Fé e Razão

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É antiga a discussão entre fé e razão e no decorrer da história da filosofia são inúmeros os filósofos que se propuseram a pensar essa relação ora legitimando uma complementaridade (compatibilistas) ora uma polarização (incompatibilistas). A intenção deste texto é justamente pensarmos as possíveis respostas que foram dadas por alguns filósofos.

Dentre os que se propuseram a pensar a relação entre fé e razão cumpre citar os seguintes filósofos: Boécio, Agostinho, Escoto de Eriúgena, Anselmo de Aosta, Pedro Abelardo, Alberto Magno, Moisés Maimônidas, Tomás de Aquino, São Boaventura, Duns Escoto, Guilherme de Ockham, Mestre Eckhart, dentre outros haja vista a lista ser imensa tanto quanto são diversas as suas posições quanto à relação estabelecida entre fé e razão/ filosofia e teologia.

Em Agostinho de Hypona(354-430 EC), o mais importante filósofo do início da Medievalidade, tem-se uma interação entre fé e razão eternizada na célebre frase: “compreender para crer, crê para compreender”, uma referência clara ao preceito bíblico do profeta Isaías 7,9. Em outras palavras, convida-nos para além de uma mera polarização a unir a fé e a razão na compreensão da vida. Uma espécie de “filosofar na fé” pelo qual a fé estimularia a reflexão racional e vice-versa numa relação de complementaridade. Nesse sentido, a dissociação entre crença e intelectualidade não ganha espaço na reflexão agostiniana, mas antes se complementam para garantir o desenvolvimento pleno da fé e da razão, possibilitando pensarmos uma Filosofia Cristã.

Fé e Razão

Outro filósofo de extrema importância para o debate fé e razão foi o filósofo e teólogo italiano Tomás de Aquino, representante máximo da Escolástica medieval, que defende uma unidade entre a razão e a fé, haja vista ambas objetivarem a busca da verdade, inviabilizando uma contraposição entre Teologia e Filosofia uma vez que ambas teriam campos de atuação e métodos de compreensão da realidade distintos, porém, nunca contraditórios e constituiriam a totalidade da verdade que é, em última instância, única.

Todavia, como nem tudo são flores, houve posições contrárias à união entre Filosofia e Teologia/ fé e razão e um exemplo bastante conhecido é o do cartaginense Quinto Setímio Florente Tertuliano que empreendeu o seu filosofar na tentativa de combater a importância da Filosofia/razão no caminho da fé. A seu ver, o pensamento racional longe de ser uma contribuição benéfica para se chegar às verdades de fé (como pensava Tomás de Aquino, Agostinho) seria antes um obstáculo, uma blasfêmia ao caminho da salvação. Destarte, para o autêntico cristão, a fé bastaria tornando-se dispensável toda e qualquer Filosofia.

Embora o pensamento de Tertuliano date da segunda metade do século II, há reverberações de seu pensamento ainda hoje, no século XXI, nas falas e discursos de muitos religiosos que entendem que a fé basta, não sendo necessário o desenvolvimento do intelecto para a compreensão dos fenômenos que se apresentam ao humano quer sejam eles divinos ou não. Entretanto, como bem assinala Reale, independentemente da posição de Tertuliano quanto à importância da Filosofia cumpre ressaltar o seu mérito na elaboração da primeira linguagem da teologia latino-cristã e denúncia dos erros da heresia gnóstica.

Fé e Razão na Música

“O mérito é todo dos santos / O erro e o pecado são meus / Mas onde está nossa vontade / Se tudo é vontade de Deus / Apenas não sei ler direito / A lógica da criação / O que vem depois do infinito / E antes da tal explosão / Por que que o tal ser humano / Já nasce sabendo do fim / E a morte transforma em engano / As flores do seu jardim […] Se é ele que cria o destino / Eu não entendi a equação / Se Deus criou o desejo / Por que que é pecado o prazer […] Porque se existe outra vida […] Não mostra pra gente de vez / Por que que nos deixa nos escuro / Se a luz ele mesmo que fez / Por que me fez tão errado / Se dele vem a perfeição / Sabendo ali quieto, calado / Que eu ia criar confusão / E a mim que sou tão descuidado / Não resta mais nada a fazer / Apenas dizer que não entendo / Meu Deus como eu amo você” A Lógica da Criação – Oswaldo Montenegro.

Nesta música Montenegro questiona, filosoficamente, a suposta lógica da criação defendida pela teoria criacionista. Nela vemos claramente o conflito entre a fé e a razão na consciência do eu-lírico que não entende a incompatibilidade entre a pressuposta onipotência de Deus e a existência de tantos desencontros que vão na contramão da suposta lógica da criação.

Crítica semelhante à de Montenegro, na filosofia, encontramos em Epicuro que vê a incompatibilidade entre a onipotência divina e a existência do mal no mundo. Tal pensamento é magistralmente arquitetado sob os seguintes termos:

“Deus ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou ainda não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem mesmo é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede?”– Epicuro.

Fábio Guimarães de Castro

Referências Bibliográficas

ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia (vol. I). 8. ed. São Paulo: Paulus, 2007.

CLIPE: A Lógica da Criação: https://www.youtube.com/watch?v=vKvTOPZmSiY

EPICURO. Antologia de Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção os Pensadores.

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