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Companhias de Comércio – História
Companhias mercantis organizadas pelos Estados colonialistas para aumentar a produção, enfrentar melhor a concorrência estrangeira e tornar mais eficiente e lucrativo o comércio entre a colônia e a metrópole.
O Estado entra com uma parte do capital dessas companhias, mas elas têm administração autônoma. Entre os séculos XVII e XVIII, Portugal cria quatro companhias.
Em 1649 é criada a Companhia Geral do Comércio do Brasil para auxiliar a resistência pernambucana às invasões holandesas e apoiar a recuperação da agricultura canavieira do Nordeste depois dos conflitos.
Seu papel principal é fornecer escravos e garantir o transporte do açúcar para a Europa.
Em 1682 é fundada a Companhia do Comércio do Maranhão, que também atua na agricultura exportadora de açúcar e algodão com fornecimento de crédito, transporte e escravos aos produtores.
No século XVIII são fundadas pelo marquês de Pombal as companhias gerais do comércio do Grão-Pará e do Maranhão (1755) e de Pernambuco e Paraíba (1759).
Ambas reforçam as atividades extrativistas e agroexportadoras do Norte e Nordeste da colônia, um pouco abandonadas em razão do crescimento da mineração de ouro e de diamante na região das “minas gerais”.
As companhias detêm privilégios como monopólio de compra e venda de mercadorias em sua área de atuação, autonomia para organizar o transporte marítimo, estabelecer preços e condições de financiamento e pagamento.
Companhias de Comércio – O que foram
As primeiras companhias de comércio, também chamadas guildas, hansas, sociedades, fraternidades, corporações, uniões, eram associações de comerciantes com o mesmo objetivo, possuíam as mesmas formas de organização. Surgiram na Idade Média, a partir do século XI-XII, para atender aos interesses durante o comércio de longa distância – principalmente marítimo -, de algumas regiões do mundo. Serviam ainda para garantir a segurança contra a pirataria e assaltos ou evitar a concorrência desigual de outros comerciantes. Somente as despesas comuns eram divididas, tendo cada participante a liberdade total de comprar e vender o que e a quem quisesse.
A primeira Companhia Regulamentada surgiu na Inglaterra, no século XIII, fundada pela Associação dos Comerciantes do Entreposto (nos países baixos) que comercializava lã inglesa. A seguir vieram, dotadas de “cartas” (autorizações) pela coroa, a Carta dos Comerciantes do Báltico (1404), a Carta dos Comerciantes Aventureiros (inglesa-1407) e a Carta dos Comerciantes da Noruega, Suécia e Dinamarca (1408). Na Itália predominavam as associações de capitais e pessoas, incluindo os empréstimos marítimos assegurados pelo navio ou pela carga, que se desenvolveram em Veneza e Gênova a partir do século XIII.
As companhias de comércio desempenharam nos séculos XVI-XVIII, durante a Era Mercantilista, um papel importante na expansão comercial e colonial das potências marítimas europeias, assumindo a forma das Companhias de Carta (Chartered Companies).
Eram de dois tipos: as Companhias Regulamentadas pelo Estado e as joint-stocks, de capital privado, por ações. Os investidores lucravam com os dividendos e a valorização das ações, não podendo ser responsabilizados pelos débitos da companhia.
As primeiras companhias de capital privado surgiram na Inglaterra, no século XVI, entre elas a dos Comerciantes Aventureiros, que foi transformada na Cia. da Moscóvia ou Cia. Russa, em 1555. Outra foi a Cia. de Veneza, em 1583, e a Cia. das Índias Orientais, constituída pelos ingleses em 1600. Essa companhia possuía o monopólio, no Reino Unido, do comércio com as Índias Orientais e se tornou mais poderosa em 1763 (Tratado de Paris), quando as vitórias de Clive fizeram os franceses abandonarem a Índia.
As primeiras companhias de comércio da França foram criadas por Henrique IV, entre elas a Cia do Canadá, em 1599 e a Sociedade para o Comércio das Índias Orientais em 1604, e depois a Cia. das Ilhas da América e a Cia. das Índias Ocidentais.
As Companhias de Comércio da Península Ibérica foram constituídas a partir do século XVI. De Portugal destaca-se a Cia. Geral de Comércio do Brasil (1649), a Cia. de Cacheu e Rios de Guiné (1676) e a Cia. do Comércio de Cabo Verde e Cacheu. A Espanha criou, em 1728, a Cia. de Caracas e em 1747, a das Índias Orientais, de curta duração. O capitalismo antimonopolista veio acabar com o sistema das Companhias do Comércio.
Entre as companhias da Holanda, destacou-se a Cia. Holandesas das Índias Orientais, formada em 1602 pela união de seis grupos que vinham, isoladamente, realizando o comércio com o Oriente.
Passou a ter o monopólio de navegação, comércio e administração das regiões do Oriente, cabendo ao Estado supervisioná-la. Possuía todos os poderes e privilégios de um Estado Soberano, mas em nome da República das Sete Províncias Unidas.
Em 1621 foi fundada a Cia. Holandesa das Índias Ocidentais, com o monopólio do comércio da América, (principalmente com o Brasil, devido à exploração e comércio de açúcar para Europa) costa ocidental da África e Oceano Pacífico a leste das Molucas. A sede era em Amsterdã, onde se cria, em 1609, o Banco de Amsterdã para apoiar o comércio colonial, fonte de metais preciosos.
É na dinâmica financeira dessa companhia neerlandesa que surgirá o conceito atual de ações (aktien) por via da divisão, em 1610, do seu capital em quotas iguais e transferíveis. Tornar-se-á, contudo, devido aos bons resultados, cada vez mais um organismo estatizado, com autoridade militar e poder bélico, para administrar ou impor os seus direitos e pretensões nos mares.
Os impostos sobre as mercadorias e as rendas encherão os cofres do Estado neerlandês.
Companhias de Comércio – Política mercantilista
Por intermédio das companhias de comércio, o Estado português busca garantir os impostos da Coroa e os lucros da burguesia com o bom funcionamento dos engenhos de açúcar e das plantações de algodão e fumo.
Essas atividades dependem do transporte dos produtos entre Brasil e Portugal, do crédito para a compra de escravos e do fornecimento de utensílios, ferramentas, gêneros alimentícios e tecidos que a colônia não produz. Mesmo não sendo uma experiência muito bem-sucedida – por falta de capital suficiente ou má administração -, as companhias de comércio representam uma tentativa do Estado de dar maior eficiência à política mercantilista, orientando os investimentos para determinadas áreas e estimulando-os pela concessão de privilégios a comerciantes e acionistas.
Companhias de Comércio – Movimentos nativistas
Companhias de Comércio
Entre meados do século XVII e começo do século XVIII, os abusos da Coroa na cobrança de impostos e dos comerciantes portugueses na fixação de preços começam a gerar insatisfação entre a elite agrária da colônia.
Surgem os chamados movimentos nativistas: contestação de aspectos do colonialismo e primeiros conflitos de interesses entre os senhores do Brasil e os de Portugal.
Entre esses movimentos destacam-se a revolta dos Beckman, no Maranhão (1684); a Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais (1708), e a Guerra dos Mascates, em Pernambuco (1710).
Companhias de Comércio – Revolta dos Beckman
Rebelião promovida por proprietários rurais maranhenses contra a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, em 1684. No centro da revolta, a questão do trabalho escravo dos índios e a questão dos preços das mercadorias, dos juros e dos impostos.
Em 1682, Portugal cria a Companhia de Comércio do Maranhão com o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico do norte do Brasil.
Em troca da concessão do monopólio do comércio do açúcar e da arrecadação dos impostos, a empresa deveria fornecer escravos, utensílios, equipamentos e alimentos aos colonos a juros baixos.
Mas ela não cumpre o compromisso assumido, sobretudo em relação ao fornecimento de escravos africanos.
A falta de mão-de-obra desorganiza as plantações. Chefiados pelos irmãos Manuel e Tomás Beckman, em 1684 os proprietários rurais revoltam-se contra a empresa, atacando suas instalações.
Expulsam os padres jesuítas, que continuam a opor-se à escravização de índios para trabalhar nas propriedades, na falta de negros africanos.
A seguir, depõem o governador e assumem o controle da capitania. A metrópole intervém, enviando uma frota armada para São Luís. Manuel Beckman é preso e decapitado e Tomás, condenado ao desterro.
Os demais líderes são condenados à prisão perpétua. A Companhia de Comércio é extinta em 1685, mas os jesuítas retornam a suas atividades.
A revolta dos Beckman tem suas origens em problemas no comércio de escravos no Maranhão. Para abastecer as grandes propriedades da região, Portugal cria a Companhia de Comércio, em 1682, empresa que monopoliza o comércio de escravos e de gêneros alimentícios importados. Deve fornecer 500 escravos negros por ano, em média, durante 20 anos e garantir o abastecimento de bacalhau, vinho e farinha de trigo. Não consegue cumprir esses compromissos. A carência de mão-de-obra desorganiza as plantações e a escassez de alimentos revolta a população.
Reação dos colonos – Em fevereiro de 1684 os habitantes de São Luís decidem tomar os depósitos da Companhia de Comércio e acabar com o monopólio. Chefiados por Manuel e Tomás Beckman, grandes proprietários rurais, prendem o capitão-mor Baltazar Fernandes e instituem um governo próprio, escolhido entre os membros da Câmara Municipal. Sem propósitos autonomistas, pedem a intervenção da metrópole. Portugal acaba com o monopólio da Companhia de Comércio. O novo governador chega à região em 1685. Executa os principais cabeças do movimento.
Os demais são condenados à prisão perpétua ou ao degredo.
Companhias de Comércio – Guerra dos Emboabas
As disputas pela posse e exploração das minas de ouro são os motivos da Guerra dos Emboabas. Os portugueses, chamados de emboabas, reivindicam o privilégio na exploração das minas. Porém, paulistas e sertanejos também têm o direito de explorá-las. Explodem conflitos em toda a região das minas. Um deles, que envolve paulistas comandados por Manuel de Borba Gato e emboabas apoiados por brasileiros de outras regiões, assume grandes proporções.
Capão da Traição – Sob o comando de Manuel Nunes Viana, proclamado governador de Minas, os emboabas decidem atacar os paulistas concentrados em Sabará. No Arraial da Ponta do Morro, atual Tiradentes, um grupo de 300 paulistas investe contra os portugueses e seus aliados, mas acaba se rendendo. Bento do Amaral Coutinho, chefe dos emboabas, desrespeita garantias estabelecidas em casos de rendição e, em fevereiro de 1709, chacina os paulistas no local que fica conhecido como Capão da Traição. O governador-geral Antônio Coelho de Carvalho intervém e obriga Nunes Viana a deixar Minas.
Para melhor administrar a região, é criada em 9 de novembro de 1709 a capitania de São Paulo e Minas, governada por Antônio de Carvalho. Em 21 de fevereiro de 1720, Minas separa-se de São Paulo.
Companhias de Comércio – Guerra dos Mascates
O conflito de interesses entre os comerciantes portugueses instalados no Recife, chamados pejorativamente de mascates, e os senhores de engenho de Olinda dá origem à Guerra dos Mascates.
Olinda é a sede do poder público na época e os senhores de engenho têm grande influência nos rumos da capitania. No início de 1710, o governador de Pernambuco, Sebastião de Castro Caldas, decide promover Recife, onde concentram-se os comerciantes portugueses, a sede do governo.
Confronto Olinda-Recife – A população de Olinda se rebela contra a decisão e ataca Recife, dia 4 de março. Destrói o pelourinho da vila, símbolo do poder político municipal, expulsa o governador e entrega o poder ao bispo de Olinda, dom Manuel Álvares da Costa. A metrópole envia outro governador a Pernambuco, Félix Vasconcelos, que toma posse em 10 de janeiro de 1711.
Os conflitos continuam até 7 de abril de 1714, quando é feito um acordo: Recife permanece como capital e o governador passa a morar seis meses em cada vila.
Companhias de Comércio – Revolta de Filipe dos Santos
Na região das minas, o ouro em pó era utilizado como se fosse moeda corrente. Com a criação das Casas de Fundição em Minas Gerais, em 1719, a circulação de ouro em pó foi proibida.
As casas de Fundição foram criadas pelo governo português para evitar o contrabando de ouro e obrigar o colono a pagar o quinto devido à Coroa. Todo ouro descoberto deveria ser encaminhado a essas repartições, onde era derretido e, depois de separada a parte do rei, transformado em barras. Foi contra essas condições do governo que ocorreu a revolta de 1720, chefiada por Filipe dos Santos Freire.
A Revolta de Filipe dos Santos foi motivada, portanto, apenas por fatores econômicos. Seus objetivos eram impedir o estabelecimento das Casas de Fundição e manter a legalidade da circulação de ouro em pó.
Em 28 de junho de 1720 teve início a revolta em Vila Rica (atual Ouro Preto). Cerca de 2 000 revoltosos dirigiram-se para Ribeirão do Carmo, atual Mariana, e pressionaram o governador de Minas, Dom Pedro de Almeida, Conde de Assumar, para que atendesse às suas exigências. Este concordou com os pedidos dos revoltosos, pois não contava com forças armadas para enfrentá-los.
Assim que conseguiu tropas suficientes, o governador esmagou a revolta, mandando prender os cabeças do movimento. Filipe dos Santos foi enforcado (16 de julho de 1720), e seu corpo esquartejado após a execução.
A Companhia Geral do Comércio do Brasil – 1649-1720
… Então um dos assistentes (a conselho, na presença de D. João IV), vestido da roupeta da Sociedade, em que o- puído e es- verdeado contrastava com o brilhante dos trajes cortezões, levantou- -se para advertir que da fé viviam os inquisidores, mas que os padres da Companhia por ela morriam: entre os dois grêmios a diferença era. essa.
Daquele momento em diante a Inquisição portuguesa tinha encontrado pode dizer-se que o -seu primeiro adversário… Esse adversário, tão poderoso que chegou a pôr em perigo a própria existência do Santo Ofício, — era Antônio Vieira
A rivalidade entre a Inquisição e a Companhia de Jesus vinha de longe — dos primeiros tempos da introdução em Portugal do tribunal da fé. “Questões de primazia” os dividiam, diz o ilustre Lúcio de Azevedo
Sim, aparentemente. Mas o dissídio era mais profundo, tinha raízes na própria natureza de cada um dos institutos.
Em primeiro lugar, eram “os dois mais eficientes fatores da Contra-Reforma — oficiais do mesmo ofício… Rivais, pois. Comungando no objetivo, mas tão diferentes no espírito’ e métodos!
Uma integrada em ordem antiga, brasonada de velhas tradições de primazia intelectual, séria, dogmática,. .como depositária da verdade que o Doutor Angélico para sempre ordenara numa definitiva catedral.
Moderna a Sociedade, em que, sob uma castrense se fundem, como no caráter espanhol do seu criador, os contrários: urna especulação metafísica desinteressada, um espírito missionário que leva ao anônimo sacrifício no sertão e um realismo que se adapta aos negócios do mundo corno a pele ao corpo. Quixote e _Sancho…
A urna e outra importava extinguir a heresia — o Santo Ofício cirurgicamente, extirpando-a corno se corta e extrai um tumor; o Jesuíta medicamente, pela persuasão, pela doutrinação, pela captação e até, homeopaticamente, pela transigência e infiltração no campo adverso…
O Tribunal era rígido, severo, cego e fatal, como a triste figura da Justiça que os homens inventaram. Não, decerto, propositadamente cruel. E até, à sua maneira, benigno; mas automático e inflexível. Robot insaciável, que não podia parar, nem moer no vasio, que exigia sempre matéria prima.. . Fazedor de hereges, diziam os inimigos.
A Companhia de Jesús, internacional e missionária, filosofava, pregava, ensinava, confessava, jamais, ausente, sempre militante. Desse seu espírito aberto a todos os horizontes, dessa sua vida multiforme e ativa, lhe vinha’ certa tolerância nem sempre cautelosa, uma plasticidade tal que, por vezes, escandalizava, como no caso célebre dos ritos sínicos, e que o jansenista Pascal implacavelmente lhe verberou nas Provinciales.
O que não excluía, porém, um nacionalismo vibrante.
Antes, porque imiscuídos no século, os jesuítas auscultavam, e sentiam, o sofrimento da nação, não só materialmente oprimida, mas moralmente vexada, pelo domínio castelhano. Daí o. Seu papel na revolução de 1640.
Daí também que — enquanto o Santo Oficio fornecia um inquisidor às cabalas castelhanas contra D. João IV — tanto concorressem para a consolidação da independência reconquistada: já pela sua ação na defesa, recuperação, organização e unificação do Brasil (a proteção do índio tinha, não só um caráter humanitário e proselítico, mas um resultado unificante), já pela inteligente atitude tomada no reino para com os cristãos novos, de congraçamento nacional e de preservação do comércio.
É natural que, corno presume Lúcio de Azevedo. a aproximação entre jesuítas e judeus se tivesse dado com motivo imediato na questiúncula dos inquisidores com os padres da Universidade de Évora por môr de saber-se quem teria preferência na compra dum lote de maçãs; conflito que, aliás, não era já, naquela cidade. o primeiro, com idênticos — e tão graves… — fundamentos.
E é também de admitir que, sem Antônio Vieira, a Companhia se não atrevesse a patrocinar a causa dos hereges, nem a afrontar o Santo-Ofício nessa. matéria, senão dalguma forma tímida e indireta.
Já em tempo de Filipe IV os defendera; mas os documentos estudados pelo Pe. Francisco Rodrigues mostram que os dirigentes da Sociedade antes se assustaram que exultaram com a ofensiva do grande pregador.
E não sem fundamento já que eram os inquisidores -quem traduzia o sentimento nacional, impregnado de sarro medievo.
Certo é que na questão das maçãs de Évora, que subiu a Roma e provocou uma enérgica intervenção do rei a favor da Inquisição. foram os inacianos acusados de se socorrerem da ajuda da gente de nação; e que o Padre Antônio Vieira, atacando o Santo- Ofício no mais vivo do seu cerne, fazia chegar às mãos de D. João IV um papel anônimo advogando o perdão geral dos cristãos novos, a igualdade de direitos para êles e a modificação das formas processuais do Tribunal — ao mesmo tempo que o Assistente da Companhia junto do Geral diligenciava obter do Pontífice esta mesma modificação dos estilos inquisitoriai
Estavam abertas as hostilidades. E, nelas, durante a maior parte da sua larga vida, não deixou quase nunca Vieira, com o seu génio impetuoso, de atacar, reluzida a Inquisição, quase sempre, a UME defensiva mais ou menos eficaz, embora por fim vencedora.
O gênio de Vieira…
Nesta luta entre o Santo Ofício e a Companhia de Jesus, que logo foi acesa guerra entre o Tribunal e a “gens” hebraica, é peça mestra dos acontecimentos a personalidade do Padre Antônio Vieira.
Inaciano por vocação, absolutamente dedicado à Companhia, viveu, contudo, intensamente no século, e o seu grande fraco foi a política.
Porque, teólogo e tribuno, era fundamentalmente um homem de ação, que ao serviço da ação pôs o seu poderoso gênio verbal.
Homem de ação, sim, mas não à maneira, inglesa ou americana, do chefe de empresa ou do Ieader parlamentar, que empiricamente se dobra e amolda à realidade qiiztidiana e com ela vai tecendo a sua teia ou fazendo o seu jogo.
Homem de ação no estilo aventureiro e heroico do Cavaleiro da Triste Figura: grande criador de arquiteturas ideias, que audaciosamente ergue na imaginação os planos de ingente fábrica, e logo, a poder de tenac-dade, de persuasão, dialética, busca impô-los, fazê-la surgir no e contra o mundo das coisas sensíveis.
Extraordinário poeta do agir, se falhou ou se enganou — por discordância dos seus senhor com as humildes realidades do espaço e do tempo —, em quase todas as várias empresas políticas ou diplomáticas em que empenhou a sua prodigiosa atividade, numa coisa o seu génio profético e o seu. amor da pátria acertaram: no sentimento daquilo que Jaime Cortesão veio a pôr no nosso tempo em evidência — a saber, que a Restauração se estrutura sobre uma realidade económica, “o tráfico marítimo à distância” com base no açúcar do Brasil, que, política, e moralmente, se traduz na fórmula: Império Atlântico. Se deste fato medular tiveram consciência mais que ninguém os Jesuítas, como assevera Cortezão, a Razão que teoriza essa consciência e a Voz profética que a explicita são as de Vieira.
Desde o primeiro memorial de 1643, sempre o Jesuíta insistiu em que á manutenção e alargamento do comércio nos são indispensáveis, se queremos resistir à procela e sobreviver como nação independente; ideia que não mais largou e teimosamente foi propugnando, até conseguir fazer vingar a sua expressão prática, na constituição da Companhia do Brasil.
Parece oportuno pedir opinião aos fatos e aos números que os simbolizam¦
Porque, enfim, as nações, como os indivíduos, têm uma vida espiritual, moral, intelectual e física, mas também urna vida econômica.
Quando D. João IV sobe ao poder, a grande, a imediata realidade é a guerra. A guerra fazem-na os homens — mas os homens comem, bebem, vestem e, para lutar, precisam armas e munições.
Tudo coisas que se adquirem com dinheiro.
Napoleão, que devia saber da matéria, três elementos só requeria para ganhar batalhas: dinheiro, dinheiro e dinheiro..
Tudo coisas que se adquirem com dinheiro.
Napoleão, que devia saber da matéria, três elementos só requeria para ganhar batalhas: dinheiro, dinheiro e dinheiro.. .
Ou, posta a questão em termos militares: a “frente” depende da “retaguarda” — como um porto do seu “hinterland”.
Ora, não há nações autárquicas; menos que nenhuma outra o Portugal de 1640.
Assim que se senta no mal seguro trono, ainda não passada a euforia do milagroso triunfo, o Rei, por decreto de 24 de dezembro de 1640, “manda que o Conselho da Fazenda faça chamar os mercadores estrangeiros e os anime a continuar o seu comércio, segurando-lhes todo o bom acolhimento e favor; e que os convide outrossim a trazer armas, pólvora e munições, as quais se lhes pagarão por justo preço nos direitos que deverem, além de se lhes fazer mercê”
Pouco depois, por provisão régia de 21 de janeiro de 1641, declara: “Me praz e hei por bem de conceder licença para que todas e quaisquer pessoas, de qualquer nação, estado, profissão e condição que seja, possam livremente vir a estes Reinos com suas naus, embarcações, mercadorias e empregos, de todas as sortes, gêneros e fábricas que forem, ou mandá-los em baixo de seus nomes próprios ou de outros terceiros e comissários, dirigidas aos correspondentes que lhes parecer, e tirar destes Remos o procedido das ditas mercadorias e empregos, quando e como lhes estiver bem, sem embargo das proibições que até agora havia, que levanto, e hei por levantadas, por esta minha Provisão, para que o comércio seja franco e geral a iodos, sem que se lhes faça embargo, represália ou moléstia alguma; pagando somente à minha Fazenda os direitos devidos e costumados. E prometo debaixo de minha palavra e fé Real de cumprir e mandar cumprir e guardar inteira e infalivelmente tudo que nesta. Provisão se contém…”.
A 22 de fevereiro reduz a um, de 500 rs. por moí-o, os 4 direitos, que os estrangeiros pagavam pelo sal que levavam de Portugal.
Eis uma das primeiras, mais constantes preocupações: reatar, intensificar o tráfico com o estrangeiro, sem o qual a nação, deficitária em alimentos (cereais. bacalhau) e sobretudo em produtos manufaturados, não poderia manter-se, viver, guerrear.
Mas o que se compra, paga-se. Não tínhamos tesouro escondido — mas um erário sugado; não tínhamos minas de ouro ou de prata; não tínhamos capitais a render no estrangeiro; ainda se não inventara a exportação invisível pelo turismo…; só podíamos importar — exportando.
E que teríamos nós para exportar?
Laranjas, limões, lãs, amêndoas, figos, passas, presuntos, sebo, peixe salgado, sal, azeite e vinho.
Porém, de todos estes gêneros, os mais importantes (vinho à parte), — sal, frutas, azeite — saíam em diminuto valor.
Do vinho, que veio mais tarde a exportar-se em quantidades consideráveis, e que já seguramente era, em tempo de D. João IV, o nosso principal produto, podemos fazer ideia do que venderíamos, sabendo que, entre 1678 e 1687, enviamos para Inglaterra, em média, 7.700 pipas de vinho do Porto por ano.
Ora pelo mapa do comércio com a Grã-Bretanha de 1731 se vê que a proporção era então a seguinte: 65 % de vinhos do Porto, 27 cía de vinhos da Madeira, e o restante de outros vinhos continentais
Nesta proporção teremos, para o período considerado de 1678-1687, urna exportação total de 11.800 pipas para Inglaterra. IA roda desse número era a capacidade consumidora do Brasil…
Não será disparatado calcular a exportação de vinhos para os restantes mercados europeus em metade da que fazíamos para a Grã-Bretanha. Essa será a situação em 1731, para a totalidade da exportação do reino, segundo cômputo da época.
Na verdade, França e Itália, países produtores, nenhum comprariam [o que, indiretamente, se pode, aliás, deduzir das referências de D. Luiz da Cunha e a Holanda (por cujo intermédio se faziam as saídas para os mais países do norte) sacava de Portugal muito menos vinho do que a Inglaterra (como para um século passado, se infere dos termos em que informa o mesmo diplomata).
Atente-se, porém, em que aquele número de 11.800 pipas se refere ao último quartel do século XVII. Muitíssimo outra havia de ser a situação nos primeiros anos do reinado de D. João IV. Um indício nos é fornecido pelo preço de vinho em Lisboa, que no 3.° quartel do século XVII se mantinha quase o mesmo que em 1605, havendo o custo da vida em geral subido mais de 100%.
Se, pois, podemos calcular, para o último quartel do século, uma exportação total de cerca de 18.000 pipas de vinho, bem podemos, sem pessimismo supor uma exportação de 10.000 pipas anuais entre 1640 e 1650.
Ou sejam 3.000.000 de canadas, que a 60 rs. a canada, perfaz 180 contos. Isto é, o total das saídas de produtos metropolitanos não deve andar muito longe dos 200 contos.
Ora o valor das nossas importações, no final do século XVII, quando já em paz com a Espanha, oscilaria entre 250.000 e 450.000 libras.
Bem maiores haviam de ser as necessidades na quarta década da centúria; imaginemos que da ordem das 500.000 libras tão só. Assim mesmo teremos uma importação de mais de mil contos.
Para pagar a diferença enorme entre o ativo e o passivo da balança comercial, só um recurso havia: a venda dos produtos coloniais.
Da índia, quase totalmente’ perdida, não nos vinham, contudo, mais de entre 1 e 4 naus carregados por ano (o limite de 4 é indicado por Jaime Cortesão); os documentos e narrativas da época, referindo-se à chegada a Lisboa, ou à arribada ao Brasil, de naus da índia, falam sempre de 1 nau, 2 navetas, ou, excepcionalmente, 2 naus).
Da África sabe-se que quase nada vinhas nesta época: a ocidental fornecia escravos para o Brasil; o comércio da oriental era com a índia e Macau.
Restava-nos o Brasil, donde chegavam, todos exportáveis, o pau do nome da terra, o óleo de baleia, o tabaco, cujo valor ia avolumando, e, principalissimamente, o açúcar que era então “o mais importante artigo do escambo marítimo internacional.
Em 1640 o açúcar exportado do Brasil para a Metrópole computa-se em 1.800.000 arrobas, número que se não deve ter por excepcionalmente elevado, mas por normal para a década.
O valor dessa partida era de 3398.860 libras, a um preço que se manteve sensivelmente estacionário de 1640 a 1650 (o mais alto da curva das cotações de preços).
Quanto de açúcar seria solicitado pelo consumo metropolitano, e quanto ficaria livre para a exportação?
O consumo atual é de menos de 12 quilos por pessoa e ano, em média. Isto sendo o preço de uns 5500 por quilo, números redondos (açúcar racionado).
Ora o gasto do açúcar é hoje enorme em comparação com o de há 300 anos, per vários motivos, entre os quais avulta a generalização e popularização do uso do café.
No meados do século XVII, sem tal solicitação para o consumo, acrescia que o preço era proibitivo para a maioria das gentes. Cotava-se a arroba em Lisboa em por volta de 2500 rs. a 130 rs. o (Inflo. Valor atual de digamos 28S00.
Assim, a captação de 3 kg. por ano já será, decerto, bem favorecida. Para uma população de 1.200.000 pessoas, teremos 3.600.000 kg., cu sejam 240.000 arrobas.
Que fossem 500.000. Ainda ficaria entre 1 milhão e milhão e meio de arrobas para colocar no estrangeiro. Qualquer coisa como um valor de 2 a 3 milhões de libras, isto é, a, partir de 1642, mais de 4 a 6 mil contos de réis.
Reduzamos ainda tudo metade, desconfiando, com Lúcio de Azevedo, que haja exagero nos números quer da produção quer da exportação: ainda o valor do açúcar, como meio de troca no comércio externo, fica considerabilíssimo.
Acresce que o Brasil nos consumia, além de sal e azeite, vinho, que, havendo navegação para levá-lo, não seria exagero computar em, nessa época. outro tanto como aquele que poderíamos colocar nos mercados europeus, ou quase, vinho que não era já moeda de compra nos países do norte, porque excedia a sua capacidade de absorção, e que, trocado pelo curo branco ou mascavado brasileiro, passava a valer, por via deste, como instrumento de troca.
Por outro lado, a parte do comércio brasileiro nas receitas fiscais do Estado era considerável.
É bem conhecida a pobreza do erário no século XVII.
D. João IV, sem embargo dos muitos e pesados impostos, da décima lançada para sustentação da guerra e de. ter posto à disposição do país os rendimentos da Casa de Bragança, vive em constante penúria.
As receitas nacionais estavam sempre consignadas, já para satisfação de juros de empréstimos, já para pagamento de tenças, pensões, serviços, recompensas. Referindo-se embora à época de D. Pedro II, e só aos direitos aduaneiros, todas os notícias dos documentos da época, concorrem para se receber por verdadeira, e também para o reinado do Restaurador, a asserção do anônimo autor da Relaticn de la Cour de Portugal, de que os impostos, absorvidos pelas consignações, “não chegam nunca até o Rei ou o Povo”.
Para alívio da pobreza muito concorrida do Brasil.
Segundo Figueiredo Falcão, na receita total de 1607, de 1.672.270503 rs, entrava o Brasil com 66 contos (42 de rendimento dos dízimos e 24 de estanco do pau brasil). Em 1618 já a parte do Brasil é de 78.000500 rs. Em 1619 de 78.400500 rs.
Não possuímos dados estatísticos idênticos para os anos seguintes; mas este são enganadores.
O rendimento do pau brasil manteve-se estacionário nos.24 contos por ano.
Acresceu depois a receita do estanco do tabaco: 12.800500 em 1642. ..
Quanto aos dízimos, porém, nada pode significar o montante deles porque ficavam no Brasil com todas as mais receias que lá se arrecadassem, e nunca chegavam: nada sobrava para entrar no Tesouro, nada vinha “à arca”, como então se dizia.
O lucro fiscal para a COT-6a só pode procurar-se, pois, no que rendam as imposições no Reino sobre as mercadorias importadas do Brasil.
Ora, o açúcar dava à Fazenda, direitos e alcavalas, diretos e indiretos, 25% do seu valor, valor, aliás, considerabilíssimo, como se mostrou.
Os números expostos são, porém, meramente potenciais. Do raciocínio estatístico à realidade interpõem-se vários obstáculos.
Deixemos de parte a insuficiência e incerteza dos dados (quantas vezes contraditórios) sobre que o historiador tem de trabalhar.
Abstraiamos das calamidades que, por vezes, impediam ou diminuíam a produção do. Brasil: as más safras, as epidemias de varíola devastadoras de negros, os ataques de inimigos, acompanhados de destruição de engenhos, etc. Trata-se, afinal, de causas fortuitas ou acidentais.
Mas alguma coisa de constante ameaçava seriamente o comércio do açúcar brasileiro: as condições da navegação.
Desde o reinado de D. João III que a navegação portuguesa para as Conquistas vinha sofrendo os insultos de piratas ingleses, franceses, flamengos.
Mas é depois da perda da independência quando os países do Norte, em guerra com a Espanha, têm pretexto para considerar-nos inimigos que a pirataria se organiza e que, sobretudo com as companhias coloniais, tem a força suficiente para, quer em ataques isolados, quer em expedições, destruir ou, apresar, sistematicamente, as frotas que fazem o comércio ultraMarino.
Assim, nas costas do Brasil, nos tomaram os holandeses, em 1616, 28 navios, e, em 1623, 73, números averiguados por Oliveira Lima. Segundo Netscher, nos 13 anos anteriores à chegada de Maurício de Nassau ao Brasil, portugueses e espanhóis perderam, por ação dos holandeses, 300 barcos de comércio.
Depois de 1640 não melhorou a situação. Antes piorou. Já veremos adiante em que assustadores termos.
˜Para obviar a estas perdas a que se somavam as causadas por naufrágios e pelo desgaste das embarcações, existia unia construção naval intensa; não fora ela, teriam paralisado o nosso comércio marítimo e todo o contato com as Conquistas.
Esta atividade de estaleiros portugueses foi afirmada por Jaime Cortesão, com base na Descripción de las cestas y puertos de Espafia, de Pedro Teixeira Albernaz, escrita cérea de 1630, em contraposição à vulgarizada tese de decadência da nossa marinha. Ora parece-nos que ambas as teses são parcialmente verdadeiras e até que uma comprova a outra.
O ressurgimento da frota mercante nacional no primeiro quartel do século XVII como Cortesão pretende é de admitir, graças a continuada fábrica em mais de uma dezena de estaleiros ao longo da costa..
Continuada mesmo para além desse período, por todo o século, ou, pelo menos (é o que ora nos interessa), até meados. dele. Porque, de contrário, não só não teríamos podido manter-nos nas possessões ultramarinas, nem do Brasil teria vindo uma única grama de açúcar, corno não poderiam os holandeses ter-nos feitos tão avultadas presas, a menos que se admitisse uma marinha inicial, vinda de quinhentos, inúmera e de longevidade infinita … Mas decadência existiu no sentido de que as unidades da nossa frota mercante tinham curtíssima vida, já por deficiência de fabrico e de querenças, já, sobretudo, pela enorme percentagem de perdas que nela causava o inimigo, abrindo brechas que se colmatavam com novas construções; e o que isto onerava a economia nacional pode supor-se.
Quer dizer, de todas as soluções possíveis e ventadas para impedir o desaparecimento da nossa navegação, só uma realmente era eficaz: construir novos barcos.
O remédio, sobre caro, tinha, contudo, ainda o inconveniente de não curar outro mal concomitante: o da perda das mercadorias que os navios transportassem.’
Por isso, desde D. João VI, se buscam outras mezinhas: aumentar a tonelagem dos barcos, diminuir a tonelagem deles, artilharem-se os navios, navegarem de conserva, navegarem livremente …
Mas a poção curativa era só uma: marinha de guerra, senão bastantemente poderosa para vencer, destruir, expulsar dos mares todas as esquadras inimigas, ao menos suficientemente forte para proteger-nos os portos e as rotas comerciais marítimas.
Para a marinha de guerra, para que não basta construir barcos, mas é mister armá-los e provê-los de gente do mar e guerra hábil, e que há de ser paga pelo Estado essa, sim, estava em evidente decadência em relação aos tempos áureos do século XVI ou, se se prefere não falar em termos comparativos, essa, sim, era praticamente inexistente, pois que nenhuma das indicadas missões podia cabalmente cumprir.
Deixando de parte o que ao caminho do oriente respeita, precisávamos três esquadras: uma na costa metropolitana, que a esta e à navegação costeira defendesse, primeiro contra os piratas mouros, franceses, ingleses, flamengos, depois também contra os castelhanos <60); outra que nas costas de Brasil exercesse função idêntica; e outra que desse comboio às frotas de comércio pois que ainda até hoje se não descobriu mais nenhum sistema eficaz contra corsários.
Ora, em vez, dessas três armadas, que tínhamos nós?
Discute-se se o desastre da Invencível Armada nos arruinou, ou não, a marinha de guerra. A divisão portuguesa incorporada na infeliz expedição compunha-se de 9 galeões, 3 zebras, uma flotilha ligeira de 4 galeaças e algumas urcas de transporte. Que se ‘perdessem só os 3 galeões que averiguada mente se sabem perdidos, ou todos os navios, como assevera um testemunho contemporâneo, o golpe, sendo sério, não era de tal monta, que devesse privar-nos de marinha para todo o sempre…
O mal maior estaria em ser essa toda a nossa armada, ou, pelo menos, o grosso dela. Mas podíamos recompor-nos ? e recompusemo-nos. A prova é (para não falar de outros fatos) que em 1622 tínhamos uma armada chamada do Mar Oceano, modesta, apesar do nome ambidoso, pois só de 4 galeões, além de alguns barcos pequenos; que em 1626 perdíamos outra armada, esta de 6 galeões, de que só um pôde regressar a porto de salvamento, e que, em inicies de 1640, o Conde da Torre deixava destroçar nas costas do Brasil a esquadra luso-espanhola de que faziam parte 8 galeões portugueses (parece que quase tudo que tínhamos, pois em Lisboa só ficaram outros 2 galeões, que -em breve seguiram para a Corunha).
Mas o que demonstra a insuficiência manifesta da marinha de guerra é a sua absoluta incapacidade para defender a navegação mercante. E não são os Regimentos, decretos e alvarás filipinos por muito boa vontade que traduzam que podem desmentir este fato irremovível.
Que a situação é aflitiva a partir de 1640 tudo o evidencia: quer o crescendo das perdas dos barcos comerciais, quer vários outros indícios
Em 1 de dezembro’ de 1640, D. João IV encontra no Tejo 11 ou 12 navios de guerra, que apressadamente aparelha. Não seriam, decerto, galeões, mas navios. mais pequenos. Eles constituiriam o núcleo da armada de 17 velas que, em 9 de setembro, de 1641, sai de Lisboa unida a uma francesa, para atacar a frota castelhana.
Mas em 1642, de 11 navios aparelhados para ir em socorro da Terceira, só 8 logram fazer-se ao mar, e logo deles naufraga uma nau por muito pesada e em más condições de navegabilidade. Nesse mesmo ano, a 25 de junho, o rei autoriza a quaisquer navios estrangeiros o corso Contra inimigos, e logo a 16 de abril do seguinte providencia sobre armação de corsários para guardarem a costa.
São conhecidas as laboriosas negociações de estrangeiro para compra de navios, desde o começo do reinado.
As Côrtes de 1641 queimavam-se da falta de migrantes e pediam que o Cosmógrafo-mor desse escola pública e que se ensinasse a arte de marear aos meninos órfãos asilados. O rei prometia…
Prometia e desejava, sem nenhuma dúvida, reconstituir a armada
Mas, se para isso lhe faltavam navios e gente treinada (a falta artilheiros era, e seguirá sendo, particularmente sensível), o que, mais que tudo, lhe faltava eram os meios financeiros necessários..
Das três armadas precisas nunca conseguiu ter senão uma, e não famosa.
Dessa armada única (não permanente, mas em cada caso de apuro constituída e aparelhada ad hoc), houve de servir-se para todos os fins. Quando em 1644 ordena socorro a Angola, com 20 velas, manda-as passar pelo Brasil, de onde deveriam, na volta de África, comboiar até o reino a frota dos açúcares.
E a armada de Salvador Correia de Sá que partiu em fins de 1647 para o Brasil (com destino à reconquista de Luanda) e de que parte só voltou em fins de 1650, deixou a metrópole desguarnecida de defesa marítima.
Quando voltou, foi o Brasil que ficou ao desamparo.
Ora, se as perdas da marinha mercante se vinham tornando cada vez mais dolorosas depois da Restauração, em 1647, e mais ainda em 1648, são já decididamente insuportáveis.
Tivemos a boa estrela de encontrar um documento precioso,. até hoje inédito e cremos que desconhecido, que fornece os números autênticos das perdas da, massa navegação mercante para o Brasil naqueles dois anos: chegam a ser inconcebíveis. Pelos registros do. seguro se vê que por ação dos holandeses, em 1647, perdemos 108 e no ano seguinte 141 navios, ou sejam 249 em 2 anos., num tora/ de navegação de 300! Gine) sextas partes!.
Esta situação absolutamente insustentável, desorientou os governantes. As mais diversas providências, algumas contraditórias. e todas inúteis, são sucessiva ou simultaneamente propostas e tomadas.
Em 1646 ainda a gravidade dá situação se traduzia em pedidos de consulta ao Conselho Ultramarino sobre os meios. de “segurar a navegação”.
Mas agora ? manda-se a armada real ao Brasil; desguarnecendo a metrópole; encomenda-se navios em França; pede-se dinheiro emprestado aos cristãos-novos para compra de barcos na Holanda prende-se, pelo Santo Ofício, o dador do crédito, impossibilitando o negócio: convidam-se os estrangeiros a mandarem eles barcos ao Brasil em ferinos que mostram o desespero:
“Desejo (escreve D. João IV, em 24 de fevereiro de 1648, ao embaixador em França) que haja pessoas. que queiram ir ao Estado do Brasil na conformidade que assentou o Conselho Ultramarino com os mestres dos navios ingleses de que tratam. os despachos que serão em companhia desta carta, e sendo esta licença cousa tão proibida pelas leis do Reino e tão desejada pelos estranhos, veio o tempo a fazer nisto (?), e conveniente o que até agora pareceu encontrado com as utilidades desta Corda e suas Conquistas” …;proíbe-se o transporte em caravelas e susta-se de seguida a execução da ordem; vedam-se o fabrico e a navegação de navios de menos de 350 toneladas e logo se baixa o limite para 250; e, para fechar o rol das proibições, acaba por proibir-se a navegação dos açucares: e agora (6 de setembro de 1648) mandei de novo com maior aperto e geralmente ordenei que enquanto os holandeses tivessem tanto poder nos mares do Brasil se não navegassem açucares.
Um homem tinha a coragem de ver claro: o Padre Antônio Vieira.
A sua tese, ainda um tanto vaga, da restauração nacional por via do incremento mercantil, para o qual se fazia mister dar ao judeu a segurança individual no reino, porque o judeu era, aqui, e na Holanda (centro bancário e crematístico da Europa), o traficante e o capitalista, essa tese concretiza-se em 1644 na ideia prática da formação de companhias coloniais.
Diz, com o costumado desassombro e a habitual eloquência, embatendo, com o aríete duma dialética mais forense que sagrada, a opinião preconceituosa de toda-a-gente, no célebre sermão de S. Roque: “O remédio temido ou chamado perigoso são duas companhias mercantis, oriental uma, e outra ocidental, cujas frotas poderosamente armadas tragam seguras contra a Holanda as drogas da Índia e do Brasil.
E Portugal, com as mesmas drogas, tenha todos os anos cabedais necessários para sustentar a guerra interior de Castela, que não pode deixar de durar alguns. Este é o remédio por todas as suas circunstâncias, não só aprovado, mas admirado das nações mais políticas da Europa, exceta somente a portuguesa, na qual a experiência de serem mal reputados na fé alguns de seus comerciantes, não a união das pessoas mas a Mistura do dinheiro menos cristão com o católico, faz suspeitoso todo o mesmo remédio e por isso perigoso”.
Na Proposta de 1646 teima no mesmo ponto de vista e sistematiza as 3 reinvindicações dos cristãos-novos, destacando a da isenção do confisco.
Nas Razões a El-Rei é já só a isenção do confisco que defende (como quem se convenceu de que o ótimo é inimigo do bom), repete a ideia das companhias de comércio e afirma lucidamente: “Enfim, Portugal não poderá continuar a guerra presente, e muito menos a que infalivelmente havemos de ter, sem muito dinheiro; para este dinheiro não há meio mais efetivo, nem Portugal tem outro, senão o comércio; e o comércio não pode ser considerável sem a liberdade e segurança das fazendas dos mercadores”.
E, apesar da oposição do Santo Ofício, o Padre prossegue teimosamente: ganha à sua causa o embaixador em Paris, Marquês de Niza, e o embaixador em Haia, Francisco de Sousa Coutinho; Fr. Francisco de Santo Agostinho de Macedo; o teólogo Fr. Ricardo de S. Victor, que dará parecer favorável, e o próprio confessor do rei, Fr. Dionísia dos Anjos…; negaceia com os cristãos-novos, faz surgir um projeto preciso, mais modesto, mas mais factível: urna só companhia, para o Brasil, a troco da só isenção do confisco.
O afluxo de metais preciosos americanos, a multiplicação do comércio internacional, por virtude dos descobrimentos. criam em mãos da burguesia um “stock” cada vez mais acrescido de espécies monetárias, que, sobretudo nos países não católicos, libertos da interdição canônica do juro, se deseja fazer frutificar.
O maior volume de negócio, o lucro mais elevado dá-os o comércio colonial; mas este é também o que exige mais avultados capitais (demora das viagens, custo e risco do transporte, transações a crédito).
Prolifera a riqueza; cada dia surgem novos ricos; mas os colossos financeiros do século XVI, como es Fuggers, ou estão arruinados, ou as suas grandíssimas fortunas fazem já menor figura e são insuficientes para as atuais condições dó tráfico marítimo.
Os estados constituídas as nações, centralizado o poder, criada e aumentada a burocracia, multiplicados os serviços públicos, ampliada, a política internacional (diplomacia, defesa militar) veem enormemente acrescidas as suas despesas, a que urna fiscalidade defeituosa e limitada pelos privilégios mal logra prover. Não dispõem; assim, de meios financeiros para um exercício estatal do grande comércio das colônias, à maneira do exclusivo da coroa portuguesa em quinhentos.
Ora, não só os perigos da navegação são grandes por razão dos fatores naturais e da relativa pobreza dos meios técnicos; acrescem os riscos dá rivalidade e concorrência das outras nações mercantes, a abundância da pirataria, a barbárie e hostilidade dos povos indígenas com que se comercia, o poder, embora já diminuído, dos países descobridores, que ciosamente defendem o seu monopólio.
Da conjunção destes fatores surgem a necessidade e a ideia da sociedade anónima para a exploração do comércio colonial. Só ela permite ajuntar os capitais em excesso dos particulares, suprir a carência de poder Monetário do estado, realizar o negócio, obter os grandes lucros.
Os governos apoiam a nova forma de sociedade, que permite praticar, em relação a outros países, atos de rapina, inimizade e conquista, enjeitando responsabilidades.
Acrescente-se que há na Europa todo um clima de curiosidade, espanto, novidade, cobiça e ilusão à cerca das terras longínquas descobertas: lendas do bom selvagem, dos paraísos terreais, das riquezas fabulosas, dos vales de ouro ou de pedras preciosas…
Assim nascem as companhias coloniais.
E porque alguns primeiros resultados são extraordinários – lucros de centos por cento, a febre colonial sobe e alastra. As companhias tornam-se uma moda.
São, nos meados do século XVII, uma daquelas panaceias econômico-políticas com que estadistas e povos se embriagam de ande em onde tanto a governação, como a medicina, ou a arte, se fazem por vagas de gesto ou estilo, epidêmicas e quantas vezes ilusórias…¦.
Por isso os séculos XVII e XVIII viram nascer e morrer – dezenas de companhias.
Em Portugal, pondo de lado a impropriamente chamada Companhia de Lagos e as concessões individuais dos séculos XV e XVI, já os Filipes haviam feito esforços para a constituição de companhias de comércio colonial, a exemplo das estrangeiras, sobretudo das holandesas, mas a razão fosse, principalmente, a de obviar à fraqueza e penúria do Estado, que buscava aliviar-se de algumas cargas, sem perder os correspondentes benefícios.
Da tentativa de urna Companhia para as índias Orientais, em 1587, não há mais que vestígios.
Em 1621 falha o plano de Duarte Gomes de Solis de uma Companhia para o Brasil.
Em 1619, e de novo em 1624, volta-se à ideia de Companhia para o comércio da índia; chega a ser aprovado o Regimento, em 1628, mas o único resultado visível do projeto parece terem sido alguns empréstimos extorquidos pela rei à Câmara de Lisboa, para aparelhamento de navios, à conta do capitão com que subscrevia…
O grande entusiasta das Companhias em Portugal foi, porém, o Padre Antônio Vieira, que, além dos esforços, já referidos, para a criação das companhias do Brasil e da índia, lançava em carta de 22 de junho da 1648 para o Marquês de Niza, o projeto de uma companhia luso-franco-sueca para a exploração do nosso comércio colonial -e- ideia audaciosa, extravagante e tão arriscada que D. João IV logo mandou pôr pedra sobre o assunto antes que dele chegasse vento aos holandeses, contra quem se dirigia.
Até então sempre D. João IV apesar do crédito e audiência deferentissirnos, excepcionais, que o Padre indefectivelmente lhe mereceu resistira às sugestões de Vieira (e Deus sabe como este diabo de homem, genial e verboso, era aliciante e convincente).
Pelo Santo Oficio era manifesta a sua estima. Na questão da primazia das maças do mercado de Évcra cortara cerce o pleito que parecia de mera disciplina e jurisdição eclesiástica dando, de ciência certa e poder absoluto, razão aos domínicos, e !ameaçando a Sociedade, se persistisse em impetrar breve do Papa a seu favor, de que se haveria de arrepender, pois ele, Rei, faria sobre isso “a maior demonstração que pode ser imaginada”.
Aos pedidos formulados em Côrtes contra os judeus não fornecera, é verdade, mais que respostas algo evasivas, como notou Lúcio de Azevedo; mas essas eram de regra, como se vê em muitos outros casos: o Rei evita comprometer-se, ou submeter-se. Mas, não só não. derrogou nenhuma das disposições legais então em vigor limitativas dós direitos civis e políticos da gente da nação (e, porque em vigor, não havia lugar a promulgar outras, dizia ele às Côrtes), como, sem embargo, voltou e. legislar confirmando algumas das antigas leis. Assim, por decreto de 26 de dezembro de 1642, manda observar a proibição (de 1614) de casamentos entre nobres e cristãos-novos.
E dessa atitude ánti-judaica do monarca [para cuja ascensão ao trono, contudo, os hebreus haviam também contribuido I, é bem explícita amostra a carta de 31 de agosto de 1647 em que, ao seu agente em Roma, agradecendo-lhe ter impedido a provisão de algumas conesias de, Portugal em pessoas da nação, encarece: “… serão poucos os negócios deste Reino, que irão a essa Cúria, que tenha por de mais importância que este”.
Sabido e, demais, que, embora os judeus o houvessem salvo, mais de urna vez, de graves apuros de dinheiro, deixou (é certo que não lhe seria fácil impedi-lo) que os inquisidores deitas-‘ sem a mão ao riquíssimo Duarte da Silva, que acabava de abrir-lhe, na Holanda, um crédito de 100.000 cruzados para compra de barcos de guerra.
Subitamente, porém, a atitude do rei muda.
Em 1647 enviara ao Santo Ofício, para consulta, como era regular, o memorial dos hebreus, que Vieira apoiara nas Razões a O Santo Ofício respondera opondo-se, como seria de esperar. E o negócio murchara.
Mas a 6 de setembro dè 1.648 o Rei escreve ao seu embaixador em França uma carta em que diz: “Os moradores de Pernambuco tiveram tanta indústria que’ fizeram por seus procuradores um assento com os mais grossos homens de negócio desta praça em que eles se obrigam a prover com 12 navios de força continuadamente pelo decurso de tempo de 4 em 4 cada 4 meses, ou de 6 em 6 cada 6 meses, as capitanias do norte de mantimentos, munições, roupas e tudo o necessário para a vida humana, dando-lhes es moradores das mesmas capitanias o pagamento em açúcares e pau, com preço certo a cada causa, à semelhança, do que se usa nos lugares de África, com” que ‘se entende aqui ficam – aqueles homens socorridos de maneira que poderão suportar por mais tempo a guerra; desejei impor-lhes esta conveniência por me livrar das queixas da companhia e consequentemente dos estados, porém, demais de o não permitirem as leis da conveniência e da razão, tive por certo que o sofre o reino muito mal por ser todo tão interessado no Brasil, como sabeis. ..”
É sabido como, restaurada a independência., Portugal busca apoio internacional, com grandes e nem sempre justificadas esperanças.
Com a Holanda são particularmente difíceis as relações, porque, se a Holanda está em guerra com a Espanha o que dela faria nossa natural aliada está também demasiado interessada nos nossos império e comércio coloniais…¦
Em 1643 enviara D. João VI,à Haia, como embaixador ordinário, Francisco de Sousa Cantinho, com instruções para negociar uma paz perpétua e obter a devolução ‘dos territórios que os holandeses não haviam tomado.
Arrastam-se as negociações por meses e anos.
Em 1645 a situação era esta: uma parte, as duas Companhias holandesas haviam obtido (em março de 1647) a renovação das suas concessões por mais 25 anos; a paz entre a Holanda e a Espanha, assinada em 30 de janeiro, foi proclamada em 5 de junho: eram apresados navios portugueses com valiosos carregamentos de açúcar; o que tudo levava Sousa Coutinho e o Pe. Antônio Vieira a aconselhar, e o Rei a pretender aceitar, uma paz em que cedíamos Pernambuco e Luanda.
Doutra parte, porém, os colonos do Brasil (secretamente ajudados pelo governo português) atacavam vitoriosamente os holandeses; e Salvador Correia de Sá partira à reconquista de Angola, que realmente efetuou, expulsando os holandeses de Luanda em agosto de 1648; e estes fatos, e o forte sentimento nacional que se opunha ao abandono dos colonos e de qualquer parcela do Brasil, levaram os vários Conselhos, consultados, a repudiar o projeto, e D. João IV a, perante tal, o rejeitar.
Se até, então, pais, o Rei evitava tudo que pudesse, ao menos ostensivamente, agravar a Holanda e impedir ou dificultar a paz, agora, perdida a esperança imediata desta, o que se impunha era. jogando o todo pelo todo, tomar uma atitude enérgica de defesa do comércio brasileiro.
Antônio, Vieira, que coadjuvara Coutinho nas negociações e aconselhava o Rei, advogara calorosamente, em outubro e novembro de 1648, a paz, ainda com entrega de Pernambuco; fizera-o mesmo, com a habitual veemência, num arrazoado de tão convincente dialética que mereceu o titulo de Papel forte; mas quando viu que D. João IV se submetia à opinião pública, a sua incansável imaginação partiu logo fogosamente noutro sentido, retornando duas das suas velhas quimeras: a isenção dos judeus das garras do fisco inquisitorial e a formação duma companhia colonial.
Fonte: EncBrasil/www.conhecimentosgerais.com.br/www.artigonal.com/geocities.yahoo.com.br
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