Legião Estrangeira

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Legião Estrangeira – O que é

Envolta em mistério, a Legião Estrangeira Francesa cultivou a reputação de ser tão temida por seus inimigos quanto invejada por seus aliados.

Os Legionários vêm de todo o mundo para servir a um país que não é o seu. Longe de casa, eles dizem que a Legião é sua terra natal.

Formação militar francesa integrada por voluntários estrangeiros e por oficiais franceses.

É criada em 1831, durante o reinado de Luís Felipe, para atuar na conquista da Argélia.

Altamente qualificada e disciplinada, sua principal missão é cooperar com as tropas do Exército no controle das colônias francesas.

Inicialmente instalada em Sidi-bel-Abbès, no norte da Argélia, a sede da Legião é transferida para Aubagne, na França, em 1962, ano da independência argelina.

Um regimento da Legião especializado em guerra na selva é baseado na Guiana Francesa, ao lado do estado do Amapá.

Além da presença nas colônias, a Legião também participa de vários combates europeus. Luta na Guerra da Criméia contra os russos, na Itália contra os austríacos (1859), no México durante a intervenção francesa e o reinado de Maximiliano (1863-1867), na Guerra Franco-Prussiana (1870/1871) e nas duas guerras mundiais.

Na II Guerra Mundial, os legionários estão entre os primeiros a seguir o general Charles de Gaulle e participar da defesa de Bir Hakim no norte da África contra os alemães.

Eles também estão presentes em diversas intervenções no Zaire e no Chade, na África, além de atuarem como Força de Paz no Líbano, em 1982. Lá são alvo de atentado com carro-bomba.

A ação bélica mais recente acontece na Guerra do Golfo.

Legião Estrangeira aceita voluntários de qualquer país, entre 18 e 40 anos. O tempo inicial de serviço é de cinco anos. Após esse período, o voluntário recebe a cidadania francesa e pode prestar um exame de qualificação para se tornar oficial. Em 1992, a Legião conta com 8,5 mil membros (350 oficiais, 1,4 mil suboficiais e 6,75 mil voluntários).

Entre os estrangeiros, há 107 diferentes nacionalidades.

Problemas sociais e familiares são o motivo alegado para o alistamento por 80% dos voluntários, enquanto 20% se juntam à Legião por idealismo.

A não-exigência de documentos sobre o passado dos candidatos confere à Legião uma aura romântica e aventurosa.

Somente assassinos e criminosos de guerra não são aceitos. Entre as pessoas famosas que algum dia pertenceram à Legião estão o escritor britânico, nascido na Hungria, Arthur Koestler (1905-1983), o compositor norte-americano Cole Porter (1893-1964), o romancista francês de origem suíça Blaise Cendars (1887-1961) e o poeta norte-americano Alan Seeger (1888-1916), que morreu em combate.

Legião Estrangeira – História

Legião Estrangeira

história da Legião Estrangeira é, naturalmente, inextricavelmente entrelaçada com a do Império Francês no Norte de África e que vai ser uma vertente fundamental do curso, mas os legionários também atuou na Espanha, o Crimea, Itália, México (onde, em Cameron, eles lutaram sua mais famosa luta de todos) e do Extremo Oriente (em última análise, na catástrofe de Dien Bien Phu), bem como nas campanhas de inverno congelamento de 1870-1 contra os russos, nas ruas de Paris, na Comuna, nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e que serve ambos os governos franceses (Vichy e gratuito França) na Segunda Guerra Mundial.

Isso é para não mencionar o envolvimento de alguns deles em uma tentativa de golpe contra De Gaulle em 1961.

Tudo isso faz com que a Legião uma avenida notável no estudo da França moderna e seu relacionamento conturbado com suas colônias, e de fato com ela mesma.

Assim como a história da ascensão e queda do Império francês e da história política tortuosa da própria França, no entanto, o curso vai acabar por olhar mais de perto as representações culturais populares da Legião, em primeiro lugar através da literatura (romances e memórias) e, em seguida, através do cinema, se a representação sangrenta do Norte da África últimos estandes (por exemplo, Beau Geste (1939 ou 1966) March or Die (1977)), melodrama (Marrocos (1930)), ou mesmo de comédia.

A Legião Estrangeira

Como parte integrante do Exército, a Legião Estrangeira é uma tropa regular, profissional, dotada com os mesmos equipamentos e materiais, amparada pelas mesmas estruturas, chamada a obedecer aos mesmos regulamentos e a efetuar as mesmas missões que as demais unidades regulares de Infantaria, de Cavalaria ou ainda de Engenharia pertencentes ao Exército.

Ela só se diferencia das unidades supracitadas pelo estatuto de seus homens.

A peculiaridade vinculada ao estatuto militar à titre étranger (a título estrangeiro) faz com que a Legião destaca-se contando com um organismo diferente das demais unidades: o comando da Legião Estrangeira.

Subordinado a um oficial general, este comando consiste num Estado-Maior, baseado na cidade de Aubagne, e em dois regimentos com vocação particular: o 1° Regimento Estrangeiro, estacionado em Aubagne, que se apresenta como a sede da Legião Estrangeira, e o 4° Regimento Estrangeiro, localizado em Castelnaudary, a quem incumbe a Instrução a ser ministrada na Legião Estrangeira. Atualmente, a Legião Estrangeira conta com um efetivo composto por cerca de 7800 homens, todos eles repartidos em dez Regimentos.

Sete deles permanecem na metrópole e três situam-se, longe dela, nos Departamentos e territórios franceses de Além-Mar (Guiana, Maiote) ou ainda no Exterior (na República de Djibuti).

A especificidade da Legião Estrangeira

A especificidade da Legião Estrangeira baseia-se em três características, conforme a seguir:

A – A Legião Estrangeira perfaz uma formação de combate, composta por estrangeiros que são diretamente subordinados a um comando francês. O legionário alista-se na Legião Estrangeira e não num regimento ou numa especialidade. É a Legião que encarrega-se de enviá-lo para um determinado Regimento ou para uma especialidade específica, escolhida de acordo com as necessidades do momento.
B – O legionário é um voluntário regido por contrato. Esta medida estende-se também aos subtenentes. Todos os subtenentes que pertencem à Legião Estrangeira, iniciam sua carreira militar como simples praça legionário. O contrato inicial tem uma duração de cinco anos. A renovação do referido contrato que tem uma duração de seis meses, de um, dois ou até três anos, submete-se à aprovação do General, comandante da Legião Estrangeira. 10% dos oficiais da Legião Estrangeira originam-se do Quadro dos Subtenentes. Esses oficiais a titre étranger (a título estrangeiro), são também regidos por contrato com prazo determinado.
O candidato pode alistar-se mediante simples declaração de identidade. A Legião proporciona através desta medida uma segunda chance àqueles que desejam distanciar-se e até esquecer do passado, no intuito de iniciar uma nova vida. Esta cláusula estende-se também ao candidato francês que quiser ingressar na Legião.

Legião Estrangeira – Palavra de Legionário

Confira a íntegra do depoimento do brasileiro que serviu por cinco anos na Legião Estrangeira

Como era seu cotidiano de legionário?

Em tempo de paz, a rotina diária de um legionário se resume em acordar lá pelas 5 da manha. Após o café da manhã e limpeza, há a primeira formatura, reunindo todo o regimento.

Nessa formatura são lidas as ordens do dia e eventuais comentários do comandante do regimento. Em seguida, tem início o conhecido “footing”, corrida matinal de mais ou menos 8 km feita normalmente de tênis e calção.

Após o banho e um pequeno lanche, ocorre outra formatura, agora para a leitura e distribuição das tarefas diárias de um quartel: manutenção dos equipamentos e das armas, além de serviços gerais.

Para os legionários com funções especificas – enfermeiros, mecânicos e secretários -, as ordens são dadas por seus respectivos chefes.

Meio dia! Finalmente é hora do rancho [refeição]. Ninguém se atrasa, pois a fome não deixa. O gasto calórico de um legionário é em torno de 20% maior do que um soldado do exército francês! Comendo às pressas, os legionários tentam ganhar alguns minutos para um cochilo rápido ou uma ou duas cervejas na cantina antes de encarar a segunda parte do dia. As 13h20, mais uma formatura rápida, pois o serviço iniciado pela manha tem que ser concluído. Lá pelas 17h20 chega o final do expediente. Aqueles não estiverem comprometidos disciplinarmente ou com qualquer outro serviço poderão, se devidamente autorizados, sair do quartel até as 22h00 ou eventualmente até a manha seguinte.

Essa rotina quase nunca dura muito tempo, pois as manobras os treinos de tiro e os estágios consomem semanas e sempre alguns quilos dos legionários.

Por que resolveu alistar-se na Legião estrangeira?

Minha paixão por armas e explosivos e meu fascínio pela guerra eram constantes -obviamente, não encontrariam lugar nas fileiras da Polícia Militar. Tentei ingressar na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Rio de Janeiro. Foram três anos mergulhado em apostilas e milhares de exercícios e simulados no Anglo Vestibulares, mas sempre com um crescente conflito interno que não conseguia entender a necessidade de tanto conhecimento teórico de matemática, física, química e português para quem já se considerava um guerreiro nato e cujo único desejo era usar um fuzil e lançar granadas.

O resultado não poderia ser outro: aos 23 anos, após quatro frustradas tentativas de ingresso na Aman, eu já havia ultrapassado a idade limite para ser aceito no Exército Brasileiro.

Desconsiderando totalmente a possibilidade de não realizar meu sonho, descobri o endereço da Legião Estrangeira. Escrevi pra lá várias cartas solicitando informações – em 1986, ainda não havia a internet.

Numa bela noite cheguei em casa sentei-me ao lado de meus pais que assistiam TV. Mostrei-lhes a carta que acabava de receber e informei de minha decisão. Eles olharam para mim e nada disseram, pois sabiam que não poderiam argumentar com aquele obstinado e cabeça dura que geraram. A decisão havia sido tomada e nada nem ninguém me impediria!

Onde se alistou? Como foi o processo de alistamento?

Chegar até um posto de alistamento da Legião Estrangeira seria o primeiro dos muitos obstáculos que me aguardavam. Nos anos 80, a França exigia o visto de entrada para brasileiros e um ataque a bomba no metrô de Paris só veio a piorar minha situação quando as fronteiras francesas foram praticamente fechadas por várias semanas.

Em função do ocorrido e do alto preço da passagem aérea, decidi tentar meu alistamento na Guiana Francesa [colônia da França na América do Sul].

Consegui uma carona num navio cargueiro que saiu do porto de Santos com destino a Manaus. Lá, eu tinha um contato que me conseguiria uma “carona” em um barco que transportava pneus até Caiena, capital da Guiana Francesa. “Fácil!”, pensei…

Mas chegando a Manaus após 12 dias no mar, ligo para casa e dias depois embarco de volta para São Paulo. Meu pai estava muito doente e queria me ver pela última vez. Passados alguns meses, com minha mãe e minha irmã começando a se adaptar à ausência de meu pai, voltei a tocar no assunto Legião Estrangeira.

Cientes da importância para mim de continuar minha viagem e apesar do momento delicado pelo qual passávamos, conseguimos dessa vez comprar uma passagem para a Guiana Francesa, onde novamente minha determinação seria posta à prova. Até hoje sou grato à minha mãe, que num curto espaço de tempo ficou viúva e soube aceitar a idéia de ter um filho indo para a Legião Estrangeira.

Na Guiana, após um noite mal dormida no chão em frente a uma loja de sapatos em Caiena, peguei uma van até o regimento da Legião.

Fui recebido por um suboficial que falava espanhol e descubro que o alistamento só poderia ser efetuado na França.

Ou seja: se eu não conseguisse uma passagem para a França, eu teria que comprar um calção de banho bem resistente…

Dizem que existe um anjo que só se ocupa dos aventureiros e passei a acreditar nisso, pois, após exatos 2 meses de muita ajuda voluntária de desconhecidos e várias coincidências que me incomodam até hoje, consegui finalmente desembarcar em Paris.

Detalhe: saí de casa com 500 dólares e ainda me restavam 100 dólares!

Era 31 de marco de 1987, quando consigo com as noções de francês aprendidas na Guiana Francesa pedir ajuda à telefonista a completar a ligação para o Brasil, acalmei minha mãe e disse que no dia seguinte me apresentaria no Fort de Nogent, nos arredores de Paris, e não sei quando telefonaria novamente.

Dizer que não senti medo antes de bater no portão do posto de alistamento seria uma mentira…

Mas a hora da verdade havia chegado e só me restava rezar para aquele anjo dos aventureiros ter tomado o mesmo avião que eu!

No dia 1º de abril de 1987, começava meu contrato de cinco anos na Legião Estrangeira. A primeira coisa que é feita é o confisco de todos os seus documentos, dinheiro e objetos de valor – um recibo é dado em troca para posterior devolução.

As ordens são claras: nada de telefonemas ou brigas, sob pena de exclusão imediata. Após 2 ou 3 dias no Fort de Nogent, fui colocado com mais uma dezena de voluntários em um vagão de trem devidamente trancado que só foi aberto novamente em Marselha. Com fome e o corpo dolorido, entramos em um ônibus da Legião que nos levou ao 1RE (1º Regimento Estrangeiro), em Aubagne, a apenas 15 km de Marselha. Todo legionário começa e termina sua carreira no 1RE – a Maison Mère (“Casa Mãe”) da Legião Estrangeira. Além de ser o centro administrativo da Legião e sede do Estado Maior de toda a Legião Estrangeira, o 1RE abriga ainda a famosa Banda de Música da Legião e o não menos famoso Museu da Legião Estrangeira. Todos estes rodeiam uma imensa “Praça das Armas” onde o impressionante Monumento aos mortos da Legião, bem no centro, faz questão de lembrar a todos que ali passam os 35 mil legionários mortos em combate desde sua criação, em 1831.

E foi nesse ambiente que passei os próximos 21 longos e incertos dias, no Centro de Seleção e Incorporação (CSI) da Legião Estrangeira, passando por dezenas de exames e intermináveis testes e a temida entrevista.

Eu tinha que provar que realmente queria ser um legionário!

O que achou das exigências para alistamento?

Antes de dar minha opinião pessoal, é interessante ter uma idéia de como funciona o dispositivo de recrutamento atualmente. O sistema de alistamento funciona de maneira continua durante todo o ano, sem nenhuma interrupção. Ou seja, se alguém se apresentar em em um posto da legião na noite de Natal, por exemplo, será acolhido e seu processo de seleção terá inicio imediatamente.

Esse sistema de alistamento funciona por filtros sucessivos, que visam desde o momento da apresentação a eliminar sumariamente os candidatos que não apresentarem o perfil desejado pelo comando da Legião.

A duração média deste ciclo de recrutamento é de 12 dias.

As provas de seleção em Aubagne são as seguintes:

1) Inspeção médica completa: exame de sangue, dentista, clínica geral, etc
2) Testes psicotécnicos: 
são aqueles testes clássicos que visam avaliar o nível geral do candidato.
3)
 Testes físicos: quando estive lá lembro que fizemos uma pequena corrida matinal, algumas abdominais e ficou por isso mesmo. Infelizmente as coisas mudaram um pouco -segundo o depoimento de um rapaz que esteve lá recentemente, o candidato deve correr até uma certa marca no chão e voltar para a marca original, na cadência do apito do instrutor que com um cronômetro na mão diminui o intervalo entre os apitos. As abdominais ainda são pedidas bem como pelo menos 10 flexões na barra. O intuito não é de descobrir super atletas mas sim descartar aqueles não teriam a mínima chance de suportar o período de instrução. Eu sugiro que antes de fazer as malas, o candidato a candidato seja capaz de correr uns 10 km de calção e tênis sem grandes problemas. Algumas semanas de musculação ajudarão nas flexões na barra e nas abdominais. Mas uma coisa é certa: dos 5 anos que passei na Legião, metade eu passei correndo!
4)
 Entrevistas de segurança: são entrevistas mais parecidas com interrogatórios que já receberam o apelido carinhoso de Gestapo [designação da polícia secreta alemã no tempo do nazismo]. A segurança no que se refere à aceitação ou não de um candidato é algo muito sério e está sob as ordens da Divisão de Estatística e Proteção do Estado Maior da Legião Estrangeira. Que é um organismo sólido largamente documentado e experiente, dispondo de profissionais capazes de avaliar os candidatos em qualquer idioma. E será em função destas conclusões que o chefe do Estado Maior decidirá de eliminar um candidato indesejado ou duvidoso (terroristas, traficantes, assassinos e criminosos procurados pela Interpol não têm a menor chance!). Também caberá a ele a decisão de dar uma nova chance àqueles que demonstrarem desejosos e capazes de recomeçar sua vida com o pé direito e uma nova identidade.

O direito ao anonimato e uma nova identidade são na minha opinião uma das características que mais me impressionam na Legião.

Tive um amigo italiano que somente após vários meses de convívio vim a saber que era um arquiteto de muito dinheiro e que abandonou seu Mercedes na porta do Fort de Nogent para se alistar, fugindo da Máfia italiana. Nunca soube seu verdadeiro nome. Não é genial?

No final desta bateria de exames o dossiê do candidato será apresentado a uma comissão semanal de seleção, presidida pelo Chefe do Estado-Maior do Comando da Legião Estrangeira, que dará a palavra final independentemente do candidato ter passado ou não em todos os testes.

Esta liberdade de escolha permite uma alta qualidade no perfil do recém aceito legionário visto que: dos 7 000 a 8 000 candidatos que se apresentam anualmente, somente 1 500 passam nos testes e destes somente 1 000 serão realmente aceitos! Este sistema que é largamente utilizado no início, mas muito centralizado no final, garante um equilíbrio de nacionalidades e a segurança do recrutamento. Ou seja o sistema de recrutamento não passa de um grande funil com um sorteio no final!

Onde você serviu ou combateu? Por quanto tempo esteve na Legião?

Meu contrato teve início no dia 1ºde abril de 1987 e terminou em 1ºde abril de 1992. Não é mentira, não! Eu costumo dizer que foram dez anos e não cinco, pois vivi intensamente os dias e as noites deste período.

Após a instrução elementar, fui designado para a famosa 13DBLE (13ª Meia Brigada de Legião Estrangeira), em Djibuti, no extremo oriente africano. A “13”, como é carinhosamente chamada, foi criada em 1940 e passou por uma verdadeira epopéia durante a 2ª Guerra Mundial. A 13 é uma das raras unidades do exército francês a ter o direito de usar o cordão verde e preto alusivo a libertação da França do domínio nazista.

Sua tradição de guerrear em clima desértico é mantida até hoje. Nos dois anos em que estive lá, suas intermináveis marchas pelo deserto como um nômade no curso de Comandos e a agonia do interminável curso de cabo marcaram minha alma e minha maneira de ver a vida para sempre.

Após as peripécias para se passar algumas semanas de férias escondido no Brasil, retorno para Aubagne, onde consigo finalmente minha transferência para o almejado 2º REP (2º Regimento Estrangeiro de Pára-quedistas). Me disseram certa vez que quando a França precisa de ajuda ela chama a Legião, e quando a Legião precisa de ajuda ela chama o 2º REP…

Ao assinar seu contrato com a Legião, esta tem o direito de mandá-lo a qualquer lugar e transferi-lo a qualquer regimento ou quase. O 2º REP é o único regimento da Legião Estrangeira que só aceita voluntários entre os legionários. E é para lá que eu fui. O 2º REP é herdeiro das tradições dos Batalhões Estrangeiros de Pára-quedistas que combateram ferozmente em toda a campanha da Indochina, onde praticamente 10 mil legionários morreram em combate. Atualmente, o 2º REP é um dos quatro regimentos de infantaria da 11ª Brigada Pára-quedista francesa. Localizado na ilha da Córsega, na cidade de Calvi, conta atualmente com um efetivo de 1 600 legionários pára-quedistas divididos em 9 companhias.

A grande singularidade do 2º REP é a especialização de suas quatro companhias de combate, que permite seu uso muito além do combate clássico da infantaria pára-quedista:

1ª Companhia: especializada em combate em zona urbana e controle de distúrbios urbanos e similares com a ajuda de cães treinados. O treinamento é feito em cidades cenográficas de combate
2ª Companhia:
 especializada em combate em montanhas e regiões acidentadas. Todos legionários devem obter os brevês de alpinista ou de esquiadores militares.
3ª Companhia: 
especializada em operações anfíbias.
4ª Companhia: (minha predileta!):
 especializada em atiradores de elite, os snipers. Eles dominam também a arte do uso de explosivos militares e caseiros na montagem de emboscadas e armadilhas atrás das linhas inimigas. Bastam dois snipers de mau humor para dar muita dor de cabeça a centenas de soldados!

Numa manhã de domingo em Calvi, a única novidade era a presença de alguns Mariners americanos que participariam de uma manobra conjunta com a Legião pelos próximos dias.

Até o momento em que o alarme nos tira a atenção. Todos se questionaram se seria mais um exercício ou não.

Não era: em apenas 8 horas, mais de 1 200 legionários pára-quedistas aguardavam totalmente equipados e vacinados no aeroporto de Calvi a chegada dos Transall C-160 da Força Aérea Francesa, que nos levariam até o Chade, no coração da África.

Todos já desconfiávamos que algo poderia acontecer, pois a 4ª Cia, que estava na República Centro Africana em manobras, havia se deslocado as pressas para Ndjamena, capital do Chade, visando tomar à força o aeroporto local.

Após horas dentro do C-160 equipados com dois pára-quedas, mochila, arma e muita munição que praticamente dobravam nosso peso, recebemos ordens de tirar os pára-quedas: os aviões fariam um pouso normal. Como previsto, a 4ª Cia havia cumprido sua missão e o aeroporto estava seguro, aguardando nossa chegada.

Até hoje, muitos países africanos sofrem com intermináveis guerras civis fruto de uma descolonização que traçou fronteiras que nunca respeitaram as diferentes tribos e etnias africanas.

Este é um problema que o mundo todo finge não conhecer. Mas quando a temperatura sobe muito em alguma ex-colônia francesa, não se hesita em mandar a Legião para acalmar os ânimos. E foi o que fizemos.

Nossas ordens eram claras: prover total segurança e eventual deslocamento para a Europa a todos europeus que moravam no Chade, patrulhamento da capital Ndjamena visando manter a ordem e desarmar a população, que já havia saqueado os depósitos do exército chadiano, até que o novo governo chegasse de seus combates no deserto e assumisse o controle da cidade – ou o que sobrou dela…

Os legionários até hoje comentam nunca terem visto tantas armas e equipamentos das mais diversas origens reunidos em um só lugar. Vi muito equipamento e blindados “made in Brazil”…

Por que você saiu da Legião?

Sempre que um legionário começa a reclamar de alguma coisa, não tarda a ouvir alguém falar: “Você está aqui para servir a Legião e não se servir dela! Cale a boca e faça seu trabalho!”

Não teve jeito: após muita discussão, vários pedidos e uma semana de cadeia, percebi que não conseguiria sair mais da área administrativa da corporação. Só me restava por em prática o plano número 2: ir para os Estados Unidos, estudar inglês e torrar minhas economias para me tornar um piloto de helicópteros.

Você encontrou outros brasileiros servindo como legionários?

Vários! Logo nos primeiros dias descobri que dois dos instrutores da companhia em que estava eram brasileiros, um ex-professor de geografia e o outro não me lembro ao certo. Eram dois gaúchos muito simpáticos.

Na “13” também conheci mais um, um carioca fera no vôlei. Ao chegar no 2º REP, conheci vários brasileiros. Muitos deles ainda estão em serviço e outros já estão tentando a vida aqui fora.

Sempre que um deles volta para o Brasil, tentamos comer uma pizza juntos para pôr o papo em dia. A maioria está em São Paulo ou Rio de Janeiro. Tenho um grande apreço e respeito por todos eles, e é reconfortante saber que existem outros brasileiros que falam a mesma linguagem que eu. Segundo um colega que ainda está de serviço os brasileiros hoje representam a sétima nacionalidade dentro da Legião.

Quero fazer uma menção especial a uma pessoa que hoje é mais que um irmão para mim. Comemos o pão da miséria juntos na “13” e no 2º REP. Ao voltar para o Brasil, pude acompanhar desde o início seu grande esforço e dedicação em realizar seu sonho de ser piloto de helicópteros. Atualmente, ele voa na selva amazônica para um táxi aéreo que presta serviços para a Petrobrás.

Em São Paulo, é conhecido pela sua paixão e profissionalismo pela aviação de helicópteros.

Se algum brasileiro conseguiu se dar bem após cinco anos de Legião, este alguém se chama comandante Caldana. Parabéns, amigo!

Quanto ganhava como legionário? Achava o salário justo e compensador diante das exigências do trabalho?

Um legionário durante o primeiro ano de serviço ganha um salário mínimo – francês, é claro! O que corresponde a mais ou menos 900 euros por mês, com casa, comida e roupa lavada.

É necessário saber que o soldo de um legionário é proporcional ao seu tempo de serviço as promoções que recebe e existem alguns cursos que dão um pequeno incremento também.

O que torna interessante o salário são os complementos: compensação orgânica para os pára-quedistas e mergulhadores de combate e qualquer temporada em território considerado “operacional” são suficientes muitas vezes para mais do que duplicar o salário de um legionário. Existem tabelas levando em conta todos estes parâmetros e no final do mês recebemos um contra-cheque como qualquer trabalhador, explicando a origem do dinheiro. O salário do legionário é depositado automaticamente em uma caderneta de poupança dentro do próprio quartel e ele só poderá retirar uma parte do dinheiro semanalmente.

Caso queira retirar mais, terá que pedir formalmente ao seu comandante de companhia e explicar o por quê. Se você levar em conta a tendência natural dos legionários em arrumar encrenca, imagine um deles com o bolso cheio de euros e a cabeça cheia de cervejas… É problema na certa!

Por isso esta restrição. Quando eu estive em operação no Chade com o 2º REP, tinha mais de três anos de serviço, já tinha sido promovido a cabo e durante alguns meses meus salário ultrapassou os 5 mil dólares.

Era mais do que o salário de um sargento que estivesse servindo na Franca. Que saudades daquele tempo! Mas quando decidi ir para a Legião, em momento algum fui pensando no dinheiro.

Minha motivação sempre foi a de fazer parte de um dos exércitos mais duros e guerreiros de todos os tempos. A idéia de ser um verdadeiro boina verde me tirou muitas horas de sono.

Desaconselho qualquer um de ir para lá motivado somente pelo dinheiro. Ser legionário é algo próximo a uma religião, exige amor ao trabalho bem feito, abnegação, senso de coletividade, muita autodisciplina.

Com o passar do tempo, o desapego aos bens materiais torna-se parte de sua vida.

Você chegou a ser ferido em serviço?

Felizmente, não. Fora alguns arranhões, escoriações e algumas crises de malária, nada mais sério. “Em combate, agirá sem paixão e sem raiva, respeitará os inimigos vencidos, não abandonará jamais nem seus mortos, nem seus feridos e nem suas armas”. Este é um dos mandamentos do código de honra do legionário, precisa falar mais?

Teve algum colega morto ou gravemente ferido em ação?

Lembro de um legionário americano em operação no Gabão que foi ferido por uma granada e perdeu vários dedos, uma mão e parte de “outras coisas”. Nunca mais o vi.

Seus colegas de Legião eram muito barra pesada?

Por incrível que pareça o legionário mais barra pesada que conheci foi um brasileiro de São Paulo, 120 kg de músculos distribuídos em 1,90 de altura de pura encrenca.

Era tranqüilo e boa gente com a maioria das pessoas, mas tinha uma certa dificuldade em manter-se calmo com pessoas arrogantes e não suportava que gritassem com ele.

Lembro de vários legionários que ele mandou para a enfermaria e presenciei dois ingleses que mudaram de calçada ao vê-lo se aproximar.

O bar que destruiu na cidade causou grandes gargalhadas entre os brasileiros! De férias no Brasil, conversei com sua mãe que, preocupadíssima, me perguntou se ele não corria o risco de se machucar num ambiente tão rude. Tive pouco problema em acalmá-la! A última notícia que tive dele é que ele trabalhava como segurança em um cassino em Monte Carlo.

Que historias interessantes tem para contar?

Algo que até hoje me faz rir quando me lembro: foi em Djibuti. Numa manhã, sem aviso prévio, a Policia Militar da Legião [o equivalente à Polícia do Exército aqui no Brasil] perfilou todos os legionários em frente aos alojamentos. Com todos em posição de sentido, ouvimos as ordens do sargento para que os legionários da PM revistassem todos os alojamentos à procura de maconha ou outra droga qualquer, o que seria considerado uma falta grave e todos seriam punidos severamente. Os legionários designados para a PM da Legião são na maioria veteranos com mais de 5 anos de serviço, delicados como uma jamanta, maiores que um armário de seis portas e extremamente respeitados pelos legionários.

As ameaças eram gritadas em nossos ouvidos e sabíamos das conseqüências caso achassem um só toco de cigarro em algum armário. Sempre em posição de sentido, ouvíamos o barulho das camas sendo arrastadas e dos cadeados sendo quebrados. Que bagunça! Não sei quanto tempo se passou ao certo… No certo momento, o sargento da PM parou na nossa frente com uma mochila visivelmente pesada e com olhar de espanto chamou seu proprietário.

Pensei comigo: “Lá se foi nosso fim de semana de folga…”

A PM não achou nenhum tipo de droga mas, ao abrir a mochila que pertencia a um cabo, encontrou nada mais nada menos do que vários carregadores de fuzil carregados, várias granadas, explosivos e detonadores, o suficiente para se começar uma pequena guerra. O cabo foi preso e teve que se explicar como conseguiu aqueles “brinquedos”. O restante dos legionários foram liberados para aproveitarem o fim de semana!

Como avalia sua experiência na Legião?

A Legião é o lugar onde os fortes ficam fracos e os fracos ficam fortes! Por diversas vezes bati de encontro com minhas fraquezas, medos e limites. A cada vez que me levantava, estava um pouco mais fortalecido e confiante de que a diferença entre o vencedor e o perdedor é que o vencedor ao cair levantou-se mais uma vez e acabou por finalmente conseguir o que queria.

Agradeço à Legião por ter me acolhido, me quebrado e me construído novamente como mais do que um soldado de elite, mas como um homem com H maiúsculo, que aprendeu a honrar sua palavra independentemente das conseqüências pessoais, a respeitar os outros e a se fazer respeitar, a encarar as peças que a vida nos prega de cabeça erguida e com um sorriso nos lábios.

Hoje, acredito que saber viver é um eterno aprender a morrer!

Encorajaria outros jovens a alistar-se?

Não! Eu não aconselho a ninguém de se alistar na Legião Estrangeira. Eu tive muita sorte de sair vivo e inteiro e sei que nem sempre esta é a regra geral.

Ficaria muito incomodado em saber que alguém foi por influência minha, mas não teve a mesma sorte! Quando respondo às perguntas sobre a Legião no site do Orkut, fico preocupado a esse respeito.

Por outro lado sei que existem centenas de jovens que como eu, quando põem uma idéia na cabeça nada os faz mudar de idéia.

Eu os aconselho fortemente a fazer como eu fiz: tente ter algum tipo de experiência militar aqui no Brasil, passe pelo dia a dia de uma caserna, confirme suas expectativas!

Se depois disso aquela voz ainda quiser te mandar para a Legião, vá a um psiquiatra!

E se nem ele conseguir calar aquela voz, então: Bon voyage!

Legião Estrangeira e Recrutamento

Legião Estrangeira é um ramo do exército francês, com cerca de 8500 homens distribuídos por vários regimentos espalhados pela França, África, América do Sul e Pacífico.

Legião Estrangeira
Legião Estrangeira

Está entre as melhores tropas especiais do mundo e o que as distingue das demais, é o fato de aceitar nas suas fileiras cidadãos estrangeiros de todos os países.

A Legião é composta por Regimentos de várias Armas: Infantaria, Cavalaria, Engenharia e Pára-quedistas.

A Legião Estrangeira é uma grande família.

Um homem que deixou para trás o seu passado, a sua família, os seus amigos transfere para a Legião a sua necessidade de ideais, o seu afeto para com a Legião como sua casa, ao ponto de sacrificar tudo, com toda a generosidade, o que vai de encontro com o mote que se encontra em frente ao Museu da Legião: ” Legio Patria Nostra ”

Recrutamento:

Todos os legionários são voluntários, a maioria alista-se na Legião para fugir ao passado ( problemas familiares, sociais, religiosos e politicos) mas há os que, farto da vida limitada da classe média, se alistam procurando uma vida de aventura.
A idade de alistamente vai dos 18 aos 40 anos.
Há vários locais de alistamento naFrança, mas é em Aubagne, a 15 km de Marselha, o local preferido pelos voluntários pois está aberto 24 horas/dia, 365 dias/ano.

Provas de Ingresso:

O processo de seleção é muito rigoroso, dura cerca de 3 semanas onde proliferam as provas físicas, médicas e psicológicas.
Foragidos da justiça não têm entrada na Legião, pois nesta não são admitidos criminosos. Porém quem tenha cumprido pena ou tenha cometido delitos menores podem ser admitidos.
Na Legião pode-se obter uma nova identidade e registo criminal limpo.

Provas de Seleção:

30 flexões no solo
50 abdominais (sit-up’s)
Subir uma corda de 6 m, sem usar os pés
Percorrer 8 km com uma mochila de 12 kg em menos de 1 hora
8 elevações na trave
Não é necessário saber falar bem o francês no alistamento, pois há sempre um intérprete à disposição.
O BI ou passaporte são os únicos documentos necessários.
Durante as provas de seleção não é possível o contato com o mundo exterior.

Código de Honra do Legionário

Artigo 1: Legionário, tu és um voluntário servindo a França com honra e lealdade
Artigo 2: 
Cada legionário é o teu irmão de arma seja qual for a sua nacionalidade, a sua raça, a sua religião. Tu manifestarás sempre a estreita solidariedade que une os membros de uma mesma família.
Artigo 3: 
Respeitador das tradições, fiel aos teus chefes, a disciplina e camaradagem são a tua força, o valor e a lealdade tuas virtudes.
Artigo 4: 
Fiel do seu estado de legionário, tu o mostrarás na tua farda sempre elegante, teu comportamento sempre digno mas modesto, teu aquartelamento sempre limpo.
Artigo 5: 
Soldado de elite, tu treinas com rigor, cuida da tua arma como teu bem mais valioso, cuida permanentemente da tua forma física.
Artigo 6: 
A missão é sagrada. Tu a executas até o fim, no respeito das leis, dos costumes da guerra, das convenções internacionais e se for necessário, ao perigo da tua vida.
Artigo 7: 
No combate, tu agis sem paixão e sem ódio, tu respeitas os inimigos vencidos, nunca abandonas nem os teus mortos, nem os teus feridos, nem as tuas armas.

Fonte: geocities.yahoo.com.br/www.ambafrance.org.br/www.ambafrance.org.br/webdoc.france24.com

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