As Cegonhas

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Christian Andersen

UMA cegonha construíra seu ninho no telhado da última casa de um povoado. A mamãe cegonha estava sentada no ninho com seus filhotes, que assomavam seus biquinhos negros, pois ainda não haviam adquirido sua cor vermelha.

Papai-cegonha estava a pouca distância, na beira do telhado, em pé e entorpecido, com um pé recolhido embaixo do corpo, fazendo de sentinela. Parecia esculpido em madeira, devido à sua imobilidade.

– Minha esposa deve ficar satisfeita ao ver uma sentinela guardando seu ninho – pensava. – Ninguém sabe que sou seu marido e talvez todos pensem que recebi ordens para montar guarda aqui. Isso é muito importante.

E continuou de pé num só pé, porque as cegonhas são verdadeiras equilibristas.

Um grupo de garotos brincava na rua; e, ao ver a cegonha, um dos mais atrevidos, seguido pelos outros que lhe faziam coro, entoou uma cantiga a respeito das cegonhas, cantando-a meio de improviso:

Vela por teu ninho, pai-cegonha, Onde te esperam três pequeninos. 0 primeiro morrerá de urna estocada, 0 segundo queimado E o terceiro enforcado.

– Que dizem esses garotos? – perguntaram os filhotes.

-Dizem que morreremos queimados ou enforcados?

– Não façam caso – respondeu a mamãe-cegonha.

-Não os ouçam, pois ninguém lhes fará nenhum mal.

Mas os meninos continuavam cantando e apontando para as cegonhas; somente um, chamado Pedro, disse que era vergonhoso divertir-se à custa daquelas pobres aves e não quis imitar os companheiros.

Mamãe-cegonha consolou seus pequeninos, dizendolhes:

– Não se preocupem com isso. Vejam seu pai como está firme em cima de um só pé. – Temos muito medo – replicaram os filhotes, escondendo as cabecinhas dentro do ninho. No dia seguinte, quando os meninos voltaram a brincar, viram novamente as cegonhas e repetiram a can- ção. – E? verdade que morreremos queimados ou enforcados? – perguntaram de novo os filhotes.

– De forma alguma! – replicou a mãe. – Vocês aprender ão a voar. Eu os ensinarei. Logo iremos para os campos em busca de rãs. Elas vivem na água e quando nos vêem, fazem muitos cumprimentos e começam a coaxar. Mas nós as engoliremos. Esse é um verdadeiro banquete, de que vocês vão gostar muito.

– E depois? – perguntaram os filhotes.

Mais tarde todas as cegonhas do país e reúnem para as manobras do outono e então vocês terão que voar da melhor maneira possível, para quem não puder voar se verá atravessada pelo bico do chefe. Assim sendo, vocês terão que ter muito cuidado para aprender o máximo que puderem, quando começarem os exercícios.

– De qualquer forma é bem possível que acabemos do jeito que dizem os garotos. Veja, eles voltam a cantar a mesma coisa.

– Ouçam a mim e não a eles – replicou secamente a mãe-cegonha. – Depois das grandes manobras, voaremos para os países cálidos, que ficam muito longe, para além dos bosques e das montanhas. Iremos para o Egito, onde existem casas de três cantos, cujas pontas chegam até as nuvens; chamam-se Pirâmides e são muito mais antigas do que qualquer cegonha pode imaginar. Ali existe um rio que inunda as suas margens e toda a terra se cobre de lodo. E então podemos andar por ali comodamente, sem deixar de comer rãs.

– Oh! – exclamaram os filhotes.

– Sim, é esplêndido. Durante o dia inteiro não se faz mais do que comer. E enquanto nós estamos bem ali, neste país não. há uma só folha nas arvores; e faz tanto frio que as nuvens se gelam em pedacinhos que caem ao solo.

-Queria descrever a neve, mas não sabia fazê-lo melhor.

– E as crianças más não se gelam em pedacinhos? – perguntaram os filhotes.

– Não, mas lhes acontece algo parecido e têm de passar muitos dias presas em suas casas escuras; vocês, em troe-a, voarão para países distantes, recebendo o calor do sol entre as flores.

Passou-se algum tempo e os filhotes se desenvolveram bastante para ficarem em pé no ninho e olharem à sua volta. Papai-cegonha voava todos os dias de ida e volta ao ninho com rãs e serpentes, além de outros bons bocados que conseguia arranjar.

E era muito divertido observar as manobras que fazia para divertir seus filhos; virava a cabeça completamente em direção à cauda e batia o bico como se fosse um chocalho. E lhes contava tudo que lhe acontecera nos pântanos.

– Bem, já é hora de que aprendam a voar – disse um dia sua mãe.

E os pequenos tiveram de ficar em pé, na beira do telhado. Quanto lhes custou conservar o equilíbrio batendo as asas e como estiveram a ponto de cair! – Agora olhem para mim – disse a mãe. – Vejam como têm de sustentar a cabeça. E os pés se movem assim. Um, dois, um, dois. Desta forma poderão percorrer o mundo inteiro.

Logo voaram durante algum tempo e os pequenos deram uns saltos horríveis e caíram, porque seus corpos eram muito pesados.

– Não quero voar – disse um dos filhotes voltando para o ninho. – Não faço questão de ir para os países mais quentes.

– Quer gelar aqui, ao chegar o inverno? Prefere que venham os meninos e o queimem ou enforquem? Não me custará nada chamá-los.

– Não, não! – respondeu assustada a pequena cegonha. E imediatamente voltou para a beira do telhado, onde já estavam os irmãos.

No terceiro dia todos voavam muito bem. Tentaram voar por mais tempo, porém, quando se esqueceram de bater com as asas, aconteceu a queda irremediá- vel.

Os meninos que as observavam entoaram novamente a sua canção.

– Querem que desçamos voando e lhes arranquemos os olhos? – perguntaram as pequenas cegonhas.

– Não, deixem-nos em paz – disse a mãe. Prestem atenção ao que faço, pois isso é muito mais importante.

Um, dois, três. Agora vamos voar para a direita; um, dois, três; agora para a esquerda e em volta da chaminé. já foi bastante bem. Este último vôo foi tão bom, que, como prêmio, eu consentirei que me acompanhem ao pântano amanhã. Várias cegonhas distintas vão até lá com seus filhos, de modo que vocês devem esforçar-se para que os meus sejam os melhores de todos- Não se esqueçam de levantar as cabe- ças. Isso é muito elegante e confere um ar de extrema importância.

– Mas não nos vingaremos desses meninos maus? – perguntaram as pequenas cegonhas.

– Deixem que gritem o quanto quiserem; vocês voarão para a terra das pirâmides, enquanto que eles ficarão aqui gelando. Nessa ocasião não haverá por aqui nem uma folha verde nem uma maçã doce.

– Pois nós queremos vingar-nos disseram as pequenas cegonhas.

Logo depois recomeçaram com os exercícios de vôo. Dentre todos os meninos da rua, nenhum caçoava das cegonhas com maior insistência do que o primeiro a cantar aquela canção burlesca. Era um garoto pequeno, que devia contar uns seis anos. E? claro que as cegonhas lhe davam pelo menos cem anos, pois ele era muito mais corpulento do que seu pai ou sua mãe e elas não tinham a mínima idéia da corpulência que podem alcançar as pessoas maiores.

Reservavam pois a sua vingança para o menino que fora o primeiro a entoar aquela canção e que não deixava de repeti-la a todo instante. As jovens cegonhas estavam muito irritadas com ele e juraram vingar-se, o que só fariam no dia anterior à sua ida daquele povoado.

– Primeiro vamos ver como se comportam nas manobras. Se cometerem algum engano e o general se vir obrigado a atravessar-lhes o peito com o seu bico, os meninos da rua terão acertado na sua profecia. Veremos como se comportam.

– Você verá – responderam otimistas os filhotes.

E não pouparam esforços. Todos os dias praticavam, até que foram capazes de voar como seus próprios pais o faziam. Era um prazer observá-los.

Chegou o outono. Todas as cegonhas começaram a reunir-se, antes de empreenderem a viagem aos paí- ses quentes, nos quais passariam o inverno.

Aquelas sim é que foram verdadeiras manobras- Tiveram que voar sobre os bosques, cidades e povoados, para experimentarem as asas, pois iriam realizar uma longa viagem. As jovens cegonhas se comportaram tão bem, que receberam uma quantidade enorme de rãs e serpentes como recompensa. Receberam tamb ém ótima colocação e logo foram comer tranqüilamente coisas que fizeram, pois seu apetite era enorme.

– Agora nos vingaremos – disseram.

– Sem dúvida – replicou sua mãe. – Agora vocês vão tomar conhecimento do meu plano e acho que gostar ão dele. Sei onde fica o reservatório em que se encontram os pequenos humanos e onde ficam até que as cegonhas vão buscá-los para levá-los para a casa de seus pais. As lindas criaturinhas estão dormindo, sonhando coisas muito agradáveis que nunca mais voltarão a sonhar. Todos os pais desejam filhos e todas as crianças almejam ter um irmãozinho ou uma irmãzinha, destinados aos meninos que nunca cantaram essa canção contra nós ou que não tenham caçoado das cegonhas. Todavia, os que a cantaram, jamais receberão um irmão ou uma irmãzinha.

– E que faremos com esse menino mau que cantou a canção? – gritaram as pequenas cegonhas. – Que faremos com esse garoto? Porque devemos fazer algo para vingar-nos como desejamos.

– No reservatório há um menino morto. Morreu sonhando, sem se dar conta. Vamos buscá-lo e levá-lo para a casa desse menino, que chorará muito ao ver que lhe levamos uma criança morta. Em troca, vocês não se esquecerão do menino bom que diz: ?E? uma vergonha caçoar assim das cegonhas?.

Para ele levaremos um irmão e uma irmã; e como ele se chama Pedro, você também – acrescentou, dirigindo- se a uma das cegonhas se chamará assim como o menino.

E foi tal como disse. E é por isso também, que, em nossos dias, todas as cegonhas levam o nome de Pedro.

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