o conteúdo deste apoliticismo seja diferente. No caso das comunidades alternativas rurais trata-se de uma rejeição de interação com a sociedade global, desde que esta interação é avaliada como contaminadora e degradadora do esforço alternativo.
Nos casos de movimentos de denúncia da degradação ambiental, que agem no interior da sociedade e interagem com associações da sociedade civil e agências estatais, a rejeição da política tem as seguintes denotações: uma visão dos desequilíbrios ecológicos que tende a ser dissociada dos problemas de organização do poder e da propriedade no interior da sociedade, um modo de proteção das associações contra os efeitos divisionistas que uma eventual introdução do debate político partidário teria no interior delas, uma visão da atividade política e do campo político partidário como marcados pela impureza, desonestidade e corrupção, o que contrasta com o caráter de pureza auto-atribuído à visão ecológica do mundo e à militância ecologista.
Geralmente as associações de denúncia da degradação ambiental estão compostas de um núcleo ativo que oscila entre 10 e 20 pessoas e um vasto contingente passivo de filiados que vai de 50 a 200 pessoas e atinge, no caso das mais extensas, mais de 1000 pessoas. A maioria das associações vivem uma primeira fase de sua existência sem estruturação jurídica, sendo somente depois de um ou dois anos de atividades como grupos que se organizam na forma de associação jurídica.
Outra característica fundamental das associações é o peso marcante que tem na maioria delas uma ou duas pessoas que se destacam muito diferenciadamente do resto dos membros em várias dimensões: tempo e energia dedicados à associação, prestígio público, autoridade nas decisões do grupo, acesso aos meios de comunicação de massa, acesso às agências estatais.
Nesta fase ambientalista as associações estão constituídas quase exclusivamente por pessoas de formação universitária, com uma renda acima da média brasileira, a maioria delas profissionais e uma minoria de estudantes, com um forte predomínio de homens sobre mulheres. Geralmente existem um ou dois objetivos específicos que são o eixo da atividade de cada associação, apesar de serem elas permanentemente receptáculo de múltiplas queixas e reclamações provenientes de cidadãos isolados, grupos informais ou outras associações (particularmente de moradores).
Os mais comuns alvos de luta das associações, na fase ambientalista, são os seguintes: uma indústria já instalada que polui ostensivamente a atmosfera ou o sistema de águas; um projeto de instalação industrial do qual suspeita-se terá um alto impacto ambiental; a preservação de uma área verde que começa a ser degradada por uma exploração particular semiclandestina ou por um uso público predatório; uma área de preservação ecológica já definida legalmente que está sendo degradada pela falta de fiscalização das agências estatais (parques nacionais e estaduais, manguezais, dunas etc.); uma área urbana de valor histórico-arquitetônico que ameaça ser devorada pela especulação imobiliária. As lutas ecologistas urbanas implicam um confronto com uma empresa particular ou com uma agência estatal.
No caso do confronto com uma empresa, alguma agência estatal tenderá a ser rapidamente envolvida, seja como inimiga na medida em que é considerada cúmplice passiva da degradação ou como aliada, desde que se perceba nela uma disposição para o confronto com a empresa. Geralmente, nesta fase ambientalista a eficácia das lutas ecologistas é muito baixa em termos de ganhos precisos, mas é significativa se considerarmos a ecologização da mentalidade de contingentes qualitativamente importantes da população. A degradação ambiental não é detida e muito menos revertida, mas a percepção da degradação aumenta na sociedade.
Como corresponde a qualquer processo de ação coletiva, é no transcorrer destas lutas que vai constituindo-se a identidade coletiva do movimento ecológico. (Sobre a construção de identidade coletiva veja-se: Alberoni, 1981; Touraine et alii, 1982).
Este processo de formação da identidade coletiva implicará uma crescente diferenciação perceptiva, atitudinal e comportamental em vários planos: passa-se de uma percepção monoliticamente negativa do Estado para uma percepção de suas contradições e nuances internas; passa-se de um formato de luta com predomínio exclusivo da ação de denúncia para uma definição mais precisa de fins e meios a utilizar para atingi-los; passa-se de uma visão grosseira do significado de ser ecologista para outra mais complexa; passa-se de um quase desprezo pela formação teórica dos militantes para uma valorização do trabalho teórico.
Todo este processo de formação da identidade coletiva irá ter um ponto de convergência qualitativo na fase seguinte de transição (1982-85) quando é redefinida a relação com a política.
As comunidades alternativas rurais são constituídas desde meados da década de 70 por jovens provenientes das regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre) (Tavares, 1983; Sanchez, 1984; Aveline, 1984; Jo Neto, 1986 e o Jornal Comum-Unidade).
O eixo da proposta é um novo modo de vida, um novo cotidiano, longe dos efeitos predatórios e egoístas gerados pelas cidades.
Participam dela dois tipos de jovens: os que tiveram uma rápida e traumática passagem pela esquerda na segunda metade dos anos 60 e os que não tiveram nenhum tipo de experiência política prévia.
Ambos os grupos têm uma forte rejeição da atividade política, procurando estabelecer um corte drástico entre o movimento de comunidades alternativas e os movimentos juvenis anteriores.
Trata-se duma subcultura de resistência ao novo padrão social dominante na juventude que valoriza a integração ao milagre econômico e abandono dos sonhos de transformação social.
O movimento de comunidades alternativas rurais recebe influência do movimento da contracultura norte-americana: revalorização do trabalho manual, viver em contato permanente com a natureza, alimentação ovo-lacto-vegetariana produzida na própria comunidade sem uso de produtos químicos; práticas de meditação, medicina alternativa baseada na homeopatia e naturismo, crítica aos modos de vida excessivamente intelectualizados. (Sobre a contracultura norte-americana veja-se o clássico Roszack, 1976).
A maioria das comunidades caracterizou-se pela sua instabilidade e fragilidade organizacional: alta rotatividade de seus membros, dificuldades para estabelecer regras de convivência; dificuldades para tornar-se auto-suficientes. Em geral, a vida no campo e a realidade do trabalho agrícola eram muito mais duras que o imaginado pelos jovens quando decidiam abandonar as cidades e, por isto, boa parte deles voltaram para as cidades onde iriam convergir na formação dos restaurantes e entrepostos naturistas.
Mas os jovens que superaram o primeiro período adaptativo começaram a trilhar um frutífero caminho de aprendizagem de uma nova relação com a natureza que os levaram a posições mais realistas e equilibradas comparadas com o fanatismo inicial.
Deste modo constituíram novos territórios sociais estáveis desde os quais dialogavam com a cultura urbana através dos entrepostos e restaurantes naturistas.
A partir de 1979 o debate cultural brasileiro ganha em amplidão com a entrada de alguns esquerdistas voltados do exílio como Fernando Gabeira que introduz valores pós-materialistas na cultura de massas, em particular na juventude (Gabeira, 1985a). Esta oxigenação cultural criará um clima social muito mais favorável para as atividades do movimento ecológico.
Um setor significativo da população de nível cultural médio e alto vai passando de uma situação de desinformação com respeito a questões de meio ambiente e a conseguinte percepção do movimento ecológico como minoria folclórica, para uma postura de certa atenção para a relevância do problema e consequente respeito dos ecologistas. Em 1979 difunde-se pelo país um movimento de defesa da Amazônia que denuncia a voraz depredação a que esta estava submetida desde o início da década de 70. Este movimento encontra simpatia difusa na opinião pública e, apesar de não gerar nenhum ganho pontual no curto prazo, criou uma mentalidade mais inclinada à defesa ambiental nas agências estatais amazônicas.
Em 1978, o Movimento Arte e Pensamento Ecológico começa a publicar regularmente a revista Pensamento Ecológico que se transforma no primeiro órgão de debate sistemático dos ecologistas brasileiros.
A revista é publicada três vezes por ano e vai crescendo em quantidade de páginas e qualidade de artigos (traduzidos de revistas internacionais e produzidos no Brasil) até estabilizar-se em torno de 50 páginas a partir do número 5.
Em 1980 são publicados os livros de José Lutzenberger Fim do futuro manifesto ecológico brasileiro e Pesadelo atômico; as primeiras reflexões globais e sistemáticas sobre a crise ecológica brasileira produzidas no interior do movimento ecológico (Lutzenberger, 1980; 1980b)
O questionamento do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi desenvolvido – dentro do movimento ecológico – particularmente pela AGAPAN, elaborando a crítica mais global e profunda, como forma de produção energética e como padrão civilizatório, inspirando-se para isto no movimento contra as usinas nucleares do 1º Mundo (Touraine et alii, 1980).
O impacto da prédica da AGAPAN foi de tal ordem na opinião pública gaúcha que a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda à Constituição do Estado proibindo a construção de usinas nucleares.
No caso da crítica à política nuclear do governo brasileiro, o movimento ecológico contou com aliados-chaves na sociedade civil: a Sociedade Brasileira de Física e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (Girotti, 1984; Rosa, 1985).
Também a partir de 1979 começou a adquirir impacto nacional a experiência de prefeituras alternativas realizada em Lages (SC) pela “Equipe Dirceu Carneiro” desde fevereiro de 1977 (Alves, 1980; Silva, 1985).
Embora Carneiro e sua equipe não se auto-identificassem como parte do movimento ecológico, o seu discurso e suas propostas concretas eram orientados por valores pós-materialistas.
A experiência de Lages significou a primeira experiência de “ecodesenvolvimento espontâneo” no Brasil, introduzindo no debate nacional e no movimento ecológico, em particular, um referencial concreto de ecologismo de 3º Mundo, combinando valores de justiça social, equilíbrio ecológico e democracia de base.
A presença de fenômenos como Gabeira, Lutzenberger, “Pensamento Ecológico”, Lages cria um novo patamar de debate no movimento ecológico. A posição ambientalista-conservacionista até esse momento, predominando claramente, começa a ser criticada desde uma posição que enfatiza os vínculos entre os desequilíbrios na relação sociedade-natureza e os desequilíbrios no interior da sociedade.
O ecologismo em transição (1982-1985)
O ano de 1982 é crucial na transição democrática brasileira na medida em que o processo, até o momento restrito à liberalização, adquire uma dimensão de democratização política com a realização de eleições competitivas para os governos estaduais. (Sobre a importância de 1982 na transição democrática brasileira veja-se Lamounier, 1986; Viola & Mainwaring, 1985.) E 1982 é também o ano em que podemos datar o início da fase de transição do movimento ecológico. De qualquer modo, à diferença dos outros movimentos sociais (novo sindicalismo, associações de moradores, comunidades eclesiais de base, feminismo) que envolveram-se intensamente na luta político-eleitoral de 1982, o movimento ecológico interveio apenas tangencialmente. (Sobre o envolvimento dos movimentos sociais nas eleições de 1982 veja-se Jacobi, 1985.)
Um setor minoritário do ecologismo decide participar diretamente na arena política nas eleições de 1982 apoiando candidatos que levantam bandeiras ecológicas para deputado estadual.
Este processo acontece nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os candidatos estão no PT e PMDB.
A maioria dos ativistas ecologistas rejeitam qualquer envolvimento direto com candidatos em 1982, mas o fato de um setor minoritário decidir envolver-se é suficiente para introduzir uma nova dinâmica no interior do movimento.
Três dos candidatos que levantaram bandeiras ecológicas como um componente fundamental de sua plataforma elegeram-se nas eleições de 1982: Litz Vieira é eleito deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro, Walter Lazzarini é eleito deputado estadual pelo PMDB de São Paulo e Caio Lustoza é eleito vereador pelo PMDB de Porto Alegre.
Gastão Gonçalves é eleito suplente de deputado estadual pelo PMDB de São Paulo. O ex-prefeito de Lages, Dirceu Carneiro, elege-se deputado federal pelo PMDB de Santa Catarina, mas as questões ecológicas ocupam um lugar secundário na sua plataforma.
Os três parlamentares eleitos tiveram uma atuação consequente com sua plataforma eleitoral prestigiando as potencialidades da função parlamentar diante do movimento ecológico.
O segundo momento de envolvimento político das associações ecológicas acontecerá em começo de 1984 por ocasião da campanha pelas diretas. A diferença das eleições de 1982, a grande maioria dos ativistas ecologistas decide participar nas mobilizações em favor de eleições diretas para presidente da República.
Durante a campanha são reativadas discussões travadas em 1982 e um novo consenso vai construindo-se no movimento: a defesa do meio ambiente está diretamente vinculada aos problemas da organização do poder e da propriedade na sociedade global.
Como resultado dos debates realizados durante a campanha pelas diretas, os movimentos ecológicos de São Paulo e Rio Grande do Sul realizam durante o ano de 1984 vários encontros regionais nos quais são discutidas formas de coordenar os esforços das diversas entidades, particularmente quando lidam com as agências estatais.
Esta prática de realização de encontros estaduais continua naqueles Estados durante 1985, ano em que se realizam também em Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro.
As agendas destes encontros têm vários pontos em comum que mostram a politização do ecologismo: identificação dos principais pontos de degradação ambiental no Estado, definição de prioridades de luta a nível estadual, discussão sobre as relações entre movimento ecológico e partidos políticos, alianças com outros movimentos sociais, fortalecimento organizacional das associações, discussão sobre a viabilidade e desejabilidade de formação de um Partido Verde no Brasil, conteúdos e formas de participação ecologista na Constituinte.
Durante a campanha eleitoral das prefeituras em 1985 os movimentos ecológicos conseguem estruturar espaços de debate autônomo com os candidatos dos diversos partidos em três capitais: Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis. Em Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte os movimentos ecológicos não conseguem criar essa instância de debate público com os candidatos, mas intervêm abertamente em apoio aos candidatos que mostram sensibilidade para a questão ambiental.
Desde meados de 1985 existe consenso no movimento ecológico dos seis Estados em que este tem uma estruturação básica (RS, SC, PR, SP, RJ, MG) sobre a necessidade de intervir incisivamente no próximo Congresso Constituinte.
Isto leva à fundação, em fins de novembro no Rio de Janeiro, da Coordenadoria Interestadual Ecologista para a Constituinte (CIEC) com a participação de representantes dos seis Estados referidos. As linhas gerais do novo consenso estão definidas: é fundamental ecologizar o debate constituinte e o texto da futura Constituição e isto deve ser feito através da eleição de constituintes surgidos do seio de movimento que constituiriam um bloco parlamentar ecologista; o apoio a candidatos externos ainda que simpáticos e sensíveis ao movimento é uma alternativa limitada; é preciso um debate interestadual com o objetivo de precisar quais serão as posições ecologistas que serão enfatizadas durante a campanha eleitoral.
Em três anos que vão de 1982 a 1985 tinham se processado mudanças cruciais na orientação do movimento ecológico: a grande maioria de 82 não queria nenhum tipo de envolvimento nas eleições, a grande maioria de 85 é favorável ao envolvimento, direto do movimento nas eleições apoiando candidatos emergidos do interior.
Durante esta fase de transição foi processando-se uma aproximação entre as comunidades alternativas rurais e o ecologismo urbano. De um lado diminuía o fundamentalismo que bloqueava o diálogo com a vida urbana, do outra emergia o problema da criação de uma economia alternativa nas cidades, e para isto devia recorrer-se à experiência dos que tinham resolvido esse problema no campo.
Esta aproximação resultou muito fecunda no Rio Grande do Sul, onde se consolida a cooperativa “Coolmeia”. A “Coolmeia” é uma comunidade urbano-rural constituída por um entreposto-restaurante em Porto Alegre e uma fazenda a 50 quilômetros. Alguns membros vivem no campo e outros na cidade, revezando-se.
Estão organizados segundo o princípio do cooperativismo autogestionário e são muito ativos nas lutas do movimento ecológico gaúcho.
A confluência entre o ecologismo urbano e rural foi muito importante durante 1984 quando foram debatidas e aprovadas as leis estaduais de agrotóxicos nos Estados do Sul-Sudeste.
O movimento urbano pôde ampliar notavelmente o escopo do debate, incluindo exemplos precisos de agricultura ecológica, em virtude do subsídio prático oferecido por 10 anos de experiência das comunidades alternativas rurais (Pinheiro et aiiü, 1985).
Foram estas experiências que influenciaram decisivamente na formação de uma forte corrente ecologista no interior da Sociedade Brasileira de Engenheiros Agrônomos. As comunidades rurais vinham realizando, desde 1978, Encontros Anuais de Comunidades Alternativas que ano a ano foram transformando-se num fórum fundamental de intercâmbio de experiências. Em 1985, pela primeira vez, o Encontro, realizado em Pindamonhangaba (SP), foi aberto aos ecologistas urbanos, resultando no, primeiro diálogo sistemático a nível nacional de ecologistas, rurais e urbanos. Nesse Encontro, com a participação de mais de 2.000 pessoas durante uma semana, os ecologistas urbanos conseguiram persuadir a parte dos rurais sobre a importância da participação no próximo Congresso Constituinte.
O ano de 1985 foi também um ano decisivo desde o ponto de vista da imprensa ecologista: apareceram dois novos jornais de circulação nacional Outra e Vida e Cultura Alternativa.
O primeiro é uma publicação trimestral da Cooperativa “Coovida” do Rio de Janeiro, circulando no interior do movimento alternativo.
O segundo é uma publicação montada em moldes comerciais, mas com um conselho editorial constituído por personalidades do movimento alternativo, que tem uma circulação extraordinária para uma publicação ecologista (60.000 exemplares distribuídos em todo o país).
Várias transformações ocorreram no tecido social do movimento ecológico entre 1982 e 1985 que explicam a radical mudança de posição política: proliferaram entidades nas cidades médias dos seis Estados do Sul-Sudeste; o número de ativistas por entidades e o número de simpatizantes cresceu consideravelmente; os ecologistas penetraram no interior de muitas associações de moradores de classe média; em algumas áreas e cidades industriais começou um diálogo e interinfluência entre o movimento ecológico e o sindicalismo operário; o movimento ecológico começou a penetrar estruturalmente no estudantado universitário; influência do movimento ecológico, no Sul, nos movimentos dos “sem-terra” e contra as grandes barragens (Scherer-Warren & Reis, 1985; Minc, 1985).
Mas, a transformação fundamental foi na mudança do padrão de atuação do ecologismo: o movimento de pura denúncia foi sendo substituído pela formulação de estratégias que levaram em consideração fundamentalmente a eficácia pontual da luta. Deste modo, em 1985, é possível visualizar vitórias concretas das lutas do movimento ecológico em várias cidades, os processos decisórios a nível de políticas públicas (particularmente municipais mas também estaduais) são afetados pelas lutas ecologistas.
Toda esta mudança no tecido social do movimento ecológico acarretou uma mudança qualitativa na opinião pública: a maioria da população medianamente informada passou a considerar com seriedade a crise ecológica e a atuação ecologista.
Isto reflete-se também nos meios de comunicação de massas: em 1985 aumentou consideravelmente o espaço dedicado a questões de meio ambiente na imprensa escrita e na televisão (Lafo, 1986).
A classe média “culta” incorporou alguns valores ecologistas na sua visão de mundo, ainda que de modo fragmentário: geralmente se considera desejáveis e compatíveis um crescimento do consumo individual (esta classe média tem um padrão de consumo similar a seu equivalente do 1º Mundo) e a preservação do meio ambiente. Quando é necessário realizar uma opção precisa entre consumo e meio ambiente, á maioria opta pelo primeiro.
A opção ecopolítica em 1986
Desde janeiro de 1986 existe intensa movimentação no ecologismo na perspectiva de intervenção no processo Constituinte. Em fevereiro realizou-se em Curitiba o 2º Encontro do CIEC com representação dos seis Estados do Sul-Sudeste. Neste Encontro estabeleceu-se os parâmetros gerais da plataforma ecologista nacional para a Constituinte; ecodesenvolvimento, pacifismo, descentralização das fontes energéticas (contra as usinas nucleares e as grandes hidroelétricas), qualidade de vida, função social e ecológica da propriedade, justiça social, democracia participativa, reforma agrária ecológica, descentralização e democratização do sistema de comunicação de massa, educação ambiental generalizada. Também se estabeleceram critérios para a formação das listas verdes estaduais.
Estas são listas transpartidárias compostas por candidatos membros do movimento ecológico que se comprometem, se eleitos, a defender a plataforma ecologista na Constituinte ou nas Assembléias Legislativas, e a dar uma parte de seus rendimentos para o desenvolvimento das associações de base. Os 3º e 4º Encontros do CIEC (Itapecerica da Serra, SP, em abril e em Brasília em junho) fracassam na tarefa a que se tinha proposto o 2º Encontro de realizar um debate teórico em profundidade sobre os fundamentos da Ecologia Política com o objetivo de elaborar uma plataforma extensa e precisa para a Constituinte.
Em janeiro é fundado no Rio de Janeiro o Partido Verde animado por algumas figuras de longa presença no movimento ecológico brasileiro: Fernando Gabeira, Litz Vieira, Carlos Minc.
Os verdes cariocas lançam a estratégia de estruturar uma coligação com o PT e o PSB, de modo a conseguir legenda para seus candidatos já que o reconhecimento legal do partido seria impossível em prazo viável para concorrer nas eleições de 1986. As negociações com o PSB estagnam-se, mas as conversações com o PT avançam rapidamente até ser aprovada na convenção do PT em final de abril a coligação, incluindo a candidatura de Gabeira a governador. Deste modo, o Estado do Rio de Janeiro constituí-se conjunturalmente no eixo do movimento ecológico brasileiro, já que é a única candidatura a governador ecologista, com forte potencialidade de atrair uma significativa base eleitoral para a eleição de candidatos verdes a deputados federal e estadual, e com forte repercussão no nível nacional por ser o Rio de Janeiro o centro da comunicação de massa.
Em março é fundado o Partido Verde em Santa Catarina, com uma orientação similar à do Rio de Janeiro, mas animada por figuras de presença recente no movimento ecológico.
Em Santa Catarina configura-se uma divisão em dois blocos, com relações difíceis entre si: os fundadores do Partido Verde de um lado e os ecologistas do PT do outro, estes últimos apostando na ecologização do PT. Entre ambos, fazendo as vezes de mediadores, situa-se um setor que considera inviável a ecologização do PT, mas ao mesmo tempo considera prematura a fundação do PV, com a presente densidade e extensão limitada do movimento ecológico. A diferença do Rio de Janeiro, os candidatos do Partido Verde em Santa Catarina saem nas legendas do PCB e PDT. Em julho filia-se ao Partido Verde em Santa Catarina o prefeito de Ibirama, Luiz Muller, que tinha se desfiliado do PMDB em abril. Muller é o primeiro, e único até agora, prefeito brasileiro a entrar no Partido Verde. Na convenção do PDT, em julho, é escolhido candidato a senador o ecologista de Joinville, Gert Fischer, sendo a segunda candidatura ecologista a um cargo majoritário a surgir no Brasil.
Nas convenções partidárias realizadas nos meses de junho e julho os ecologistas disputam vaga em vários partidos (Partido dos Trabalhadores, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, Partido Democrático Trabalhista, Partido Comunista Brasileiro, Partido Socialista Brasileiro e Partido Humanista) nos seus Estados do Sul-Sudeste, sendo que a maioria deles consegue ser lançado candidato.
Em maio, em Belo Horizonte, realiza-se o 1.° Encontro Nacional de Entidades Ecologistas Autônomas, com a participação de mais de uma centena de associações, a grande maioria delas dos Estados do Sul-Sudeste, mas incluindo pela primeira vez no debate nacional de ecologistas urbanos algumas associações do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Os debates duram quatro dias, organizados em várias áreas temáticas: ecodesenvolvimento, educação ambiental, reforma agrária ecológica, comunicações alternativas e relações internacionais e meio ambiente Reafirma-se uma vez mais o consenso em relação à importância de uma participação incisiva na Constituinte, mas os debates tornam-se extremadamente difíceis e ásperos quando se discute a problemática do Partido Verde.
A maioria das entidades representadas no Encontro teme uma fundação apressada do Partido Verde que possa vir dispersar as energias dedicadas cotidianamente ao trabalho de base e possa atrair para o partido vastos contingentes de oportunistas que poluiriam no seu nascedouro a proposta. (Um argumento desenvolvido contra o Partido Verde encontra-se em Schinke, 1985.)
Em julho de 1986 a situação do movimento ecológico brasileiro pode ser resumida do seguinte modo: existência de uma instância sistemática de coordenação das atividades nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro; existência de instâncias eventuais de coordenação de atividades nos Estados do Paraná e Minas Gerais; existência de um fórum anual de debate entre as entidades urbanas, a nível nacional; existência de um fórum anual de debate entre as comunidades alternativas rurais, a nível nacional; existência de uma instância ad hoc de troca de experiências para os candidatos ecologistas para a Constituinte, a nível nacional; forte consenso entre os ecologistas urbanos e parcial entre os rurais a respeito da necessidade de intervir maciçamente no processo Constituinte; caráter transpartidário do movimento ecologista, havendo militantes participando predominantemente dos seguintes partidos: PV, PT, PMDB e PDT; processo de organização embrionário do PV no Rio de Janeiro e em Santa Catarina com probabilidade de estender-se aos outros Estados do Sul-Sudeste; forte divisão no movimento ecológico; respeito da viabilidade e desejabilidade do PV no curto prazo; ameaça de fracionamento do movimento ecológico em função da problemática do PV.
Em 1986, o movimento ecológico brasileiro parece ter atingido um ponto de maturação sem retorno: seu crescimento quantitativo, qualitativo e cumulativo, longe, portanto, do padrão cíclico que apresentam outros movimentos sociais. (Balanços recentes em perspectivas diferentes sobre a dinâmica dos movimentos sociais no Brasil encontram-se em Evers, 1984; Scherer-Warren, 1984; Mainwaring, 1986; Doimo et alii, 1985; Jacobi, 1985; Boschi, 1986; Silva & Ribeiro, 1984; Cardoso, 1983; Boschi & Valladares, 1983; Durhan, 1984).
A origem sócio-cultural dos ativistas ecologistas continua sendo universitária, ainda que de modo menos exclusivo do que no passado e a participação proporcional das mulheres cresceu muito. As estruturas do movimento são muito fluidas, poderíamos dizer caóticas, desde uma ótica política tradicional, ainda que relativamente pertinentes a teu principal objetivo, o de expandir a consciência ecológica, ecologizar a sociedade.
Convivem em 1986 no Brasil as quatro posições definidas em termos mundiais na primeira parte: ecologistas fundamentalistas, ecologistas realistas, ecocapitalistas e ecossocialistas.
Seguindo a tendência mundial a posição ecologista é definidamente predominante no interior do movimento ecológico brasileiro em 1986, à diferença de 1982 quando os fundamentalistas estavam equilibrados com os realistas ou em 1978 quando os fundamentalistas eram majoritários. Os ecologistas fundamentalistas e os ecossocialistas (estes somente começaram a emergir em 1982) ocupam uma posição secundária no seio do movimento ecológico, ficando para os ecocapitalistas uma posição marginal.
Apesar desta posição marginal no movimento social os ecocapitalistas ocupam lugares estratégicos nas agências estatais de meio ambiente. De outro lado, os setores de classe média “culta” que se tornaram sensíveis à proposta ecologista nos últimos anos identificam-se vagamente com o ecocapitalismo. Este, marginal no movimento social autônomo, é predominante na opinião pública e no aparelho estatal.
A ecologização da classe média “culta” refletiu-se recentemente na significativa tematização da problemática do meio ambiente no anteprojeto da Constituição, que foi elaborado pela Comissão presidida pelo Dr. Afonso Arinos. Aparentemente esta Comissão coloca-se na questão do meio ambiente numa posição avançada, se comparada com a mentalidade média da sociedade brasileira. Disto pode concluir-se, provisoriamente, que a existência da Comissão de notáveis foi favorável a ecologização da sociedade, apesar da oposição quase unânime que esta encontrou no seio do movimento ecológico quando se formou em setembro de 1985 (o movimento ecológico era favorável à Constituinte exclusiva, sem Comissão de notáveis). A posição ecocapitalista teve forte peso na Comissão Constitucional, apesar de ela ser fraca no seio do movimento ecológico e no seio da burguesia brasileira.
A burguesia brasileira, em termos gerais, tem rejeitado até hoje o discurso ecologista.
Seu padrão de acumulação e comportamento tem sido tão selvagem em relação ao meio ambiente como o foi em relação à força de trabalho.
Na tecnoburocracia do setor produtivo estatal observa-se uma mudança de comportamento nos anos recentes em que os impactos ambientais começam, desniveladamente, a ser levados em consideração pelo menos a nível de preocupação (ainda que isto não se traduza necessariamente na prática).
Em parte importante isto explica-se pelo fato de que a tecnoburocracia estatal faz parte da classe média “culta”
As multinacionais, muita das quais investiram no Brasil do “milagre”, atraídas pelas economias externas em termos de meio ambiente, são as que melhor responderam (até hoje) ao processo de controle de efeitos poluentes iniciado pelas agências estaduais de meio ambiente do Sul-Sudeste no começo da década de 80.
Na escala de intensidade da depredação e conflito com a tecnoburocracia das agências estatais de meio ambiente, a burguesia local ocupa a primeira posição, o setor produtivo estatal a segunda, e as multinacionais a terceira. Paradoxalmente, se pensamos no chamado de Médici às indústrias poluidoras, as multinacionais são o setor mais sensível à ação da tecnoburocracia ecocapitalista das agências estatais de meio ambiente.
Os ecossocialistas, apesar de secundários, têm crescido proporcionalmente mais que qualquer outro setor no seio do movimento ecológico, desde sua emergência, em 1982, até o presente.
Uma parte importante do contingente ecossocialista está formada por militantes da nova esquerda que se envolveram na construção do PT em 1980-82, e foram frustrando-se pelo perfil mais tradicional que o partido ganhou no período 1983-85. Os ecossocialistas concentram seus esforços (proporcionalmente mais que os ecologistas realistas) para que o movimento penetre nos setores operários e populares. Os ecossocialistas brasileiros apostam no desenvolvimento duma classe operária com consciência socialista e ecológica, que seria o agente principal da mudança histórica.
A receptividade dos operários aos ecossocialistas tem sido até hoje limitada e desigual: a receptividade é alta no que se refere à melhoria do meio ambiente de trabalho, mas baixa no referente a questões mais gerais. A mentalidade média do operariado brasileiro é favorável a altas taxas de crescimento econômico (sem importar seu caráter degradador do meio ambiente) e redistribuição da renda. Mas, em algumas cidades ou áreas industriais (Gravataí, Criciúma, Cubatão, Araucária etc.), setores do sindicalismo manifestam sensibilidade global para os problemas ecológicos.
Uma parte importante dos ecossocialistas são militantes ou simpatizantes do PT e apostam na sua transformação num partido ecossocialista,. argumentando que todo o componente inovador de sua corrente socialista democrática deverá reconhecer, a médio prazo, o caráter crucial dos problemas ecológicos no mundo contemporâneo.
A convivência entre os ecologistas fundamentalistas, os ecocapitalistas e os ecossocialistas no interior do movimento ecológico é bastante conflitiva.
Os ecologistas realistas desempenham um papel fundamental de mediadores e reguladores de conflitos entre os outros três setores.
Os ecologistas fundamentalistas tendem a considerar os ecocapitalistas e ecossocialistas como um tanto estranhos ao movimento ecológico e potencialmente deturpadores da pureza do movimento.
Os ecocapitalistas e ecossocialistas, por sua vez, tendem a desconsiderar os fundamentalistas pelo seu caráter romântico e politicamente ingênuo, embora reconheçam a dedicação ao movimento por parte daqueles.
Os ecossocialistas desconfiam das reais e potenciais vinculações com a burguesia por parte dos ecocapitalistas e tendem a criticar, em bloco, a tecnoburocracia ecocapitalista das agências estatais do meio ambiente.
Os ecocapitalistas, por sua vez, desconfiam dos objetivos dos ecossocialistas e temem que estes façam “entrismo” no movimento ecológico para transformá-lo num apêndice dos partidos de esquerda.
Os ecocapitalistas tendem a ser defensores e justificadores da tecnoburocracia das agências estatais de meio ambiente a qual percebem como isolada e enfrentada ao resto da tecnoburocracia estatal (agente do desenvolvimento predatório).
Os ecologistas realistas, predominantes no interior do movimento social, têm pouco peso na opinião pública sensibilizada, já que sua proposta não é facilmente decodificada (em grande medida por dificuldades de explicação) tendendo a ser confundida com a ecologista fundamentalista e, conseqüentemente, descartada como romântica e inviável. Deste modo, os ecocapitalistas constituem-se na ponte privilegiada entre o movimento ecológico e os importantes setores médios sensibilizados; os ecossocialistas fazem a ponte com os mínimos setores operários sensibilizados; e os ecologistas realistas e ecossocialistas fazem a ponte com os mínimos setores populares urbanos e rurais sensibilizados.
O campo de disputa mais importante que se estabelece no presente é entre ecocapitalistas e ecologistas realistas em relação à classe média “culta”, os segundos desafiando a posição de ponte privilegiada detida pelos primeiros.
O Partido Verde do Rio de Janeiro tem o perfil de uma coligação entre ecologistas realistas e ecossocialistas, com predomínio dos primeiros e com inclusão muito secundária de ecologistas fundamentalistas e ecocapitalistas. O PV de Santa Catarina tende a ter o perfil duma coligação entre ecologistas realistas e ecocapitalistas, com predomínio dos primeiros e participação marginal de ecologistas fundamentalistas e ecossocialistas (estes últimos agrupados até hoje no PT).
A complexidade de relações e alinhamentos no interior do movimento ecológico é extraordinária, particularmente devido à grande diversidade regional do Brasil, mesmo no Sul-Sudeste que é o espaço de atuação do movimento ecológico.
A modo de conclusão geral podemos dizer que seis fatores explicam globalmente a emergência e o desenvolvimento do movimento ecológico no Brasil:
1°) o caráter fortemente internacionalizado do movimento ecológico mundial devido ao caráter planetário da degradação sócio-ambiental processada nas últimas quatro décadas;
2º) o fato de o Brasil ser um país ascendente do 3.° Mundo, com forte internacionalização do seu sistema produtivo e de comunicações;
3º) a intensidade de degradação sócio-ambiental produzida nas últimas quatro décadas, contrapartida do extraordinário crescimento econômico e consequente ascenso no sistema mundial;
4º) o caráter excessivamente predatório (mais que a média mundial) da visão de mundo e das políticas implementadas pelas elites do regime autoritário (1964-1985);
5º) a profunda crise em que mergulhou a esquerda brasileira depois da fracassada experiência guerrilheira de 1968-1973, crise esta que, por sua vez, vincula-se com a crise geral do marxismo no interior da esquerda ocidental;
6º) o processo de transição democrática, iniciado com a liberalização (a partir de 1974) e continuado com a democratização (a partir de 1982), criou um contexto sócio-político cada vez mais favorável para a organização de movimentos sociais e para o debate de novas ideias.
Três questões parecem fundamentais no futuro imediato do movimento ecológico:
1ª) a consolidação de estruturas organizacionais de nível estadual e nacional;
2ª) uma penetração mais ampla nas classes populares;
3ª) colocar-se como um interlocutor legítimo no grande debate sobre o presente e o futuro da sociedade brasileira. Aqui não podemos entrar em profundidade nesta discussão, deixando-a para posterior desenvolvimento. No entanto arriscamos algumas breves especulações.
A primeira questão nos permitiria ser otimista se olhássemos rapidamente para os avanços dos dois últimos anos, mas tenderíamos a ser pessimistas se levarmos em consideração uma combinação explosivamente contrária ao desenvolvimento organizacional sediada na baixa capacidade associativa da sociedade brasileira e nos componentes anarquistas presentes no ecologismo brasileiro (igual ao resto do mundo). Sobre a segunda questão não é difícil ser pessimista se olharmos para o discurso economicista convencional de quase todas as lideranças populares expressivas do país.
Porém poderíamos ser um tanto otimistas se olhássemos mais detidamente para o potencial de articulação entre o pós-materialismo do movimento ecológico e os componentes mais espiritualizados da Igreja progressista e das comunidades eclesiais de base em particular. (Veja-se, no geral, Krischke & Mainwaring, 1986; e, em particular, enfatizando este potencial de confluência Sousa, 1986.)
Sobre a terceira questão é possível ser bastante otimista se levarmos em consideração uma dinâmica mundial em que as posições ecologistas estão se transformando em interlocutores legítimos na maioria dos países do 1º e 2° Mundo e que o movimento ecológico tem boa penetração nos setores médios, formadores da opinião pública.
Fonte: www.intelecto.net/www.anpocs.org.br(Eduardo J.Viola)/earthcharter.org
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