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Immanuel Kant, filósofo prussiano e um dos maiores representantes do Século das Luzes, funda a moralidade na razão prática, responsável pelo estabelecimento das leis universais do agir. Leis essas que, por serem universais, devem ser comuns a todos independentemente do grau de distinção social do indivíduo ou da posição que este ocupa.
Em outras palavras, se quisermos inquirir se uma ação foi boa ou má não devemos recorrer ao exame das motivações que levaram o sujeito a cometer tal ato como propunha grande parte da ética tradicional, mas antes devemos recorrer à própria razão: fonte da ética e da moralidade humana. Desse modo, o agir moral transcende às motivações externas ao sujeito, subordinando-se apenas aos imperativos da razão.
Em seu pensamento moral destaca-se a noção de dever que fundamentará a ação moral humana. Em outras palavras, o filósofo propõe uma metafísica dos costumes: objeto de análise deste texto.
Dentro do empreendimento filosófico kantiano destacam-se quatro obras de fundamental importância para entendermos a sua noção de moral: Fundamentação da Metafísica dos Costumes – 1785;Crítica da Razão Prática – 1788;Crítica da Faculdade de Julgar – 1790;A Paz Perpétua: Um Projeto Filosófico – 1795.
Existem, a ver de Kant, dois tipos de imperativo: Categórico e Hipotético. Esse, vê na ordem uma condição prévia, um meio para obtenção de algo. Exemplo, se queres amar, ame! Ao passo que o imperativo Categórico, diferentemente do hipotético, determina de maneira absoluta uma ação, sem exigir nenhuma condição prévia para a sua realização, mas necessária por si mesma. A exemplo: Não matarás!Não roubarás!
Em seu imperativo categórico, lemos o seguinte:“Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”. Desse modo, uma ação moralmente correta será aquela que for universalmente válida, ou seja, aceitável sem distinção de nível hierárquico a todos os seres racionais no passado, presente e futuro.
O cumprimento às normas sociais, a título de exemplo, não se daria por medo de repressão da força estatal, ou ainda porque o indivíduo é condescendente com um estado forte, centralizador, totalitário, mas antes cumpriria as normas sociais simplesmente baseando-se no princípio do dever pelo dever, ausente de intencionalidade prévia, pois inexiste qualquer motivação que não seja a consciência moral.
No limite, tem-se uma moralidade que transcende a toda forma de condicionamento seja ele religioso, civil, ideológico, histórico, etc. Sendo assim, o cumprimento do dever não se resume ao cumprimento normativo das leis, pois se assim fosse o motorista que não atravessa o sinal vermelho por medo de ser multado pela agência reguladora de trânsito teria uma ação que pudesse ser universalizada, mas a ver de Kant não é tão simples assim.
Para ser moralmente correta uma ação, isto é, ser valorada como boa/moral e por consequência puder ser universalizada, faz-se necessário que a ação seja desinteressada, pautada pura e simplesmente no dever pelo dever.
Crítica Nietzschiana ao Imperativo Categórico
Numa das críticas dirigidas a Immanuel Kant, Nietzsche afirma em sua Genealogia da Moral: “o imperativo categórico cheira a crueldade”. Sob a ótica nietzschiana, esse odor sanguinolento é resultado dos penosos custos advindos com a aquisição da “suprema” razão que se alastrara semelhante a uma epidemia, acabando por degradar a condição humana reduzindo-a ao instinto de rebanho, obrigando-a a agir de modo uniforme e propagar os “privilégios” de tal submissão.
Consciente das incisivas críticas de Nietzsche ao imperativo moral kantiano, Oliveira, numa tentativa de “salvá-lo” o redefine nos seguintes termos: “age de tal modo que tua ação nunca se torne um valor absoluto”. Nessa paráfrase, o advérbio nunca, assume o protagonismo na reelaboração de um imperativo categórico que soe, por vezes, mais nietzschiano.
Essa crítica de Nietzsche à mora universal kantiana é exposta no texto de 1888, dedicado aos homens raros, O Anticristo, sintetizando sua posição quanto ao imperativo kantiano nos seguintes termos:
“A “virtude”, o “dever”, o “bem em si”, a bondade fundamentada na impessoalidade ou na noção de validade universal – são todas quimeras, e nelas apenas encontra-se a expressão da decadência, o ultimo colapso vital, o espírito chinês de Konigsberg. Exatamente o contrário é exigido pelas mais profundas leis da autopreservação e do crescimento: que cada homem crie sua própria virtude, seu próprio imperativo categórico. Uma nação se reduz a ruínas quando confunde seu dever com o conceito universal de dever. Nada conduz a um desastre mais cabal e pungente que todo dever “impessoal”, todo sacrifício ao Moloch” (NIETZSCHE: AC XI).
Fábio Guimarães de Castro
Referências Bibliográficas
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzido por Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
NIETZSCHE, F. Nietzsche. Obras Incompletas. Coleção “Os Pensadores”. Trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
OLIVEIRA,Érico Andrade M. de. A crítica de Nietzsche à moral kantiana: por um moral mínima. Cadernos Nietzsche, nº 27, 2010.
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