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Reforma Agrária – O que é
A reforma agrária envolve a intervenção no padrão predominante de propriedade, controle e uso, a fim de alterar a estrutura de propriedades, melhorar a produtividade da terra e ampliar a distribuição de benefícios.
Na prática, a reforma agrária é buscada em resposta a políticas pressões para mudanças socioeconômicas decorrentes de fatores como população crescente, pressão sobre uma base de terra limitada ou uma ideologia de igualitarismo baseado em uma distribuição mais uniforme da terra ou da renda.
A reforma agrária, por seu próprio contexto, tem interligado políticas, e dimensões sociais que, por sua vez, têm implicações significativas para desenvolvimento
A reforma agrária necessariamente implica muitos tipos diferentes de ajustes em uma série de situações em que há grandes variações na equidade individual e na produtividade agrícola. Na maioria dos casos, as considerações sociais ou patrimoniais são as principais preocupações. tribo ou comunidade. Quando a propriedade individual do tipo de economia de mercado é a norma, mas a distribuição da terra é distorcida, a reforma pode exigir a subdivisão de grandes propriedades ou a transferência para o estado. Em contraste, a reforma em estados com amplo controle governamental pode envolver a transferência de algumas terras do estado para indivíduos.
Outras variações da reforma agrária concentram-se mais no uso econômico dos recursos do que na equidade.
Onde as propriedades são fragmentadas, uma reforma apropriada pode envolver a consolidação das propriedades sem mudança nos padrões de propriedade da terra.
Onde as terras comunais estão erodidas ou esgotadas, a reforma apropriada pode envolver um programa de gestão cooperativa supervisionada da terra sem suspender a distribuição da terra. Em outros lugares, a reforma agrária pode envolver mudanças nos acordos de arrendamento com ênfase em fornecer segurança de posse de modo a incentivar o investimento na fazenda. Mais uma vez, eles não exigem redistribuição, mas acabam levando a um uso mais econômico dos recursos.
Finalmente, deve-se reconhecer que uma política de reforma agrária para uma dada situação não pode ser formulada em termos simples.
Qualquer política envolve julgamentos fundamentais sobre a adequação de um sistema existente e a alternativa mais adequada. Os julgamentos dos formuladores de políticas diferem.
Alguns governos favorecem a propriedade individual da terra; outros favorecem o controle comunal ou coletivo sobre a terra.
Claramente, as políticas permitidas não são apenas uma questão econômica. Elas também refletem política e ideologia, e vão muito além de qualquer cálculo puramente econômico.
Reforma Agrária: o mito e a realidade
No momento em que a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural se propõe a criar uma oportunidade para se rever os impactos e as lições aprendidas em conferências recentes, seus processos e mecanismos, avaliando-se os êxitos e fracassos nestas áreas, levamos ao conhecimento desta Conferência o resultado da aplicação da Reforma Agrária ao longo de 40 anos, com o objetivo de propiciar perguntas e debates sobre os novos rumos a serem adotados na aplicação da tão decantada reforma.
Cada governo que assume as rédeas do País reconhece o fracasso da Reforma Agrária de seus antecessores, promete avanços espetaculares que, por sua vez, são traduzidos em novos fracassos.
O presidente Lula, antes da posse, colocou o problema para sindicalistas, dizendo que precisariam pensar no tipo de Reforma Agrária a ser feita, pois não adiantava levar a miséria para o campo: Hoje, dos 4 mil assentamentos que existem no Brasil, se o governo deixar de dar dinheiro, 80% morrem. [….] Nós vamos ter de discutir claramente quantas famílias hoje estão na agricultura familiar.
O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, declarou: A população precisa saber o que de fato foi feito na área de reforma agrária no governo Fernando Henrique.
O governo Fernando Henrique Cardoso anunciou ter feito a maior Reforma Agrária do mundo. Entretanto, deixou de informar seu resultado, ou seja, se os assentados produziram, se auferiram alguma renda, e em que condições se encontravam os assentamentos que, para muitos, não passavam de favelas rurais.
Torna-se necessário pois, antes de prosseguir com a aplicação da Reforma Agrária que sejam feitos estudos sobre o aproveitamento até agora dado às propriedades que já passaram para as mãos do INCRA para efeito de assentamentos rurais.
Um relatório circunstanciado precisa ser elaborado e discutido com os setores representativos, tanto patronais como de trabalhadores rurais, a fim de que um debate nacional que esclareça esse mistério de terras desapropriadas e da conseqüente instalação dos assentamentos de Reforma Agrária. O que se sabe, por todo o País, é que tais assentamentos são sistematicamente fadados ao fracasso, lançam na miséria e desolação os trabalhadores que acreditam neles, além de espalharem pelo campo brasileiro verdadeiras favelas rurais.
Tendo em vista enriquecer o debate desta Conferência, a Associação dos Fundadores da Tradição, Família e Propriedade TFP apresenta o resumo do livro Reforma Agrária: o mito e a realidade, do jornalista Nelson Ramos Barretto. O texto foi apresentado inicialmente na Universidade de Brasília UnB como monografia de graduação do curso de Jornalismo, e posteriormente publicado pela Editora Artpress, em 2003, tornando-se um best-seller, com três edições em menos de um ano.
Na contramão do “politicamente correto”,o livro mostra o desastre da Reforma Agrária.
Classificada como “inédita e ousada” por um membro da banca examinadora da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Brasília (UnB), a tese Reforma Agrária: o mito e a realidade vai na contramão do “politicamente correto”, desmitificando a Reforma Agrária e mostrando seu absoluto fracasso no Brasil.
Para compor a sua tese transformada depois num livro de 126 páginas, Nelson Barretto percorreu mais de 20 mil km pelo Brasil inteiro, visitou 60 assentamentos da Reforma Agrária muitos dos quais tidos como “modelos”, vasculhou a realidade através de depoimentos dos próprios assentados, e comparou a realidade encontrada com publicações do INCRA e da FAO, bem como de matérias da grande imprensa.
O resultado foi o livrobomba, ao longo do qual Barretto foi desmitificando, uma a uma, as fantasias em torno da Reforma Agrária brasileira.
Anos a fio de orquestrada propaganda promovida pelo MST e pelo INCRA sobre os assentamentos de Reforma Agrária acabaram exercendo algum efeito junto a uma parte da opinião pública brasileira, levando-a a acreditar que a Reforma Agrária conduziria a uma nova “Terra de Canaã, prometida pelos padres da Comissão Pastoral da Terra e da Teologia da Libertação.
Barretto foi categórico: a mais inquebrantável ilusão de uma pessoa bem intencionada favorável à Reforma Agrária se rompe com uma simples visita a um desses assentamentos.
A denúncia de Barretto enfrentou vitoriosamente a banca examinadora da UnB e encontra-se nas páginas do livro Reforma Agrária: o mito e a realidade. Até agora, a reação do MST, da CPT, do INCRA, de Ministros e demais promotores da Reforma Agrária foi a de não querer ver a realidade de frente. Quando terão a coragem de aceitar um debate proposto pelo livro-denúncia.
Na primeira parte da obra, Barretto mostra que a expressão Reforma Agrária não se cinge ao sentido etimológico de dar melhor forma ao campo e à agricultura. Uns a descrevem como solução para todos os males.
Outros a definem como meio revolucionário, indispensável à implantação do regime socialista, com a destruição do direito de propriedade no campo.
A declaração do antigo secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Liou-Chao-Tchin, parece ter deixado claro o objetivo dos agro-reformistas: A Reforma Agrária é uma luta sistemática e feroz contra o feudalismo. Seu objetivo não é dar terra aos camponeses sem terra, nem aliviar sua miséria, pois este seria um ideal de humanitários e não de marxistas.
Reforma Agrária – História do Brasil
Reforma Agrária
O século XX conheceu em seus primeiros anos a Reforma Agrária mexicana e russa. Mais tarde, ela foi implantada nos países do Leste europeu e nas ex-colônias europeias da África e do Oriente Médio.
A última onda de Reforma Agrária ainda serpenteia pela América Latina e o Brasil continua imerso na longa e já desgastada experiência.
Getúlio Vargas, em 1950, chegou a criar uma comissão que elaborou um documento intitulado Diretrizes para a Reforma Agrária no Brasil. Mas foi no governo João Goulart, início da década de 60, que o tema se transformou em debate nacional.
É daquele tempo o poema incendiário de Vinicius de Morais: Senhores barões da terra/Preparai vossa mortalha/ Porque desfrutais da terra/ E a terra é de quem trabalha/ Bem como os frutos que nela encerra/Chegado é o tempo da guerra /Não há santo que os valha.
Em novembro de 1961, várias vertentes do movimento sindical agrário se reuniram num Congresso, em Belo Horizonte. Na declaração firmada nesse conclave, a Reforma Agrária mereceu primeiro plano.
Dizia o documento: “A Reforma Agrária não poderá ter êxito se não partir da ruptura imediata e da mais completa liquidação do monopólio da terra exercido pelas forças retrógradas do latifúndio”.
Havia mobilizações e lutas no meio rural, sob a orientação do PCB [Partido Comunista Brasileiro] e da Igreja Católica, e a principal reivindicação estava diretamente relacionada com a distribuição de terras e a realização da reforma agrária.”
Houve quem, em 1961, se opusesse à Reforma Agrária pelo seu caráter socialista e confiscatório. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com a colaboração de dois Bispos e de um economista, lançou o livro Reforma Agrária Questão de consciência. Baseado nos mandamentos da Lei de Deus e nos ensinamentos pontifícios, bem como numa densa e irrefutável parte econômica, o livro transformou-se logo num best-seller e polarizou toda uma corrente de opinião que acabou por inviabilizar a reforma de João Goulart.
Com a Revolução de 1964, as forças conservadoras julgaram-se protegidas e acabaram por se desmobilizar, permitindo que em novembro desse mesmo ano, o Congresso aprovasse uma Emenda Constitucional que previa a desapropriação de terras e a criação do Estatuto da Terra. Em manifesto, Plinio Corrêa de Oliveira protestou contra aquele Janguismo sem Jango, afirmando que a mesma corrente que depôs João Goulart acabou fazendo a reforma que Jango queria. Embora dispusessem do instrumento legal para a execução da Reforma Agrária, os governos militares não a levaram adiante.
Com o advento da Nova República, o assunto voltou à baila. O Episcopado nacional com todo o peso de sua representatividade lançou em reunião plenária, em 1980, o documento Igreja e Problemas da Terra (IPT), verdadeiro manifesto agro-reformista.
Plinio Corrêa de Oliveira mais uma vez saiu à liça e, com o economista Carlos Patricio del Campo, escreveu o livro Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária refutando o IPT.
Dói dizê-lo, mas com o respaldo de tantos pastores, não tardaram a sair das sacristias as chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com sua respectiva cria, o Movimento dos Sem-Terra.
A par da propaganda que ia medrando sorrateiramente com o auxílio de certa mídia, o mito de que a Reforma Agrária seria a solução para conter o êxodo rural e evitar o inchaço das cidades, além de resolver o problema da fome.
Diante dessa panacéia, os dois candidatos à Presidência da República em 1994, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, apresentaram a Reforma Agrária como programa de governo. Vitorioso, Fernando Henrique tentou levá-la adiante, apesar de conhecer a sua inviabilidade.
Com efeito, num debate no Senado no dia 2 de dezembro de 1986, o então Senador Fernando Henrique interpelou o Ministro Dante de Oliveira acerca dos recursos disponíveis para os assentamentos: “A eventual não consecução dessas metas fornecerá argumento forte àqueles que, por outras razões, querem criticar o projeto de Reforma Agrária” […] e que “se possam utilizar, mais tarde, estatísticas que não nos sejam favoráveis”.
Na resposta, Dante de Oliveira demonstrou compartilhar a mesma preocupação: “Eu vejo o grande perigo para a Reforma Agrária daqui a três ou quatro anos, os programas de Reforma Agrária servirem como exemplo daquilo que não deve ser feito”.
E o temido pelo senador sucedeu ao presidente. Se a Reforma Agrária de Fernando Henrique foi a maior do mundo, foi também a pior, na avaliação insuspeita do ex-deputado governista e ex-presidente do INCRA, Francisco Graziano: O governo FHC já distribuiu 12 milhões de hectares e gastou mais de R$ 12 bilhões no programa agrário, fora as verbas do orçamento que será executado agora. [….] Qual foi o resultado disso? Qual foi a produção que trouxe todo esse investimento?”
Difícil imaginar as razões da insistência do governo Fernando Henrique em relação à Reforma Agrária, já que ele próprio a questionou mais uma vez: Nem havia legiões de camponeses prontos para fazer a reforma agrária na marra, nem abundância de terras, nem muito menos política agrícola, competência técnica e recursos para evitar que os assentamentos [….] se tornassem campos de concentração da miséria”.
Indagamos se o ex-Presidente soube conduzir uma política agrícola capaz de evitar a criação de novos campos de concentração da miséria como os fabricados pela Nova República.
A resposta se encontra no resultado das pesquisas realizadas em mais de 50 assentamentos de Reforma Agrária por todo o País, em levantamentos feitos em 1995 e em 2002 início e fim do governo Fernando Henrique tendo como objetivo comparar os resultados propalados pelo governo com a realidade crua dos assentamentos, através de depoimentos dos próprios assentados.
Os dois levantamentos foram publicados em forma de reportagens.
Possam os dados apresentados nessas reportagens servirem como elemento de reflexão e de discussão não apenas nos meios acadêmicos, políticos e econômicos, mas igualmente junto à opinião pública, colaborando assim para a promoção de um verdadeiro debate nacional sobre o tema.
Primeira reportagem [1995]
Os assentados contam sua história
O processo da Reforma Agrária desfecha quando o Estado faz a concessão de uso de uma gleba de terra, cujo tamanho varia conforme a região, a um pretendente para que o cultive.
Ao conjunto de lotes numa determinada área dá-se o nome de assentamento e o beneficiário é chamado de assentado.
Da instalação do assentamento à sua implantação, o INCRA Instituto de Colonização e Reforma Agrária prevê 18 meses de duração. Nesse período, os assentados recebem créditos referentes à alimentação, fomento agropecuário e habitação. O valor médio desses créditos, a fundo perdido, gira em torno de 2,8 mil por assentado.
A fase de consolidação deve durar três anos e meio. Os assentados recebem os créditos de produção PROCERA de R$ 13 mil, a juros de 1,15% ao ano, 10 anos para pagamento, três anos de carência e rebate de 40%. Quando o INCRA julgar que o assentamento estiver em condições de levar vida própria, o mesmo seria emancipado.
A realidade nos mostrou que não existe praticamente nenhum assentamento emancipado e que os assentados não passam de funcionários públicos de uma imensa estatal latifundiária e improdutiva chamada INCRA!
Como pretendíamos visitar os assentamentos bem sucedidos, os modelos, entrevistamos primeiramente o Diretor de Assentamentos do INCRA, Raul David do Valle, que de modo exemplificativo nos indicou oito desses assentamentos na região Centro-Sul.
Na ocasião, forneceu-nos ainda outras informações: havia 892 assentamentos e 49 projetos de colonização em todo o Brasil, onde estavam assentadas 350 mil famílias. Segundo ele, cada assentado conseguia de três a cinco salários mínimos mensais. Apenas um assentado sobre mil não cumpria seus compromissos com os bancos! Com 16 mil dólares assentava-se uma família que, por sua vez, gerava três a quatro empregos na cidade!
Naquela manhã de 5 de junho de 1995, num enorme gabinete do INCRA em Brasília, a Reforma Agrária parecia correr às mil maravilhas! Aliás, vários daqueles dados fornecidos constavam de um relatório da FAO, fruto de um levantamento feito em 1991.
Curioso o tal relatório! De norte a sul, a realidade desmentia as informações ali contidas.
O PA São Pedro RS, Guaíba-RS, foi apontado com renda igual a 12 salários mensais para cada assentado, mas todos os assentados entrevistados contestaram aquela informação.
A irmã Teresa Schiavenato, religiosa da Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, que vivia com mais duas freiras no assentamento, respondeu: Isso deve ter sido erro de imprensa, ou alguém que aumentou, pois eu me lembro bem que eles só fizeram uma entrevista com um cara da cooperativa aqui embaixo, e ele não falou isso.
O PA Fazendas Reunidas, Promissão-SP, era um assentamento-modelo. Ali, entrevistamos João Francisco de Carvalho, 29 anos, no local desde 1987, líder do assentamento e presidente da Cooperativa de Produção Agropecuária Padre Josimo Tavares.
Ele não aceitou a qualificação de modelo e respondeu: Modelo!! Todo mundo fala isso. Se este assentamento for modelo, eu tenho dó dos outros! Isso é demagogia! Imaginem os outros!
Aqui não se tira nem um salário mínimo por mês!
Em outro assentamento-modelo, a resposta foi a mesma. Aparecido Baldán, 47, chegou à fazenda Barreiro, Limeira do Oeste-MG como invasor e líder dos sem-terra.
Na ocasião de nossa entrevista com ele era o vice-presidente da Câmara Municipal.
Foi enfático: Essa história de três, quatro, cinco salários mínimos, isso não existe. Temos uma economia de subsistência.
Para Raul do Valle, “apenas um em cada mil assentados não cumpria seus compromissos com os bancos”. Porém, a quase totalidade dos entrevistados garantiu não estar em dia com seus compromissos.
Aparecido Baldán afirmou: “Nos anos anteriores, pagávamos porque era um dinheiro sem juros. Tomávamos um dinheiro correspondente a uma vaca e pagávamos com uma quantia correspondente a uma galinha”.
Trajano Oliveira, do já citado PA São Pedro-RS, contestou o Diretor do INCRA: “Na verdade, a gente não paga o PROCERA. Nem eu pago e nem ninguém aqui. Vão completar 10 anos que a terra foi desapropriada e todo ano sai o PROCERA”.
As estatísticas oficiais indicam altos índices de evasão dos assentamentos, mas a realidade é ainda pior. O assentado vende ou arrenda o lote mas continua lá como caseiro para enganar a fiscalização.
Em Iturama-MG, o secretário da associação dos assentados, Oquildo Severo da Silva, narrou suas dificuldades: “Das 80 famílias iniciais restavam ainda 23.
Mesmo os posseiros que já se encontravam há mais tempo aqui, uns tantos já tinham vendido, pois ir para frente aqui é difícil, não tinha condições”.
Tudo quanto se fala, escreve, legisla e decreta sobre Reforma Agrária é em nome do social. A caminho da Fazenda Annoni, conhecida também por ser o berço do MST, passamos por Carazinho, onde conversamos com o jornalista Jairo Martins, 37 anos, do jornal local O Noticioso e correspondente do Correio do Povo, de Porto Alegre.
Ele foi preciso: Fiz umas 10 matérias sobre aquele assentamento. O que fizeram lá é uma verdadeira insensatez. Aquilo é considerado a maior favela rural da América Latina.
Não concedendo título de propriedade aos assentados, o Estado vai criando um caos jurídico fundiário, na medida em que os concessionários vendem a posse dos lotes a terceiros. Pois, a terra vendida pertence ao Estado.
Os assentados demonstram preocupação pela falta de documentação.
Gerson Ferraz de Souza, do PA Nova Piratininga, GO, conta: “Não tenho nenhum papelzinho. Oficialmente nós não temos nada aqui”. José Paulino, do PA Águas Claras, GO, relata a confusão de seu documento: “Deram um título provisório para mim em parceria com minha vizinha. Acontece que ela vendeu o lote e entregou o título para o comprador. E eu fiquei na mão!”. Luís José de Sena, de Pajeú, BA, reclama: “Título da terra também nós não temos. O INCRA vive dizendo que vai dar, vai dar, mas nunca chega”.
Na simplicidade do linguajar popular, os assentados denunciam que dentro do assentamento os maiores engolem os menores. Gonçalo Homero Batista, 64 anos, da Annoni, afirma que os diretores das associações trabalham com mão de gato. Sou sócio da Cooperativa deles e os conheço muito bem. Caem 5 mil reais lá para a Cooperativa e aqui chega só o restinho”.
Gonçalo cortava capim com uma foicinha para as suas duas cabeças de gado. Chamounos a atenção o fato de ter sido a única foice vista por nós nos 44 assentamentos visitados até àquela data. A foice, símbolo do MST, parece ser apenas utilizada para suas vistosas manifestações.
Não faltaram depoimentos referindo ao regime de ditadura e escravidão que grassa nos assentamentos, apesar de termos visto cartazes com jargões: “A terra vos libertará!” A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rosana e assentada na Gleba XV, Pontal do Paranapanema, SP, Raquel Malanzuch, expôs a situação de prisioneiros em que se encontravam os assentados: “O desejo deles é de ser libertados, fazer um financiamento.
Sentirem-se responsáveis pelo que fazem. Precisamos do título dessas terras.
E apela às autoridades: “Representando nosso povo, rogo que venham nos dar liberdade para sermos mais alguém, não somos proprietários de nada, não temos escritura da terra, não temos nada!”
Na Bahia, encontramos o antigo invasor de terra e hoje assentado Maurício Alves de Miranda, 45 anos, na ocasião, Secretário da Agricultura do município de Ponto Novo.
Falou revoltado contra o regime de escravidão que imperava no assentamento: “No meu conceito, Reforma Agrária é para melhorar o padrão de vida do homem do campo, e não de escravidão!
E explicou: Você vive submisso às regras da Reforma Agrária! Estou há 10 anos num assentamento, não tenho um título, não tenho um documento que eu possa ir a um banco tentar desenvolver um projeto individual.
Se eu me afastar por 90 dias eu perco a minha área. E eu saio de lá sem nada. Eu vivo em regime de escravidão diante do governo federal.
Apesar de todos os investimentos estatais vale dizer com o dinheiro do contribuinte os assentamentos são insustentáveis. Os jovens vão para a cidade e os velhos aposentados permanecem. Assim, nem mesmo a fixação do homem no campo está garantida para as novas gerações com esta política da Reforma Agrária.
Antonio Batista Bustos, de Promissão, SP, não vê futuro para os filhos: “Cada lote desses da Reforma Agrária é suficiente apenas para o marido, mulher e os filhos pequenos.
Na medida em que eles crescerem, têm de partir para outro pedaço de terra”.
O assentado José Domingos Barrientos, do mesmo assentamento, pensa em partir para outra: “Não vejo muito futuro em Promissão. Quando meus filhos crescerem, terão que partir para outra, pois o pedaço é muito pequeno para dividir”.
No PA São Pedro, RS, considerado pela publicação da FAO como sendo de renda superior, Trajano Oliveira expressa seu desânimo: “Eu nunca ouvi dizer que alguém daqui tenha melhorado de situação. Para mim isso piorou.
Segunda reportagem [2002]
Se as desapropriações de terras e o número de famílias assentadas foram muitas no governo de Fernando Henrique, quase não há referências ao desempenho dos assentamentos.
Nossa segunda reportagem, feita nos meses de novembro e dezembro de 2002, ao longo de 8.000 km, mostrou o continuado fracasso da Reforma Agrária.
Criado em 1994, o PA Nova Santo Inácio, em Campo Florido-MG abrigava 115 famílias numa área de 3.583 hectares. À época, encontrava-se na fase três, sobre sete, da classificação do INCRA, ou seja, assentamento criado. Os principais investimentos de instalação, como estradas, luz elétrica, escola e casas de alvenaria para os assentados já tinham sido liberados. Apesar disso, 80% dos assentados arrendavam suas terras aos produtores de soja ou de cana-de-açúcar da vizinhança.
Em Lagoa Grande-MG, o PA Barreirão, de 791 hectares, com 27 famílias, criado 1996, encontrava-se na fase de consolidação e era apontado como exemplo de assentamento bem-sucedido na publicação do INCRA Balanço da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar – O Futuro nasce da terra. (INCRA, outubro/99).
Tal publicação apresenta, aliás, uma curiosidade digna de nota. Em alto relevo de sua capa, aparecem perfilados 12 trabalhadores, enxadas na mão, em pose de quem se encontra carpindo. Metade dos trabalhadores está segurando a enxada de maneira não usual! Não é de estanhar que, segundo o Censo da Reforma Agrária, somente 57% dos assentados possuam enxada!
A douração da pílula não fica restrita à capa.
Numa página interna lemos: Dois assentamentos, criados em 1996, estão fornecendo 999 mil quilos de maracujá para a Maguari, um dos maiores produtores de sucos do Brasil.
A empresa assinou termo de compromisso para adquirir a produção de três safras anuais dos assentados mineiros. Mas no PA do Barreirão, fomos informados de que a plantação de maracujá durou apenas um plantio.
Segundo o assentado Lázaro Luís de Melo, 49 anos, todos tomaram um enorme prejuízo: Quando nos mostraram o projeto, era só plantar e ficar rico, diziam os técnicos. Tomamos uma manta excomungante.
Situação semelhante encontra-se no assentamento Fruta DAnta, João Pinheiro, MG, com 231 famílias, 20.000 ha., criado em 1986. Apesar de ser um dos mais antigos pela classificação do INCRA, encontra-se ainda na fase 3, isto é, assentamento criado.
Foi a segunda visita que fizemos a esse Projeto, e pudemos constatar mais uma vez o fracasso. Existiam lotes negociados até quatro vezes e, na ocasião, já estavam em mãos de um quinto assentado-ocupante.
José Wilson, pequeno proprietário em Olhos d´Água, local vizinho ao assentamento, conta-nos: Aí dentro tem funcionário público, funcionário de banco, dono de loja de bicicleta, mecânico. Tem de tudo aí.
Na sede do assentamento onde funciona a escola existia uma lanchonete, ponto de encontro dos assentados e visitantes.
Sua proprietária, Maria Moreira da Mota Rodrigues contou-nos que nas reuniões, seminários e congressos, todos que a viam usando o crachá do PA Fruta d´Anta congratulavam-se com ela pelo fato de pertencer a um assentamentomodelo, ao que ela sempre respondia: É modelo para quem não conhece a realidade.
Ufana, contou que fez financiamento em banco para montar a lanchonete e, com um ano de trabalho, conseguiu pagar o valor levantado. Mas nem tudo eram brisas para Maria.
Ela confessou enfrentar pressão no sentido de fechar a lanchonete e voltar para o lote, mas se perguntava: Por que serei obrigada a ficar no lote sem ter nenhuma perspectiva de melhora?
Gerson Pinto Cardoso, vulgo Gerson Pintor, outro assentado de lá, disse-nos ter comprado seu lote há seis anos, pagando 14.000 reais por ele. Mas, pelo fato de possuir uma oficina de lanternagem na cidade, encontrava-se ameaçado de despejo pelo INCRA. Segundo Gerson, no assentamento, todos estão condenados a ficar como entraram, sem nada, pois ninguém pode melhorar de vida. Com a oficina de lanternagem, posso fazer mais em meu lote do que aqueles que não têm nenhum recurso para investir. Mas ninguém aqui pode crescer.
Lamentando a imposição do INCRA, colocou a pergunta e passou a respondê-la: Eu começo aqui com 30 cabeças de gado, vou ter de morrer de velho com as mesmas 30 cabeças?
Uma vez que todo o mato da área já virou carvão, só resta aos assentados explorarem a pecuária de leite. Com efeito, eles estavam tirando (período das chuvas) cerca de 8 mil litros de leite/dia.
Mas os pastos não estavam sendo cuidados e, exatamente por falta de pastagens alguns assentados tinham perdido até 20 cabeças de gado na seca.
Um problema presente em todos assentamentos da Reforma Agrária é quanto ao futuro das crianças. Celso Soares, presidente da associação dos assentados de Fruta DAnta, disse que a escola tinha cerca de 400 alunos, mas pelo tamanho da área, os filhos dos assentados não poderiam continuar lá por falta de recursos.
Segundo Celso, se não arranjarmos meios de eles ficarem, em breve teremos aqui uma colônia de velhos com bengalas nas mãos, e, ali na entrada uma placa com os dizeres: Asilo de Velhos Fruta DAnta, concluiu o desalentado presidente da Associação de um do assentamento-modelo.
Atraídos pelo noticiário do INCRA, fomos visitar o assentamento Nhundiaquara, Morretes, PR, com 92 famílias, 1.542 hectares, criado em 1984. O Paraná, cuja área representa apenas 3% do território nacional, concorre com quase 20% da produção de grãos no Brasil. Acreditávamos pois encontrar um exemplo de sucesso. Ademais, o assentamento encontra-se a poucos quilômetros do Porto de Paranaguá.
A informação era recente e constava no site do INCRA como sendo de 12/6/2002.
Com efeito, o site apresentava o Projeto como um sucesso: plantava gengibre orgânico que era exportado para os Estados Unidos, Reino Unido, China e Japão.
O assentado Teiva Vieira, 25 anos, classificado como empreendedor nato, estaria comercializando 70 toneladas de gengibre por ano e ganhando R$ 40 mil por ano, ou seja, R$ 2,5 mil por mês.
Apareciam várias fotos, entre as quais uma embalagem de gengibre com o rótulo: Mr. Ginger produce of Brazil.
A idéia mítica do Mr. Ginger foi quebrada já na primeira abordagem feita a dois funcionários da prefeitura que se encontravam no assentamento: Aquilo não deu certo e acabou a plantação.
E a realidade continuava quebrando o mito.
Tisnado pelo sol, mãos calejadas, Donizete Ruela de Oliveira, 37 anos, contou que plantou gengibre durante 5 anos, mas a partir de 96 começou a perder tudo e ainda ficou devendo cerca de 70.000 reais.
Quanto ao pagamento da dívida contraída, a mesma vinha sendo prorrogada, pois aquele custeio não tinha seguro.
Donizete deixou muito claro que não apoiava o MST, o qual andou pelo assentamento convidando os assentados a entrarem no movimento. Mas como ninguém deu atenção, eles acabaram indo embora.
Para Donizete o MST só quer fazer confusão e que se quisesse terra, o José Rainha chefe deles estaria trabalhando no pedaço que ganhou.
O site do INCRA falava de uma nova agricultura do assentamento: o aluguel de boias.
Fomos conversar com o presidente da Associação dos assentados, Orlei Porcides, 37 anos.
Ele foi logo nos dizendo: O gengibre me levou para o buraco. Foi só ilusão. A razão do fracasso foi o custo de produção. Orlei julgava ser ele o assentado que menos devia, cerca de uns 70.000 reais.
Havia quem devesse até 300 mil reais lá no assentamento. Diante do fracasso na agricultura, e como seu lote encontrava-se à beira da estrada da Graciosa e bem junto à cidade, foi morar num barracão e transformou sua casa em hospedaria de veraneio. Além disso, aluga boias para turistas se banharem no rio Nhundiaquara, que passa ao lado de sua casa.
O PA Pirituba II Área 1, Itapeva-SP, de 2.511 hectares, 101 assentados, foi criado em 1984 e encontrava-se ainda na fase 4, sobre 7. Franco Montoro, ao inaugurá-lo, afirmou que ali iria chover dinheiro. Mais tarde, Orestes Quércia colocou feijão do assentamento à venda junto às estações do metrô de São Paulo, como sendo o feijão da Reforma Agrária.
A Rede Globo filmou as plantações de feijão dos holandeses que confinavam com o assentamento e colocou no ar como sendo a plantação de feijão da Reforma Agrária.
Em 1989, quando visitamos pela primeira vez a região, impressionou-nos o contraste entre a plantação dos holandeses e seus vizinhos assentados. De um lado, um tapete verde. De outro, uma terra devastada.
Em dezembro de 2002, as terras dos holandeses depois de invadidas e transformadas em assentamento, o tapete verde cedeu lugar à devastação.
Um técnico graduado da região que pediu ficasse no anonimato afirmou que das 94 famílias que receberam lotes no assentamento da Área I, restavam apenas umas quatro que tocavam seus negócios. Cerca de 90, ou já tinham ido embora ou haviam arrendado suas terras no todo ou em parte.
Os recursos da Reforma Agrária são utilizados sem racionalidade ou fiscalização.
Um ex-funcionário do Banespa confessou que técnicos e fiscais do banco davam, muitas vezes, pareceres contrários a financiamentos aos assentados por falta de viabilidade técnica mas, o presidente do banco despachava: Libera-se a verba apesar de parecer contrário. Mais tarde, quando os mesmos técnicos iam fiscalizar a aplicação da verba, o presidente instruía: Liberam-se novas fases do financiamento e cancele-se a fiscalização.
Dentro da Área I existiam, à época, duas facções de assentados. Uma dirigida por Delveck Mateus, líder nacional do MST, que é o presidente da Cooprocol Cooperativa que reúne os partidários da plantação coletiva e outra é a Cooperativa 13 de Maio, dirigida por Iolando Batista Veiga. Ambas, na verdade, só existiam no papel.
Delveck Mateus foi procurado por nós, mas encontrava-se viajando, como sempre, segundo fomos informados. Iolando, 44 anos, 3 filhos, contou sua história: Eu saí do MST por duas razões. A primeira porque aquilo é uma máfia; e a segunda, porque me convidaram para trabalhar na direção estadual do MST em São Paulo, mas eu não quis. Iolando disse que não pagava pedágio cobrado pelo MST e ainda aconselhava aos colegas a não pagarem.
Conta ele que, em 1995, declarou à imprensa que o MST os tratava em regime forçado: O que o assentado quer é trabalhar, cuidar de sua família e o MST quer que a gente saia do assentamento para fazer invasão. […] Tinha até um professor do MST para ensinar invasão.
Muitos lotes vagos no assentamento estavam reservados para os filhos dos dirigentes do MST.
Conclusão
Alguém que tivesse visitado os assentamentos no início do governo Fernando Henrique, em 1995, e no final de seu mandato em 2002, poderia ficar com a impressão de que a situação do campo agro reformado melhorou: os barracos foram substituídos por casas de alvenaria, os assentados têm vacas que garantem o leitinho das crianças. Mas, se aprofundar a sua análise, verificará que as causas do fracasso da Reforma Agrária permaneciam: caiado por fora, o sepulcro estava podre por dentro.
O governo Fernando Henrique liberou vultosas verbas, duplicou e, no final, até triplicou o financiamento do PROCERA. Entregou dinheiro para construção de moradias; fez estradas, escolas, postos de saúde, eletrificação, mas não conseguiu a viabilidade econômica desses assentamentos. Por isso os assentamentos antigos, de quase 20 anos, ainda não foram emancipados.
O fracasso aparece nas considerações finais da publicação Percentuais e causas de evasão nos assentamentos rurais, da coleção de estudos e convênio de cooperação técnica INCRA/FAO, Brasília, 2001.
Depois de apontar múltiplas razões como causa de evasão, eles fazem a seguinte constatação: “Talvez o ponto de partida da investigação tenha sido equivocado. Dada a precariedade da situação dos assentamentos, [….] talvez devêssemos nos perguntar por que tantos assentados permanecem na terra e ainda por que tantos ainda continuam investindo suas energias na busca de um lote”.
Isso nos faz lembrar a história de Maria Dozília dos Santos, assentada gaúcha no PA São Pedro, com sua guria de quatro anos, nascida num barraco de lona e traumatizada por aquilo.
Ao ser indagada se teria valido a pena aquele sacrifício para estar ainda morando num barraco e num pedaço de terra que sequer lhe pertencia, como que fazendo um balanço de sua vida, ela respondeu: Não valeu.
Nesse tempo, os meus parentes progrediram e estão em situação muito melhor do que a nossa.
Uma realidade paradigmática de milhares de famílias atraídas pela ilusão da Reforma Agrária. O ex-presidente Fernando Henrique não conseguiu evitar que durante o seu governo os assentamentos se tornassem campos de concentração da miséria, como ele denunciou em 1991, ao se referir aos assentamentos feitos durante o governo Sarney.
Se o governo conseguiu melhorar a aparência dos assentamentos foi às custas de exorbitante investimento, calculado em 25 bilhões de reais.
Com este montante poder-se-ia atender a um maior número de necessitados com resultados mais eficazes.
Apenas um pequeno cálculo: os 50 mil reais gastos com cada família assentada poderiam pagar um salário mínimo para 20 mil desempregados durante um ano.
Em um ponto o governo Fernando Henrique foi vitorioso: a propaganda. O mito da Reforma Agrária continua voando nas asas da publicidade. Falta apenas cuidar da realidade.
Diante desta experiência revela-se um verdadeiro absurdo o atual presidente querer continuar a Reforma Agrária, pois ela não está beneficiando ninguém, antes, está prejudicando a todos.
Ela nada resolve e tem lançado o campo num caos.
Nessa situação, perguntamos se não seria melhor parar, estudar e ver o que fazer. Tornasse imperioso que, antes de prosseguir com desapropriações de terras particulares, se façam estudos pormenorizados sobre o aproveitamento até agora dado às propriedades que já passaram para as mãos do INCRA.
Um relatório circunstanciado deve ser elaborado e discutido com os setores representativos, tanto patronais como de trabalhadores rurais.
É preciso promover um debate nacional que esclareça esse mistério da Reforma Agrária.
A reforma agrária no Brasil
A história da reforma agrária, no Brasil, é uma história de oportunidades perdidas. Ainda colônia de Portugal, o Brasil não teve os movimentos sociais que, no século 18, democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a face da Europa. No século 19, o fantasma que rondou a Europa e contribuiu para acelerar os avanços sociais não cruzou o Oceano Atlântico, para assombrar o Brasil e sua injusta concentração de terras. E, ao contrário dos Estados Unidos que, no período da ocupação dos territórios do nordeste e do centro-oeste, resolveram o problema do acesso à terra, a ocupação brasileira – que ainda está longe de se completar – continuou seguindo o velho modelo do latifúndio, sob o domínio da mesma velha oligarquia rural.
As revoluções socialistas do século 20 – russa e chinesa, principalmente – embora tenham chamado a atenção de parcela da elite intelectual brasileira, não tiveram mais do que influência teórica.
O Brasil também não passou pelas guerras que impulsionaram a reforma agrária na Itália e no Japão, por exemplo. Tampouco fez uma revolução de bases fortemente camponesas, como a de Emiliano Zapata, no México do começo do século.
Na Primeira República ou República Velha (1889-1930), grandes áreas foram incorporadas ao processo produtivo e os imigrantes europeus e japoneses passaram a desempenhar um papel relevante.
O número de propriedades e de proprietários aumentou, em relação às décadas anteriores, mas, em sua essência, a estrutura fundiária manteve-se inalterada.
A revolução de 1930, que derrubou a oligarquia cafeeira, deu um grande impulso ao processo de industrialização, reconheceu direitos legais aos trabalhadores urbanos e atribuiu ao Estado o papel principal no processo econômico, mas não interveio na ordem agrária. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil redemocratizou-se e prosseguiu seu processo de transformação com industrialização e urbanização aceleradas. A questão agrária começou, então, a ser discutida com ênfase e tida como um obstáculo ao desenvolvimento do país. Dezenas de projetos-de-lei de reforma agrária foram apresentados ao Congresso Nacional. Nenhum foi aprovado.
No final dos anos 50 e início dos 60, os debates ampliaram-se com a participação popular. As chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária e universitária) eram consideradas essenciais pelo governo, para o desenvolvimento econômico e social do país. Entre todas, foi a reforma agrária que polarizou as atenções. Em 1962, foi criada a Superintendência de Política Agrária – SUPRA, com a atribuição de executar a reforma agrária.
Em março de 1963, foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural, regulando as relações de trabalho no campo, que até então estivera à margem da legislação trabalhista. Um ano depois, em 13 de março de 1964, o Presidente da República assinou decreto prevendo a desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras localizadas numa faixa de dez quilômetros ao longo das rodovias, ferrovias e açudes construídos pela União. No dia 15, em mensagem ao Congresso Nacional, propôs uma série de providências consideradas “indispensáveis e inadiáveis para atender às velhas e justas aspirações da população.” A primeira delas, a reforma agrária.
Não deu tempo. No dia 31 de março de 1964, caiu o Presidente da República e teve início o ciclo dos governos militares, que duraria 21 anos.
O Estatuto da Terra
Logo após assumir o poder, os militares incluíram a reforma agrária entre suas prioridades. Um grupo de trabalho foi imediatamente designado, sob a coordenação do Ministro do Planejamento, para a elaboração de um projeto-de-lei de reforma agrária. O grupo trabalhou rápido e, no dia 30 de novembro de 1964, o Presidente da República, após aprovação pelo Congresso Nacional, sancionou a Lei nº 4.504, que tratava do Estatuto da Terra.
O texto – longo, detalhista, abrangente e bem-elaborado – constituiu-se na primeira proposta articulada de reforma agrária, feita por um governo, na história do Brasil.
Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo impulsionado pelo regime militar brasileiro (1964-1984) promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito rural fortemente subsidiado e abundante.
O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura da soja – para gerar grandes excedentes exportáveis – propiciou a incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja exigia maiores propriedades e o crédito facilitava a aquisição de terra.
Assim, quanto mais terra tivesse o proprietário, mais crédito recebia e mais terra podia comprar.
Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor – eram os tempos do “milagre brasileiro” -, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta velocidade, sem ter que democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado interno rural. O projeto de reforma agrária foi esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada. O Brasil chega às portas do século 21 sem ter resolvido um problema com raízes no século 16.
Os Projetos de Colonização
A partir de 1970, como substitutivos da reforma agrária, o governo Federal lançou vários programas especiais de desenvolvimento regional. Entre eles, o Programa de Integração Nacional – PIN (1970); o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA (1971); o Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE (1972); o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA (1974); o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE (1974).
O PIN e o PROTERRA foram os programas que mereceram maior atenção e aos quais foi destinada uma soma significativa de recursos. Com o propósito de ocupar uma parte da Amazônia, ao longo da rodovia Transamazônica, o PIN era baseado em projetos de colonização em torno de agrovilas e, segundo a versão da época, buscava integrar “os homens sem terra do Nordeste com as terras sem homens da Amazônia.”
Na prática, verificou-se que a maior parte das cerca de 5.000 famílias deslocadas para a região eram procedentes do extremo Sul do país, principalmente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e não do Nordeste. Estudos posteriores demonstraram que os custos do programa foram altos, o número de famílias beneficiadas reduzido e o impacto sobre a região insignificante.
O desempenho do PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros. Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro anos de criação do programa.
Resultados
Nos primeiros 15 anos de vigência do Estatuto da Terra (1964-1979), o capítulo relativo à reforma agrária, na prática, foi abandonado, enquanto o que tratava da política agrícola foi executado em larga escala.
No total, foram beneficiadas apenas 9.327 famílias em projetos de reforma agrária e 39.948 em projetos de colonização. O índice de Gini1 da distribuição da terra, no Brasil, passou de 0,731 (1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Esse cálculo inclui somente a distribuição da terra entre os proprietários.
Se forem consideradas também as famílias sem terra, o índice de Gini evidencia maior concentração ainda: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). Na verdade, em 50 anos, as pequenas alterações que ocorreram, em termos de concentração de terra, no Brasil, foram para pior, conforme mostra o gráfico a seguir.
Concentração Fundiária – Índice de Gini – INCRA e IBGE
Índice de Gini é uma medida do grau de desigualdade da distribuição de renda ou de um recurso. O índice varia de um mínimo de zero a um máximo de um. “Zero” representa nenhuma desigualdade e “um” representa grau máximo de desigualdade.
No início da década de 80, o agravamento dos conflitos pela posse da terra, na região Norte do país, levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos Executivos de Terras do Araguaia/Tocantins – GETAT, e do Baixo Amazonas – GEBAM.
O balanço das realizações desses três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos de terra de posseiros regularizados. Nos seis anos do último governo militar (1979-1984), a ênfase de toda a ação fundiária concentrou-se no programa de titulação de terras. Nesse período, foram assentadas 37.884 famílias, todas em projetos de colonização, numa média de apenas 6.314 famílias por ano.
A ação fundiária no período 1964-1984, revela uma média de assentamento de 6.000 famílias por ano e pode ser resumida na seguinte tabela:
Colonização – Reforma Agrária | ||
---|---|---|
áreas desapropriadas | famílias beneficiadas | |
(ha) 13,5 milhões |
nº imóveis 185 |
unidades 115 mil |
Em 1985, o governo do Presidente José Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), previsto no Estatuto da Terra, com metas extremamente ambiciosas: assentamento de um milhão e 400 mil famílias, ao longo de cinco anos. No final de cinco anos, porém, foram assentadas cerca de 90.000 apenas.
A década de 80 registrou um grande avanço nos movimentos sociais organizados em defesa da reforma agrária e uma significativa ampliação e fortalecimento dos órgãos estaduais encarregados de tratar dos assuntos fundiários.
Quase todos os estados da federação contavam com este tipo de instituição e, em seu conjunto, ações estaduais conseguiram beneficiar um número de famílias muito próximo daquele atingido pelo governo Federal.
No governo de Fernando Collor (1990-1992), o programa de assentamentos foi paralisado, cabendo registrar que, nesse período, não houve nenhuma desapropriação de terra por interesse social para fins de reforma agrária. O governo de Itamar Franco (1992-1994) retomou os projetos de reforma agrária.
Foi aprovado um programa emergencial para o assentamento de 80 mil famílias, mas só foi possível atender 23 mil com a implantação de 152 projetos, numa área de um milhão 229 mil hectares.
No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, o total de famílias beneficiadas pelo governo Federal e pelos órgãos estaduais de terra, em projetos de reforma agrária e de colonização, foi da ordem de 300 mil, estimativa sujeita a correções, dada a diversidade de critérios e a falta de recenseamento no período 1964-1994.
Tipo de Assentamento | Nº | ÁREA (milhões ha) | Número de Famílias |
---|---|---|---|
de reforma agrária (Gov. Federal) |
850 | 8,1 | 143.514 |
de colonização (Gov. Federal) |
726 | 5,0 | 122.114 |
de ações fundiárias de governos estaduais | 49 | 14,1 | 85.181 |
total | 1625 | 27,2 | 350.809 |
Fonte: r1.ufrrj.br/www.icarrd.org/www.planalto.gov.br
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