Capoeira Angola

Origem Histórica

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A Capoeira Angola é um dos traço da manifestação da Africa Bantu no Brasil.

Ela conserva sua essência no N’golo, ritual de passagem a vida adulta, onde as jovens são disputadas entre os jovens gurreiros das tripos e quem melhor se sobresair cabe o direito de escolher sua esposa dentre as jovens sem o pagamento do dote matrimonial.

A palavra Capoeira é de origem Tupi Guarani (indígena) significa um tipo de preparo do solo para o replantio (mato cortado rente ao solo) onde os negros ali se encontravam para prática do N’golo devido a obcessão do regimento escravista desenvolvia a alma física como instrumento de libertação.

Capoeira Angola

Caracterização da Capoeira Angola

O Capoeirista Angoleiro busca compor seus movimentos com os movimentos do seu adversário, visando tornar o jogo coesco, como ume unidade. O seu senso estético lhe direciona à obtenção de uma sintonia eurrítmica usando movimentos expressivos, variados e ao mesmo tempo funcionais. A movimentação dos jogadores, visivelmente inspiradas em movimentos de animais silvestres, oferece uma grande liberdade e variedade de recursos aplicáveis às diversas situações do jogo que se desenvolve como uma trama, com diferentes passagens. O Capoeirista demonstra sua superioridade no espaço da roda, levando o adversário à confusão com perigo e a complexidade dos seus movimentos.

Naturalmente afloram dos jogadores inúmeras faces de temperamento humano: o medo, a alegria, a raiva, o orgulho, a compaixão, a indiferença e outros sentimentos que tormentam a intriga, exigindo o controle psicológico dos adversários num jogo de estratégia, em que as peças a serem movimentadas são as partes do própio corpo. Os capoeristas devem harmonizar o clima do jogo com o momento da roda, ou seja, jogar de acordo com o toque e o retorno que está sendo tocado pela orquestra, com o sentimento dos versos que estão sendo entoados pelo puxador e pelo côro.

Sagacidade, autoconfiança, lealdade, humildade, elegância são alguns dos fatores subjetivos que qualificam o Capoeirista Angoleiro, herdadas dos antigos praticantes do N’golo. O ser capoerista exige perfeito domínio da cultura, das tradições e do jogo, o toque dos intrumentos e o cantos das músicas.

Pastinha: o mestre da Capoeira Angola

Vicente Ferreira Pastinha. Nascido em 1889, dizia não ter aprendido a Capoeira em escola, mas “com a sorte”. Afinal, foi o destino o responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto.

Em depoimento prestado no ano de 1967, no Museu da Imagem e do Som, mestre Pastinha relatou a história da sua vida: “Quando eu tinha uns dez anos – eu era franzininho – um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua – ir na venda fazer compra, por exemplo – e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza (…)”

A vida iria dar ao moleque Pastinha a oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa existência.

“Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. ‘Vem cá, meu filho’, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui (…)”

Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da cultura africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor.

“Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (…). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito (…).

‘Aos doze anos, em 1902, eu fui para a Escola de Aprendiz de Marinheiro. Lá ensinei Capoeira para os colegas. Todos me chamavam de 110. Saí da Marinha com 20 anos (…). Vida dura, difícil. Por causa de coisas de gente moça e pobre, tive algumas vezes a Polícia em cima de mim. Barulho de rua, presepada. Quando tentavam me pegar eu lembrava de mestre Benedito e me defendia. Eles sabiam que eu jogava Capoeira, então queriam me desmoralizar na frente do povo. Por isso, bati alguma vez em polícia desabusado, mas por defesa de minha moral e de meu corpo(…). Naquele tempo, de 1910 a 1920, o jogo era livre.

‘Passei a tomar conta de uma casa de jogo. Para manter a ordem. Mas, mesmo sendo capoeirista, eu não me descuidava de um facãozinho de doze polegadas e de dois cortes que sempre trazia comigo. Jogador profissional daquele tempo andava sempre armado. Assim, quem estava no meio deles sem nenhuma arma bancava o besta. Vi muita arruaça, algum sangue, mas não gosto de contar casos de briga minha. Bem, mas só trabalhava quando minha arte negava sustento.

Além do jogo trabalhei de engraxate, vendia gazeta, fiz garimpo, ajudei a construir o porto de Salvador. Tudo passageiro, sempre quis viver de minha arte. Minha arte é ser pintor, artista (…).”

O ritmo da sua vida foi alterado quando um ex-aluno o levou para apresentar aos mestres que faziam uma roda de Capoeira tradicional, na Ladeira da Pedra, no bairro da Gingibirra, em Salvador, no ano de 1941.

“Na roda só tinha mestre. O mais mestre dos mestres era Amorzinho, um guarda civil. No apertar da mão me ofereceu tomar conta de uma academia. Eu dei uma negativa, mas os mestres todos insistiram. Confirmavam que eu era o melhor para dirigir a Academia e conservar pelo tempo a Capoeira de Angola.”

Foi na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se.

“Mas tem muita história sobre o começo da Capoeira que ninguém sabe se é verdadeira ou não. A do jogo da zebra é uma. Diz que em Angola, há muito tempo, séculos mesmo, fazia-se uma festa todo ano em homenagem às meninas que ficavam moças. Primeiros elas eram operadas pelos sacerdotes, ficando igual, assim, com as mulheres casadas. Depois, enquanto o povo cantava, os homens lutavam do jeito que fazem as zebras, dando marradas e coices.

Os vencedores tinham como prêmio escolher as moças mais bonitas (…). Bem, mas de uma coisa ninguém duvida: foram os negros trazidos de Angola que ensinaram Capoeira pra nós. Pode ser até que fosse bem diferente dessa luta que esses dois homens estão mostrando agora. Me contaram que tem coisa escrita provando isso.

Acredito. Tudo muda. Mas a que a gente chama da Capoeira de Angola, a que aprendi, não deixei mudar aqui na Academia. Essa tem pelo menos 78 anos. E vai passar dos 100, porque meus discípulos zelam por mim. Os olhos deles agora são os meus. Eles sabem que devem continuar. Sabem que a luta serve para defender o homem (…). Saem daqui sabendo tudo, sabendo que a luta é muito maliciosa e cheia de manhas. Que a gente tem de ser calmo. Que não é uma luta atacante, ela espera. Capoeirista bom tem obrigação de chorar no pé do seu agressor. Está chorando, mas os olhos e o espírito estão ativos.

Capoeirista não gosta de abraço e aperto de mão. Melhor desconfiar sempre das delicadezas. Capoeirista não dobra uma esquina de peito aberto. Tem de tomar dois ou três passos à esquerda ou à direita para observar o inimigo. Não entra pela porta de uma casa onde tem corredor escuro. Ou tem com o que alumiar os esconderijos da sombra ou não entra. Se está na rua e vê que está sendo olhado, disfarça, se volta rasteiro e repara de novo no camarada. Bem, se está olhando ainda, é inimigo e o capoeirista se prepara para o que der e vier (…).”

Os conceitos do mestre Pastinha formaram seguidores em todo o país. A originalidade do método de ensino, a prática do jogo enquanto expressão artística formaram uma escola que privilegia o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade.

“Capoeira de Angola só pode ser ensinada sem forçar a naturalidade da pessoa, o negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada qual. Ninguém luta do meu jeito mas no jeito deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é cada um (…). Não se pode esquecer do berimbau. Berimbau é o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração e ginga ao corpo da gente. O conjunto da percussão com o berimbau não é arranjo moderno não, é coisa dos princípios.

Bom capoeirista, além de jogar, deve saber tocar berimbau e cantar. E jogar precisa ser jogado sem sujar a roupa, sem tocar no chão com o corpo. Quando eu jogo, até pensam que o velho está bêbado, porque fico todo mole e desengonçado, parecendo que vou cair. Mas ninguém ainda me botou no chão, nem vai botar (…)”

Vicente Ferreira Pastinha se calou no ano de 1981. Durante décadas dedicou-se ao ensino da Capoeira. Mesmo completamente cego, não deixava seus discípulos. E continua vivo nos capoeiras, nas rodas, nas cantigas, no jogo.

“Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento: ‘Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista’

Fonte: capoeira_regional.vilabol.uol.com.br

Capoeira Angola

Há uma grande controvérsia em torno da Capoeira Angola, o que faz com que este seja um dos mais difíceis, senão o mais difícil tema para se discutir na capoeira. Muitos capoeiristas ainda acreditam que a Angola é simplesmente uma capoeira jogada mais lentamente, menos agressiva e com golpes mais baixos, com maior utilização do apoio das mãos no chão. Outros explicam que ela contém o que há de essencial da filosofia da capoeira.

Há ainda aqueles que, mais radicais, chegam a afirmar que a Capoeira Angola foi completamente superada na história dessa arte-luta pelas técnicas mais modernas, que seriam mais eficientes e adequadas aos tempos atuais, dizendo que é mero saudosismo querer recuperar as tradições da Angola.

Para que se possa compreender a questão, algumas perguntas devem ser respondidas: A Angola é um “estilo” de capoeira, da mesma forma que há vários estilos de caratê, com técnicas bastante distintas entre si? Todo capoeirista deve optar entre ser um “angoleiro” ou um praticante da Capoeira Regional, criada por Mestre Bimba por volta de 1930? Seria possível jogar a Capoeira Angola de maneira idêntica àquela jogada pelos velhos mestres, que tiveram o seu auge no começo deste século? E, ainda: é possível, nos dias de hoje, traçar uma rigorosa separação entre as principais escolas da capoeira, Angola e Regional?

De uma maneira geral, a Angola é vista como a capoeira antiga, anterior à criação da Capoeira Regional. Dessa forma, a distinção Angola/Regional é muitas vezes entendida como uma separação nestes termos: capoeira “antiga”/capoeira “moderna”.

No entanto, a questão não é tão simples assim, uma vez que não houve simplesmente uma superação da Angola pela Regional. Além disso, defender hoje em dia a prática da Capoeira Angola não é apenas querer voltar ao passado, mas buscar na capoeira uma visão de mundo que questionou, desde o princípio, o conceito de eficiência e diversos padrões da cultura urbano-ocidental. Quando a Regional surgiu, já existia uma tradição consolidada na capoeira, principalmente nas rodas de rua do Rio de Janeiro e da Bahia.

Depoimentos obtidos junto aos velhos mestres da capoeira da Bahia lembram nomes importantíssimos na história da luta, como Traíra, Cobrinha Verde, Onça Preta, Pivô, Nagé, Samuel Preto, Daniel Noronha, Geraldo Chapeleiro, Totonho de Maré, Juvenal, Canário Pardo, Aberrê, Livino, Antônio Diabo, Bilusca, Cabelo Bom e outros.

São inúmeras as cantigas que lembram os nomes e as proezas destes capoeiristas, mantendo-os vivos na memória coletiva da capoeira. Um capoeirista de grande destaque entre os que defendiam a escola tradicional foi Mestre Waldemar da Liberdade, falecido em 1990.

Em 1940, Mestre Waldemar já conduzia a roda de capoeira que viria a ser o mais importante ponto de encontro dos capoeiristas de Salvador, aos domingos, na Liberdade. Infelizmente, na sua velhice Mestre Waldemar não teve o reconhecimento que merecia, e não foram muitos os capoeiristas mais jovens que tiveram a honra de conhecê-lo e ouvi-lo contar suas histórias. Morreu na pobreza, como outros capoeiristas célebres, como Mestre Pastinha.

Alguns dos frequentadores das famosas rodas de capoeira tradicional de Salvador ainda dão sua contribuição ao desenvolvimento desta arte-luta, ministrando cursos, palestras e, em alguns casos, apesar da avançada idade, ensinando capoeira regularmente em instituições, principalmente em Salvador, e alguns no exterior.

Conforme foi salientado anteriormente, com o aparecimento de Mestre Bimba, iniciou-se a divisão do universo da capoeira em duas partes, em que uns se voltaram para a preservação das tradições e outros procuraram desenvolver uma capoeira mais rápida e direcionada para o combate.

Como nos informaram os velhos mestres da capoeira baiana, a expressão Capoeira Angola ou Capoeira de Angola somente surgiu após a criação da Regional, com o objetivo de se estabelecer uma designação diferente entre esta e a capoeira tradicional, já amplamente difundida. Até então não se fazia necessária a diferenciação, e o jogo se chamava simplesmente capoeira.

Sabemos que o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba mudou os rumos da capoeira, no entanto, muitos foram os capoeiristas que se preocuparam em mostrar que a Angola não precisaria sofrer modificações técnicas, pois já continha elementos para uma eficaz defesa pessoal. Após o surgimento da Regional, portanto, iniciou-se uma polarização na capoeira baiana, opondo angoleiros e discípulos de Mestre Bimba. A cisão ficou mais intensa a partir da fundação, em 1941, do Centro Esportivo de Capoeira Angola em Salvador, sob a liderança daquele que é reconhecido como o mais importante representante desta escola, o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981).

O escritor Jorge Amado descreveu este capoeirista como “um mulato pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. (…) Os adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou colegas de Pastinha, e ele os vence a todos e jamais se cansa, jamais perde o fôlego” (Jorge Amado, Bahia de Todos os Santos, 1966:209).

Talvez pelo fato de a Capoeira Regional ter se expandido amplamente pelo Brasil, principalmente como uma modalidade de luta, passou-se a difundir a idéia de que a Angola não dispunha de recursos para o enfrentamento, afirmando-se ainda que as antigas rodas de capoeira, anteriores a Mestre Bimba, não apresentavam situações reais de combate. Porém, os velhos mestres fazem questão de afirmar que estes ocorriam de uma forma diferente da atual, em que os lutadores se valiam mais da agilidade e da malícia – ou da “mandinga”, como se diz na capoeira – do que da força propriamente dita.

Mestre Pastinha, em seu livro Capoeira Angola, afirma que “sem dúvida, a Capoeira Angola se assemelha a uma graciosa dança onde a ‘ginga’ maliciosa mostra a extraordinária flexibilidade dos capoeiristas.

Mas, Capoeira Angola é, antes de tudo, luta e luta violenta” (Pastinha,1964:28). Sendo uma prática comum no cotidiano dos anos 30, a capoeira não exigia de seus praticantes nenhuma indumentária especial. O praticante entrava no jogo calçado e com a roupa do dia-a-dia. Nas rodas mais tradicionais, aos domingos, alguns dos capoeiristas mais destacados faziam questão de se apresentar trajando refinados ternos de linho branco, como era comum até meados deste século.

Além disso, é importante observar que tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorria de maneira vivencial, isto é, de forma espontânea, sem qualquer preocupação metodológica. Os mais novos aprendiam com os capoeiristas mais experimentados diretamente, com a participação na roda.

Embora já em 1932 tenha sido fundada por Mestre Bimba a primeira academia de capoeira, o aprendizado informal desta arte-luta nas ruas das cidades brasileiras predominou até meados da década de 50. Atualmente, a maior parte dos capoeiristas refere-se à Angola como uma das formas de se jogar a capoeira, não propriamente como um estilo metodizado de capoeira.

Para os não iniciados nesta luta, é importante lembrar que a velocidade e outras características do jogo da capoeira estão diretamente relacionados com o tipo de “toque” executado pelo berimbau. Entre vários outros, existe aquele denominado toque de Angola, que tem a característica de ser lento e compassado. Dessa forma, “jogar Angola” consiste, na maioria dos casos, em jogar capoeira ao som do toque de Angola.

Este cenário, no entanto, vem mudando, com a enorme proliferação de escolas de capoeira Angola, que realizam um sério trabalho de recuperação dos fundamentos dessa modalidade. Dessa forma, a maior parte das academias e associações de capoeira do Brasil, ao realizarem suas rodas, têm o hábito de dedicar algum tempo ao jogo de Angola, que nem sempre corresponde àquilo que os antigos capoeiristas denominavam Capoeira Angola.

Atualmente, o jogo de Angola caracteriza-se por uma grande utilização das mãos como apoio no chão, e pela execução de golpes de pouca eficiência combativa, mais baixos e mais lentos, realizados com um maior efeito estético pela exploração do equilíbrio e da flexibilidade do capoeirista.

De fato, seria tarefa muito difícil reproduzir detalhadamente as movimentações e os rituais da antiga capoeira, mesmo porque ela, como qualquer instituição cultural, tem sofrido modificações ao longo de sua história. No entanto, estamos vivendo, há alguns anos, uma intensa preocupação de recuperação do saber ancestral da capoeira, através do contato com os velhos mestres.

Este fato demonstra uma saudável preocupação da comunidade da capoeira com a preservação de suas raízes históricas. Afinal, se recordarmos que a capoeira, como arte-luta que é, engloba um universo muito mais amplo que simplesmente as técnicas de luta, veremos a quantidade de informações que podem ser obtidas junto aos antigos capoeiristas, que vivenciaram inúmeras situações interessantes ao longo de muitos anos de prática e ensino da arte-luta.

Acreditamos que algumas das mais relevantes características da Angola a serem recuperadas para os dias de hoje são: a continuidade de jogo, em que os capoeiristas procuram explorar ao máximo a movimentação evitando interrupções na dinâmica do jogo; a importância das esquivas, fundamentais na Angola, em que o capoeirista evita ao máximo o bloqueio dos movimentos do adversário, procurando trabalhar dentro dos golpes, aproveitando-se dos desequilíbrios e falhas na guarda do outro; a capacidade de improvisação, típica dos angoleiros, que sabiam que os golpes e outras técnicas treinadas no dia-a-dia são um ponto de partida para a luta, mas precisam sempre ser moldadas rápida e criativamente à situação do momento; a valorização do ritual, que contém um enorme universo de informações sobre o passado de nossa arte-luta e que consiste em um grande patrimônio cultural.

A antiga capoeira marcava-se por um grande respeito aos rituais tradicionais, diferentemente do que ocorre nos dias de hoje. Atualmente, são raras as academias que adotam a denominação de Angola ou Regional para a capoeira que é ali praticada. E, entre as que se identificam como Capoeira Regional, poucas demonstram efetivamente relação direta com o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba.

Na verdade, os mestres e professores de capoeira afirmam jogar e ensinar uma forma mista, que concilia elementos da Angola tradicional com as inovações introduzidas por Mestre Bimba. De fato, como afirmamos anteriormente, delimitar a separação entre essas duas escolas da capoeira é algo muito difícil hoje em dia, e há muitos anos sabe-se que a tendência é que a capoeira incorpore as características dessas duas escolas. No entanto, é fundamental que os capoeiristas conheçam a sua história, para que possam desenvolver sua luta de maneira consciente.

A Capoeira Angola e a Capoeira Regional estão fortemente impregnadas de conteúdo histórico, e não se excluem. Completam-se e fazem parte de um mesmo universo cultural.

Fonte: www.cdof.com.br

Capoeira Angola

História da Capoeira Angola no Brasil

Capoeira é uma palavra de origem tupi que significa a vegetação que nasce após a derrubada de uma floresta.

No Brasil-Colônia, este nome foi também dado ao “Jogo de Angola” que aparecia nas fazendas e cidades, desde que aqui foram trazidos escravizados os primeiros grupos de africanos de origem banto.

A Capoeira praticada nas senzalas, ruas e quilombos foi vista como uma ameaça pelos governantes, que assim estabeleceram, em 1821, medidas de repressão à capoeiragem, incluindo castigos físicos e prisão.

As medidas policiais contra a Capoeira só deixaram de vigorar a partir da década de 1930, mas isto não significou que fosse plenamente aceita e que seus praticantes tivessem a simpatia da sociedade brasileira.

Capoeira Angola
Carybé, Capoeira, 1981

O “Jogo de Angola” não foi aceito como uma forma de expressão corporal de indivíduos e grupos, em sua maioria africanos e afro-descendentes, organizados, pensantes e vigorosos. Foi transformado em folclore, com diminuição de seu significado grupal para os participantes, e depois em esporte ou arte marcial. Mas a forma não-esportiva da Capoeira também permaneceu, ligada a grupos de Capoeira Angola.

Assim, dois ramos da Capoeira surgiram na década de 1940 e se distinguiram mais efetivamente a partir dos anos 70. Ocorreu, por um lado, a organização da capoeira esportiva (Capoeira Regional) como arte marcial, e, por outro lado, a mobilização de grupos de resistência cultural afro-baiana, que perceberam nos poucos grupos angoleiros a manutenção dos elementos da capoeira trazidos pelos africanos de origem banto.

Bibliografia

Rosângela Costa Araújo. Sou discípulo que aprende, meu mestre me deu lição: tradição e educação entre os angoleiros bahianos (anos 80 e 90). Dissertação (Mestrado). São Paulo: Faculdade de Educação/USP, 1999.

Fonte: www.nzinga.org.br

Capoeira Angola

Capoeira e suas Histórias

Origem da Capoeira

O jogo foi criado aqui mesmo no Brasil pelos escravos do grupo Bantú-Angoleses e Gongoleses. Desenvolveu-se como luta de revide. Como resposta aos desmandos, ameaças e surras do feitor, apenas a força e a capacidade física. Braços e pernas; mão e pé; a cabeça, o cotovelo, os joelhos e os ombros, eram suas armas.

Segundo o professor Gerhard Kubik, da Universidade de Viena, Áustria, antropólogo e especislista em assuntos africanos, não encontrou qualquer manifestação semelhante à Capoeira, que entre nós se faz acompanhado com o berimbau, chegando a considerar a expressão “Capoeira Angola” uma criação brasileira, sem qualquer conotação cultural com a África.

O nome Capoeira é de origem Tupi. Significa “mato ralo” de pequenos arbustos: lugar preferido dos negros, para o jogo. E Zumbi um negro guerreiro, do Quilombo dos Palmares, é condiderado o primeiro mestre.

Rainha da malícia e do disfarçe a Capoeira criou a dança. Dança inocente, coisa de escravo, não iria merecer atenção do capataz, do patrão nem da polícia, que perseguiam os capoeiras em certas partes da história do Brasil. Se a base do jogo é a negaça, a chave do desenvolvimento é a malícia.

A “malícia” não depende da força, agilidade, coragem ou forma física. Temos que voltar cinquenta anos – ao período de ouro da tradicional capoeira de angola – para melhor entender o assunto. Naquela época o que interessava era esta “malícia”.

Os golpes e as quedas também existiam, mas eram muito menos importantes: com um golpe ou uma queda pode se resolver um jogo dentro de uma academia, mas na roda da malandragem, nas ruas e nas madrugadas o jogador tinha consciência de que poderia resolver muscularmente uma disputa, mas no mês seguinte o adsversário talvez o esperasse de emboscada num canto escuro… uma navalhada na jugular e morria-se sem entender o que tinha acontecido. Por isto o “angoleiro” – praticante da tradicional capoeira angola – ,ligado diretamente à vida e não ao mundo fictício de uma academia, sabia que o essencial não era um conhecimento técnico de golpes, mas uma certa astúcia que o ajudaria a trafegar nas mais diversas situações.

A capoeira de então era uma “escola da vida”, uma imitação da selva que é este mundo, um teatro mágico no qual eram reproduzidas situações e trocas de energias que acontecem e tornam a acontecer. Daí existirem o “floreio”, as “chamadas para o passo-a-dois”, a “volta-ao-mundo” e muitos outros elementos ritualizados que proporcionavam a oportunidade de – dentro do jogo – aparecerem situações semelhantes às que aconteciam na vida real entre as pessoas. E,no jogo, o capoeirista aprendia a lidar com estas situações segundo o fundamento e a filosofia da capoeira, cuja pedra chave é justamente a “málicia.

Hoje em dia todos praticam Capoeira, jovens e adultos, homens e mulheres e espera-se que no futuro seja aceita pela sociedade pois, é um esporte genuinamente nacional.

Besouro Mangangá

A palavra capoeirista assombrava homens e mulheres, mas o velho escravo Tio Alípio nutria grande admiração pelo filho de João Grosso e Maria Haifa. Era o menino Manuel Henrique que, desde cedo aprendeu, com o Mestre Alípio, os segredos da Capoeira na Rua do Trapiche de Baixo, em Santo Amaro da Purificação, sendo “batizado” como “Besouro Mangangá” por causa da sua flexibilidade e facilidade de desaparecer quando a hora era para tal.

Negro forte e de espírito aventureiro, nunca trabalhou em lugar fixo nem teve profissão definida.

Quando os adversários eram muitos e a vantagem da briga pendia para o outro lado, “Besouro” sempre dava um jeito, desaparecia. A crença de que tinha poderes sobrenaturais veio logo, confirmando por motivo de ter ele sempre que carregar um “patuá”. De trem, a cavalo ou a pé, embrenhando-se no matagal, Besouro, dependendo das circunstâncias, saia de Santo Amaro para Maracangalha, ou vice-versa, trabalhando em usinas ou fazendas.

Certa feita, quem conta é o seu primo e aluno Cobrinha Verde, sem trabalho, foi a Usina Colônia (hoje Santa Eliza) em Santo Amaro, conseguindo colocação.

Uma semana depois, no dia do pagamento, o patrão, como fazia com os outros empregados, disse-lhe que o salário havia “quebrado” para São Caetano.

Isto é: não pagaria coisa alguma. Quem se atrevesse a contestar era surrado e amarrado num tronco durante 24 horas. Besouro, entretanto, esperou que o empregador lhe chamasse e quando o homem repetiu a célebre frase, foi segurado pelo cavanhaque e forçado a pagar, depois de tremenda surra.

Misto de vingador e desordeiro, Besouro não gostava de policiais e sempre se envolvia em complicações com os milicianos e não era raro tomava-lhes as armas, conduzindo-os até o quartel. Certa feita obrigou um soldado a beber grande quantidade de cachaça. O fato registrou-se no Largo de Santa Cruz, um dos principais de Santo Amaro. O militar dirigiu-se posteriormente à caserna, comunicando o ocorrido ao comandante do destacamento, Cabo José Costa, que incontinente designou 10 praças para conduzir o homem preso morto ou vivo.

Pressentindo a aproximação dos policiais, Besouro recuou do bar e, encostando-se na cruz existente no largo, abriu os braços e disse que não se entregava.

Ouviu-se violenta fuzilaria, ficando ele estendido no chão. O cabo José chegou-se e afirmou que o capoeirista estava morto. Besouro então ergueu-se, mandou que o comandante levantasse as mãos, ordenou que todos os soldados fossem e cantou os seguintes versos: Lá atiraram na cruz/ eu de mim não sei/ se acaso fui eu mesmo/ ela mesmo me perdoe/ Besouro caiu no chão fez que estava deitado/ A polícia/ ele atirou no soldado/ vão brigar com caranguejos/ que é bicho que não tem sangue/ Polícia se briga/ vamos prá dentro do mangue.

As brigas eram sucessivas e por muitas vezes Besouro tomou partido dos fracos contra os propritários de fazendas, engenhos e policiais. Empregando-se na Fazenda do Dr. Zeca, pai de um rapaz conhecido por Memeu, Besouro foi com ele às vias de fato, sendo então marcado para morrer.

Homem influente, o Dr. Zeca mandou pelo próprio Besouro, que Matilde não sabia ler nem escrever, uma carta para um seu amigo, administrador da Usina Maracangalha, para que liquidasse o portador. O destinatário com rara frieza mandou que Besouro esperasse a resposta no dia seguinte. Pela manhã, logo cedo, foi buscar a resposta, sendo então cercado por cerca de 40 soldados, que incontinente fizeram fogo, sem contudo atingir o alvo. Um homem entretanto, conhecido por Eusébio de Quibaca, quando notou que Besouro tentava afastar-se gingando o corpo, chegou-se sorrateiramente e desferiu-lhe violento golpe com uma faca de ticum.

Manuel Henrique, o Besouro Mangangá, morreu jovem, com 27 anos, em 1924, restando ainda dois dos seus alunosL Rafael Alves França, Mestre Cobrinha Verde e Siri de Mangue.

Hoje, Besouro é símbolo da Capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela sua bravura e lealdade com que sempre comportou com relação aos fracos e perseguidos pelos fazendeiros e policiais.

Fonte: www.angelfire.com

Capoeira Angola

Capoeira Angola, manifestação cultural afro-brasileira, de importância histórica, cultural e artística, que alcançou reconhecimento internacional.

Em função da resistência e persistência dos seus mestres e praticantes, ela superou as limitações do preconceito, desenvolvendo sua potencialidade construtiva enquanto produto histórico brasileiro, memória e identidade cultural, em permanente desenvolvimento.

Dentro do universo complexo da capoeira, a particularidade da Capoeira Angola é ser tradicional, remontando à resistência dos escravos africanos do século XIX na luta pela liberdade. Ganhou este nome como forma de diferenciação das variantes que surgiram ao longo do tempo, como foi o caso da Capoeira Regional, criada pelo Mestre Bimba na década de 30, na Bahia.

Mestres de expressão na capoeira afirmam que a Capoeira Angola é na realidade uma rica expressão artística, mistura de luta, dança, ritual, teatralidade, música e jogo. A conjunção de todos esses elementos gera um produto que não pode ser classificado atendendo apenas a uma única destas facetas, sob pena de perder sua originalidade como arte.

Os vários elementos que envolvem a prática da Capoeira Angola se complementam segundo uma visão do ser humano integral, interligando seus componentes psíquicos, sociais, físicos e espirituais. Ensina a disciplina, propondo a atenção, a dedicação e o compromisso do indivíduo consigo mesmo e com seu grupo.

Aprimora o respeito e a tolerância mediante a convivência com os outros. E, como conseqüência, desenvolve o equilíbrio e a consciência corporal do ser enquanto elemento integrante do todo social, que dialoga com seu meio e constrói seu próprio bem-estar. Por isso, a Capoeira Angola representa uma prática de alegria, expressão, criatividade e saúde. Como uma atividade que integra todos esses aspectos ao comportamento, ajudando a projetar tais valores na vida, estimulando a inclusão social do indivíduo e o sentido de comunidade.

Frente à complexidade dos problemas existentes da nossa sociedade, as iniciativas particulares que intercedam na construção de soluções, mesmo que de modo restrito, devem ser incentivadas.

A Capoeira Angola, então, como uma atividade de ação social na medida em que une seus aspectos pertinentes, mencionados a uma preocupação por valorizar a identidade brasileira, e a auto-estima, leva o corpo social a resistir à degradação da acomodação ou da violência. Por essa razão, a filosofia e a prática da Capoeira Angola, como disciplina, saúde, convivência, respeito e inclusão social, devem ser divulgadas e expandidas, incorporando-se ao cotidiano das pessoas como meio de educação e lazer. Capoeira movimento nacional de promoção da cultura brasileira, confirma sua inserção no cenário nacional como referência de confiança na força das nossas manifestações culturais mais elementares.

Hoje em dia, a Capoeira Angola existe pela resistência dos seus mestres na prática da atividade e na manutenção da tradição oral que constitui o universo das suas ladainhas e corridos.

Izabel Jasinski.

Fonte: www.meninodearembepe.org

Capoeira Angola

O APRENDIZADO DA GINGA NA RODA DE ANGOLA

Quando observamos capoeiristas em atividade destacamos um movimento de corpo característico desta tradicional prática comumente denominado de ginga.

Para jogar capoeira devemos estar sempre gingando. Neste trabalho pretendemos discutir o aprendizado da ginga, extraindo daí os sentidos que a tradição viva da capoeira vem dando a esta prática. Dito deste modo o problema é apresentado de modo amplo, generalizado e bastante vago. Nesse sentido, vamos procurar circunscrever o máximo o lugar de onde falamos, pois não queremos falar da ginga em geral de uma capoeira em geral, mas dos sentidos da ginga dentro do movimento que a partir da primeira metade do século vinte na Bahia veio a se chamar de Capoeira Angola. Para tanto utilizaremos alguns relatos dos mestres de hoje e de outrora a respeito da ginga e de seu aprendizado, alguns textos teóricos em psicologia, antropologia e filosofia que possam nos ajudar no entendimento do aprendizado da ginga, assim como a experiência que venho tendo como aprendiz de capoeira angola a cerca de seis anos. Nossa pretensão não é através deste lugar singular e específico do qual nos aproximamos, extrair daí uma teoria geral da aprendizagem ou da ginga na capoeira. Entendemos que com essa aproximação singular e característica das práticas de aprendizado da ginga na capoeira angola podemos justamente evitar as tendências generalistas que perpassam as teorias da aprendizagem.

Em 1941 Vicente Pastinha funda em Salvador, junto a outros importantes capoeiristas do seu tempo, o CECA (Centro esportivo de capoeira angola) imbuído da necessidade de resistir às transformações modernizantes que a capoeira vinha sofrendo naquele tempo. Pastinha funda o CECA no intuito de se adequar às novas necessidades da prática da capoeira sem perder o contato com suas raízes tradicionais (Daí o nome Angola, de onde uma grande parte dos escravos veio).

Mesmo aceitando alguns aspectos desta modernização da capoeira, como a criação de um espaço social, com sede, regulamento e hierarquias para a prática e o ensino da capoeira angola, Pastinha busca manter vivo os aspectos primordiais da capoeira mãe. A rua enquanto lugar do cultivo da capoeira antiga sede lugar a proliferação dos grupos e escolas de capoeira. A escola de Pastinha gera frutos e hoje vários grupos de capoeira angola reivindica sua filiação. Atualmente quem quer aprender a capoeira angola normalmente procura tais grupos, passando a freqüentar esses espaços regularmente, onde lhe são passados os saberes desta prática tradicional da cultura brasileira.

Segundo Pastinha a “escola” da capoeira angola deve preservar importantes aspectos da capoeira mãe evitando cair nas formalizações das escolas tradicionais.

Dentre estas formas de resistência Frede Abreu destaca o modo singular da transmissão da capoeira, que é o “aprendizado de oitiva”, ou seja sem método ou pedagogia formal (Abreu, 1999). O mestre baseado em sua experiência e em sua observação vai criando ou se aproveitando de situações criadas para inserir o aprendiz na tradição da capoeira, para tanto a convivência próxima entre aprendiz e mestre é fundamental. Para Muniz Sodré (2002) o mestre de capoeira não ensina o seu discípulo no sentido tradicional da pedagogia ocidental, onde os conceitos são passados de modo metódico e formal. Segundo Sodré o mestre “(…) criava as condições de aprendizagem formando a roda da capoeira e assistindo a ela. Era um processo sem qualquer intelectualização, como no Zen, em que se buscava um reflexo corporal, comandado não pelo cérebro, mas por alguma coisa resultante da sua integração com o corpo”. Esta maneira encarnada em que o mestre e o aprendiz vivem a experiência do aprendizado sem formar princípios ou métodos generalistas é fundamental para resistir à escolarização da capoeira angola.

Sobre este tema nos fala Mestre Pastinha: “Capoeira Angola só pode ser ensinada sem forçar a naturalidade da pessoa, o negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada qual. Ninguém luta do meu jeito, mas no deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é cada um” (Pastinha 1967). Buscamos, nesse sentido, evitar que o nosso trabalho caia nas armadilhas acadêmicas dos discursos vazios e desencarnados das formas gerais. Não é nosso intuito usar as experiências do aprendizado da ginga da capoeira angola como casos particulares de uma teoria geral da aprendizagem, mas encontrar nesta prática viva e tradicional alguns sentidos do aprendizado da ginga que possam fazer questões para nossas práticas de aprendizado.

Feitas essas considerações iniciais tentaremos descrever e discutir alguns possíveis sentidos do aprendizado da ginga na capoeira angola. Logo no início o aprendiz é apresentado para os três componentes básicos da capoeira (os movimentos do corpo, os cantos, os instrumentos e seus toques). O iniciante é convidado a participar do treino sem que a ele seja dão um tratamento diferenciado. Não há nos treinos da capoeira angola um lugar específico para principiantes.

Ele já entra e passa a conviver junto aos outros, participando deste então das atividades do grupo. Quanto ao aprendizado dos movimentos corporais do jogo de angola, destaca-se a ginga. Um movimento de deslocamento, para frente e para trás, das pernas e dos braços que se alternam inversamente de modo que, quando a perna esquerda esta na frente o braço direito deve estar também à frente próximo ao rosto e vice versa. O aprendiz é levado a repetir exaustivamente este movimento, procurando imitar o professor. Junto à ginga vamos sendo apresentados a outros movimentos do jogo de angola, o aú, o role, o rabo de arraia, a meia lua, a esquiva, a negativa, formando séries consecutivas. Vamos aprendendo que a ginga é um dos movimentos principais, já que é dela que se iniciam os demais movimentos, assim como esses também devem se encerrar nela. Iniciar e encerrar devem ser aqui compreendidos como estados provisórios de experiências de treino, pois o jogo da capoeira pressupõe uma continuidade do movimento, dispostas numa circularidade onde o começo e o fim ficam difíceis de serem identificados. Mas podemos dizer que a ginga é o movimento de manter o jogo sempre em movimento. Ou seja o angoleiro quando não está realizando os golpes de defesa e ataque deve estar necessariamente gingando. A tal movimentação contínua da ginga é que os demais movimentos devem se encaixar. Quanto mais contínua e imediata forem a movimentação da ginga e dos outros movimentos maior a destreza do jogador. Cada aprendiz “de oitiva” vai encontrando, auxiliado pelo mestre e pelos demais companheiros, o tempo de seu aprendizado encarnado da ginga. Nossos mestres nos indicam o tempo todo à necessidade de soltar a ginga de modo que os movimentos ganhem uma suave continuidade. Para tanto os mestres de angola criam situações de jogo, seja com um companheiro nos treinos ou melhor ainda nas rodas.

Numa série de aulas-espetáculos ministradas em todo o Brasil, o músico, dançarino e cantor Antônio Nóbrega usam uma definição bastante interessante para o movimento da ginga na capoeira, apontando para uma característica paradoxal. Nóbrega começa dizendo que nas danças clássicas européias, o bailarino busca um estado de equilibração em que o movimento se realiza respeitando os eixos horizontais e verticais. Nestes movimentos o que se busca é o equilíbrio perfeito, suave e preciso, quase geométrico. O desequilíbrio torna-se fatal para o bailarino, propiciando geralmente uma queda ou a deselegância do movimento. Para Antônio Nóbrega a capoeira e algumas outras manifestações corporais brasileiras, como o frevo, se caracteriza por um estado paradoxal que ele chamou de equilíbrio precário. Estado onde o limite da estabilidade do equilíbrio ou a instabilidade do desequilíbrio estão paradoxalmente presentes no movimento. Este movimento que atravessa zonas de equilíbrio precário, lembra bastante o movimento de um bêbado que dá a estranha sensação a um observador de estar sempre prestes a cair, mas consegue inexplicavelmente se reequilibrar e assim novamente se desequilibrar, numa estranho movimento indeterminado e surpreendente. O observador fica então perplexo pois não consegue ter a certeza do próximo movimento do bêbado. “E jogar precisa ser jogado sem sujar a roupa, sem tocar o chão com o corpo. Quando eu jogo, até pensam que o velho esta bêbado, porque fico todo mole e desengonçado, parecendo que vou cair. Mas ninguém ainda me botou no chão, nem vai botar.” (Pastinha, 1967) A ginga na capoeira é portanto, segundo Nóbrega, um movimento em equilíbrio precário. E aqui gostaríamos de focar esta estranha situação do movimento da ginga. Como vimos acima jogar capoeira é manter a continuidade dos movimentos, mas se esses movimentos contínuos se automatizarem num mecanismo cego e repetitivo o adversário pode antecipá-los e neutralizá-los. Como manter a continuidade imediata de movimentos sem reduzi-los a um automatismo que seria fatal num jogo como a capoeira? Talvez analisando melhor a noção de equilíbrio precário possamos nos aproximar de possível solução para essa pergunta. Essas zonas de equilíbrio precário da ginga permitem determinadas paradas ou hesitações do movimento que servem para falsear a continuidade deste, como que abrindo perspectivas de bifurcações que surpreendam o adversário sem que o movimento perca sua continuidade. Abrem-se inusitadas zonas de indeterminação, ou pequenas interrupções desequilibrantes que dificultam a antecipação dos movimentos seguintes.

Vamos aos poucos nos encontrando com a incrível e paradoxal situação do movimento da ginga, numa continuidade com pequenas hesitações ou falsos desequilíbrios que abrem o movimento para uma continuação inesperada. De algum modo nosso corpo vai cultivando uma atenção ao tempo desse estranho movimento. Movimento extensivo aberto a bifurcações temporais. Quem já viu dois bons angoleiros jogando deve ter se surpreendido com o entrelaçar dos corpos numa plástica de dobras ao infinito, já que os golpes não interrompem definitivamente o movimento (em momento nenhum podemos segurar o movimento). A estratégia tanto de defesa quanto de ataque não é interromper o movimento mas aproveitá-lo a seu favor, sem abrir demais sua guarda. O aprendiz da ginga imerso nesse estranho e paradoxal movimento deve portanto cultivar uma experiência corporal atenta às dobras dos paradoxos, da continuidade descontinua, da abertura fechada, do equilíbrio precário, do se mostrar dissimulando. Esse saber encarnado que os treinamentos oferecem a oportunidade de ser cultivado não pode ser nem intelectualizado, nem automatizado. O que afasta a possibilidade de reduzir o aprendizado da ginga a uma aquisição de habilidades corporais que se adequariam ao ambiente da capoeira, nem muito menos a representações mentais que guiariam o nosso corpo segundo estratégias intelectuais. Não se trata do movimento automático de um corpo mecânico nem de um movimento guiado por uma mente intencional. Sobre o corpo do angoleiro nos lembra Pastinha: “Amigos o corpo é um grande systema de razão, por detraz de nosssos pensamentos acha-se um Snr. poderoso, um sabio desconhecido;… (pastinha in Decanio, 1997)”

O aprendiz da ginga também vai se deparando no convívio da capoeira com outros sentidos que a noção de ginga traz embutido na prática do jogo de angola. A capoeira é uma prática física mas não é apenas isso, ela também é uma luta e a ginga também deve ser entendida como um movimento de resistência guerreira. Câmara Cascudo (2001) após uma viagem à África, onde ele buscou os relatos orais da cultura africana e suas sintonias com os aqui existentes escreve o livro intitulado “Made in África”. Num dos capítulos deste livro cujo titulo é “A Rainha Jinga no Brasil”, cascudo apresenta através da memória oral dos africanos a história da rainha Jinga que viveu em Angola por volta do fim do século XVI e início do XVII. “(…) uma soberana autêntica, na legitimidade de todas as tradições africanas, luxo, armas, festins, invasões de fronteiras, massacres de suspeitos, consolidação militar.” (Idem) Guerreira contumaz Jinga é lembrada por suas habilidades de resistir ao julgo da colonização portuguesa em Angola. “Rendeu-se várias vezes. Ficava serena, gentil, concordadora, até que brilhasse a hora da reação. Erguia o braço de comando e os batalhões negros atiravam-se contra os portugueses” (idem pg …). Mas a frente de seu texto Cascudo nos mostra como hoje nas tradições brasileira uma das únicas rainhas africanas que permanece na memória do povo é a rainha Jinga. A guerreira que não se mostra inteiramente, que não se deixa ser plenamente identificada pelo inimigo que é sempre surpreendido.

Exemplo de uma guerra de resistência, que alterna a violência dos combates com momentos de diplomacia e sedução ao colonizador. O movimento da ginga na capoeira talvez traga também estas características. Numa luta em campo aberto (capoeirão) onde seu corpo é sua arma tanto de defesa quanto de ataque, a ginga apresenta-se como um movimento de espreita e dissimulação sem poder se esconder numa tocaia. De novo observamos o caráter paradoxal dessa luta. O lutador deve seduzir o oponente, oferecendo facilidades, abrindo suas guardas, criando armadilhas para que este tenha a sensação da facilidade do golpe. O adversário certo de sua vitória sempre é um oponente mas fácil de ser derrotado, já que displicente ataca sem se defender. A ginga astuta não só se defende mas nessa defesa abre a estratégia do ataque. Do mesmo modo o ataque proveniente de um angoleiro deve considerar também a defesa. Atacar e defender não são aqui dois movimentos isolados mas que jogam juntos numa circularidade paradoxal. Nessa luta defender é atacar e atacar é defender. Mas talvez o mais importante seja a surpresa do golpe, pois o aspecto defensivo do ataque é sempre dissimulado assim como o aspecto ofensivo da defesa. Mas uma vez a capoeira angola penetra os seus movimentos numa zona de indeterminação, onde os movimentos de ataque e defesa sempre agem de modo dissimulado. O angoleiro é ensinado por seu mestre a soltar sua ginga para que ela seja bem manhosa, malandra, mandingada.

“Depois que os nêgos se achou ser forte com sua armas manhosa, tornou-se dificil para os cabos do mato por as mãos nos nêgos, porque? Escorregavam mesmo que quiabo, eles aplicavam truque no proprio corpo.” (pastinha in Decanio, 1997)

Mas se a ginga deve ser compreendida como uma atividade física e uma luta, devemos ampliar estes sentidos incorporando alguns aspectos estéticos fundamentais ao jogo de angola. Cada angoleiro é levado a expressar movimentos floreados. Todo capoeira é um exibicionista, quando pode realiza floreios por pura plasticidade estética. Mas este aspecto lúdico e brincalhão também tem outros sentidos além da beleza do movimento, servindo como uma destacada artimanha de combate. O capoeira bate rindo, ou melhor usa o riso como estratégia para chatear ou tirar a atenção do adversário. Um oponente desequilibrado emocionalmente ou desatento é presa fácil. A malandragem é uma hábil “arma estética”. Aqui também encontramos o aspecto paradoxal que parece permear o aprendizado da ginga. O aprendiz não pode confundir manha ou floreio com distração ou desatenção. Ela leva com certeza para um afrouxamento das tensões de uma atenção focada que o calor de uma luta pode nos levar. Relaxar e distender parecem ser fundamentais para que o capoeira consiga vadiar na roda de angola, sem contudo chegar a um nível de desatenção. A brincadeira na ginga da capoeira deve levar-nos a um estado de atenção distraída, de disponibilidade ao movimento, de sensibilização as surpresas do jogo. De novo podemos destacar a inadequada consideração da ginga como um movimento contínuo e automático, pois o seu aprendizado deve considerar a sensibilização de uma atenção distraída.

Nessa estética da ginga não podemos esquecer a questão rítmica.

Sobre isto nos diz Pastinha:

“Não se pode esquecer do berimbau. Berimbau é o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração e ginga ao corpo da gente (…) Bom capoeirista, além de jogar, deve saber tocar berimbau e saber cantar.” (Pastinha, 1967)

A ginga pulsa no ritmo da orquestra. Munis Sodré (1998) mostra que o ritmo da capoeira assim como o do samba funciona através da “síncope”, definida por ele como a batida que falta, uma ausência no compasso de uma batida fraca que leva a outra forte. Tal ausência leva o corpo a completá-la com o movimento. Nesse sentido o ritmo da orquestra leva o aprendiz a uma sintonia rítmica-corporal. Aprender a gingar é necessariamente mergulhar nos sons da capoeira, deixar com que eles marquem nossos movimentos, mais uma vez devemos desenvolver uma sensibilização rítmica.

Bom, até aqui destacamos os múltiplos sentidos da ginga de angola, movimento atlético, luta, arte, vadiação, dança, ritmo, jogo … e que todos esses aspectos possuem em seu cerne uma circularidade paradoxal que não nos permite dar uma definição acabada e plena. Pois se nos treinos muitas vezes somos apresentados a estes sentidos separadamente, é na roda que tais aspectos tem a oportunidade propicia de serem experimentados conjuntamente. A roda, espaço circular onde os capoeiristas se reúnem.

É aqui que podemos destacar um outro e importante sentido para o aprendizado da ginga: o caráter ritualístico e mágico da capoeira angola. A roda, neste sentido encarna toda a tradição viva da capoeira.

E se até aqui você conseguiu, enquanto aprendiz, ficar de fora dos sentidos do gingar, se colocando na posição reflexiva de um observador de si, a experiência e a força da roda lhe oferece a oportunidade de finalmente penetrar na experiência rica e “quente” da capoeira. Elementos de mistério, risos, malandragem, mandinga, sons, … vão “exigindo” do aprendiz um posicionamento encarnado. À atividade física e suas habilidades específicas vão se incorporando outros elementos, e com eles novas formas de engajamento e de emoção. O capoeirista é “levado” a deslocar sua atenção, do como se comportar para o estar atento ao espírito do jogo, liberando-se do sensorio-motor e expandindo-o, abrindo-se ao plano dos sentidos numa experiência encarnada, a qual enseja o enraízamento e a surpresa – acontecer com o acontecimento. Numa roda em Niterói, anos atrás, por exemplo, espantava a alguns principiantes como o Mestre Moraes podia ao mesmo tempo jogar e ouvir detalhes dos instrumentos da orquestra, numa atitude totalmente encarnada e plena de sentido. Para isso, é preciso dispor-se a uma sensibilização, deixando-se afetar por aquilo que faz acolhendo seus efeitos sobre si. Há uma força afetiva na capoeira, e essa é sua dimensão não recognitiva ou impessoal, imediaticidade da experiência concreta e afetiva. Essa força afetiva produz, no aprendiz, uma sensibilização que engaja, pratica-se pela experiência afetiva de praticar. É pelo engajamento que o aprendizado ocorre.

Tudo isto respeitando o inacabamento que acima nos referimos, mantendo sempre uma onda de mistério de segredo, que atravessa o aprendizado da ginga.

Sobre isto nos fala Pedro Abib:

“ Roda enquanto rito de passagem, traz elementos importantes da cosmologia africana, como certos saberes ou segredos, guardados pelo mestre, que vão sendo revelados aos poucos, conforme o iniciante vai encontrando o amadurecimento necessário para poder ter acesso a esses conhecimentos.” (Abib, 2000)

Presente em todos os momentos nesse aprendizado o mestre atua, mas, nem sempre sua atuação ou presença é percebida. Ciente de que o “espírito da capoeira”, enquanto uma experiência viva é onde se aprende, o mestre muitas vezes atua garantindo as condições mínimas para que o “axé” possa acontecer. Sem garantias de que esse “espírito” se presentifique, intervém como uma espécie de maestro da orquestra. Atua como um provocador, instigando quando a “axé” ainda não aconteceu. É importante distinguirmos o provocador daquele que se julga sabedor. O espírito da capoeira não pertence a ninguém, nem mesmo a um mestre. O que podemos fazer é iniciar o ritual e permanecermos atentos, abertos à experiência. Tal como um surfista ou um piloto de asa delta, que aproveita as ondas e os ventos, o capoeirista também é levado pelas ondas da roda.

Johnny Menezes Alvarez

BIBLIOGRAFIA

ABIB, Pedro Rodolpho Jungers; CASTRO, Luís Vitor; SOBRINHO, José Sant’anna. Capoeira e os diversos aprendizados no espaço escolar. Revista Motrivivência nº 14, ano XI, Florianópolis: ed da UFSC, 2000
ABREU, Frederico José de. Bimba é Bamba: a capoeira no Ringue. Salvador: Instituto Jair Moura, 1999.
CASCUDO, Luís da Câmara. Made in África (pesquisas e notas). 5ª ed. São Paulo: Global, 2001
DECANIO FILHO, A. A herança de Pastinha. Editoração eletrônica do texto; revisão; criação e arte final da capa: Angelo A. Decanio Filho. 2a Edição: com dicionário dialetal, 1997.
SODRÉ, Muniz. Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Manati, 2002
_______. Samba, o dono do corpo. 2ª ed. Rio de janeiro: Mauad, 1998.
PASTINHA, Mestre. Revista Realidade – fevereiro de 1967 – editora abril

Fonte: www.geocities.com

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