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Uma das escolas filosóficas do helenismo, o ceticismo, é caracterizado por uma crítica ao dogmatismo e negação da relação epistemológica objetiva entre sujeito e objeto de conhecimento. Em outros termos, o cético rejeita a possibilidade de alguém conhecer efetivamente a algo.
Dessa forma, as grandes perguntas que por milênios abalaram o imaginário das civilizações na busca de uma resposta ficariam à deriva, inviáveis de solução haja vista a impossibilidade de qualquer ser, por mais superdotado que seja intelectualmente, estabelecer de forma efetiva a conexão entre sujeito e objeto inviabilizando a verdade, o conhecimento.
Seu idealizador foi o filósofo grego Pirro de Élida (365 – 275 a. C.) que, semelhante a outros filósofos, não deixou nada escrito, tendo seu pensamento chegado a nós por meio dos registros de seu discípulo Tímon de Fliunte, indispensável na sistematização e propagação do pirronismo, outro nome atribuído ao ceticismo, como bem assinala Giovanni Reale e Dario Antiseri em seu História da Filosofia.
Dentre os filósofos representantes da corrente filosófica cética, além do já mencionado cumpre citar: Arcesilau eCarnéades (ceticismo acadêmico), Enesídemo (ceticismo teórico) e por fim Saturnino e Sexto Empírico (ceticismo empírico).
Dentre as vertentes do ceticismo cumpre focar o absoluto e o relativo. O ceticismo absoluto nega a possibilidade de qualquer conhecimento: seja ele de ordem moral, religiosa, política ou teórico-diversa. E isso implica em consequências profundas na relação homem e natureza circundante bem como na relação afetivo-intelectual que a humanidade teve desde os primórdios e continua a ter com os supostos conhecimentos de si, do outro, do cosmos e sua estrutura e leis naturais tornados agora frutos de um erro metodológico que pressupunha alcançar a verdade inexistente. O representante máximo dessa vertente do ceticismo foi o filósofo Pirro que estabelece uma relação entre a suspensão do juízo (epoché) e a imperturbabilidade do espírito (ataraxia) em oposição clara ao dogmatismo.
O ceticismo relativo nega apenas a possibilidade de alcançar o conhecimento de entes metafísicos semelhante ao protagonizado pelo filósofo escocês David Hume em que o conhecimento só se dá através da constatação empírica, ou seja, por meio dos órgãos dos sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato).
Desse modo, na visão dele, algumas pessoas desprovidas de alguns dos sentidos, cegos ou surdos de nascença não terão uma ideia que corresponda ao conhecimento sobre os sons e cores, visto que, o conhecimento divide-se em impressões que tanto os sentidos internos quanto os externos fornecem.
Na modernidade, pensando o dualismo substancial, e objetivando ratifica-lo, René Descartes exara a possibilidade de se pôr praticamente qualquer coisa em dúvida, ainda que esse algo seja a existência material de seu corpo e suas materialidades circundantes. Isso se efetiva, pois o filósofo francês acreditava na viabilidade do denominado argumento do sonho segundo o qual “O que me ocorre em vigília também pode ocorrer em sonho”.
Possibilitando-lhe estar absorto em um sonho dogmático-enganador capaz de alterar-lhe os sentidos de modo a torná-lo incapaz de exarar certezas sobre qualquer realidade corpórea ou incorpórea. Destarte, graças à virulência de sua argumentação dubitativa, o filósofo inaugura uma problemática cética própria, que se articula essencialmente em torno da questão da existência do mundo exterior, e justifica plenamente o uso da expressão “ceticismo metódico-cartesiano” em contraposição ao “ceticismo antigo”.
Além de sua expressividade na Filosofia, o ceticismo pode ser encontrado na Literatura de Augusto dos Anjos que o expressa, de forma poética,em “Ceticismo”, nos seguintes termos:
“Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo” […].
Nessa estrofe, o poeta pré-modernista nos apresenta o eu-lírico volvido pela dúvida, pela indagação existencial que ao fragilizá-lo diante da enorme quantidade de certezas que outrora provavelmente possuía e que agora, após a descida ao “tenebroso abismo”, o conduz ao ceticismo, isto é, à eterna dúvida sobre tudo o que antes parecia ter algum estatuto dogmático.
Seja em sua expressão radical (ceticismo absoluto) ou moderada (ceticismo relativo/metafísico), encontrados tanto na Antiguidade Grega quanto na Modernidade filosófica e literária o ceticismo foi fundamental para que, enquanto humanidade, questionássemos os limites da razão humana na apreensão das realidades cognoscentes. E com isso avançássemos na construção do conhecimento que precisa sim passar pela dúvida, pelo questionamento, até chegar ou não ao seu caráter indubitável.
Fábio Guimarães de Castro
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