PUBLICIDADE
Inquisição – O que foi
Em uma época em que o poder religioso confundia-se com o poder real, o Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233 editou duas bulas que marcam o início da Inquisição, instituição da Igreja Católica Romana que perseguiu, torturou e matou vários de seus inimigos, ou quem ela entendesse como inimigo, acusando-os de hereges, por vários séculos.
Gravura em madeira de texto alemão, datado de 1555, onde se
retrata a ação dos caçadores de bruxas
A bula “Licet ad capiendos”, a qual verdadeiramente marca o início da Inquisição, era dirigida aos dominicanos, inquisidores, e era do seguinte teor: “Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privar-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis”
No mesmo ano, foi nomeado inquisidor da região de “Loira”, Roberto el Bougre, que com saques e execuções em massa, logo após dois anos foi promovido a responsável pela inquisição em toda a França.
Em 1252, o Papa Inocêncio IV editou a bula “Ad extirpanda”, a qual instucionalizou o Tribunal da Inquisição e autorizava o uso da tortura.
O poder secular era obrigado a contribuir com a atividade do tribunal da igreja.
Tribunal da Inquisição, Goya
Nos processos da inquisição a denúncia era prova de culpabilidade, cabendo ao acusado a prova de sua inocência.
O acusado era mantido incomunicável; ninguém, a não ser os agentes da Inquisição, tinha permissão de falar com ele; nenhum parente podia visitá-lo.
Geralmente ficava acorrentado. O acusado era o responsável pelo custeio de sua prisão.
O julgamento era secreto e particular, e o acusado tinha de jurar nunca revelar qualquer fato a respeito dele no caso de ser solto.
Nenhuma testemunha era apresentada contra ele, nenhuma lhe era nomeada; os inquisidores afirmavam que tal procedimento era necessário para proteger seus informantes.
A tortura só era aplicada depois que uma maioria do tribunal a votava sob pretexto de que o crime tornara-se provável, embora não certo, pelas provas.
Muitas vezes a tortura era decretada e adiada na esperança de que o medo levasse à confissão.
A confissão podia dar direito a uma penalidade mais leve e se fosse condenado à morte apesar de confesso, o sentenciado podia “beneficiar-se” com a absolvição de um padre para salvá-lo do inferno.
A tortura também podia ser aplicada para que o acusado indicasse nomes de companheiros de heresia.
As testemunhas que se contradiziam podiam ser torturadas para descobrir qual delas estava dizendo a verdade.
Não havia limites de idade para a tortura, meninas de 13 anos e mulheres de 80 anos eram sujeitas à tortura.
As penas impostas pela inquisição iam desde simples censuras (leves ou humilhantes), passando pela reclusão carcerária (temporária ou perpétua) e trabalhos forçados nas galeras, até a excomunhão do preso para que fosse entregue às autoridades seculares e levado à fogueira.
Castigos esses normalmente acompanhados de flagelação do condenado e confiscação de seus bens em favor da igreja. Podia haver privação de herança até da terceira geração de descendentes do condenado.
Obrigação de participar de cruzadas também foi pena durante o século XIII.
Na prisão perpétua, considerada um gesto de misericórdia, o condenado sobrevivia a pão e água e ficava incomunicável. Nem o processo nem a pena suspendiam-se com a morte, pois a inquisição mandava “queimar os restos mortais do herege e levar as cinzas ao vento”, confiscando as propriedades dos herdeiros.
Havia também, muito comum na inquisição portuguesa e na espanhola, a execução em efígie, onde era queimada a imagem do condenado, quando este fugia e não era encontrado.
Livros também eram levados à fogueira.
O inquisidor Nicolau Eymerich, em 1376, escreveu o “Directorium Inquisitorum” (Manaul dos Inquisidores), onde encontramos conceitos, normas processuais a serem seguidas, termos e modelos de sentenças a serem utilizadas pelos inquisidores.
Inquisição – Origem
As origens da Inquisição remontam a 1183, no combate aos cátaros de Albi, no sul de França por parte de delegados pontifícios, enviados pelo Papa. A instituição da Inquisição se deu no Concílio de Verona
No entanto, e bem mais tarde, já em pleno século XV, os reis de Castela e Leão, Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de um Santo Tribunal do Ofício: a Inquisição. Tal instituição tornavas-lhes necessária, como jovem Estado, que recentemente alcançara a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica e expulsara os judeus, por forma a obter uma «uniformização» e «unidade» nacional que até ali nunca existira.
Sendo essencialmente uma tribunal eclesiástico, desde cedo o Estado, o poder político se apossou do mesmo, por forma a prosseguir os seus objetivos políticos, mais do que os religiosos. Ao aliar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência, a Inquisição espanhola tornou-se, na prática, mas também no imaginário coletivo, uma das mais tenebrosas realizações da Humanidade.
Mais tarde, em certas regiões da Itália, e em Portugal, o Papa autorizou a introdução de instituições similares.
A Inquisição portuguesa tinha como âmbito todos os territórios sob controle da Coroa, tendo sido particularmente violenta na Índia, mas também em Portugal.
A sua ação fez-se ainda sentir no Brasil.
Numa época em que o poder religioso se confundia com o poder real, o Papa Gregório IX, em 20 de Abril de 1233, editou duas bulas que marcam o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, torturou (com restrições), condenou e entregou ao Estado (que aplicava a “pena capital”, como era comum na época) vários de seus inimigos propagadores de heresias.
A bula Licet ad capiendos, a qual verdadeiramente marca o início da Inquisição, era dirigida aos dominicanos inquisidores: Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis
O uso da tortura era, de fato, bastante restrito e, aos poucos, foi sendo extinto dos processos inquisitoriais.
Esta era apenas autorizada quando já houvesse meia-prova, ou quando houvesse testemunhas fidedignas do crime, ou então, quando o sujeito já apresentasse antecedentes como má fama, maus costumes ou tentativas de fuga. E ainda assim, conforme o Concílio de Viena, de 1311, obrigava-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas quando o bispo diocesano, junto a uma comissão julgadora, houvesse aprovado a mesma em cada caso em particular. Também é sabido que a tortura aplicada pela inquisição era, por demais, mais branda que a aplicada pelo poder civil, não permitindo, de forma alguma, amputação de membros (como era comum na época), e não permitindo perigo de morte.
Sistema Processual Inquisitório
Inserido em um cenário de poder eclesiástico absoluto e soberano é que o Tribunal do Santo Ofício é instaurado em 1236 pelo papa Gregório IX, que temendo as ambições político-religiosas do imperador Frederico II, toma para si a responsabilidade de perseguir os hereges que começavam a incomodar o alicerce da Igreja católica, bem como a estrutura dos estados monárquicos de então, que tinham como um dos pontos de unificação de seu território a religião predominante da época.
Antes de se instaurar o Tribunal do Santo Ofício, propriamente dito, no início da idade média, a Igreja estruturou a sua justiça, limitando-se a uma justiça disciplinar.
O seu procedimento era distinto da justiça comum da época, pois sua investigação era secreta e arrancar a confissão do réu constituía-se no âmago da questão. Esta justiça somente era aplicada ao clero. Entretanto, com o IV Concílio de Latrão, de 1216, através do papa Inocêncio III, firmou-se o metodo inquisitio.
Nasce, então, no seio da Igreja católica, o Sistema Processual Inquisitório, onde a autoridade responsável dispõe de poderes para, por sua iniciativa, abrir o processo, colher as provas que julgar necessárias e proceder secretamente no interesse em obter a confissão do réu.
É esse sistema processual inquisitório que lançará as diretrizes e norteará todo o funcionamento da Inquisição, através de seus atos, mandos e desmandos em nome de Deus.
Tribunal da Igreja Católica
Tribunal da Igreja Católica instituído no século XIII para perseguir, julgar e punir os acusados de heresia pelas doutrinas ou práticas contrárias às definidas pela Igreja.
A Santa Inquisição é fundada pelo papa Gregório IX (1170?-1241) em sua bula (carta pontifícia) Excommunicamus, publicada em 1231.
No século IV, quando o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, os heréticos passam a ser perseguidos como inimigos do Estado. Na Europa, entre os séculos XI e XV, o desenvolvimento cultural e as reflexões filosóficas e teológicas da época produzem conhecimentos que contradizem a concepção de mundo defendida até então pelo poder eclesiástico.
Paralelamente surgem movimentos cristãos, como os cátaros, em Albi, e os valdenses, em Lyon, ambos na França, que pregam a volta do cristianismo às origens, defendendo a necessidade de a Igreja abandonar suas riquezas. Em resposta a essas heresias, milhares de albigenses são liquidados entre 1208 e 1229. Dois anos depois é criada a Inquisição.
A responsabilidade pelo cumprimento da doutrina religiosa passa dos bispos aos inquisidores “em geral franciscanos e dominicanos”, sob o controle do papa.
As punições variam desde a obrigação de fazer uma retratação pública ou uma peregrinação a um santuário até o confisco de bens e a prisão em cadeia. A pena mais severa é a prisão perpétua, convertida pelas autoridades civis em execução na fogueira ou forca em praça pública.
Em geral, duas testemunhas constituem prova suficiente de culpa. Em 1252, o papa Inocêncio IV aprova o uso da tortura como método para obter confissão de suspeitos.
A condenação para os culpados é lida numa cerimônia pública no fim do processo, no chamado auto-de-fé.
O poder arbitrário da Inquisição volta-se também contra suspeitos de bruxaria e todo e qualquer grupo hostil aos interesses do papado.
Nos séculos XIV e XV, os tribunais da Inquisição diminuem suas atividades e são recriados sob forma de uma Congregação da Inquisição, mais conhecida como Santo Ofício.
Passam a combater os movimentos da Reforma Protestante e as heresias filosóficas e científicas saídas do Renascimento.
Vítimas notórias da Inquisição nesse período são a heroína francesa Joana D”Arcjump: BAHFE (1412-1431), executada por se declarar mensageira de Deus e usar roupas masculinas, e o italiano Giordano Bruno (1548-1600), considerado pai da filosofia moderna, condenado por concepções intelectuais contrárias às aceitas pela Igreja.
Processado pela Inquisição, o astrônomo italiano Galileu Galilei prefere negar publicamente a Teoria Heliocêntrica desenvolvida por Nicolau Copérnico e trocar a pena de morte pela de prisão perpétua.
Após nova investigação iniciada em 1979, o papa João Paulo II reconhece, em 1992, o erro da Igreja no caso de Galileu.
Inquisição ou Santo Ofício (1231 – 1820)
Instituição medieval que atravessou a era moderna. Foi o legado da histeria e paranoia da imaginação religiosa e política da igreja contra as heresias que ameaçavam seus domínios, oficializada pelo papa Gregório IX (1227-1241).
Inicialmente, tinha o intuito de salvar a alma dos hereges. Mais tarde, entretanto, passou a empregar a tortura e a fogueira como forma de punição, com autorização do papa Inocêncio IV, em 1254.
No auge de seu furor, cerca de 50 mil pessoas foram condenadas à morte no período entre 1570 e 1630, em toda Europa.
Através da colonização, essa prática odiosa estendeu-se ao Novo Mundo, sendo aplicada até mesmo pelos reformadores protestantes na América do Norte.
Não poupou mulheres, crianças, velhos, santos, cientistas, políticos, loucos e até mesmo gatos que foram vítimas do auto de fé promovido pelos bondosos cristãos!
Tribunal de Deus
Com o passar do tempo, a Inquisição desenvolveu um funcionamento próprio. Seus processos orientavam-se por um regimento interno onde estavam sistematizadas as leis, jurisprudência, ordens e praxes do tempo.
Para entender melhor a atuação deste tribunal julga-se necessário determinar como se instituía e se procedia a um julgamento neste tribunal desde a instalação do processo até a sua conclusão nos autos-de-fé, onde se queimavam os dissidentes da sociedade. É o que pretende-se fazer no decorrer deste estudo.
Para se instaurar um processo inquisitorial bastava uma denúncia ou uma acusação ao Santo Ofício.
Depois da abertura do processo, seguia-se o desenvolvimento deste. Cabe lembrar que a Inquisição dava preferência para o processo de delação, que era anônimo, já que pelo processo de acusação se o réu fosse inocentado, o tribunal teria de aplicar a Lei de Talião. Isto não constituía um fato que agradasse o Santo Ofício, uma vez que se aplicaria esta lei ao acusador e não ao acusado, desestimulando a acusação e, consequentemente, os crimes continuariam impunes, para grande prejuízo do Estado.
Se por um lado a Inquisição demonstrava preocupação em não haver mais delatores, com o consequente prejuízo no estabelecimento dos processos e portanto no cumprimento de sua função social, por outro lado, como bem se sabe, quem caía nas mãos da Inquisição raramente saía vivo, e nas raras vezes que isto ocorria o réu deveria jurar que nunca mencionaria uma palavra sequer sobre o que ocorrera durante todo o processo. Portanto, esta preocupação com a falta de delatores é um tanto quanto teórica, pois tudo leva a crer que os resultados da ação inquisitorial eram bem óbvios para quem tinha a infelicidade de ser julgado pelo Tribunal do Santo Ofício.
A Defesa do Réu
Embora muitas vezes nem apareça a figura de um advogado nos vários processos inquisitoriais, o certo é que ele ocasionalmente estava presente. Entretanto, a sua presença, quando esta se fazia, era motivo de lentidão no processo e atraso na proclamação da sentença. Este advogado de defesa deveria ser designado pelo tribunal e deveria ser um advogado honesto, com experiência em direito civil e canônico, e bastante fervoroso na fé católica.
Pelo que se pode observar, percebe-se que o advogado de defesa figurava mais como um empecilho, constituindo-se mais como um elemento decorativo, uma vez que quem o escolhia era o tribunal e não o réu.
Sendo assim, na prática, ele era obrigado a “acusar” o réu e não a defendê-lo no tribunal, pois o papel do advogado era fazer o réu confessar logo e se arrepender, além de pedir a pena para o crime cometido.
Na verdade o réu não tinha defesa e muito menos um advogado de defesa, já que este estava a favor da Inquisição e não do acusado, e de mais a mais sabe-se, pelos processos inquisitoriais que se tem notícia, que o processo de julgamento não chegava ao extremo de se designar um advogado para o réu confessar, pois esta confissão já era arrancada do réu nos interrogatórios através da tortura.
Tormento
O uso da tortura para se obter uma confissão, foi permitido pelo papa Inocêncio IV, em 1252 e era aplicada sempre que se suspeitasse de uma confissão ou quando era incongruente.
Um testemunho era suficiente para justificar o envio para a câmara de tormento. Quanto mais débil a evidência do crime, mas severa era a tortura.
Instituída para arrancar a confissão do réu, a tortura era um elemento sempre presente nos autos dos processos do Santo Ofício. Entretanto, a sua prática deveria ser moderada, pois o papel do inquisidor não era o de””carrasco”.
Além do mais o inquisidor deve ter sempre em mente esta frase do legislador: o acusado deve ser torturado de tal forma que saía saudável para ser libertado ou para ser executado.
Assim, pela citação acima percebe-se, claramente, que a intenção do Tribunal do Santo Ofício era conseguir a confissão do réu a qualquer preço, desde que esse preço não ultrapassasse o limite da morte pois, aos olhos da igreja somente a Deus é dado o direito de vida e de morte sobre qualquer ser vivo, pecador ou não, que habita a face da terra.
Directorium Inquisitorum: o manual dos inquisidores
Quando o papa Gregório IX reivindicou para si a tarefa de perseguir hereges e institui, para isso, inquisidores papais, o que determinava o funcionamento do Tribunal do Santo Ofício era a bula Excommunicamus, que estipulava os procedimentos pelos quais inquisidores profissionais seriam enviados para localizar hereges e persuadi-los a se retratarem.
A bula foi publicada em 1232 e nos anos seguintes a tarefa de interrogar aqueles acusados de heresia foi confiada às ordens mendicantes, sobretudo os dominicanos. Talvez, por serem estes seguidores dos ensinamentos de São Francisco de Assis, que pregava total desapego às coisas materiais, é que se pensava que seriam os mais indicados para proceder de forma precisa em um julgamento inquisitorial. Vã ironia, tendo em vista as atrocidades que se cometeram em nome de Deus e da fortuna para se manter o combate as heresias.
Gregório IX aparece, com sua mão de ferro, no final de um longo período de lutas contra a heresia por parte da igreja institucionalizada.
Vários decretos papais e conciliares haviam tentado regulamentar a heresia e impedir seu crescimento através da instituição de inquisições episcopais. Todavia, os esforços foram em vão e precisou-se, com o passar do tempo, fortalecer a Inquisição para que ela pudesse continuar em sua obra divina.
A partir do momento, que as heresias já não se curvam diante da presença da Inquisição somente eclesiástica, esta se une ao Estado, e a partir daí vai-se criando uma prática de controle severo das doutrinas, legitimadas por sucessivos documentos pontifícios, mas nada, havia ainda que resumisse toda a ação do Santo Ofício em uma única obra.
No início do século XIV, comportamentos dissidentes começaram a ameaçar a integridade da igreja católica, que acumulava, neste período, um poder jamais conseguido na história da humanidade, que incluía o poder sobre os Estados emergentes e sobre as consciências de uma sociedade teocrática.
Para salvar a estrutura inquisitorial, Nicolau Eymerich elabora, em 1376, o Directorum Inquisitorum (Diretório dos Inquisidores), um verdadeiro tratado sistemático dividido em três partes:
a) o que é a fé cristã e seu enraizamento;
b) a perversidade da heresia e dos hereges;
c) a prática do ofício do inquisidor que importa perpetuar.
Trata-se, na verdade, de um manual de “como fazer”, extremamente prático e direto, baseado na documentação anterior e na própria prática inquisitorial do autor. Toda a obra se remete a textos bíblicos, pontifícios, conciliares que justificam e direcionam a prática e o “bom exercício” da Inquisição.
Devido ao surgimento de novas correntes heréticas, no século XVI, fazia-se urgente atualizar o manual de Eymerich. Foi quando o comissário geral da Inquisição Romana, Thoma Zobbio, em nome do senado da Inquisição Romana solicitou a outro dominicano, o canonista espanhol Francisco de la Peña complementar o manual de Eymerich com todos os textos, disposições, regulamentos e instruções aparecidas depois de sua morte, em 1399. Peña redigiu uma obra minuciosa, com nada mais nada menos que 744 páginas de texto com 240 outras de apêndices, publicada em 1585.
A importância de tal obra é tão grande para a época, que depois da Bíblia, foi um dos primeiros textos a serem impressos, em 1503, em Barcelona.
E quando o Vaticano quis reanimar a Inquisição para fazer frente a Reforma Protestante, mandou reeditar o livro e distribuiu para todos os inquisidores do mundo europeu.
O confisco de bens e o Manual dos inquisidores
Dentre as questões referentes à prática do Santo Ofício, encontra-se a relativa ao confisco de bens praticado pela Inquisição. Tal prática se tornou cada vez mais recorrente, no decorrer do tempo, principalmente a partir do século XV, entretanto já havia diretrizes que permaneceram, mesmo depois da revisão de la Peña, de como proceder na confiscação de bens.
Segundo o Manual dos Inquisidores quem se arrepende antes da sentença que o levou a ser entregue ao braço secular fica com os seus bens. Ao contrário, confiscam-se, ipso uire, os bens de quem só se arrepender depois da sentença de condenação. Os bens destes últimos tornam-se propriedade das autoridades civis, a menos que, por generosidade, estas não o queriam.
Pelo exposto acima, a Inquisição, pelo menos teoricamente, se preocupava com a salvação da alma de seu réu, pois se este se arrependesse antes da sua sentença de morte, estaria salvo e teria recuperado todos os seus bens. A bem da verdade, talvez isto tenha sido usado em princípios de seu funcionamento, ficando relegado a um segundo plano no decorrer do processo.
Mesmo porque o réu não conhecia as leis que o regia, pois raramente sabia ler e quando sabia teria de se contentar com obras que a igreja determinava fora de perigo de perverter seus fiéis. Além do que, somente os inquisidores tinham acesso às leis que regiam a instituição, assim, acredita-se, que mesmo o réu se arrependendo antes de sua sentença de morte, ele raramente recuperava seus bens, pois se argumentaria que estes se destinariam a manutenção do tribunal santo.
Além do mais o próprio manual discute a questão do arrependimento e sua relação com o confisco de bens. Segundo de la Peña, o revisor do Manual dos Inquisidores, a Inquisição deveria ser mais severa com seus infiéis e independente de o herege se arrepender ou não, se o faz antes ou depois da sentença, perde os seus bens (?).
Discordo totalmente de Eymerich quando defende que se deve devolver os bens dos hereges que se arrepende, depois de ter sido entregue ao braço secular. O que! Um homem desses, culpado de uma tal infâmia, ganharia duas graças “a vida e a posse de seus bens” Um herege desses seria indigno de tanta bondade.
Pelo que se vê, tudo leva a crer que realmente a primeira determinação do manual fica apenas no plano teórico, uma vez que o própria lei que o regia é colocada em dúvida quando o Directorum é revisado, a partir daí se abre uma brecha para que a atuação do Santo Ofício não se limite a apenas conseguir o arrependimento do réu, mas também fundos para que não se morra os olhos e os ouvidos de Deus da face da Terra. Fica bem claro, ao analisar o presente manual, que este se divide em dois momentos distintos, ou seja, quando é escrito, em 1376, e quando é revisado, em 1578. E neste sentido deve-se ter um cuidado redobrado ao analisar a questão do confisco de bens aos olhos da Inquisição. Cabe lembrar ainda, que a Inquisição que se instala na idade média pretendia, tão somente, perseguir aqueles que iam contra a fé católica. A ideia e ambição dos primórdios da Inquisição era manter viva a fé católica, desprovida de qualquer benefício econômico que estes julgamentos pudessem acarretar à igreja. Pois, como bem pôde-se observar anteriormente, o papa Inocêncio III havia determinado que a pena para os hereges seria a destruição de sua casa, de forma que o herege não pudesse deixar nenhum rastro de seu ato tão desprezível aos olhos de Deus e da igreja.
Quando o manual é revisado a Europa já se encontra no século XVI, os interesses da Inquisição, neste momento, são outros.
O seu ideal de manter a fé católica e fazer com que o penitente se arrependa e possa retornar ao convívio dos seus, em paz, é suplantado pelo interesse político e social. Pois, a Europa vive o anseio das grandes descobertas, o capitalismo começa a dar seus primeiros passos e o dinheiro passa a ser o maior interesse dos países europeus, principalmente ibéricos, onde a santa Inquisição atuou com rigores inconcebíveis.
Em nome de um Deus que preferia o dinheiro e a morte nos queimadouros dos autos-de-fé do que a salvação da vida humana, a santa Inquisição ibérica, sobretudo a espanhola, matou, torturou e ousou ir contra os próprios ensinamentos de Cristo que diz: afasta-te de causas mentirosas. Não mates o inocente e o justo, porque não vou absorver o culpado.
Assim, vale dizer que, embora a Inquisição entregasse o réu ao poder civil, para que se cumprisse a sentença de morte, quem a determinava era o Tribunal do Santo Ofício, desta forma quem matava o réu, mesmo que indiretamente era a Inquisição.
O Tribunal de Deus fez muitas vítimas, mas não tantas quanto a partir do século XVI, período este de ascensão econômica e nascimento do capitalismo, onde a igreja católica viu sua liderança começar a ser ameaçada, devido as correntes protestantes e onde, o que é pior, para se manter no equilíbrio a igreja se utilizou de seu poder para que a estrutura sagrada da santa Inquisição não morresse e pudesse continuar combatendo as heresias e enchendo os cofres de Deus de dinheiro e de bens, às custas do sangue daqueles que interessavam, pelo seu poder econômico, a santa madre igreja.
Os Hereges
Aqueles que iam contra a santa madre igreja católica eram denominados, por esta, como hereges.
Estes eram o alvo principal do Santo Ofício, que o Manual dos Inquisidores classificava como:
a) os excomungados;
b) os simoníacos (comercialização dos bens da igreja);
c) quem se opusesse à igreja de Roma e contestasse a autoridade que ela recebeu de Deus;
d) quem cometesse erros na interpretação das Sagradas Escrituras;
e) quem criasse uma nova seita ou aderisse a uma seita já existente;
f) quem não aceitasse a doutrina romana no que se refere aos sacramentos;
g) quem tivesse opinião diferente da igreja de Roma sobre um ou vários artigos de fé;
h) quem duvidasse da fé cristã.
Instituído sob o caráter religioso, este tribunal regulava e controlava toda a vida quotidiana dos pensamentos dos cidadãos, atuando como um tribunal eclesiástico.
Com o passar do tempo esta instituição assumiu uma importância extraordinária, no seio de diversas sociedades europeias, tanto que não raras vezes, a Inquisição julgou processos comuns, que não diziam respeito a ordem divina, acusando os réus de hereges e submetendo-os aos rigores de suas determinações.
No decorrer dos séculos, vários concílios se realizaram para alterar a lista dos pecados e incluir, de acordo com os interesses da ordem vigente, mais crimes que ofenderiam a fé cristã.
Quando a Inquisição se instala em Portugal, através da bula de 23 de maio de 1536, nela determinava-se quem são os hereges, além dos mencionados no manual dos inquisidores, a serem perseguidos, com maior ênfase, em solo lusitano.
Meses depois, porém, de sua instauração a Inquisição portuguesa lança um édito de explicação em que deviam ficar todos sabendo bem de que culpas se tinham de confessar e quais as que deviam denunciar.
Assim estabelecia-se a quem deveria recair os rigores da Inquisição em solo lusitano.
Perante a Inquisição portuguesa deveriam ser denunciados todos aqueles que praticassem ritos judaicos ou mahometanos; bem como perseguir-se todo aquele que, em terras portuguesas, dissesse coisas que diziam respeito a fé luterana. Entretanto não há de se negar que quem mais sofreu com a presença da Santa Inquisição, em solo português, foi o judeu, cristão-novo, o principal elemento visado pelo tribunal.
O judeu, que fora obrigado a se batizar na fé católica, em 1497; convertido passou a ser alvo das perseguições do Santo Ofício, pois devido a imposição da religião católica a este povo, este se viu obrigado a praticar sua crença escondido, longe dos olhos de curiosos que pudessem prejudicar o bom andamento de suas crenças judaicas e os delatar ao Santo Ofício.
Estes judeus conversos eram chamados de hereges judaizantes, e esta denominação era utilizada em todas as sentenças e documentos oficiais da Inquisição, significando os portugueses descendentes de judeus que foram forçados ao batismo em 1497, durante o reinado de D. Manuel I, e que obstinada e secretamente seguiam a religião judaica (?).
É pois o português batizado, descendente dos judeus convertidos ao catolicismo e praticante secreto do judaísmo, um herege perante a igreja católica portuguesa.
As garras da Inquisição portuguesa atingiu a muitos, mas em maior escala aplicou seus rigores sobre os cristãos-novos, donos de dois pecados mortais para a igreja católica: professar a fé de Moisés e praticar a usura, que pelo concílio de Paris, de 1213, é colocado como um pecado tão grave quanto a heresia.
Além do que a igreja se constitui em um órgão que necessita se manter e viu no surgimento desta prática uma maneira eficiente de salvar as almas destes infiéis, ladrões do tempo do Senhor Deus, e garantir a sobrevivência da Inquisição.
Poder e Política em Nome de Deus
A Inquisição é tema que não se esgota. Instituída em 1232 pelo papa Gregório IX ela vigorou até 1859, quando o papado extinguiu definitivamente o Tribunal do Santo Ofício. Portanto, funcionou durante longos seis séculos. Devido a esta complexidade é que se optou por explorar o campo do confisco dos bens dentro do Tribunal do Santo Ofício, instituição que tão bem se utilizou do poder para manter-se viva no seio da sociedade durante um longo período histórico.
Entretanto, o assunto em questão aparece em todos os momentos da atuação do Santo Ofício, ficando por demais difícil fazer uma boa análise dentro de um período tão longo.
Devido a isto delimitei um pouco mais meu campo de atuação e me restringi ao solo português, tentando entender a questão de forma mais precisa.
A Inquisição em Portugal foi instituída em 1536, nos moldes medievais sob a liderança do poder régio. Diferentemente da Inquisição medieval, que possuía como objetivo maior o combate às heresias, a Inquisição portuguesa era comandada pelo rei que centralizava, fortificava e solidificava seu poder através do confisco dos bens.
Afinal alguém teria que manter tão complexa estrutura. O alvo maior em solo lusitano era o cristão-novo, judeus convertidos a fé cristã, que a Inquisição julgava manter seus ritos judaicos secretamente.
Acusados de profanar as hóstias e desvirtuar muitos cristãos do caminho de Deus, esse povo pagou com a vida e com seus bens a manutenção do equilíbrio do reino.
Ë bem verdade que antes da Inquisição se oficializar em terras portuguesas os judeus tiveram proteção e abrigo em troca de alguns tributos especiais do próprio Estado, mas isso só durou enquanto isso trazia algum benefício ao poder régio. Instaurada a Inquisição era preciso que se tivesse hereges a serem perseguidos e nada mais cômodo do que unir o útil ao agradável, ter quem se queimasse na fogueira deixando todos seus bens para a santa madre igreja.
É claro que a fórmula não é tão simplista assim, mas devido as circunstâncias tudo leva a crer que abusos dessa ordem eram cometidos, pois quando da instalação da Inquisição em solo lusitano, tentou se conter abusos no tocante ao confisco de bens. Tanto que pela bula de 23 de maio de 1536, a qual instituí o Tribunal do Santo Ofício em Portugal, se determinava que não deveria haver confisco de bens em todo o território por pelo menos dez anos.
Em 1576, nova tentativa de se conter abusos decretando-se que seria excomungado aquele que tomasse os bens de judeus confiscados pelo poder da Inquisição.
Neste sentido, pode-se dizer que se havia leis e decretos tentando coibir a ação da Inquisição sobre os bens de seus condenados é porque os abusos existiam e muitos foram os sacrificados em favor da permanência do poder régio e eclesiástico.
O presente estudo teve como fonte histórica o Manual dos Inquisidores, obra escrita em 1376 por Nicolau Eymerich e revisado em 1576 por Francisco de la Peña. A obra se delimita a ação do Santo Ofício, esclarecendo o funcionamento, a estrutura e a atuação da Inquisição sob os auspícios da Igreja católica. A importância deste manual para o presente estudo se funda na questão do confisco de bens que, pelo que se pode perceber muito bem, era praticado desde a gênesi da Inquisição.
Sob a luz do conhecimento histórico, iluminado pelas luzes da fonte escolhida é que se propôs estudar o confisco de bens em terras lusitanas, tema de fundamental importância para entender a dinâmica do próprio Brasil colonial, pois afinal o nosso país é de posse portuguesa neste momento histórico.
Essa pesquisa é pano de fundo para estudos futuros que pretendem desenvolver uma análise sobre a atuação da Inquisição lusitana em solo brasileiro.
Pois ao que tudo indica a Inquisição via tudo e estava em todos os lugares, tal qual Deus vigia seus fiéis a cada instante do dia.
Santa Inquisição
A verdadeira História
A Inquisição não foi criada de uma só vez, nem procedeu do mesmo modo no decorrer dos séculos.
Por isto distinguem-se:
1) A Inquisição Medieval, voltada contra as heresias cátara e valdense nos séculos XII/XIII e contra falsos misticismos nos séculos XIV/XV;
2) A lnquisição Espanhola, instituída em 1478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente aos judeus e muçulmanos, tornou-se poderoso instrumento do absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX, a ponto de quase não poder ser considerada instituição eclesiástica (não raro a lnquisição Espanhola procedeu independentemente de Roma, resistindo à intervenção da Santa Sé, porque o rei de Espanha a esta se opunha);
3) A lnquisição Romana (também dita “o Santo Ofício”), instituída em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do protestantismo. Apesar das modalidades próprias, a Inquisição medieval e a romana foram movidas por princípios e mentalidade características. Passamos a examinar essa mentalidade e os procedimentos de tal instituição, principalmente como nos são transmitidos por documentos medievais.
Antecedentes da Inquisição
Contra os hereges a Igreja antiga aplicava penas espirituais, principalmente a excomunhão; não pensava em usar a força bruta. Quando, porém, o lmperador romano se tornou cristão, a situação dos hereges mudou.
Sendo o Cristianismo religião de Estado, os Césares quiseram continuar a exercer para com este os direitos dos lmperadores romanos (Pontífices maximi) em relação à religião pagã; quando arianos, perseguiam os católicos; quando católicos, perseguiam os hereges.
A heresia era tida como um crime civil, e todo atentado contra a religião oficial como atentado contra a sociedade; não se deveria ser mais clemente para com um crime cometido contra a Majestade Divina do que para com os crimes de lesa-majestade humana. As penas aplicadas, do século IV em diante, eram geralmente a proibição de fazer testamento, a confiscação dos bens, o exílio. A pena de morte foi infligida pelo poder civil aos maniqueus e aos donatistas; aliás, já Diocleciano em 300 parece ter decretado a pena de morte pelo fogo para os maniqueus, que eram contrários à matéria e aos bens materiais. Agostinho, de início, rejeitava qualquer pena temporal para os hereges. Vendo, porém, os danos causados pelos donatistas (circumcelliones), propugnava os açoites e o exílio, não a tortura nem a pena de morte.
Já que o Estado pune o adultério, argumentava, deve punir também a heresia, pois não é pecado mais leve a alma não conservar fidelidade (fides, fé) a Deus do que a mulher trair o marido (epist. 185, n21, a Bonifácio).
Afirmava, porém, que os infiéis não devem ser obrigados a abraçar a fé, mas os hereges devem ser punidos e obrigados ao menos a ouvir a verdade.
As sentenças dos Padres da lgreja sobre a pena de morte dos hereges variavam.
São João Crisóstomo (407), bispo de Constantinopla, baseando-se na parábola do joio e do trigo, considerava a execução de um herege como culpa gravíssima; não excluía, porém, medidas repressivas.
A execução de Prisciliano, prescrita por Máximo lmperador em Tréviris (385), foi geralmente condenada pelos porta-vozes da lgreja, principalmente por S. Martinho e S. Ambrósio.
Das penas infligidas pelo Estado aos hereges não constava a prisão; esta parece ter tido origem nos mosteiros, donde foi transferida para a vida civil.
Os reis merovíngios e carolíngios castigavam crimes eclesiásticos com penas civis assim como aplicavam penas eclesiásticas a crimes civis. Chegamos assim ao fim do primeiro milênio.
A Inquisição teria origem pouco depois.
As origens da lnquisição
No antigo Direito Romano, o juiz não empreendia a procura dos criminosos; só procedia ao julgamento depois que Ihe fosse apresentada a denúncia. Até a Alta ldade Média, o mesmo se deu na Igreja; a autoridade eclesiástica não procedia contra os delitos se estes não Ihe fossem previamente apresentados. No decorrer dos tempos, porém, esta praxe mostrou-se insuficiente.
Além disto, no séc. XI apareceu na Europa nova forma de delito religioso, isto é, uma heresia fanática e revolucionária, como não houvera até então: o catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigenses (de Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal).
Considerando a matéria por si os cátaros rejeitavam não somente a face visível da lgreja, mas também instituições básicas da vida civil – o matrimônio, a autoridade governamental, o serviço militar – e enalteciam o suicídio.
Destarte constituíam grave ameaça não somente para a fé cristã, mas também para a vida pública; ver capítulo 29. Em bandos fanáticos, às vezes apoiados por nobres senhores, os cátaros provocavam tumultos, ataques às igrejas, etc., por todo o decorrer do séc. XI até 1150 aproximadamente, na França, na Alemanha, nos Países-Baixos…
O povo, com a sua espontaneidade, e a autoridade civil se encarregavam de os reprimir com violência: não raro o poder régio da França, por iniciativa própria e a contra-gosto dos bispos, condenou à morte pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamentos da ordem constituída. Foi o que se deu, por exemplo, em Orleães (1017), onde o rei Roberto, informado de um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos hereges e os mandou lançar ao fogo; a causa da civilização e da ordem pública se identificava com a fé!
Entrementes a autoridade eclesiástica limitava-se a impor penas espirituais (excomunhão, interdito, etc.) aos albigenses, pois até então nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física; S. Agostinho (?430) e antigos bispos, S. Bernardo (? 1154), S. Norberto (? 1134) e outros mestres medievais eram contrários ao uso da forma (Sejam os hereges conquistados não pelas armas, mas pelos argumentos, admoestava São Bernardo, In Cant, serm. 64).
Não são casos isolados os seguintes: em 1144 na cidade de Lião o povo quis punir violentamente um grupo de inovadores que aí se introduzira: o clero, porém, os salvou, desejando a sua conversão, e não a sua morte. Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de Cambraia; a multidão de populares lançou-se então sobre ele, sem esperar o julgamento, encerrando-o numa cabana, a qual atearam o fogo!
Contudo em meados do século XII a aparente indiferença do clero se mostrou insustentável: os magistrados e o povo exigiam colaboração mais direta na repressão do catarismo.
Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território os cátaros provocavam desordens:
Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes.. A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza…
Não queiras ser justo demais (noli nimium esse iustus).
Informado desta admoestação pontifícia, o rei Luís VII de França, irmão do referido arcebispo, enviou ao Papa um documento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultaneamente: Que vossa prudência dê atenção toda particular a essa peste (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem da fé cristã. concedei todos os poderes neste Campo ao arcebispo (do Reims), ele destruirá os que assim se insurgem contra Deus, sua justa severidade será louvada por todos aqueles que nesta terra são animados de verdadeira piedade.
Se procederdes de outro modo, as queixas não se acalmarão facilmente e desencadeareis contra a Igreja Romana as violentas recriminações da opinião pública (Martene,, Amplissima Collectio II 638s).
As consequências deste intercâmbio epistolar não se fizeram esperar muito: o concílio regional de Tours em 1163, tomando medidas repressivas à heresia, mandava inqüirir (procurar) os seus agrupamentos secretos.
Por fim, a assembléia de Verona (Itália), à qual compareceram o Papa Lúcio III, o lmperador Frederico Barba-roxa, numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou em 1184 um decreto de grande importância: o poder eclesiástico e o civil, que até então haviam agido independentemente um do outro (aquele impondo penas espirituais, este recorrendo à força física), deveriam combinar seus esforços em vista de mais eficientes resultados: os hereges seriam doravante não somente punidos, mas também procurados (inquiridos); cada bispo inspecionaria, por si ou por pessoas de confiança uma ou duas vezes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, barões e as demais autoridades civis os deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito lançado sobre as suas terras; os hereges depreendidos ou abjurariam seus erros ou seriam entregues ao braço secular, que lhes imporia a sanção devida.
Assim era instituída a chamada “Inquisição episcopal”, a qual, como mostram os precedentes, atendia a necessidades reais e a clamores exigentes tanto dos monarcas e magistrados civis como do povo cristão; independentemente da autoridade da lgreja, já estava sendo praticada a repressão física das heresias. No decorrer do tempo, porém, percebeu-se que a inquisição episcopal ainda era insuficiente para deter os inovadores; alguns bispos, principalmente no sul da França, eram tolerantes; além disto, tinham seu raio de ação limitado às respectivas dioceses, o que Ihes vedava uma campanha eficiente. A vista disto, os Papas, já em fins do século XII, começaram a nomear legados especiais, munidos de plenos poderes para proceder contra a heresia onde quer que fosse.
Destarte surgiu a “Inquisição pontifícia” ou “legatina”, que a princípio ainda funcionava ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou desnecessária.
A Inquisição papal recebeu seu caráter definitivo e sua organização básica em 1233, quando o Papa Gregório IX confiou aos dominicanos a missão de Inquisidores; havia doravante, para cada nação ou distrito inquisitorial, um lnquisidor-Mor, que trabalharia com a assistência de numerosos oficiais subalternos (consultores, jurados, notários …), em geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do procedimento inquisitorial foram sendo sucessivamente ditadas por Bulas pontifícias e decisões de Concílios.
Entrementes a autoridade civil continuava a agir, com zelo surpreendente contra os sectários.
Chama a atenção, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos mais perigosos adversários que o Papado teve no séc. XIII Em 1220 este monarca exigiu de todos os oficiais de seu governo prometessem expulsar de suas terras os hereges reconhecidos pela lgreja; declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito à pena de morte e mandou dar busca aos hereges.
Em 1224 publicou decreto mais severo. do que qualquer das leis citadas pelos reis ou Papas anteriores: as autoridades civis da Lombardia deveriam não somente enviar ao fogo quem tivesse sido comprovado herege pelo bispo, mas ainda cortar a língua aos sectários a quem, por razões particulares, se houvesse conservado a vida. E possível que Frederico II visasse a interesses próprios na campanha contra a heresia; os bens confiscados redundariam em proveito da coroa.
Não menos típica é a atitude de Henrique II, rei da Inglaterra: tendo entrado em luta contra o arcebispo Tomás Becket, primaz de Cantuária, e o Papa Alexandre III, foi excomungado.
Não obstante, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da heresia no seu reino: em 1185, por exemplo, alguns hereges da Flândria tendo-se refugiado na Inglaterra, o monarca mandou prendê-los, marcá-los com ferro vermelho na testa e expô-los, assim desfigurados, ao povo; além disto, proibiu aos seus súditos lhes dessem asilo ou Ihes prestassem o mínimo serviço.
Estes dois episódios, que não são únicos no seu gênero, bem mostram que o proceder violento contra os hereges, longe de ter sido sempre inspirado pela suprema autoridade da Igreja, foi não raro desencadeado independentemente desta, por poderes que estavam em conflito com a própria lgreja. A inquisição, em toda a sua história, se ressentiu dessa usurpação de direitos ou da demasiada ingerência das autoridades civis em questões que dependem primeiramente do foro eclesiástico.
Em síntese, pode-se dizer o seguinte:
1) A Igreja, nos seus onze primeiros séculos, não aplicava penas temporais aos hereges, mas recorria às espirituais (excomunhão, interdito, suspensão …). Somente no século XII passou a submeter os hereges a punições corporais. E por quê?
2) As heresias que surgiram-no século XI (as dos cátaros e valdenses), deixavam de ser problemas de escola ou academia, para ser movimentos sociais anarquistas, que contrariavam a ordem vigente e convulsionavam as massas com incursões e saques. Assim tornavam-se um perigo público.
3) O Cristianismo era patrimônio da sociedade, à semelhança da prática e da família hoje. Aparecia como o vínculo necessário entre os cidadãos ou o grande bem dos povos; por conseguinte, as heresias, especialmente as turbulentas, eram tidas como crimes sociais de excepcional gravidade.
4) Não é, pois, de estranhar que as duas autoridades – a civil e a eclesiástica tenham finalmente entrado em acordo para aplicar aos hereges as penas reservadas pela legislação da época aos grandes delitos.
5) A lgreja foi levada a isto, deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre ela exerceram não somente monarcas hostis, como Henrique II da Inglaterra e Frederico Barba-roxa da Alemanha, mas também reis piedosos e fiéis ao Papa, como Luís VII da França.
6) De resto, a Inquisição foi praticada pela autoridade civil mesmo antes de estar regulamentada por disposições eclesiásticas. Muitas vezes o poder civil se sobrepôs ao eclesiástico na procura de seus adversários políticos.
7) Segundo as categorias da época, a Inquisição era um progresso para melhor em relação ao antigo estado de coisas, em que as populações faziam justiça pelas próprias mãos. E de notar que nenhum dos Santos medievais (nem mesmo S. Francisco de Assis, tido como símbolo da mansidão) levantou a voz contra a Inquisição, embora soubessem protestar contra o que Ihes parecia destoante do ideal na lgreja.
Procedimentos da Inquisição
As táticas utilizadas pelos Inquisidores são-nos hoje conhecidas, pois ainda se conservaram Manuais de instruções práticas entregues ao uso dos referidos oficiais. Quem lê tais textos, verifica que as autoridades visavam a fazer dos juízes inquisitoriais autênticos representantes da justiça e da causa do bem.
Bernardo de Gui (séc. XIV), por exemplo, tido como um dos mais severos inquisidores, dava as seguintes normas aos seus colegas: O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa, pela salvação das almas e pela extirpação das heresias. Em meio às dificuldades permanecerá calmo, nunca cederá cólera nem à indignação… Nos casos duvidosos, seja circunspecto, não dê fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes não é verdade,- também não rejeite obstinadamente a opinião contrária, pois o que parece improvável frequentemente acaba por ser comprovado como verdade…
O amor da verdade e a piedade, que devem residir no coração de um juiz, brilhem nos seus olhos, a fim de que suas decisões jamais possam parecer ditadas pela cupidez e a crueldade. (Prática VI p… ed. Douis 232s).
Já que mais de uma vez se encontram instruções tais nos arquivos da Inquisição, não se poderia crer que o apregoado ideal do Juiz Inquisidor, ao mesmo tempo equitativo e bom, se realizou com mais frequência do que comumente se pensa?
Não se deve esquecer, porém, (como adiante mais explicitamente se dirá) que as categorias pelas quais se afirmava a justiça na ldade Média, não eram exatamente as da época moderna…
Além disto, levar-se-á em conta que o papel do juiz, sempre difícil, era particularmente árduo nos casos da Inquisição: o povo e as autoridades civis estavam profundamente interessados no desfecho dos processos; pelo que, não raro exerciam pressão para obter a sentença mais favorável a caprichos ou a interesses temporais; às vezes, a população obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o veredictum do juiz entregaria ao braço secular os hereges comprovados. Em tais circunstâncias não era fácil aos juízes manter a serenidade desejável.
Dentre as táticas adotadas pelos Inquisidores, merecem particular atenção a tortura e a entrega ao poder secular (pena de morte).
A tortura estava em uso entre os gregos e romanos pré-cristãos que quisessem obrigar um escravo a confessar seu delito. Certos povos germânicos também a praticavam. Em 866, porém, dirigindo-se aos búlgaros, o Papa Nicolau I a condenou formalmente. Não obstante, a tortura foi de novo adotada pelos tribunais civis da Idade Média nos inícios do séc. XII, dado o renascimento do Direito Romano.
Nos processos inquisitoriais, o Papa Inocêncio IV acabou por introduzi-la em 1252, com a cláusula: “Não haja mutilação de membros nem perigo de morte” para o réu. O Pontífice, permitindo tal praxe, dizia conformar-se aos costumes vigentes em seu tempo (Bullarum amplissima collectio II 326).
Os Papas subseqüentes, assim como os Manuais dos lnquisidores, procuraram restringir a aplicação da tortura; só seria lícita depois de esgotados os outros recursos para investigar a culpa e apenas nos casos em que já houvesse meia-prova do delito ou, como dizia a linguagem técnica, dois “índices veementes” deste, a saber: o depoimento de testemunhas fidedignas, de um lado, e, de outro lado, a má fama, os maus costumes ou tentativas de fuga do réu. O Concílio de Viena (França) em 1311 mandou outrossim que os Inquisidores só recorressem a tortura depois que uma comissão julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para cada caso em particular.
Apesar de tudo que a tortura apresenta de horroroso, ela tem sido conciliada com a mentalidade do mundo moderno … ainda estava oficialmente em uso na França do séc. XVIII e tem sido aplicada até mesmo em nossos dias… Quanto à pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na jurisdição civil da Idade Média. Sabe-se, porém, que as autoridades eclesiásticas eram contrárias à sua aplicação em casos de lesa-religião. Contudo, após o surto do catarismo (séc. XII), alguns canonistas começaram a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do Imperador Justiniano, que no séc. VI a infligira aos maniqueus.
Em 1199 o Papa Inocêncio III dirigia-se aos magistrados de Viterbo nos seguintes termos: Conforme a lei civil, os réus de lesa-majestade são punidos com a pena capital e seus bens são confiscados. Com muito mais razão, portanto, aqueles que, desertando a fé, ofendem a Jesus, o Filho do Senhor Deus, devem ser separados da comunhão cristã e despojados de seus bens, pois muito mais grave é ofender a Majestade Divina do que lesar a majestade humana. (epist. 2,1).
Como se vê, o Sumo Pontífice com essas palavras desejava apenas justificar a excomunhão e a confiscação de bens dos hereges; estabelecia, porém, uma comparação que daria ocasião a nova praxe…
O Imperador Frederico II soube deduzir-lhe as últimas consequências: tendo lembrado numa Constituição de 1220 a frase final de lnocêncio III, o monarca, em 1224, decretava francamente para a Lombaria a pena de morte contra os hereges e, já que o Direito antigo assinalava o fogo em tais casos, o Imperador os condenava a ser queimados vivos.
Em 1230 o dominicano Guala, tendo subido à cátedra episcopal de Bréscia (Itália), fez aplicação da lei imperial na sua diocese.
Por fim, o Papa Gregório IX, que tinha intercâmbio frequente com Guala, adotou o modo de ver deste bispo: transcreveu em 1230 ou 1231 a constituição imperial de 1224 para o Registro das Cartas Pontifícias e em breve editou uma lei pela qual mandava que os hereges reconhecidos pela Inquisição fossem abandonados ao poder civil, para receber o devido castigo, castigo que, segundo a legislação de Frederico II, seria a morte pelo fogo.
Os teólogos e canonistas da época se empenharam por justificar a nova praxe; eis como fazia S. Tomás de Aquino: É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda que é um meio de prover à vida temporal Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte. (Suma Teológica II/II 11,3c)
A argumentação do S. Doutor procede do princípio (sem dúvida, autêntico em si) de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia ameaça a vida espiritual do próximo, comete maior mal do que quem assalta a vida corporal; o bem comum então exige a remoção do grave perigo (veja-se também S. Teol. II/II 11,4c).
Contudo as execuções capitais não foram tão numerosas quanto se poderia crer. Infelizmente faltam-nos estatísticas completas sobre o assunto; consta, porém, que o tribunal de Pamiers, de 1303 a 1324, pronunciou 75 sentenças condenatórias, das quais apenas cinco mandavam entregar o réu ao poder civil (o que equivalia à morte); o lnquisidor Bernardo de Gui em Tolosa, de 1308 a 1323, proferiu 930 sentenças, das quais 42 eram capitais; no primeiro caso, a proporção é de 1/15; no segundo caso, de 1/22. Não se poderia negar, porém, que houve injustiças e abusos da autoridade por parte dos juízes inquisitoriais.
Tais males se devem a conduta de pessoas que, em virtude da fraqueza humana, não foram sempre fiéis cumpridoras da sua missão.
Os Inquisidores trabalhavam a distâncias mais ou menos consideráveis de Roma, numa época em que, dada a precariedade de correios e comunicações, não podiam ser assiduamente controlados pela suprema autoridade da lgreja. Esta, porém, não deixava de os censurar devidamente, quando recebia notícia de algum desmando verificado em tal ou tal região. Famoso, por exemplo, é o caso de Roberto o Bugro, lnquisidor-Mor de França no século XIII O Papa Gregório IX a princípio muito o felicitava por seu zelo. Roberto, porém, tendo aderido outrora à heresia, mostrava-se excessivamente violento na repressão da mesma.
Informado dos desmandos praticados pelo lnquisidor, o Papa o destituiu de suas funções e mandou encarcerar. – lnocêncio IV, o mesmo Pontífice que permitiu a tortura nos processos da inquisição, e Alexandre IV, respectivamente em 1246 e 1256, mandaram aos Padres Provinciais e Gerais dos Dominicanos e Franciscanos, depusessem os lnquisidores de sua Ordem que se lhes tornassem notórios por sua crueldade.
O Papa Bonifácio VIII (1294-1303), famoso pela tenacidade e intransigência de suas atitudes, foi um dos que mais reprimiram os excessos dos lnquisidores, mandando examinar, ou simplesmente anulando, sentenças proferidas por estes.
O Concílio regional de Narbona (França) em 1243 promulgou 29 artigos que visavam a impedir abusos do poder. Entre outras normas, prescrevia aos lnquisidores só proferissem sentença condenatória nos casos em que, com segurança, tivessem apurado alguma falta, “pois mais vale deixar um culpado impune do que condenar um inocente” (cânon 23).
Dirigindo-se ao Imperador Frederico II, pioneiro dos métodos inquisitoriais, o Papa Gregório IX aos 15 de julho de 1233 lhe lembrava que a arma manejada pelo imperador Não devia servir para satisfazer aos seus rancores pessoais, com grande escândalo das populações, com detrimento da verdade e da dignidade imperial. (ep. saec. XIII 538-550).
Avaliação Procuremos agora formular um juízo sobre a lnquisição medieval. Não é necessário ao católico justificar tudo que, em nome desta, foi feito. É preciso, porém, que se entendam as intenções e a mentalidade que moveram a autoridade eclesiástica a instituir a Inquisição.
Estas intenções, dentro do quadro de pensamento da Idade Média, eram legítimas, diríamos até: deviam parecer aos medievais inspiradas por santo zelo.
Podem-se reduzir a quatro os fatores que influíram decisivamente no surto e no andamento da Inquisição:
1) os medievais tinham profunda consciência do valor da alma e dos bens espirituais. Tão grande era o amor à fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpação da fé pela heresia como um dos maiores crimes que o homem pudesse cometer (notem-se os textos de S. Tomás e do Imperador Frederico II atrás citados); essa fé era tão viva e espontânea que dificilmente se admitiria viesse alguém a negar com boas intenções um só dos artigos do Credo.
2) As categorias de justiça na Idade Média eram um tanto diferentes das nossas: havia muito mais espontaneidade (que as vezes equivalia a rudez) na defesa dos direitos. Pode-se dizer que os medievais, no caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a ternura do sentimentos; o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia por vezes sobre o senso psicológico (nos tempos atuais verifica-se quase o contrário: muito se apela para a psicologia e o sentimento, pouco se segue a lógica; os homens modernos não acreditam muito em princípios perenes; tendem a tudo julgar segundo critérios relativos e relativistas, critérios de moda e de preferência subjetiva).
3) A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da inquisição. As autoridades civis anteciparam-se na aplicação da forma física e da pena de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou materiais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si que lhes parecia normal, recorressem um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. A partir dos inícios do séc. XIV a lnquisição foi sendo mais explorada pelos monarcas, que dela se serviam para promover seus interesses particulares, subtraindo-a às diretivas do poder eclesiástico, até mesmo encaminhando-a contra este; é o que aparece claramente no processo inquisitório dos Templários, movido por Filipe o Belo da França (1285-1314) à revelia do Papa Clemente V; cf. capítulo 25.
4) Não se negará a fraqueza humana de Inquisidores e de oficiais seus colaboradores. Não seria Iícito, porém, dizer que a suprema autoridade da Igreja tenha pactuado com esses fatos de fraqueza; ao contrário, tem-se o testemunho de numerosos protestos enviados pelos Papas e Concílios a tais ou tais oficiais, contra tais leis e tais atitudes inquisitoriais.
As declarações oficiais da Igreja concernentes à Inquisição se enquadram bem dentro das categorias da justiça medieval; a injustiça se verificou na execução concreta das leis. Diz-se, de resto, que cada época da história apresenta ao observador um enigma próprio na antigüidade remota, o que surpreende são os desumanos procedimentos de guerra. No lmpério Romano, é a mentalidade dos cidadãos, que não conheciam o mundo sem o seu lmpério (oikouméne – orbe habitado – lmperium), nem concebiam o Império sem a escravatura.
Na época contemporânea, é o relativismo ou ceticismo público; é a utilização dos requintes da técnica para “lavar o crânio”, desfazer a personalidade, fomentar o ódio e a paixão.
Não seria então possível que os medievais, com boa fé na consciência, tenham recorrido a medidas repressivas do mal que o homem moderno, com razão, julga demasiado violentas?
Quanto a Inquisição Romana, instituída no séc. XVI, era herdeira das leis e da mentalidade da lnquisição medieval. No tocante à Inquisição Espanhola, sabe-se que agiu mais por influência dos monarcas da Espanha do que sob a responsabilidade da suprema autoridade da Igreja.
Fonte: br.geocities.com/www.exsurgedomini.hpg.ig.com.br/www.nomismatike.hpg.ig.com.br/www.jewishwikipedia.info
Redes Sociais