Frei Caneca

Frei Caneca – Vida

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Nascimento: 20 de agosto de 1779, Recife, Pernambuco.

Falecimento: 1825, Recife, Pernambuco.

Joaquim do Amor Divino Rabelo, nascido no Recife, foi sacerdote, jornalista e político.

Desde cedo revelou espírito liberal e de grande atividade política, aderindo ao movimento republicano de Pernambuco.

Freqüentou a Academia do Paraíso, um dos centros da conspiração da época, tendo participado como voluntário das tropas revoltosas do movimento de independência de 1817.

Em 1824, foi o ideólogo do movimento revolucionário que proclamou a Confederação do Equador e, derrotado, foi preso e condenado à morte. Mas nenhum carrasco aceitou enforcá-lo.

Foi fuzilado.

Deixou as Obras políticas e literárias.

Frei Caneca – Biografia

O homem que desafiou o despotismo de dom Pedro I e, por isso, foi fuzilado, sem nunca deixar de defender um sentimento nativista, era um lusitano jus sanguinis.

Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, esse homem, era filho de Domingos da Silva Rabelo, português de nascimento, tanoeiro de profissão. Sua mãe era pernambucana, filha de um lisboeta, cuja mãe vivera no Bairro Alto, onde ganhara o apelido de Ruibaca, devido a sua ruividão.

Seria, portanto, Frei Canecaruivo, o que não impediu de o acusarem de filho de “dois pardos comedidos”. Ao que ele rebateu que, ao longo de três gerações, seus antepassados eram todos reinóis que, fixando-se no Recife, haviam casado com naturais da terra, de outros reinóis.

Um trisavô materno, porém, teria penetrado no sertão e misturado o seu sangue com uma filha do gentio do Brasil.

Frei Canecanão sabia, porém, se essa trisavô seria “alguma tapuia, petiguari, tupinambá”, mas, observou, por outro lado, que: “Se foi alguma rainha Ginga, nenhum mal me faz”.

Estas informações constam da introdução que o diplomata e historiador Evaldo Cabral de Mello escreveu para “Frei Joaquim do Amor Divino Caneca”, livro que faz parte da coleção “Formadores do Brasil”, dirigida por Jorge Caldeira, e que tem por objetivo resgatar obras fundamentais do pensamento sobre a Nação brasileira. O volume reúne os principais escritos políticos de Frei Caneca, religioso da Ordem do Carmo, que nasceu, viveu e morreu em Pernambuco, uma figura pouco estudada na historiografia brasileira, mas que foi, além de importante revolucionário, um dos pensadores políticos mais consistentes de seu tempo.

Seus textos, singulares por sua envergadura intelectual e ideológica, testemunham a resistência que as províncias do Norte (de Pernambuco ao Ceará) articularam contra a postura despótica de dom Pedro I. Se, a princípio, Frei Canecadepositava confiança no império constitucional – o que pode ser verificado no “Sermão de aclamação de D. Pedro I” -, a partir do momento em que o imperador convoca o exército, fecha a Assembléia Constituinte e impõe o seu próprio projeto de Constituição, os ideais libertários do pensador são feridos e ele passa a exercer, sobretudo através de sua pena, todo o seu poder combativo.

As “Cartas de Pítia a Damão”, de 1823, e os textos de Typhis Pernambucano, periódico editado por Caneca de dezembro de 1823 a agosto de 1824, são o melhor exemplo desse espírito revolucionário e trazem ainda uma visão alternativa para a viabilização do Brasil enquanto nação independente e descentralizada. “É possível que brasileiros, que homens reputados por patriotas, e que se mostravam tão interessados pelo bem de seu país, sejam agora os primeiros verdugos de seus compatriotas, os opressores de sua mesma nação, os tiranos de sua pátria?”, escrevia, decepcionado, no começo de 1824, ao comentar sobre os projetos despóticos do ministério do Rio de Janeiro.

A erudição que Frei Canecamostra em seus escritos é surpreendente, sobretudo porque ele só deixou Pernambuco para cumprir um período no cárcere na Bahia e para ocupar a cadeira de Geometria na comarca de Alagoas. Seu interesse universal foi cultivado na biblioteca da Ordem do Carmo e na dos oratorianos do Recife. Ordenou-se com apenas 22 anos e sua carreira eclesiástica prometia ser bem sucedida. Mas parece que a vida do claustro nunca o atraiu. Há, inclusive, cartas que escreveu a várias “afilhadas”, eufemismo com que os integrantes do clero costumavam disfarçar os rebentos de suas relações ilícitas.

A entrada de Frei Canecana cena política, porém, deu-se quando da solenidade pública da bênção da bandeira da República de 1817. Nessa época, saiu em defesa de um confrade denunciado como anti-revolucionário.

A revolução separatista de 1817, diga-se, era contra o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, proclamado em 1815, então a única construção estatal existente no Império lusitano. Sua atuação, segundo a acusação, teria sido como capitão de guerrilhas, o que lhe valeu quase quatro anos de prisão em Salvador.

Em “A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes”, António Manuel Hespanha, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, contesta a tradicional imagem de um Império centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metrópole. Lembra, por exemplo, que desde o início do século XVIII, a propriedade – ou, pelo menos, as serventias – de todos os ofícios de Justiça (notários e escrivães) estava à disposição das elites econômicas das colônias, nomeadamente no Brasil, ressaltando que a importância desse fato não pode ser desconhecida ou subestimada. Ou seja, cartas régias, concessões de sesmarias, vendas e partilhas de propriedades, requerimentos de graças régias, tudo passava pelas mãos das elites coloniais

Ao retornar a Pernambuco em 1821, passou a opor-se contra o grupo de áulicos defensores do absolutismo com dom Pedro, participando dos movimentos sociais deflagrados a partir da notícia da Revolução do Porto em 1820. Irritou-se quando dom Pedro, na fala do trono à Constituinte, depois da separação, prometeu defender a pátria e a Constituição, caso esta seja “digna do Brasil e de mim”.

Para Caneca, o chefe da nação não podia ter “outra dignidade” que não fosse a da nação, de maneira que só lhe competiria submeter-se à Constituinte. “Aqui vêem todos como vão subindo gradualmente e se vão desenvolvendo os sentimentos que o astuto ministro (José Bonifácio) tem querido plantar em sua majestade imperial e constitucional contra todas as intenções puras, liberais e sinceras de seu augusto coração”, escreveu.

Em 1824, estoura a chamada Confederação do Equador, movimento que defendia a separação de Pernambuco do Império brasileiro e a adoção de um projeto republicano radical, numa época em que não havia nem a noção clara de nação. Aderindo totalmente à iniciativa, Frei Canecapassou a escrever o periódico Typhis Pernambucano, que será a sua trincheira até a liquidação da Confederação do Equador. Com mão de ferro, o imperador, que já havia mandado dissolver a Constituinte, determinou a suspensão das garantias constitucionais na província e o bloqueio do Recife por uma esquadra, que bombardeou a cidade, ao mesmo tempo em que tropas do brigadeiro Lima e Silva invadiram por terra a partir do sul.

O desfecho foi rápido. Ao todo, foram executados onze confederados, dos quais três no Rio de Janeiro.

Frei Caneca foi fuzilado a 13 de janeiro de 1825 na Fortaleza das Cinco Pontas, depois que nenhum carrasco se dispôs a cumprir a sentença que previa a sua morte na forca.

Frei Caneca – Confederação do Equador

Frei Caneca
Frei Caneca

Frei Joaquim do Amor Divino Rebelo Caneca – 1779 – 1825.

Frade carmelita brasileiro nascido em Recife, PE, considerado o ideólogo mais expressivo do movimento republicano e separatista conhecido como Confederação do Equador, que ocorreu em Pernambuco no começo do século XIX.

Filho de um tanoeiro português, daí o apelido Caneca, entrou para o convento do Carmo, em Recife (1795).

Após se ordenar (1799), freqüentou a Academia Paraíso, centro liberal de estudos e divulgação doutrinária, e participou do movimento revolucionário pernambucano (1817), resultando em seu primeiro período de prisão (1818-1821) na Bahia.

Retornando a Pernambuco, dedicou-se ao ensino, apoiou a luta pela independência e fundou o periódico Tífis Pernambucano (1823) de oposição ao sistema monárquico brasileiro.

Condenou a outorga da constituição (1824), apoiou a resistência à demissão de Manuel de Carvalho Pais de Andrade, chefe da Junta Governativa Provincial, estopim da revolução conhecida como Confederação do Equador.

As forças do movimento obtiveram apoios setoriais na Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, mas não conseguiu ampliação para o norte nem o apoio internacional.

Com o fracasso do movimento, o frade foi preso no Ceará, enviado ao Recife, julgado por uma comissão militar e condenado à forca, porém foi executado por fuzilamento.

Seus escritos foram postumamente reunidos por Antônio Joaquim de Melo e publicados em Recife, em Obras políticas e literárias (1876-1877).

Frei Caneca – Revolução

Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca (Recife PE 1779 – idem 1825).

Tornou-se frei da ordem carmelita, no Convento de Nossa Senhora do Carmo, em 1796. Produziu, entre 1796 e 1817 o Tratado de Eloquência, entre outros, no Recife PE.

Em 1981 passou a integrar a Academia do Paraíso, centro de instrução e difusão das idéias liberais, constituída elos padres Arruda Câmara e João Ribeiro Pessoa.

Entre 1817 e 1823 traduziu o texto francês O Espelho das Mulheres ou a Arte de Realizar, por meio das Graças, os Encantos da Formosura e o texto da Enciclopédia Inglesa, História da Franco-Maçonaria. Participou na Revolução de 1817, movimento republicano pela independência do Brasil, o que lhe custou quatro anos de prisão em Salvador BA.

Na prisão, foi professor do “povo rude e que não tem aplicação às letras”, redigindo para isso um Breve Compêndio de Gramática Portuguesa.

Em 1924 participou na Confederação do Equador, e foi condenado à morte.

Entre 1875 e 1876 ocorreu a publicação póstuma das Obras Políticas e Literárias de Frei do Amor Divino Caneca, organizadas por Antonio Joaquim de Melo.

Para o crítico José Guilherme Merchior, Frei Caneca, carmelita do Recife, líder e mártir da Confederação do Equador, tribuno do separatismo nortista, é um mestre da verrina, um artista da catilinária violenta, que tanto injuria os ‘corcundas’ – os partidários da recolonização – quanto os moderados como Hipólito.

Sua linguagem elétrica e sarcástica não tem maiores vôos teóricos, mas é o ancestral perfeito de toda a prosa panfletária nacional.”

NASCIMENTO/MORTE

1779 – Recife PE
1825 – Recife PE – 13 de janeiro

Causa da morte: Fuzilamento

LOCAIS DE VIDA/VIAGENS

1774/1817 – Recife PE
1817/1821 –
Salvador BA – Prisão
1824 – Ceará –
Viagem como líder da tropa confederada

VIDA FAMILIAR

Filiação: Domingos da Silva Rabelo (português, tanoeiro) e Francisca Maria Alexandrina de Siqueira (brasileira)
1825 – Salvador BA –
Correspondência com três jovens de nomes Carlota, Joaninha e Aninha, provavelmente suas filhas

FORMAÇÃO

1796 – Recife PE – Hábito de carmelita no Convento de Nossa Senhora do Carmo

CONTATOS/INFLUÊNCIAS

Influência de Pe. Arruda Câmara
Convivência com Cipriano Barata, José da Natividade Saldanha, Manuel de Carvalho Pais de Andrade, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe

ATIVIDADES LITERÁRIAS/CULTURAIS

1796/1817 – Recife PE – Produção, entre outros, do Tratado de Eloquência
1801 – Recife PE –
Membro da Academia do Paraíso, centro de instrução e difusão das idéias liberais, constituída pelos padres Arruda Câmara e João Ribeiro Pessoa
1803 – Recife PE –
Professor de Retórica e Geometria, no Convento de Nossa Senhora do Carmo
1817/1823 – Recife PE –
Tradutor do texto em francês O Espelho das Mulheres ou a Arte de Realizar, por meio das Graças, os Encantos da Formosura e do texto da Enciclopédia Inglesa, História da Franco-Maçonaria
1817/1821 – Salvador BA –
Professor, na prisão, do “povo rude e que não tem aplicação às letras”, redigindo para isso um Breve Compêndio de Gramática Portuguesa
1875/1876 – Recife PE –
Publicação póstuma das Obras Políticas e Literárias de Frei do Amor Divino Caneca, organizada por Antonio Joaquim de Melo

ATIVIDADES SOCIOPOLÍTICAS

1817 – Recife PE – Participação na Revolução de 1817, movimento republicano pela independência do Brasil
1817/1821 – Salvador BA –
Pena de quatro anos de prisão
1823/1824 – Recife PE –
Publicação do jornal O Tifis Pernambucano, de crítica política
1823 – Recife PE –
Redação de dez Cartas de Pítia a Damão, escritor que exprime as idéias da dissidência pernambucana
1824 – Recife PE –
Participação na Confederação do Equador
1825 – Recife PE –
Condenado à morte. Sua execução foi adiada por várias vezes porque os carrascos recusavam-se a enforcá-lo. O coronel Lima e Silva mudou a sentença para fuzilamento

OUTRAS ATIVIDADES

1803c. – Recife PE – Secretário do visitador Frei Carlos de São José, bispo do Maranhão

HOMENAGENS PÓSTUMAS

1869 – Recife PE – Monumento em homenagem ao escritor

Frei Caneca – Brasil

Frei Caneca
Frei Caneca

Em 1982, o governo do estado de Pernambuco encarregou Cícero Dias da execução de uma pintura sobre a vida de Frei Caneca.

A encomenda requer que o artista traduza em imagens a saga de um dos mais respeitados heróis pernambucanos. Cícero decidiu contá-la através de dois painéis, cada um deles contendo 12 telas.

O primeiro descreve a revolução de 1817 e o segundo a revolução de 1824. Para entender os acontecimentos representados na obra é conveniente relembrar quanto o pensamento liberal europeu penetrou nessa região do Brasil colonial influenciando os líderes políticos, os intelectuais, a aristocracia açucareira, as irmandades, as ordens religiosas e a maçonaria.

Em 6 de março de 1817 o grupo liderado por Domingos José Martins, Gervásio Pires Ferreira, Antonio Gonçalvez Cruz e o padre João Ribeiro inicia uma rebelião depondo o governador português e organizando o governo provisório da República Pernambucana. As tropas luso-brasileiras enviadas da Bahia e do Rio de Janeiro cercaram a província e dominaram os revolucionários. Alguns chefes são enforcados, outros acabaram na prisão, como Frei Caneca.

Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca é pernambucano nascido em recife no ano de 1779. Ordenou-se sacerdote em 1801.

Caneca sendo um liberal e postulando as idéias de Rousseau coloca a soberania do povo em primeiro lugar. Premissa oposta a de José Bonifácio que considera essa soberania uma forma de despotismo. O imperador D. Pedro procura lutar contra esse despotismo ao sentir-se contrariado com a legitimação do poder popular.

Com a Convenção de Beberibe, em 1821, o governo português reconheceu a autonomia da Junta Provincial de Pernambuco. Proclamada a independência do Brasil em 1822, instalou-se em maio de 1823 a Assembléia Constituinte para votar uma Constituição para o país. Na opinião dos liberai pernambucanos, mesmo aprovado, o projeto tornou-se nulo de pleno direito, pois o grupo não representava o povo. Para Frei Canecaa independência era apenas um ato político e a convocação da Constituinte um ato jurídico. A sua dissolução deixou o país sem qualquer estrutura constitucional.

No dia de sua coroação D. Pedro I jura “defender a Constituição que estava para ser feita, se for digna do Brasil e de mim.” Em 12 de novembro de 1823 dissolveu a Assembléia Constituinte e convocou outra. O novo grupo tem de executar uma Constituição digna do Brasil e do imperador…

Na opinião, de Frei Caneca“O Brasil é que eregiu o trono e nele assentou S.M. e o assentou debaixo da condição impreterível de estar pela Constituição que o Brasil lhe desse. Como então há de ter S.M. parte no poder legislativo”?

Entre 25 de novembro de 1823 e agosto de 1824 circulou o Typhis Pernambucano denunciando a crise política nacional.

O periódico defendia uma idéia: com a Constituição “sábias leis fundamentais e cautelas prudentes, tiram ao imperador o meio de afrouxar a brida às suas paixões e exercitar a arbitrariedade.”

A câmara de Recife rejeitou oficialmente a Constituição do imperador.

Frei Caneca defendeu províncias autônomas e legitimamente representadas no governo federal, ou seja: um regime federativo.

Em 10 de junho de 1824, o Typhis publicou um texto onde alertava a população: fica desfeito o laço de união entre as províncias, à vista disso, A Assembléia Constituinte está dissolvida. O projeto de Constituição executado pelo Ministério, apesar de jurado no Rio de Janeiro, Bahia e algumas localidades sulinas, envolve perjúrio.

Para Caneca, o homem do sertão não desconhece seus direitos, seus deveres, suas liberdades e a “origem do poder dos que governam.” Ele é o primeiro a delatar a poder moderado como disfarce do imperador para recuperar sua posição de titular de um estado patrimonial. Em suas idéias insinuou o direito à revolução. O frade carmelita e os outros chefes do movimento organizaram a Divisão Constitucional da Confederação do Equador.

O governador Manuel de Carvalho abandonou o cargo, refugiando-se em um navio inglês. As tropas de Lima e Silva tomaram a cidade. Entre novembro de 1824 e janeiro de 1825 a Comissão Militar agindo rapidamente, procedeu as prisões e os julgamentos dos confederados. As execuções começaram com a de Frei Caneca, em 13 de janeiro e continuaram até meados do ano. Antes de encerrar é conveniente lembrar que o radicalismo liberal dos movimentos manteve-se, exclusivamente, nos limites da defesa do regime constitucional e da autonomia provincial. Esses acontecimentos serviram de catalizador à invenção criativa de Cícero Dias. O artista abarcou de um modo completo a essência da situação histórica de Frei Canecae confederados, julgados pelo crime de defender a liberdade e os direitos constitucionais. Mas, Cícero entendia bem disso, pois trata-se de uma doença presente no sangue dos pernambucanos, ainda hoje.

Frei Caneca – Morte

Frei Caneca
Frei Caneca

Teórico e um dos líderes da Confederação do Equador, Joaquim do Amor Divino Rabelo nasceu no Recife, a 20 de abril de 1779, filho do fabricante de vasilhas de flandre Domingos da Silva Rabelo e da doméstica Francisca Alexandrina Siqueira.

Aos 22 anos de idade ordenou-se frade carmelita, no Convento do Carmo no Recife, e ganhou o apelido de Frei Caneca.

Intelectual respeitado em Pernambuco, torna-se professor de retórica, poesia, geometria e filosofia. Participa da Revolta Pernambucana de 1817, é preso, juntamente com outros líderes do movimento, e mandado a Salvador, Bahia, só sendo libertado em 1821, quando retorna ao Recife.

A 25 de dezembro de 1823, começa a publicar o seu jornal Typhis Pernambucano, através do qual defende idéias liberais e a Constituição e ataca o poder absolutista.

Quando, em 1824, Dom Pedro I outorga a Constituição Imperial, aumenta a agitação liberal em Pernambuco e, a 02 de julho, os revolucionários proclamam a Confederação do Equador. A 29 de novembro daquele mesmo ano, a repressão imperial derrota os revolucionários que são recolhidos à cadeia, no Recife.

A 18 de dezembro de 1824, é instalada a comissão militar (presidida pelo coronel Francisco de Lima e Silva, pai de Duque de Caxias) para o julgamento de Frei Caneca, que é condenado à forca.

A 13 de janeiro de 1825, é preparado o cenário para o enforcamento, no Forte das Cinco Pontas, no Recife, mas três carrascos não têm coragem de enforcá-lo.

Frei Caneca, então, é fuzilado, naquele mesmo dia e local, por um pelotão comandado pelo coronel Francisco de Lima e Silva

Frei Caneca – Escritor

Frei Caneca
Frei Caneca, um dos maiores idealizadores da Confederação do Equador

 

O primeiro número do periódico O Thyphis Pernambucano foi publicado no natal de 1823.

Nele, frei Caneca lamenta e critica a dissolução da Constituinte, em 12 novembro 1823.

Através de uma nítida leitura da noção de pacto social de Rousseau, frei Caneca argumenta no O Thyphis Pernambucano que o contrato social se havia rompido com o golpe do “18 brumário” brasileiro (a dissolução da Assembléia Constituinte), estando as províncias desobrigadas de qualquer associação com o Rio de Janeiro, livres e autônomas para criarem novo governo. Este, que talvez seja o principal argumento para fundamentar a Confederação do Equador, aparece particularmente no O Typhis Pernanbucano, mas Rousseau é citado raramente.

Frei Caneca lança mão, porém, dos outros argumentos típicos dos ideólogos do republicanismo, como o antimonarquismo, o império da lei, a liberdade como não dominação e o regime de virtude cívica.

O padre carmelita demonstra vastos conhecimentos dos clássicos do pensamento político antigos e modernos.

Apenas para se ter uma idéia, relaciona-se a seguir os autores antigos e modernos por ele citados explicitamente:

1º] Antigos: Cícero, Platão, a Bíblia, Tito Livio, Tácito, Lucio Florio, Horácio, Eustáquio, Ático, Quinto Curcio, Quintiliano, Ovídio Nasão, Juvenal, Cornelio Nepote, Heraclito, Demócrito, Theophrastus.
2º] Modernos: Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Hamilton (mencionado uma vez), Santo Agostinho, Erasmo, Puffendorf, Grocio, Vatel, Locke (mencionado 2 vezes), abade Mably, Calmet, Facciolati, Diniz, du Champ, Marquês Louis-Antoine de Caraccioli, Blackstone, Lalli-Tolendal, Marmotel, Mr. Duclos, Bonnin “o padre mestre frei Bento Jeronimo Feijoo”, abade Raynal e o padre Antonio Vieira. E também poetas como Camões, Antonio Diniz da Cruz e Silva, (1731-1799), e José de Santa Rita Durao. São apenas mencionados Copernico, Galileu, Newton, Bernoullis, Euler, Lambert, Mr. De la Condamine.

Neste momento, porém, só nos interessa a influência dos clássicos do republicanismo. Os estudos de Pocock, Quentin Skinner, Philip Pettit e de americanos como Paul Rahe sugerem que o republicanismo moderno é uma ideologia desenvolvida por autores como Maquiavel, James Harrington, Montesquieu e Rousseau (ver nota 3). O republicanismo também se fundamente, porém, nos clássicos da antiguidade, principalmente em Cícero.

Frei Caneca demonstra ter grande influência de Cícero, que talvez seja o pensador da antiguidade de maior influência sobre o padre carmelita pernambucano. Isto transparece, p. ex., no panfleto “Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão”, frei Caneca usa o “De legibus Latin” deste ” grande orador e filósofo romano” para sustentar o privilegio da pátria de direito à pátria de lugar

Um dos principais argumentos de frei Caneca é a idéia de virtude cívica, de Cícero, que sublinha que o ser humano nasceu mais para os outros e para a sociedade, que para si mesmo. Ele cita as palavras textuais de Cícero: “A pátria… é a coisa mais jocunda de todas as do mundo; é preferível a todos os demais ofícios do homem; o seu amor encerra em si todos os amores. De todas as sociedades nenhuma há mais grave, nem mais cara, do que aquela, que cada um de nós tem com a república…”

Além de Cícero, cita ainda autores como Quinto Curcio, Planco, Voltaire, Puffendorf, Salustio e Tito Lívio para sustentar que o dever verdadeiro do cidadão patriota é obedecer o governo e trabalhar pelo bem público, “a pública necessidade”, “o bem da sua república”. Frei Caneca diz, p. ex., que o cidadão deve “nada olhar como vantajoso para si, que o não seja também para a república”

Para concluir seu argumento, ele retoma novamente Cícero, que diz: o homem “nasceu para a sociedade dos outros homens”.

Em seguida menciona textualmente Platão: o ser humano “não é somente seu, pois, como diz Platão, no seu nascimento tem uma parte a pátria, a outra os amigos”.

E finaliza com uma citação de Cícero: “[O ser humano,] Vivendo com a dignidade própria do homem, sem abjeção e vileza, e detestando a soberba, só quer para a república as coisas tranquilas e honestas; estima em mais a saúde de seus cidadãos, do que a própria vida”

Nestes trechos, note-se que mais importante que o uso da palavra “república”, que aqui não se refere a uma forma específica de governo, mas significa sociedade.

Ou seja, mais importante que o usa da palavra “república” é a defesa que frei Caneca faz da virtude cívica, um dos pilares do republicanismo.

Dos pensadores do republicanismo moderno, além de Rousseau, Montesquieu é provavelmente o mais influente. Ao contrário de Rousseau, Montesquieu é algumas vezes citado por frei Caneca.

Frei Caneca cita Montesquieu, p. ex., ao questionar as doutrinas do periódico Regulador Brazileiro, redigido pelo padre Sampaio. O padre Sampaio defendia o poder absoluto do imperador Pedro, que se efetivaria através da adoção, pelo monarca, de poderes como o veto absoluto, a iniciativa das leis, a direção da força armada e a criação de duas câmaras.

Frei Caneca argumenta, a partir de Montesquieu, que na antiguidade clássica vigorou o veto absoluto, mas nunca isso foi concomitante ao poder de iniciativa de leis.

Vejamos a citação, em que ele cita uma edição em latim de “O Espírito das Leis”:

naquelas república antigas, o povo em massa debatia e resolvia os negócios, por isso então, como diz Montesquieu (Esp. Leg. Tom. 1, fl. 231), era muito cofnorme com a razão e a natureza das coisas, que o poder executivo propuzesse os negócios, e os debatesse e resolvesse com o povo…

Frei Caneca critica a possibilidade de se adotar o veto absoluto pois crê que o poder de veto dado ao imperador implantaria uma tirania no Brasil. Tal sistema político iria restringir o poder legislativo e iria cercear a liberdade.

Frei Caneca cita, para sustentar seu argumento, a noção de liberdade de Montesquieu:

Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está unido ao executivo, não há liberdade; porque pode-se temer, que o mesmo monarca, ou o mesmo senado faça leis tiranicas para ele as executar tiranicamente´ (Esp. Leg. Lib. 11, cap. 6)

Frei Caneca argumenta que o poder de veto do monarca na Inglaterra é restringido pela força dos outros poderes, e pela falta de propriedade e patrimônio do chefe da nação.

E novamente recorre a Montesquieu para qualificar a noção de liberdade:

[Tais fatores fazem com que, na Inglaterra, ] o veto concedido ao monarca não possa tiranizar a nação, nem oprimir a liberdade política do cidadão, ´aquela tranqüilidade de espírito, que provém da opinião em que está cada um da sua segurança´ (Montesq. Ep. L. 41, 11, cap. 6)

Frei Caneca retoma novamente esta noção de liberdade em O Typhis Pernambucano, ao argumentar que uma das conseqüências da dissolução da Assembléia Constituinte, em 12 novembro 1823, seria um sistema político despótico que escravizaria os cidadãos.

Nas palavras de frei Caneca, se a Assembléia “não for sem perda de tempo reunida”, a conseqüência será:

…a evaporação da liberdade política, que proclamamos, e porque nos temos sacrificado. A liberdade política é, como diz Montesquieu, De l´Esp. Des Lois lib. 2. cap. 6., aquela tranqüilidade de espírito, que goza o cidadão, nascida da opinião, que tem cada um da sua segurança. Para que esta exista, é necessário que o governo seja tal, que um cidadão não possa temer outro cidadão, e jamais esta se pode encontrar e gosar naqueles estados, em que se acham depositados nas mesmas mãos os dois poderes, legislativo e executivo; pois pode-se temer que o mesmo soberano não faça leis tiranicas para ele as executar tiranamente. E não se reunido outra vez imediatamente a assembléias dissolvida… não ficam reunidas nas mesmas mãos os poderes legislativo e executivo?

Ressalte-se a preocupação com a liberdade, um dos pilares do republicanismo. O conceito de liberdade aqui difere tanto da liberdade negativa quanto da liberdade positiva.

É uma outra noção de liberdade, mais próxima da idéia de fuga da arbitrariedade: a liberdade como não dominação, um dos conceitos mais fundamentais e originais do republicanismo.

Note-se que frei Caneca aqui cita a edição francesa do “Espírito das Leis”.

Frei Caneca também se diz um adepto do método de análise de Montesquieu. E só procura mostrar ao leitor que a dissolução da Constituinte é o indício de um projeto monárquico-absolutista no Brasil, porque tem em mente “a máxima lembrada, e posta em prática por Montesquieu ´de se não esgotar de tal maneira um assunto, que se não deixe nada a fazer aos leitores´…”

Fonte: nethistoria.com/alb.com.br/www.cicerodias.com.br/www.camara.gov.br

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