Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), poeta Português, era natural de Setúbal.
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Seu pai tinha realizado nomeações judiciais e administrativos importantes, e sua mãe, de quem tomou seu último sobrenome, era filha de um vice-almirante Português de nascimento francês que lutou na batalha de Matapan.
Bocage começou a fazer versos na infância e ser um pouco de um prodígio cresceu para ser lisonjeado, auto-consciente e instável.
Na idade de quatorze anos, de repente ele deixou a escola e se juntou ao sétimo regimento de infantaria; mas cansativo de vida guarnição de Setúbal depois de dois anos, ele decidiu entrar na Marinha.
Ele procedeu-se à Academia da Marinha Real em Lisboa, mas em vez de estudar perseguiu amor aventuras, e para os próximos cinco anos queimaram incenso em muitos altares, enquanto sua memória retentiva e extraordinário talento para a improvisação lhe valeu uma série de admiradores e virou a cabeça.
As modinhas brasileiras, pequenos poemas rimados cantadas a uma guitarra em festas de família, eram muito populares na época, e Bocage adicionado à fama por escrever um número destes, por sua habilidade em improvisar versos sobre um determinado tema, e por alegórico idílica peças, de que os sujeitos são semelhantes aos de Watteau e imagens de Boucher.
Em 1786 ele foi nomeado guarda-marinha na Marinha indiana, e ele chegou a Goa por meio do Brasil em outubro.
Lá, ele entrou em uma sociedade ignorante cheio de intrigas mesquinhas, onde seus talentos particulares encontrado nenhum escopo para exibir-se; o glamour do Oriente deixou-o indiferente eo clima trouxe uma doença grave.
Nestas circunstâncias ele comparou as tradições heróicas de Portugal na Ásia, que induziu-o a sair de casa, com a realidade, e escreveu seus sonetos satíricos sobre a decadência do Império Português na Ásia, e os dirigidos a Affonso de Albuquerque e D. João de Castro.
A irritação causada por estas sátiras, juntamente com rivalidades em assuntos de amor, tornou aconselhável para ele deixar Goa, e no início em 1789, obteve o cargo de tenente da companhia de infantaria em Damão, na Índia; mas ele prontamente desertou e fez o seu caminho para Macau, onde chegou em julho-agosto.
De acordo com uma tradição muito moderna dos “Lusíadas” tinha sido escrito lá, e Bocage provavelmente viajou para a China sob a influência de um outro poeta Português clássico, Luís de Camões, de cuja vida e infortúnios ele gostava de comparar a sua própria.
Embora ele tenha escapado da pena de sua deserção, ele não tinha recursos e viveu com amigos que lhe deram ajuda para regressar a Lisboa em meados do ano seguinte.
De volta a Portugal, encontrou sua antiga popularidade, e retomou sua existência errante.
A idade foi uma das reações contra o Marquês para as reformas de Pombal, e do famoso intendente de polícia, Pina Manique, em sua determinação de impedir a entrada de propaganda revolucionária e ateísta francesa, proibiu a importação de clássicos estrangeiros ea discussão de todas as idéias liberais.
Daí o único veículo de expressão esquerda era uma sátira, que Bocage empregada com uma mão impiedosa.
Sua pobreza obrigou a comer e dormir com amigos como o frade turbulento José Agostinho de Macedo, e ele logo caiu sob suspeita com Manique. Ele se tornou um membro da Nova Arcadia, uma sociedade literária fundada em 1790, sob o nome de Elmano Sadino, mas deixou-o três anos depois.
Embora incluindo em suas fileiras a maioria dos poetas da época, a Nova Arcadia produziu pouco de mérito real, e em pouco tempo seus adeptos tornaram-se inimigos e aconteceu uma guerra de palavras com raiva.
Mas a reputação de Bocage entre o público em geral e com os viajantes estrangeiros crescia ano a ano.
Beckford, o autor de “Vathek”, por exemplo, descreve-o como um, ágil, jovem de aparência estranha e pálida, a mais estranha, mas talvez a mais original das criaturas poéticas de Deus. Este personagem estranho e versátil pode ser dito possuir a verdadeira varinha de encantamento que na vontade de seu mestre quer anima ou petrifica.
Em 1797 inimigos de Bocage pertencente ao Novo Arcadia adiada para Manique, que, sob o pretexto proporcionada por alguns anti versos -religiosos, a Epistola de Marília, e pela sua vida solta, prendeu-o quando ele estava prestes a fugir do país e apresentou-o no Limoeiro, onde passou seu trigésimo segundo aniversário. Seus sofrimentos induziu-o a uma retratação rápida, e depois de muito importunar amigos, ele obteve a sua transferência em novembro de prisão estadual para que da Inquisição, em seguida, um tribunal leve, e logo depois recuperou sua liberdade.
Ele retornou à sua vida boêmia e subsistiu por escrito vazio Elogios Dramáticos para os teatros, os volumes de impressão de versos e traduzir os poemas didáticos de Delille, Castel e outros, alguns de segunda categoria peças francesas.
Esses recursos e a ajuda do irmão Freemasons apenas lhe permitiu existir, e uma influência purificadora entrou em sua vida na forma de uma verdadeira afeição pelas duas belas filhas de D. Antonio Bersane Leite, que tirou dele versos de verdadeiro sentimento misto com arrependimentos para o passado.
Ele teria se casado com a senhora mais nova, Anna D. Perpétua (Analia), mas os excessos havia arruinado sua saúde.
Em 1801, sua rivalidade com o poeta Macedo tornou-se mais aguda e pessoal, e terminou por saque a partir do Bocage um poema de improviso ardor, Pena de Talião, que continua a ser um monumento a seus poderes de invectivas.
Em 1804, a doença (sífilis) a partir da qual ele sofreu aumento, e a aproximação da morte inspirou alguns belos sonetos, incluindo uma dirigida a D. Maria, irmã mais velha de Analia, que visitou e consolou-o.
Ele se tornou reconciliado com seus inimigos, e deu seu último suspiro no 21 de dezembro de 1805 de um aneurisma.
Bocage – Vida
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Poeta português.
Árcade e pré-romântico, sonetista notável, um dos precursores da modernidade em seu país.
Árcade e pré-romântico, Bocage foi um dos primeiros a anunciar a modernidade em Portugal, pelos conflitos que dão força e contundência a seu estilo poético.
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal em 15 de setembro de 1765.
Filho de um advogado sem recursos e de mãe francesa, em 1783 alistou-se na marinha de guerra, embarcando para a Índia três anos depois.
Viveu em Goa, Damão e Macau. No regresso a Lisboa (1790), apaixonou-se pela mulher do irmão e se entregou à boêmia, escrevendo versos sobre a desilusão amorosa e as dificuldades materiais. Aderindo à Nova Arcádia com o nome de Elmano Sadino, logo satirizou os confrades a afastou-se do grupo, continuando rebelde, dissoluto, e obsedado pelo paralelismo biográfico com Camões.
Em 1797 foi preso ao divulgar o poema “Carta a Marília”, que começa com “Pavorosa ilusão de eternidade”. Acusado de impiedade e antimonarquismo, passou meses nas masmorras da Inquisição, de onde saiu para o convento dos oratorianos. Aí se conformou às convenções religiosas e morais da época. Ao voltar à liberdade, Bocage levou vida regrada mas melancólica e de privações, traduzindo autores latinos e franceses.
Maior poeta da língua no século XVIII, Bocage é vítima até hoje de sua própria fama e dos preconceitos que despertou.
Sonetista admirável e freqüentemente à altura de seu ídolo Camões, excede-o aqui e ali no arrojo e no niilismo dos motivos: “Louca, cega, iludida humanidade” é algo já distante da atitude clássica e tem um último verso que chega a parecer existencialista: “Pasto da Morte, vítima do Nada!” Assim é também seu individualismo, seu conflito entre o amor físico e a morte, sua morbidez e atração pelo horror, em meio a versos, às vezes, quase coloquiais.
Bocage publicou apenas as Rimas (1791-1804), em três volumes. Seus versos eróticos e burlescos circulam até hoje em edições clandestinas.
Morreu em Lisboa, em 21 de dezembro de 1805.
Bocage – Poeta
Nascimento: 15 de setembro de 1765, Setúbal, Portugal
Falecimento: 21 de dezembro de 1805, Lisboa, Portugal
De ascendência francesa, por parte da mãe, o setubalense Manuel Maria Barbosa du Bocage veio ao mundo em 15 de Setembro de 1765. Usou o nome lítero-associativo de “Elmano Sadino” (Manuel do Sado).
Ficou órfão de pai e mãe desde muito criança, não conhecendo suficientemente a educação doméstica, pelo que teve uma juventude desregrada. Aos 14 anos é militar e aos 16 elemento discente (aprendiz) da Academia Real da Marinha, cujo curso não seguiu seriamente. Cinco anos mais tarde parte para Goa, com breve permanência no Rio de Janeiro. Entretanto, já lugar-tenente de infantaria, é transferido para Damão. Daqui deserta para Macau; nesta viagem é surpreendido por um grande ciclone, que lha alonga e, nestes transes, ele mesmo se equiparou a Luís de Camões, seu modelo espiritual, que pretende imitar.
Em 1790 regressa a Portugal, muito nostálgico, instalando-se em Lisboa, onde, de imediato, o visitou a fama, quer como jovem mordaz, quer como poeta lírico.
Quando saiu a primeira edição das “Rimas”, foi convidado para ingressar na Academia Literária “Nova Arcádia”. Pouco tempo depois insurge-se contra os demais árcades e não mais frequenta a Academia. Ei-lo, assim, uma vez mais, no seio da vagabundagem, da rebeldia, do inconformismo; todavia, Bocage nunca foi aquele abjeto, vil, lascivo e repugnante impudente que, injustamente, a fama popular aponta.
Em 1797 é conduzido à penitenciária de Lisboa, por ordem de Pina Manique, sob o pretexto de ter escrito a sátira intitulada “Pavorosa Ilusão da Eternidade”, onde negava o carácter eterno das penas do Inferno. Depois esteve na eminência de ser deportado para Angola, valendo-lhe a proteção de um amigo influente.
Acusado de subversor político, de ímpio e de libertino, do Limoeiro é transferido para o cárcere do Santo Ofício e inclausurado no Mosteiro de S. Bento da Saúde, a seu pedido. Finalmente, transita para a congregação de S. Filipe de Nery, de onde sai completamente regenerado e espiritualmente equilibrado – salvo em alguns ápices em que a muito custo se retrai a acenos de desespero. Passa a trabalhar honrada e perseverantemente na tradução de clássicos latinos e de autores, principalmente seus contemporâneos, como o poeta clérigo Tiago Delille e Saint-Pierre. Deste modo ganhava o sustento para si e para uma irmã.
O grande génio prima sobretudo nos sonetos, embora no seu tempo o apreciassem mais no género da censura, do cinismo e da ridicularização, na verdade engenhoso e cheio de graça – sobretudo nos epigramas. Usou todas as modalidades líricas e a sua produção é superabundante, embora, frequentemente, a qualidade desminta o talento do grande mestre, atendendo a que a maior parte da obra é fruto da necessidade de improvisar, que o ambiente lhe impunha.
De qualquer forma possuía as mais generosas faculdades: imaginação, viveza, génio, inspiração, propriedade, vibração, sensibilidade. Os seus versos, por vezes, elevam-se à sublimidade, mas quase sempre o seu poder criador é suplantado por meras exigências ocasionais e a poesia desce mesmo à banalidade, em algumas circunstâncias.
Partiu do mundo dos vivos no dia 21 de Dezembro de 1805.
Bocage – Biografia
Bocage, poeta lírico neoclássico português, que tinha pretensão a vir a ser um segundo Camões, mas que dissipou suas energias numa vida agitada. Nasceu em Setúbal, em 15/09/1765 e morreu em Lisboa (21/12/1805), aos 40 anos de idade, vítima de um aneurisma. Nos últimos anos o poeta vivia com uma irmã e uma sobrinha, sustentando-as com traduções de livros didáticos.
Para viver seus últimos dias, inclusive, teve de valer-se de um amigo (José Pedro da Silva) que vendia, nas ruas de Lisboa, suas derradeiras composições: Improvisos de Bocage na Sua Mui Perigosa Enfermidade e Coleção dos Novos Improvisos de Bocage na Sua Moléstia.
Filho de um advogado, fugiu de casa aos 14 anos para juntar-se ao exército. Foi transferido para a Armada dois anos depois. Como integrante da Academia da Armada Real, em Lisboa, dedicou seu tempo a casos amorosos, poesia e boêmia.
Em 1786 foi enviado, tal qual seu herói Camões, para a Índia (Goa e Damão) e, também como Camões, desiludiu-se com o Oriente. Depois, por vontade própria e à revelia de seus superiores, dirigiu-se a Macau, voltando a Portugal em 1790. Ingressou então na Nova Arcádia — uma academia literária com vagas vocações igualitárias e libertárias —, usando o pseudônimo de Elmano Sadino. Contudo, de temperamento forte e violento, desentendeu-se com seus pares, e suas sátiras a respeito deles levou à sua expulsão do grupo. Seguiu-se uma longa guerra de versos que envolveu a maior parte dos poetas lisboetas.
Em 1797, acusado de heresia, dissolução dos costumes e idéias republicanas, foi implacavelmente perseguido, julgado e condenado, sendo sucessivamente encarcerado em várias prisões portuguesas. Ali realizou traduções de Virgílio, Ovídio, Tasso, Rousseau, Racine e Voltaire, que o ajudaram a sobreviver seus anos seguintes, como homem livre.
Ao recuperar a liberdade, graças à influência de amigos, e com a promessa de criar juízo, o poeta, envelhecido, parece ter abandonado a boêmia e zelado até seus últimos momentos por impor aos seus contemporâneos uma imagem nova: a de homem arrependido, digno e chefe de família exemplar.
Sua passagem pelo Convento dos Oratorianos (onde é doutrinado, logo após sua saída da cadeia) parece ter contribuído para tal.
Portugal, na época de Bocage, era um império em ruínas, imerso no atraso, na decadência econômica e na libertinagem cortesã, feita às custas da miséria de servos e operários, perpetuando o pantanal cinzento do absolutismo e das atitudes inquisitoriais, da Real Mesa Censória e dos calabouços destinados aos maçons e descontentes.
Ninguém encarnou melhor o espírito da classe dirigente lusitana do fim do século XVIII do que Pina Manique. Ex-policial e ex-juiz, conquistou a confiança dos poderosos, tornando-se o grande senhor do reinado de D. Maria I (só oficialmente reconhecida como louca em 1795), reprimindo com grande ferocidade tudo o que pudesse lembrar as “abomináveis idéias francesas”. Graças a ele, inúmeros sábios, cientistas e artistas conheceram o caminho do exílio.
Bocage usou vários tipos de versos, mas fez o melhor no soneto. Não obstante a estrutura neoclássica de sua obra poética, seu intenso tom pessoal, a freqüente violência na expressão e a auto-dramatizada obsessão face ao destino e à morte, anteciparam o Romantismo.
Suas poesias, Rimas, foram publicadas em três volumes (1791, 1799 e 1804). O último deles foi dedicado à Marquesa de Alorna, que passou a protegê-lo.
Os poemas não censurados do autor são geralmente convencionais e bajulatórios, copiando a lição dos mestres neoclássicos e abusando da mitologia, uma espécie de poesia acadêmica feita por e para iniciados. Outra parcela de sua obra é considerada pré-romântica, trazendo para poesia o mundo pessoal e subjetivo da paixão amorosa, do sofrimento e da morte.
Já sua poesia censurada surgiu da necessidade de agradar ao público que pagava: com admirável precisão, o poeta punha o dedo acusador nas chagas sociais de um país de aristocracia decadente, aliada a um clero corrupto, comprometidos ambos com uma política interna e externa anacrônica para aquele momento.
Também está presente ali a exaltação do amor físico que, inspirado no modelo natural, varre longe todo o platonismo fictício de uma sociedade que via pecado e imoralidade em tudo o que não fosse convenientemente escondido.
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, no dia 15 de Setembro de 1765.
Neto de um Almirante francês que viera organizar a nossa marinha, filho do jurista José Luís Barbosa e de Mariana Lestoff du Bocage, cedo revelou a sua sensibilidade literária, que um ambiente familiar propício incentivou.
os 16 anos assentou praça no regimento de infantaria de Setúbal e aos 18 alistou-se na Marinha, tendo feito o seu tirocínio em Lisboa e embarcado, posteriormente, para Goa, na qualidade de oficial.
Na sua rota para a Índia, em 1786, a bordo da nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena”, passou pelo Rio de Janeiro, onde se encontrava o futuro Governador de Goa.Nesta cidade, teve oportunidade de conhecer e de impressionar a sociedade, tendo vivido na Rua das Violas, cuja localização é atualmente desconhecida.
Em Outubro de 1786, chegou finalmente ao Estado da Índia. A sua estadia neste território caracterizou-se por uma profunda desadaptação. Com efeito, o clima insalubre, a vaidade e a estreiteza cultural que aí observou, conduziram a um descontentamento que retratou em alguns sonetos de carácter satírico.
Nomeado, na qualidade de segundo Tenente, para Damão, de imediato reagiu, tendo desertado.
Percorreu, então, as sete partidas do mundo: Índia, China e Macau, nomeadamente. Regressou a Portugal em Agosto de 1790. Na capital, vivenciou a boémia lisboeta, frequentou os cafés que alimentavam as ideias da revolução francesa, satirizou a sociedade estagnada portuguesa, desbaratou, por vezes, o seu imenso talento.
Em 1791, publicou o seu primeiro tomo das Rimas, ao qual se seguiram ainda dois, respectivamente em 1798 e em 1804.
No início da década de noventa, aderiu à “Nova Arcádia”, uma associação literária, controlada por Pina Manique, que metodicamente fez implodir. Efetivamente, os seus conflitos com os poetas que a constituíam tornaram-se frequentes, sendo visíveis em inúmeros poemas cáusticos.
Em 1797, Bocage foi preso por, na sequência de uma rusga policial, lhe terem sido detectados panfletos apologistas da revolução francesa e um poema erótico e político, intitulado “Pavorosa Ilusão da Eternidade”, também conhecido por “Epístola a Marília”.
Encarcerado no Limoeiro, acusado de crime de lesa-majestade, moveu influências, sendo, então, entregue à Inquisição, instituição que já não possuía o poder discricionário que anteriormente tivera. Em Fevereiro de 1798, foi entregue pelo Intendente Geral das Polícias, Pina Manique, ao Convento de S. Bento e, mais tarde, ao Hospício das Necessidades, para ser “reeducado”. Naquele ano foi finalmente libertado.
Em 1800, iniciou a sua tarefa de tradutor para a Tipografia Calcográfica do Arco do Cego, superiormente dirigida pelo cientista Padre José Mariano Veloso, auferindo 12.800 réis mensalmente.
A sua saúde sempre frágil, ficou cada vez mais debilitada, devido à vida pouco regrada que levara. Em 1805, com 40 anos, faleceu na Travessa de André Valente em Lisboa, perante a comoção da população em geral. Foi sepultado na Igreja das Mercês.
A literatura portuguesa perdeu, então, um dos seus mais lídimos poetas e uma personalidade plural, que, para muitas gerações, incarnou o símbolo da irreverência, da frontalidade, da luta contra o despotismo e de um humanismo integral e paradigmático.
Iconografia Bocageana
Se Camões foi o poeta dos intelectuais, Bocage foi adoptado pelo povo português como porta-voz das suas expectativas, ambições e reivindicações.
Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, foi-se sedimentando um anedotário que tinha o escritor como principal interveniente. Por outro lado, as transgressões aos valores instituídos também eram de imediato identificadas com o nome deBocage. Deste modo, foi-se tecendo uma lenda que continua ainda a ser alimentada.
A personalidade e a obra do poeta foram retratadas em dezenas de biografias, em oito peças de teatro, canções, múltiplos poemas, bem como em dois filmes – um português, dirigido por Leitão de Barros, em 1936, e um brasileiro, de Djalma Limongi, em 1998. Os artistas plásticos também têm querido homenagear a figura deste poeta setubalense. Entre aqueles que contribuíram com óleos, desenhos, gravuras ou caricaturas para o imortalizar, contam-se Júlio Pomar, Lima de Freitas, Vasco, Fernando Santos, Júlio Gil e Luciano Santos.
Em 1998, foi fundado, em Setúbal, o Centro de Estudos Bocageanos, que tem como escopo divulgar a obra e dinamizar a investigação acerca de Bocage. Foram realizadas por esta associação várias sessões de poesia, tendo ainda sido publicados uma coleção de postais, que reconstitui a prisão do escritor, e um livro que inclui as traduções de fábulas, bem como as de La Fontaine, por si escrupulosamente traduzidas.
Bocage Lírico
A poesia lírica de Bocage apresenta duas vertentes principais: uma, luminosa, etérea, em que o poeta se entrega inebriado à evocação da beleza das suas amadas (Marilia, Jónia, Armia, Anarda, Anália), expressando lapidarmente a sua vivência amorosa torrencial:
Eu louco, eu cego, eu mísero, eu perdido,
De ti só trago cheia, ó Jónia, a mente:
Do mais e de mim mesmo ando esquecido.
outra, noturna, pessimista, depressiva em que manifesta a incomensurável dor que o tolhe, devido à indiferença, à traição, à ingratidão ou à ” tirania” de Nise, Armia, Flérida ou Alcina.
Estas assimetrias são um lugar-comum na obra de Bocage, plena de contrários. São ainda o corolário do seu temperamento arrebatado e emotivo.
A dialéctica está bem patente nos seus versos: “Travam-se gosto e dor; sossego e lida… É lei da Natureza, é lei da Sorte Que seja o mal e o bem matiz da vida!”
Na sua poética prevalece a segunda vertente mencionada, o sofrimento, o “horror”, as “trevas”, fato que o faz, com frequência, ansiar pela sepultura, “refúgio me promete a amiga Morte”, como afirma nomeadamente.
A relação que tem com as mulheres é também melindrosa, precária. O ciúme “infernal” rouba-lhe o sono, acentua-lhe a depressão.
Bocage considera que a desventura que o oprime é fruto de um destino inexorável, irreversível, contra o qual nada pode fazer.
A “Fortuna”, a “Sorte”, o “Fado”, no seu entender, marcaram-no indelevelmente para o sofrimento atroz, como se depreende dos seguintes versos: “Chorei debalde minha negra sina”, “em sanguíneo carácter foi marcado pelos Destinos meu primeiro instante”.
Outro aspecto relevante a ponderar na avaliação da poesia de Bocage é a dialéctica razão/sentimento.
Com efeito, existe um conflito aberto entre a exuberância do amor, também físico, a sua entrega total, e a contenção e a frieza do racional: “Razão, de que me serve o teu socorro? Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo; Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro”,
ou ainda quando escreve: “contra os sentidos a razão murmura”.
Bocage viveu num período de transição, conturbado, em convulsão. A sua obra espelha essa instabilidade. Por um lado, reflete as influências da cultura clássica, cultivando os seus géneros, fazendo apelo à mitologia, utilizando vocabulário genuíno; por outro lado, é um pré-romântico pois liberta-se das teias da razão, extravasa com intensidade tudo o que lhe vai na alma, torrencialmente expressa os seus sentimentos, faz a apologia da solidão
Marilia, nos teus olhos buliçosos Os Amores gentis seu facho acendem; A teus lábios, voando, os ares fendem Terníssimos desejos sequiosos.
Teus cabelos subtis e luminosos Mil vistas cegam, mil vontades prendem; E em arte aos de Minerva se não rendem Teus alvos, curtos dedos melindrosos.
Reside em teus costumes a candura, Mora a firmeza no teu peito amante, A razão com teus risos se mistura.
És dos Céus o composto mais brilhante; Deram-se as mãos Virtude e Formosura, Para criar tua alma e teu semblante.
Bocage: Poeta da Liberdade
Quando Bocage regressou do Oriente, a Revolução Francesa estava no seu auge e constituía um paradigma para muitos intelectuais europeus, que se reviam na trilogia igualdade, fraternidade e liberdade. Estes conceitos libertadores foram universalmente disseminados, tendo desempenhado um papel fundamental na independência dos Estados-Unidos e na eclosão do liberalismo.
Os princípios da Revolução Francesa foram amplamente divulgados através de livros e de folhetos que entravam em Portugal por via marítima, nomeadamente pelos portos de Lisboa e de Setúbal. Mais tarde, eram discutidos pelos cafés de Lisboa, que constituíam locais privilegiados de subversão relativamente ao poder instituído. Este, por sua vez, sob a mão férrea de Pina Manique, teceu uma extensa rede de agentes repressivos que vigiava zelosamente aqueles locais frequentados por apologistas das ideias francesas.
Bocage vivenciou a boémia lisboeta e foi, certamente, um dos dinamizadores de intermináveis discussões políticas e de críticas aceradas ao regime. Tal prática quotidiana esteve na origem do seu encarceramento em 1797, acusado de crime de lesa-majestade. Com efeito, alguns dos seus poemas revelaram-se particularmente críticos para com a sociedade vigente, que se caracterizava pela intolerância e pela recusa dos ideais democráticos.
Eis um soneto elucidativo:
“Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:
Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.
Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,
Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext’rior, não tiranizas
Do livre coração a independência.”
Além das odes à liberdade, Bocage compôs outros poemas que se radicaram no ideário político. Com efeito, fez a apologia de Napoleão, que consolidou a Revolução Francesa, a quem apelidou de “novo redentor da Natureza”, criticou a nobreza, manifestou a sua ironia relativamente a um clero que se pautava pela incoerência entre o que apregoava e o que fazia, tendo ainda retratado causticamente classes sociais privilegiadas.
Bocage Satírico
Arguto observador da sociedade, Bocage foi a consciência crítica de uma ordem social que se encontrava em profunda mutação. Neste contexto, não surpreende que tenha cultivado a sátira, género que estava em sintonia com a sua personalidade e que servia integralmente os seus desígnios de carácter reformador.
As sátiras de Bocage tiveram como alvo, entre outros, a “Nova Arcádia”, associação de escritores incentivada por Pina Manique. Nela se praticava o elogio mútuo, sendo a produção poética de pouca qualidade e estritamente de acordo com os cânones clássicos.
A rivalidade entre Bocage e alguns dos poetas que constituíam aquela academia, rapidamente se tornou um lugar comum das sessões dirigidas por Domingos Caldas Barbosa, escritor e músico oriundo do Brasil, que foi particularmente visado na sátira bocageana. Sucederam-se, então, os ataques pessoais em quadra ou em soneto, alguns dos quais se caracterizaram por uma extrema violência. José Agostinho de Macedo, o temido “Padre Lagosta”, Belchior Curvo Semedo, Luís França Amaral, entre outros, foram severamente retratados por Bocage, que por sua vez sofreu impiedosos ataques daqueles árcades.
Eis um soneto cáustico de Bocage, evocativo de uma sessão da “Nova Arcádia”:
“Preside o neto da rainha Ginga
À corja vil, aduladora, insana.
Traz sujo moço amostras de chanfana,
Em copos desiguais se esgota a pinga.
Vem pão, manteiga e chá, tudo à catinga;
Masca farinha a turba americana;
E o oragotango a corda à banza abana,
Com gesto e visagens de mandinga.
Um bando de comparsas logo acode
Do fofo Conde ao novo Talaveiras;
Improvisa berrando o rouco bode.
Aplaudem de contínuo as frioleiras
Belmiro em ditirambo, o ex-frade em ode.
Eis aqui de Lereno as quartas-feiras.”
A crítica acutilante de Bocage estendeu-se também ao clero. Em causa estava a incoerência daquela classe social, que apregoava do púlpito a virtude e tinha uma prática quotiana que se encontrava exatamente nos antípodas. Por outro lado, o poeta manifestou-se sempre contra uma concepção fundamentalista da religião, que tinha como pedra de toque o medo e o castigo eterno.
Eis uma quadra satírica atribuída a Bocage, que visa o clero: “Casou-se um bonzo da China Com uma mulher feiticeira Nasceram três filhos gémeos Um burro, um frade e uma freira.”
Outros setores da sociedade foram também fustigados pela pena de Bocage. Com efeito, a nobreza, os médicos, os tabeliães, bem como alguns tipos sociais encontram-se retratados na sua obra.
Poesia Erótica de Bocage
Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;
Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;
Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,
Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
O erotismo tem sido cultivado com alguma frequência na literatura portuguesa. Encontramo-lo, por exemplo, nas “Cantigas de Escárnio e Mal-dizer”, no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em Gil Vicente, em Camões cujo canto IX dos Lusíadas nos dá um fresco dos prazeres dos nautas portugueses inebriados por mil sereias.
No presente século, Fernando Pessoa, curiosamente nos seus English Poems, Mário de Sá-Carneiro, Guerra Junqueiro, António Botto, Melo e Castro, Jorge de Sena, entre muitos outros, celebraram nos seus escritos os rituais de Eros.
No século XVIII prevalecia um puritanismo limitador. Com efeito, era difícil uma pessoa assumir-se integralmente, de corpo e alma. Tabus sociais, regras estritas, uma educação preconceituosa, a moral católica tornavam a sexualidade uma vertente menos nobre do ser humano. Por outro lado, uma censura férrea mutilava indelevelmente os textos mais ousados e a omnipresente Inquisição demovia os recalcitrantes. Em presença desta conjuntura, ousar trilhar a senda do proibido, transgredir era, obviamente, um apelo inexorável para os escritores, uma maneira salutar de se afirmarem na sua plenitude, um imperativo categórico.
Em Bocage, a transgressão foi pedra de toque, o conflito generalizado. As suas críticas aceradas aos poderosos, a determinados tipos sociais, ao novo-riquismo, à mediocridade, à hipocrisia, aos literatos, o seu anti-clericalismo convicto, a apologia dos ideais republicanos que sopravam energicamente de França, a agitação que disseminava pelos botequins e cafés de Lisboa, o tipo de vida , “pouco exemplar” para os vindouros e para os respeitáveis chefes de família e a sua extrema irreverência tiveram como corolário ser considerado subversivo e perigoso para a sociedade.
Poder-se-á afirmar que a poesia erótica de Bocage adquiriu uma dimensão mais profunda do que a que foi composta anteriormente. Pela primeira vez, é feito um apelo claro e inequívoco ao amor livre. A “Pavorosa Ilusão da Eternidade – Epístola a Marília”, constitui uma crítica contundente ao conceito de um Deus castigador, punitivo e pouco sensível ao sofrimento da humanidade – à revelia dos ideais cristãos – que grande parte do clero perfilhava; mas também consubstancia um ato de subversão na medida em que convida Marília “à mais velha cerimónia do mundo”, independentemente da moral vigente e dos valores cristalizados. Estava, à luz dos conceitos da época, de certa maneira, a minar as bases da sociedade, pondo em causa a própria família.
O referido poema, bem como o seu estilo de vida, estiveram na origem do seu encarceramento, por ordem irreversível de Pina Manique, irrepreensível guardião da moral e dos costumes da sociedade. A prisão do Limoeiro, os cárceres da Inquisição, o Mosteiro de S. Bento e o Hospício das Necessidades, por onde sucessivamente passou para ser “reeducado”, não o demoveram da sua filosofia de vida, estuante de liberdade, interveniente, pugnando pela justiça, assumindo-se integralmente, ferindo os sons da lira em demanda do apuro formal que melhor veiculasse as suas legítimas preocupações.
Só cerca de cinquenta anos após o falecimento de Bocage, foram publicados pela primeira vez as suas poesias eróticas. Corria o ano de 1854 e apareceram na sequência da publicação criteriosa das obras completas, em 6 volumes, pelo emérito bibliógrafo Inocêncio da Silva.
Para evitar a sua apreensão e os tribunais, a obra saiu clandestinamente, sem editor explícito e com um local de edição fictício na capa: Bruxellas.
Este fato de se não referir o editor foi prática comum até à implantação da República. Embora feitas em Portugal, anonimamente, as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas apresentaram como local de edição sucessivamente Bruxellas (1860, 1870, 1879, 1884, 1899, 1900), Bahia (1860, 1861), Rio de Janeiro (1861), Cochinchina (1 885), Londres (1900), Paris (1901, 1902, 1908, 1908), Amsterdam (1907) e Leipzig (1 907). Malhas que a implacável censura tecia…
As Cartas de Olinda a Alzira – que constituem um caso inédito na literatura portuguesa, pois são um relato das primícias sexuais de uma jovem, na primeira pessoa, como assinala Alfredo Margarido – por sua vez, são dadas à estampa nos finais do século passado com as precauções proverbiais: sem a menção da data, editor, local ou organizador.
Com o advento da República, a liberdade de expressão, grosso modo, foi uma realidade. Estavam reunidas as condições objetivas e subjetivas para a Guimarães Editores assumir a publicação de Olinda e Alzira, em 1915.
Nos anos que se seguiram ao 28 de Maio de 1926, mais concretamente durante o consulado de Salazar, a censura foi reinstalada e a poesia erótica de Bocage voltou à clandestinidade, fazendo parte do índex de livros proibidos. Circulava sub-repticiamente, em edições anónimas, teoricamente feitas em “London”, apresentando as datas de 1926 ou 1964.
Coincidiu com a primavera marcelista, nos finais da década de 60, a publicação das obras completas de Bocage, superiormente dirigida por Hernâni Cidade. Em edição de luxo, a editorial Artis, fascículo a fascículo, foi estampando toda a obra poética. O último volume contemplava as poesias eróticas. Num prefácio bem tecido, aquele biógrafo justificava a sua inclusão, fazendo notar a tradição do erotismo na poesia portuguesa, mencionando inclusivamente mulheres que, sem falsos pudores, analisaram esta problemática, caso concreto de Carolina Michaêlis, “que às riquezas do espírito altíssimo juntava os tesouros do coração modelar de esposa e mãe.”
O fato desta obra ser vendida por fascículos e consequentemente não estar acessível ao grande público nas livrarias, bem como as razões aduzidas por Hernâni Cidade, terão convencido os ciosos censores.
Com o 25 de Abril, têm-se sucedido as edições, sem a preocupação de um estudo introdutório que perspectiva o erotismo na obra deBocage. O lucro fácil prevaleceu em detrimento da verdade literária. Tendo em consideração que Bocage deixou muito poucos autógrafos manuscritos dada a sua proverbial dispersão, não se pode ter a certeza relativamente à autoria de algumas poesias eróticas que circulam como se do poeta fossem. Com efeito, a primeira edição da sua poesia erótica, dada à luz em 1854, terá sido publicado a partir de um caderno manuscrito que incluía cópias de composições de vários autores anónimos. Umas serão certamente do seu estro poético, outras, está provado hoje em dia, foram compostas por Pedro José Constâncio, Sebastião Xavier Botelho, Abade de Jazente e João Vicente Pimentel Maldonado. Porém, de imediato, foram identificados como se da pena de Bocage tivessem saído, pois a sua fama de libertino era marcante na época.
Curioso é ainda o fato de essas composições continuarem a fazer parte do corpo das edições das Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas que se publicam nos tempos que correm. É urgente fazer-se uma análise estilística – tarefa de extrema dificuldade – e identificar-se, na medida do possível, os poemas que são da autoria de Bocage, os que poderão eventualmente sê-lo e retirar ou colocar em apêndice os que manifestamente não lhe pertencem.
Bocage Tradutor
Uma vertente menos conhecida da obra de Bocage é, indesmentivelmente, a tradução. Com efeito, os seus biógrafos só muito levemente focaram esta sua intensa atividade.
Bocage possuía uma sólida formação clássica.
Na adolescência aprendeu latim com um padre ephol, Don Juan Medina. Mais tarde, na sequência da morte da mãe, teve como mestre alguém pouco sensível aos atributos da persuasão, como o próprio Bocage evocava: “Se continuo mais tempo, aleija-me.”
O escritor beneficiava ainda do fato de ser de origem francesa, língua que, consequentemente, dominava com maestria.
A primeira tradução de que há notícia remonta ao ano de 1793. Porém, só a partir de 1800 enveredou por uma atividade sistemática como tradutor. Coincide esta opção com um período de sedentarização de Bocage, cuja saúde se encontrava prematura e seriamente minada, e com um convite de José Mariano Velloso, diretor da famosa, pelas suas exemplares estampas, Tipografia Calcográfica do Arco do Cego.
Em 1800, foi dado à luz o livro de Delille Os Jardins ou a Arte de Afformosear as Paisagens, vertido para a língua portuguesa porBocage. Esta publicação foi pretexto para os seus múltiplos adversários fazerem violentos reparos à sua tradução.
O poeta respondeu-lhes contundentemente, um ano depois, no prólogo do livro de Ricardo Castel As Plantas. Apelida-os de “aves sinistras”, “corvos de inveja”, “malignos”, “maldito, grasnador, noturno enxame que voar não podendo, odeia os voos”, “zoilos”, entre outros epítetos pouco lisonjeiros.
Nos ataques viscerais que Bocage sofreu, distinguiu-se José Agostinho de Macedo, arqui-inimigo desde a “Arcádia Lusitana”, que subscreveu a composição “Sempre, oh Bocage, as sátiras serviram…” Pulverizando a argumentação do seu opositor, Elmano compôs a célebre sátira Pena de Talião, segundo reza a tradição, de um só fôlego, sob extrema emotividade. A polémica entre ambos foi alimentada por diversas vezes, até 1805, data do falecimento de Bocage, havendo, porém, a registar a reconciliação entre ambos, pouco antes do infausto desenlace. Reacendeu-se, porém, mais tarde quando os seus discípulos se envolveram com José Agostinho de Macedo, fazendo-lhe acusações gravosas, ao que parece fundamentadas.
Da autoria de Bocage é a tradução dos seguintes livros: “Eufemia ou o Triunfo da Religião de Arnaud (1793), As Chinelas de Abu-Casem: Conto Arabico (1797), Historia de Gil Braz de Santilhana de Le Sage (1798), Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paisagens de Delille (1800), Canto Heroico sobre as Façanhas dos Portugueses na Expedição de Tripoli (1800) e Elegia ao lllustrissimo (…) D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1800) ambos da autoria do poeta brasileiro José Francisco Cardoso, As Plantas de Ricardo Castel (1801), O Consórcio das Flores: Epistola de La Croix (1801), Galathéa (1802) de Florian, Rogerio e Victor de Sabran ou o Tragico Effeito do Ciume (1802) e Ericia ou a Vestal (1805) de Arnaud.
Postumamente foi publicada a tradução de Paulo e Virginia de Bernardin de Saint-Pierre. Corria o ano de 1905 e foi lançada no âmbito da comemoração do primeiro centenário do falecimento de Bocage. O autógrafo manuscrito pertencera a Camilo Castelo Branco que o ofereceu ao editor Lello; este, por sua vez, doou-o à Biblioteca Municipal do Porto, onde se encontra, neste momento, depositado.
Nas suas traduções, Bocage contemplou os clássicos – Ovídio, Horácio, Virgílio, Alceu, Tasso – bem como autores modernos, Voltaire, La Fontaine, entre outros.
A maneira cuidada como o poeta empreendeu as suas traduções é-nos descrita por ele próprio no prólogo a Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paizagens: ” … lhe apresento esta versão, a mais concisa, a mais fiel, que pude ordená-la, e em que só usei o circunlóquio dos lugares, cuja tradução literal se não compadecia, a meu ver, com a elegância, que deve reinar em todas as composições poéticas.
Registe-se ainda o fato de Bocage se manifestar ostensivamente contra o uso de galicismos que enxameavam a nossa língua.
Bocage – Poeta
Bocage e as Ninfas – Pintura de Fernando Santos UMuseu de Setúbal)
A vida da maioria dos poetas é, até certo ponto, desvinculada da sua obra. No caso de Bocage, isso não ocorre porque obra e vida estão tão ligadas que pode-se entender a vida desse excepcional poeta por meio de sua obra e vice-versa.
Um fato indiscutível sobre Bocage é a imagem de obsceno que o acompanha ao longo da história, mas essa fama trata-se de uma injustiça, pois Bocage foi um dos mais sérios e complexos poetas de toda a nossa história literária.
Para entender melhor porque Bocage ficou conhecido como libertino e como foi a sua vida clique nos links ao lado e viaje na vida de um dos maiores sonetistas da história da Literatura Portuguesa.
Origem
15 de outubro de 1765, nasce em Setúbal o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Ele é o quarto dos seis filhos do advogado José Luís Soares Barbosa e de Maria Joaquina Lestof du Bocage.
Desde cedo Bocage entra em contato com as letras. Aos oito anos escreve e lê com certa desenvoltura e logo surgem as primeiras composições, que superam os dotes artísticos do pai, que também versejava.
“Das faixas infantis despido apenas, Sentia o socro fogo arder na mente; Meu terno coração inda inocente Iam ganhando as plácida Camenas.”
Depois da morte da mãe, quando o poeta tinha apenas dez anos, Bocage é mandado estudar com D. João de Medina, com quem aprende Latim, língua essa que lhe seria muito útil nas posteriores atividades como tradutor.
Bocage aprende ainda francês com o pai e italiano sendo, nessa língua, segundo alguns biógrafos, autodidata.
Por volta de 1781 Bocage foge de casa e assenta praça, como soldado, no regimento de Setúbal. Dois anos depois ingressa no corpo da Marinha Real e vai para Lisboa onde entra em contato com a boemia e a vida intelectual desse lugar.
O Bocage dessa época é um poeta atraído pelos clássicos gregos e também pelos clássicos da sua terra, como por exemplo:
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Os versos de Bocage, nessa fase, estão presos aos valores literários da época. Eles são corretíssimos, ou seja, perfeitos na rima e na métrica, porém, são pouco originais e nada espontâneos.
O próprio Bocage criticou, anos mais tarde, a a sua falta de criatividade, como pode ser observado no fragmento do soneto abaixo:
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:
Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:
E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.
Ainda nesse período, sua poesia está repleta de Marílias, Fílis, Nises e tantas outras ninfas que se transformam em pastoras e vivem sob o clima pastoril que caracterizou as produções Árcades. A ninfa de maior destaque é Gertrúria, devido a quantidade de versos a ela dedicados, acredita-se que ela tenha sido o maior dos amores do poeta.
Amores
Amores, Bocage teve muitos. E isso contribuiu para que o poeta ficasse conhecido ao longo da história como namorador e libertino. Em seus poemas surgem os nomes de Marília, Ritália, Márcia, Gertrúria etc. Há quem diga que todas elas são mulheres por quem o poeta enamorou-se.
As duas primeiras, correspondem a Maria Margarida Rita Constâncio Alves, que alguns estudiosos apontam como a maior paixão do poeta. Márcia é um anagrana de Maria Vicencia e Gertrúria é Gertrudes Homem de Noronha, filha do governador da Torre de Outão em Setúbal, por quem o poeta enamorou-se logo cedo. Devido a quantidade de versos dedicados a Gertrúria, tudo leva a crer que tenha sido ela o grande amor do poeta.
Ao seguir para a Índia, Bocage faz um poema expressando os seus sentimentos amororos:
“Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentes
Dos braços de Gertrúria carinhosa:
Trocas do Tejo a margem deleitosa
Por bárbaro país, bárbaras gentes?
Um tigre te gerou se dó não sentes
Vendo tão consternada e tão saudosa
A tágide mais linda e mais mimosa;
Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentes
(…)”
Cabe aqui uma pergunta: Se Bocage estava realmente apaixonado por Getrúria por que abandonou o seu amor e seguiu viagem para Goa? Por receio de seus atos boêmios! Para seguir o caminho traçado por Camões! Para tentar carreira militar! Para conseguir um nome ilustre e ser digno de Gertrudes! Todas essas são possíveis respostas para essa pergunta, mas nenhuma delas pode ser comprovada com argumentos lógicos.
Goa
A Goa que Bocage encontra é muito diferente daquela que Afonso de Albuquerque conquistou e que se tornou o mais importante centro comercial do Oriente.
Seus governantes se vangloriam do seu luxo e riqueza, mas tudo isso é apenas aparente porque Goa está em franca decadência, o império está falido e a corrupção toma conta dos seus habitantes.
Tudo isso deixa o poeta indignado como se pode ver no fragmento do soneto abaixo.
“Das terras a pior tu és, ó Goa, Tu pareces mais ermo, que cidade; Mas alojas em ti maior vaidade que Londres, que Paris, ou que Lisboa”
Bocage, nos 28 meses que ficou em Goa, entrega-se a novos amores e pratica uma intensa vida boêmia. Vida essa que o deixa acamado por algum tempo.
Depois de recuperado, toma parte, em prol da causa portuguesa, na “Conspiração dos Pintos”, manifestação dos goeses com a intenção de expulsar os europeus do seu solo.
Devido a participação nessa luta, Bocage é promovido a tenente de Infantaria e, a 14 de março de 1789, é transferido para Damão. No entanto, o poeta permanece pouco tempo nesse lugar, porque ele deserta da Marinha Real, logo em seguida, e segue para Macau. Vale lembrar que nessa época a deserção não era considerada uma falta tão grave, como nos dias de hoje.
Durante a viagem seu barco é atingido por um ciclone e ele acaba aportando em Cantão. Ali, apesar da vida ter-lhe sido muito dura,Bocage obtem meios para chegar a Macau, onde generosamente é acolhido por um comerciante local que o apresenta ao Governador e esse o auxilía no regresso a Portugal.
Amargo Regresso
O Bocage que regressa a Lisboa em 1790 é o mesmo poeta que havia partido há quatro anos, ou seja, as viagens pelo Brasil, Goa, Cantão e Macau de nada serviram para o enriquecimento de sua poesia.
Esse panorama só é alterado quando Bocage descobre que Gertrudes, o seu grande amor, havia se casado justamente com seu irmão Gil Bocage. Isso faz com que o poeta passe a levar uma vida totalmente desgarrada. Desnorteado, ele se entrega a bebida e ao fumo. Sua presença na boêmia de Lisboa é cada vez mais constante e Bocage começa a ganhar fama de obsceno.
Essa reputação faz com que o nome Bocage, para as pessoas que não conhecem a sua obra, tenha o significado de pervertido, coisa ruim, de mal gosto etc.
Nessa época, por ser um homem que freqüentava as ruas, Bocage entra em contato com os ideais da Revolução Francesa, lê os iluministas e conhece o liberalismo político e cultural.
Tudo isso faz com que a poesia de Bocage sofra visíveis transformações, o poeta é um vulcão que derrama sonetos e mais sonetos que defendem essas novas idéias.
“Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:
Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.
Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,
Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext’rior, não tiranizas
Do livre coração a independência.”
Nova Arcádia
Em 1790 Bocage ingrassa na Nova Arcádia. Essa Instituição foi fundada nesse mesmo ano por Domingos Caldas Barbosa e pretendia dar continuidade às idéias da Arcádia Lusitana ou Ulissiponense.
Entre os principais ideais da Nova Arcádia estão a Inutilia truncat, cortar o inútil; a retomada da concisão e clareza que foi desprezada pelo Barroco; valorização da paisagem campestre, considerada ideal para a realização do amor (locus amenus); a busca da harmonia entre a razão e o sentimento.)
Os integrantes da Nova Arcádia se reuniam todas às quartas-feiras para a leitura e declamações de poemas. Por isso, essa reuniões ficaram conhecidas como “quarta-feiras de Lereno”.
Além disso, cada membro tinha que adotar um nome literário, espécie de pseudônimo. Domingos Caldas adotou o nome de Lereno, Bechior Semedo, o de Belmiro. O nome escolhido por Bocage foi Elmano Sadino. Elmano é uma inversão do nome Manoel (EL/MANO/EL) e Sadino vem de Sado, rio banha Setúbal, cidade em que o poeta nasceu.
O tempo de permanência de Bocage nessa instituição foi curto, durou apenas quatro anos, e foi muito conturbado. Devido a vários conflitos ideólogicos e literários com os membros da Nova Arcádia, Bocage é expulso dessa agremiação por irreverência, boemia e insubmissão às normas acadêmicas.
Nessa época o “Bocage Satírico” mostra toda a sua força ao ridicularizar seus adversários, o principal deles era Domingos Caldas, presidente/fundador da Nova Arcádia, a quem Bocage retrata, em seus versos, como demônio, cão pachorrento etc.
No ano de 1794 a Nova Arcádia é extinta, sendo que o próprio Bocage colaborou muito para que isso ocorresse. Dessa forma, percebe-se que Bocage fez parte da fase decadente do Arcadismo e não do período áureo desse movimento. Reforçando essa idéia, temos ainda o fato de várias de suas poesias criticarem o formalismo da Nova Arcádia e o convencionalismo daquela época.
Aos sócios da Nova Arcádia
Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas;
Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais as vossas maravilhas,
Deixai Elmano, que, inocente e honrado
Nunca de vós se lembra, meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado.
E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,
De perna erguida sobre vós mijando.
Sofrimentos
A pena Satírica de Bocage não atacou apenas os membros e as regras estilísticas da Nova Arcádia. Somam-se a essa lista os poderes da Inquisição, o despotismo da Monarquia portuguesa e o fanatismo religioso.
O pensamento irreverente e liberal de Bocage, que se traduzia em versos aplaudidos e repetidos pelo povo, faz com que o poeta seja preso após a divulgação da “Epístola a Marília” ou “Pavorosa Ilusão da Eternidade” e de um soneto dedicado a Napoleão, obras essas, consideradas uma ameça a segurança do Estado e da Igreja.
Bocage é conduzido, em 1797, à prisão do Limoeiro. Nesse mesmo ano é transferido para o Hospício de Nossa Senhora das Necessidades onde o Frei Joaquim de Fôios está incumbido de doutrinar o poeta.
Assim foi o fim do primeiro Bocage.
No entanto, após a prisão nos cárceres da Inquisição, surge um outro Bocage que agora está reconciliado com os princípios religiosos e com os companheiros da Nova Arcádia, a quem ironizou.
Esse novo Bocage é considerado por muitos estudiosos como um poeta menor que o primeiro. Isso se dá porque o Bocage que ficou na memória do povo é o poeta boêmio, satírico e erótico que freqüentava, principalmente, o bar do Niocola, que fazia uma poesia que rompia com os padrões neoclássicos e que popularizou-se de tal modo que chegou ao Brasil e ainda permanece vivo em um imenso anedotário, de bom e mal gosto, que lhe é atribuído.
Depois de libertado, Bocage, para sustentar sua irmã, Maria Francisca, que está desamparada, passa a exercer atividades de tradutor e tarefas similares.
Já Bocage não sou! . . . À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento . . .
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa! . . . Tivera algum merecimento,
Se um raio de razão seguisse, pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
“Outro aretino fui . . . A santidade
Manchei . . . Oh!, se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na Eternidade!”
Cabe aqui uma pergunta: Será que o poeta, após cumprir sua pena, realmente arrependeu-se? Alguns de seus sonetos nos mostram que sim. No entanto, seus hábitos boêmios, que ao longo dos anos delibitaram a saúde e que o levam a morte, vitíma de um aneurisma, em 21 de dezembro de 1805, não mudaram totalmente e isso nos dá a entender que não.
Arrependido ou não, Bocage, devido à perspectiva de morte que se aproximava, torna-se emotivo, sensível, e mergulha sua poesia em um profundo subjetivismo.
Dessa forma, Bocage despe-se totalmente do figimento Neoclássico e prepara o terreno para o advento do Romantismo.
Pavorosa ilusão de Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D’almas vãs sonho vão, chamado inferno;
Sistema de política opressora,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenena delícias inocentes!
Tais como aquelas que o céu fingem:
Fúrias, Cerastes, Dragos, Centimanos,
Perpétua escuridão, perpétua chama,
Incompatíveis produções do engano,
Do sempiterno horror horrível quadro,
(Só terrível aos olhos da ignorância)
Não, não me assombram tuas negras cores,
Dos homens o pincel, e a mão conheço:
Trema de ouvir sacrílego ameaço
Quem d’um Deus quando quer faz um tirano:
Trema a superstição; lágrimas, preces,
Votos, suspiros arquejando espalhe,
Coza as faces co’a terra, os peitos fira,
Vergonhosa piedade, inútil vênia
Espere às plantas de impostor sagrado,
Que ora os infernos abre, ora os ferrolha:
Que às leis, que às propensões da natureza
Eternas, imutáveis, necessária,
Chama espantosos, voluntários crimes;
Que as vidas paixões que em si fomenta,
Aborrece no mais, nos mais fulmina:
Que molesto jejum roaz cilico
Com despótica voz à carne arbitra,
E, nos ares lançando a fútil bênção,
Vai do grã tribunal desenfadar-se
Em sórdido prazer, venais delícias,
Escândalo de Amor, que dá, não vende.
Fonte: www.astrotheme.com/br.geocities.com/www.olharliterario.hpg.ig.com.br/www.mundocultural.com.br
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