As Asas de um Anjo

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José de Alencar

PRÓLOGO

(Em casa de Antônio. Sala pobre)

CENA PRIMEIRA

(Carolina, Margarida e Antônio)

(CAROLINA defronte a um espelho, deitando nos cabelos dois grandes laços de fita azul. MARGARIDA cosendo junto à janela.ANTÔNIO sentado num mocho, pensativo.)

Carolina – É quase noite!…

Margarida – Que fazes aí, Carolina? Já acabaste a tua obra?… Prometeste dá-la pronta hoje.

Carolina – Já vou, mãezinha; falta apenas tirar o alinhavo. Olhe! Não fico bonita com meus laços de fita azul?

Margarida – Tu és sempre bonita; mas realmente essas fitas nos cabelos dão-te uma graça!… Pereces um daqueles anjinhos de Nossa Senhora da Conceição.

Carolina – É o que disse o Luís, quando as trouxe da loja. Tínhamos ido na véspera à missa e ele viu lá um anjinho que tinha as asas tão azuis, cor do céu! Então lembrou-se de dar-me esses laços… Assentam-me tão bem, não é verdade?

Margarida – Sim; mas não sei para que te foste vestir e pentear a esta hora; já está escuro para chegares à janela.

Carolina – Foi para experimentar o meu vestido novo, mãezinha… Quis ver como hei de ficar quando formos domingo ao Passeio Público…

Margarida – Ora, ainda hoje é terça-feira.

Carolina – Que mal faz!

Margarida – Está bom, vai aprontar a obra; a moça não deve tardar. É verdade!

CENA II

Margarida e Antônio

Margarida – Não sei o que tem a nossa filha! Às vezes anda tão distraída…

Antônio – Quantos são hoje do mês, Margarida?

Margarida – Pois não sabes? Vinte e seis.

Antônio (contando pelos dedos) – Diabo! Ainda faltam quatro dias para acabar! Precisava receber uns cobres que tenho na mão do mestre e só no fim da semana… Que maçada!

Margarida – Não te agonies, homem! O dinheiro que deste ainda não se acabou; e hoje mesmo aquela moça deve vir buscar os vestidos que mandou fazer por Carolina.

Antônio – Quanto ela tem de dar?

Margarida – Três vestidos a cinco mil-réis… Faz a conta.

Antônio – Quinze mil-réis, não é?

Margarida – Quinze justos. Já vês que não nos faltará dinheiro; podes dormir descansado que amanhã terás o teu vinho ao almoço.

Antônio – Ora Deus! Quem te fala agora em vinho? Não é para ti, nem para mim, que preciso de dinheiro. (MARGARIDA acende a vela com fósforos)

Margarida – Para quem é então, homem?

Antônio – Para Carolina.

Margarida – Ah! Queres fazer-lhe um presente?

Antônio – Tens idéias! Não!… Sim!… (Rindo) É um presente que ela há de estimar.

Margarida – Não; sim… Explica-te, se queres que te entenda.

Antônio – Lá vai. Há muitos dias que ando para te falar nisto; mas gosto de
negócio dito e feito. Estive a esperar o fim do mês pela razão que sabes, do
dinheiro; e o fim do mês sem chegar. Enfim hoje, já que tocamos no ponto, vou contar-te tudo. ( Chega-se à porta da esquerda.)

Carolina – Margarida está lá dentro; podes falar.

Antônio – Não reparaste ainda numa coisa?

Margarida – Em quê?

Antônio – Nos modos de Luís com a pequena. Como ele a trata.

Margarida – Quer dizer que Luís é um rapaz sisudo e trabalhador.

Antônio – Só?… Mais nada!

Margarida – Não sei que mais se possa ver em uma coisa tão natural.

Antônio . Escuta, Margarida, tu te lembras quando eu era aprendiz de marceneiro, e que te via em casa de teu pai, que Deus tenha em sua glória.
Tu te lembras? Também te tratava sério…

Margarida – Então pensas que Luís tem o mesmo motivo?…

Antônio – Penso; e eu cá sei o que penso.

Margarida – Descobriste alguma coisa?

Antônio – Oh! se descobri! um companheiro lá da tipografia muito seu amigo me contou que ele tinha uma paixão forte por uma moça que se chama Carolina.

Margarida – Ah! Anda espalhando!…

Antônio – Não estejas já a acusar o pobre rapaz; ele não disse a ninguém.

Um dia no trabalho… Mas tu sabes como é o trabalho dele?

Margarida – Não; nunca vi.

Antônio – Nem eu; porém disseram que é fazer com umas letras de chumbo o mesmo que escreve o homem do jornal. Pois nesse dia, Luís que estava com o juízo cá na pequena, que havia de fazer?…

Margarida – O quê?

Antônio – Em vez do que estava escrito deitou Carolina, Carolina, Carolina…

Uma folha cheia de Carolina, mulher! No dia seguinte a nossa filha andava com o jornal por essas ruas!

Margarida – Santa Maria! Que desgraça, Antônio!

Antônio – Espera, Margarida; ouve até o fim. Tem lá um homem, o contramestre da tipografia, que se chama revisor; assim que ele viu a nossa filha, quero dizer o nome, pôs as mãos na cabeça; houve um grande barulho; mas como o rapaz é bom trabalhador acomodou-se tudo. É daí que o companheiro soube e me disse.

Margarida – Psiu!… Aí vem ela.

Antônio – Melhor! Acaba-se com isto de uma vez.

Margarida – Não lhe fales assim de repente.

Antônio – Por quê? Gosto de negócio dito e feito.

Margarida – Mas Antônio…

Antônio – Não quero ouvir razões. (EntraCAROLINAcom uma pequena bandeja cheia de vestidos.)

OS MESMOS E CAROLINA

Carolina – Ainda cose, mãezinha? Isto cansa-lhe a vista.

Margarida – Estou acabando; pouco falta. Vem cá. Tenho que te dizer uma coisa.

Carolina – Ah! Quer ralhar comigo, não é?

Antônio – E muito, muito; porque ainda hoje não te vieste sentar perto de mim como é teu costume para me contares uma dessas histórias bonitas que lês no jornal de Luís.

Carolina – Estive trabalhando; mas agora… Aqui estou. Quer saber as novidades?

Antônio – Não; hoje sou eu que te vou contar uma novidade; mas uma novidade…

Carolina – Qual é? Quero saber.

Antônio – Já estás curiosa! Quanto mais me adivinhasses…

Carolina – Ora diga!

Antônio – Esta mãozinha pequenina que escreve e borda tão bem, precisa de outra mão forte que trabalhe e aperte ela assim.

Carolina – Que quer dizer, meu pai?

Antônio – Não te assustes. As moças hoje já não se assustam quando se lhes fala em casamento.

Carolina – Casamento!… Eu, meu pai?… Nunca!…

Antônio – Então hás de ficar sempre solteira?

Mas eu não desejo casar-me agora. Mãezinha, eu lhe peço!…

Margarida – Ninguém te obriga; ouve o que diz teu pai; se não quiseres, está acabado. Não é assim, Antônio?

Antônio – Decerto. (À CAROLINA) Tu bem sabes que eu não faço nada que não seja do teu gosto.

Carolina – Pois não me fale mais de casamento. Fico logo triste.

Margarida – Por que, Carolina? É com a idéia de nos deixares?

Carolina – Sim, mãezinha; vivo tão bem aqui.

Antônio – Pois continuarás a viver: Luís mora conosco.

Carolina – Como, meu pai!… É ele… É Luís que…

Antônio – É ele que eu quero dar-te por marido. Gosta muito de ti e além disto é teu parente.

Carolina – Meu Deus!

Margarida – Tu não podes achar um moço mais bem comportado e trabalhador.

Antônio – E que há de ser alguma coisa, porque tem vontade, e quando se mete em qualquer negócio vai adiante. Pobre como é, estuda mais do que muito doutor.

Carolina – Eu sei, meu pai. Tenho-lhe amizade, mas amor… não!

Antônio – Pois é o que basta. Quando me casei com tua mãe ela não sabia
que história era essa de amor; e nem por isso deixou de gostar de mim, e ser uma boa mulher.

Margarida – Entretanto, Antônio, não há pressa; Carolina há de fazer dezoito anos pela Páscoa.

Carolina – É verdade, mãezinha; sou muito moça; posso esperar…

Antônio – Esperar!… Não entendo disto; quero as coisas ditas e feitas. Tu tens amizade a teu primo; ele te paga na mesma moeda; portanto só falta ir à igreja. Domingo…

Carolina – Meu pai!… Por quem é!…

Margarida – Ouve, Antônio; é preciso também não fazer as coisas com precipitação. (LUÍS aparece)

Antônio – Não quero ouvir nada. Domingo… está decidido.

Carolina – Ah! Mãezinha, defenda sua filha!…

Margarida – Que posso eu fazer, Carolina? Tu não conheces o gênio do teu pai!! Quando teima…

Antônio – Não é teima, mulher. Luís há de ser um bom marido para ela. Se não fosse isto não me importava. Quero-lhe tanto bem como tu!

Carolina (chorando) – Se me quisesse bem não me obrigava…

Antônio – É escusado começares com choradeiras; não adiantam; o casamento sempre se há de fazer.

CENA Iii

(Os mesmos e Luís

Luís– Não, Antônio.

Carolina – Meu primo!

Antônio – Oh! Estavas aí, rapaz? Chegaste a propósito, mas que queres tu dizer?

Margarida – Ele não aceita.

Antônio – Espera, Margarida! Fala, Luís.

Luís – Tratava-se aqui de fazer Carolina minha mulher; mas faltava para isso uma condição indispensável.

Antônio – Qual?

Luís – O meu consentimento. Não pedi a mão de minha prima, nem dei a entender que a desejava.

Margarida – Mas tu lhe queres bem, Luís?

Luís – Eu, Margarida?

Antônio – Tens uma paixão forte por ela; eu sei.

Carolina – É verdade?

Luís – Parece-me que desde que moro nesta casa não dei motivos para me fazerem esta exprobração. Trato Carolina como uma irmã, ela pode dizer se nunca uma palavra minha afez corar.

Carolina – Não me queixo, Luís.

Luís – Creio, minha prima; e se falo nisto é para mostrar que seu pai se ilude: nunca tive a idéia de que um dia viesse a ser seu marido.

Antônio – Mas então explica-me essa história dos tipos.

Luís – Dos tipos?… Não sei o que quer dizer.

Margarida – Uma noite na tipografia estavas distraído e em lugar de copiar o papel, escreveste não sei quantas vezes o nome de Carolina.

Carolina – O meu nome?… Como, mãezinha?

Antônio (a LUÍS) – Ainda pretendes negar?

Luís – Mas era o nome de outra moça…

Carolina – Chama-se Carolina, como eu?

Luís – Sim, minha prima.

Antônio – Pensas muito nessa moça, para distraíres por ela a tal ponto.

Margarida – Com efeito quem traz assim a lembrança de um nome sempre na idéia…

Luís – Que fazer, Margarida? Por mais vontade e prudência que se tenha, ninguém pode arrancar o coração; e nos dias em que a dor o comprime, o nome que dorme dentro dele vem aos lábios e nos trai. Tive naquele dia esse momento de fraqueza; felizmente, não perturbou o sossego daquela que podia acusar-me. Agora mesmo ela ignora que era o seu nome.

Antônio – À vista disso decididamente não queres casar com tua prima?

Luís – Não, Antônio; agradeço mas recuso.

Antônio – Por que razão?

Luís – Porque ela… porque…

Margarida – Já não disse! Não lhe tem amor; gosta de outra.

Carolina – E vai casar com ela!

Antônio – Olha lá; se é este o motivo, está direito; mas se não tens outra em vista, diz uma palavra, e o negócio fica decidido.

Carolina – Meu pai!…

Vamos. Sim, ou não?

Luís – Não, amo a outra…

Carolina – Ah!…

Antônio – Está acabado! Não falemos mais nisto.

Carolina – Obrigada; Luís, sei que não mereço o seu amor.

Luís – Tem razão, Carolina: deve agradecer-me.

CENA IV

(Antônio, Margarida e Carolina)

Antônio – Margarida, tu conheces alguma outra moça na vizinhança que se chame Carolina?

Margarida – Não: mas isto não quer dizer nada: pode ser que aquela de quem Luís falou more em outra rua.

Antônio – Não acredito.

Carolina – Meu pai deseja por força que Luís seja meu marido. Ainda cuida que ele gosta de mim.

Antônio – Disto ninguém me tira.

Margarida – Mas, homem, não o ouviste afirmar o contrário?

Antônio – Muitas vezes a boca diz o que o coração não sente.

Carolina – Ora, meu pai, por que motivo ele encobriria?

Antônio – O motivo? Tu és quem pode dizer (Vai a sair)

Carolina – Eu?…

Margarida – Sabes que mais? Antônio, vieste hoje da loja todo cheio de visões. Que te aconteceu por lá?

Antônio – Eu te digo, mulher. Contaram-me há dias, e hoje tornaram a repetir-me, que um desses bonequinhos da moda anda rondando a nossa rua por causa de alguma menina da vizinhança.

Carolina – Ah!

Margarida – Então foi por isto que assentaste de casar Carolina?

Antônio – Uma menina solteira é um perigo neste tempo. (Saindo)Estes sujeitinhos têm umas lábias!

Margarida – Para aquelas que querem acreditar neles. (Pausa. Batem na porta.)

Carolina – Estão batendo.

Margarida – Há de ser a moça dos vestidos.

CENA VI

(Helena, Margarida e Carolina)

Helena – Adeus, menina. Boa noite, Sra. Margarida.

Margarida –Boa noite.

Carolina – Venha sentar-se.

Margarida – Aqui está uma cadeira.

Carolina (baixo, a HELENA) – E ele?…

Helena – Espere! (Alto) Então aprontou?

Carolina – Sim, senhora; todos.

Helena – E estão bem cosidos, já se sabe! Feitos por estas mãozinhas mimosas que não nasceram para a agulha, e sim para andarem dentro de luvas perfumadas.

Carolina – Luvas?… nunca tive senão um par, e de retrós.

Margarida – Quem te perguntou por isto agora?

Helena – Não faz mal; porém deixe ver os vestidos.

Carolina – Vou mostrar-lhe.

Margarida – É obra acabada às pressas; não pode estar como ela desejava.

Helena – Bem cosidos eles estão; assim me assentem.

Margarida – Hão de assentar. Carolina cortou-os pelo molde da francesa.

Carolina – Apenas fiz um pouco mais decotados como a senhora gosta.

Helena – É a moda.

Margarida – Mas descobrem tanto!

Helena – E por que razão as mulheres hão de esconder o que têm de mais bonito?

Carolina – É verdade!…

Helena (aMargarida) – Me dê uma cadeira. (MARGARIDA vai buscar uma cadeira; ela diz baixo à CAROLINA) Preciso falar-lhe.

Carolina – Sim!

Margarida (dando a cadeira) – Aqui está.

Helena – Obrigada. (Senta-se) Realmente esta menina tem muita habilidade.

Carolina – Mãezinha, Vm. vai lá dentro buscar a minha tesoura? Esqueceume abrir uma casa.

Margarida – Não queres a minha?

Carolina – Não; está muito cega.

Margarida – Onde guardaste a tua?

Carolina – No cestinho da costura. (Margarida sai à esquerda. Carolina tira do bolso a tesoura e mostra sorrindo a Helena.)

CENA VII

(Helena e Carolina)

Helena – Eu percebi!…

Carolina – Mas… Por que ele não veio?

Helena – É sobre isto mesmo que lhe quero falar. O Ribeiro mandou dizerlhe…

Carolina – O quê?…

Helena – Que deseja vê-la a sós.

Carolina – Como?

Helena – Escute. Às nove horas ele passará por aqui e lhe falará por entre a rótula.

Carolina – Para quê?

Helena – Está apaixonado loucamente por você; quer falar-lhe; não há senão este meio.

Carolina – Podia ter vindo hoje com a senhora, como costuma. Era melhor.

Helena – O amor não se contenta com estes olhares a furto e esses apertos de mão às escondidas.

Carolina – Mas eu tenho medo. Meu pai pode descobrir; se ele soubesse!…

Helena – Qual! É um instante! O Ribeiro bate três pancadas na rótula; é o sinal.

Carolina – Não! Não! Diga a ele…

Helena – Não diga nada; não me acredita, e vem. Se não falar-lhe, nunca mais voltará.

Carolina – Então deixará de amar-me!…

Helena – E de quem será a culpa?

Carolina – Mas exige uma coisa impossível.

Helena – Não há impossíveis para o amor. Pense bem; lembre-se que ele tem uma paixão…

Carolina – Aí vem mãezinha!

CENA VIII

(As mesmas, Margarida e Araújo.)

Margarida – Não achei, Carolina; procurei tudo.

Helena – Está bom; já não é preciso. Mando fazer isto em casa pela minha preta.

Araújo (Entrando pelo fundo com um colarinho postiço na mão) – A senhora me apronta este colarinho?

Margarida – A esta hora, Sr. Araújo?

Araújo – Que quer que lhe faça? Um caixeiro só tem de seu as noites. Agora mesmo chego do armarinho, e ainda foi preciso que o amo desse licença.

Margarida – Pois deixe ficar, que amanhã cedo está pronto.

Araújo – Amanhã?… E como hei de ir hoje ao baile da Vestal?

Carolina – Ah!… o senhor vai ao baile?

Araújo – Então pensa que por ser caixeiro não freqüento a alta sociedade?
Cá está o convite… Mas o colarinho? Ande, Sra. Margarida.

Margarida – Lavar e engomar hoje mesmo?

Araújo – Para as oito horas. Não quero perder nem uma quadrilha. As valsas pouco me importam…

Margarida – O senhor dá-me sempre cada maçada!…

Araújo – Deixe estar que um dia destes trago-lhe uma caixinha de agulhas.

Margarida – Veremos.

CENA IX

(Araújo, Helena e Carolina)

– Carolina, na janela –

Helena – Como está Sr. Araújo?

Araújo – A senhora por aqui… É novidade.

Helena – Também o senhor.

Araújo – Eu sou vizinho; e a Sra. Margarida é minha engomadeira.

Helena – Pois eu moro muito longe; porém mandei fazer uns vestidos para esta menina.

Araújo – Então já não gosta das modistas francesas?

Helena – Cosem muito mal.

Araújo – E dão cada tesourada! Como os alfaiates da Rua do Ouvidor… Mas assim mesmo, a senhora largar-se do Catete à Rua Formosa, em busca de uma costureira!

Helena – Que tem isso?

Araújo – Veio de carro? Está um na porta.

Helena – É o meu.

Araújo – Ahnn… Trata-se agora.

Helena – Sempre fui assim.

Araújo – Ah!… Não se lembra!… Pois olhe! Estou agora me lembrando de uma coisa.

Helena – De quê?

Araújo – Lá no armarinho, quando as fazendas ficam mofadas, sabe o que se faz?

Helena – Ora, que me importa isso?

Araújo – Separam-se umas das outras, para que não passe o mofo.

Helena – Que quer o senhor dizer?

Araújo – Quero dizer que as mulheres às vezes são como as fazendas; e que tudo neste mundo é negócio, como diz o amo.

Helena – Está engraçado!

CENA X

(Os mesmos e Margarida)

Araújo – Acha isso?

Helena – Deixai-me! Adeus, menina!

Carolina – Já vai?

Araújo – O maldito colarinho está pronto?

Margarida – Está quase.

Helena – Mande deitar estes vestidos no carro.

Margarida – Sim, senhora.

Helena – a Carolina – Adeus. (Baixo.) Veja lá! Oito horas já deram.

Carolina– Sim!

Helena – Adeus!…(A Araújo.) Boa noite!

Araújo – Viva!

Helena – Não fique mal comigo.

Araújo – Há muito tempo que conhece esta mulher, D. Carolina?

Carolina – Há um mês.

Araújo – Quem a trouxe cá?…

Carolina – Ninguém; ela precisa de uma costureira.

Araújo (a Margarida.) – Olhe que são mais de oito horas!

Margarida – Arre!… Que pressa!…

Araújo – Não se demore! Eu volto já; vou fazer a barba.

CENA XI

(Luís, Araújo e Carolina)

Luís – Não saias; quero te dar uma palavra.

Araújo – Depressa, que tenho hoje um baile.

Luís – Espera um momento. (Olhando para Carolina) Sempre na janela.

Araújo – Desconfias de alguma coisa?

Luís – Carolina!

Carolina – Ah!…Luís.

Luís – Assustei, minha prima?

Carolina – Não! Estava distraída.

Luís – Desculpe, procurei este momento para falar-lhe porque desejava pedir-lhe perdão.

Carolina – Perdão? De quê?

Luís– Não recusei a sua mão que seu pai me queria dar? Não a ofendi com essa recusa? Uma mulher deve ter sempre o direito de desprezar; o seu orgulho não admite que ninguém a prive desse direito.

Carolina – Não me ofendi com a sua franqueza, Luís. (Com ironia) Reconheci

apenas que não era digna de pertencer-lhe; outra merece o seu amor!

Luís – Esse amor que eu confessei era mentira.

Carolina – Por que confessou então? Quem o obrigou?

Luís – Ninguém. Menti por sua causa; para poupar-lhe um desgosto.

Carolina – Não o entendo.

Luís – Conhece o caráter do seu pai e sabe que quando ele quer as coisas não há vontade que lhe resista. Para tornar de uma vez impossível esse casamento, para que o meu nome não lhe cause mais tristeza, ouvindo-o associado ao título de seu marido, declarei que amava outra mulher; menti.

Carolina – E que mal havia nisso? Todos não temos um coração.

Luís – É verdade; porém o meu creio que não foi feito para o amor, e sim para a amizade. As minhas únicas afeições estão concentradas nesta casa; fora dela trabalho; aqui sinto-me viver. Um amor estranho seria como uma usurpação dos sentimentos que pertencem aos meus parentes. É por isso que só a sua felicidade me obrigaria a confessar-me ingrato.

Carolina – Não sei em que isso podia influir sobre a minha felicidade.

Luís – Quando se ama…

Carolina – Mas eu não amo.

Luís – Seja franca!

Carolina – Juro!

Luís – Não jure!

Carolina – Onde vai?

Luís – Ouvi bater na janela.

Carolina – Não!… Foi engano.

Luís – Vou ver.

Carolina – Meu primo!…

Araújo (baixo a Luís) – Um sujeito está espiando pela rótula.

Carolina (na rótula, baixo e para fora) – Espere!

Araújo (a Luís) – Sabes quem é?

CENA XII

(Os mesmos e Margarida)

Luís – Sei, ela o ama.

Araújo – E tu consentes?

Luís – Que posso fazer? Se o ofendesse ela me odiaria. Antes indiferença.

Carolina – Não era ninguém… O vento…

Luís (a Araújo) – Mente!

Margarida – Aqui tem; foi enxuto a ferro.

Araújo – A senhora é a pérola das engomadeiras. Vou-me vestir; anda, Luís.

Margarida (a Luís) – Estás hoje de folga?

Luís – Não; volto à tipografia.

Margarida – Então quando saíres cerra a porta.

Luís – Sim. Até amanhã minha prima.

Margarida – Tu não vens, Carolina?

Margarida – Já vou, mamãezinha; deixe-me tirar meus grampos.

CENA XIII

(Carolina e Ribeiro)

(Luís saindo, fecha a porta do fundo. Carolina, ficando só, apaga a vela.

Ribeiro salta na sala.)

Carolina – Meu Deus!…

Ribeiro – Carolina… Onde estás?… Não me queres falar?

Carolina – Cale-se; podem ouvir.

Ribeiro – Por isso mesmo; não esperdicemos estes curtos momentos que estamos sós.

Carolina – Tenho medo.

Ribeiro – De quê? De mim?

Carolina – Não sei!

Ribeiro – Tu não me amas, Carolina! Senão havias de ter confiança em mim;

havias de sentir-te feliz como eu.

Carolina – E o meu silêncio aqui não diz tudo? Não engano meu pai para

falar-lhe?

Ribeiro – Tu não sabes! O coração duvida sempre da ventura. Dize que me

amas. Dize, sim!

Carolina – Para quê?

Ribeiro – Eu te suplico!

Já não lhe confessei tantas vezes que lhe…

Ribeiro – Assim não quero. Há de ser: eu te…

Carolina – Eu te amo. Está contente?

Ribeiro – Agora adeus. Até amanhã.

Ribeiro – Separarmo-nos! Depois de estar uma vez perto de ti, de saber que

tu me amas? Não, Carolina.

Carolina – Mas é preciso. Ribeiro – Tu és minha. Vamos viver juntos.

Carolina – Sempre?

Ribeiro – Sempre! sempre juntos!

Carolina – Como?

Ribeiro – Vem comigo; o meu carro nos espera.

Carolina – Fugir!

Ribeiro – Fugir? não; acompanhar aquele que te adora.

Carolina – É impossível!

Ribeiro – Vem, Carolina!

Carolina – Não! Não! Deixe-me!

Ribeiro – Ah! É esta a prova do amor que me tem! Adeus! Esqueça-se de mim. Nunca mais nos tornaremos a ver.

Carolina – Mas posso abandonar minha mãe? Não posso!

Ribeiro – Eu acharei outras que me amem bastante para me fazerem esse

pequeno sacrifício.

Carolina – Outras que não terão suas famílias.

Ribeiro – Mas que terão um coração.

Carolina – E eu não tenho?

Ribeiro – Não parece.

Carolina – Antes não o tivesse.

Ribeiro – Adeus.

Carolina – Até amanhã. Sim?

Ribeiro – Para sempre.

Carolina – Amanhã… Talvez.

Ribeiro – Deve ser hoje ou nunca.

Carolina – E minha mãe?

Ribeiro – É uma separação de alguns dias.

Carolina – Mas ela me perdoará?

Ribeiro – Vendo sua filha feliz…

16

Carolina – Que dirão minhas amigas?

Ribeiro – Terão inveja de ti.

Carolina – Por quê?

Ribeiro – Porque serás a mais bela moça do Rio de Janeiro.

Carolina – Eu?

Ribeiro – Sim! Tu não nasceste para viver escondida nesta casa, espiando

pelas frestas da rótula, e cosendo para a Cruz. Estas mãos não foram feitas

para o trabalho, mas para serem beijadas como as mãos de uma

rainha.(Beija-lhe as mãos) Estes cabelos não devem ser presos por laços de

fitas, mas por flores de diamantes. (Tira os laços de fita e joga-os fora) Só a

cambraia e a seda podem roçar sem ofender-te essa pele acetinada.

Carolina – Mas eu sou pobre!

Ribeiro – Tu és bonita, e Deus criou as mulheres belas para brilharem como

as estrelas. Terás tudo isso, diamantes, jóias, sedas, rendas, luxo e riqueza.

Eu te prometo! Quando apareceres no teatro, deslumbrante e fascinadora,

verás todos os homens se curvarem a teus pés; um murmúrio de admiração

te acompanhará; e tu, altiva e orgulhosa, me dirás em um olhar: Sou tua.

Carolina – Tua noiva?

Ribeiro – Tudo, minha noiva, minha amante. Depois iremos esconder a

nossa felicidade e o nosso amor num teatro delicioso. Oh! se soubesses

como a vida é doce no meio do luxo, em companhia de alguns amigos, junto

daqueles que se ama, e à roda de uma mesa carregada de luzes e de

flores!… O vinho espuma nos copos e o sangue ferve nas veias; e os olhares

queimam como fogo; os lábios que se tocam, esgotam ávidos o cálice de

champanhe como se fossem beijos em gotas que caíssem de outros lábios…

Tudo fascina; tudo embriaga; esquece-se o mundo e suas misérias. Por fim

as luzes empalidecem, as cabeças se reclinam; e a alma, a vida, tudo se

resume em um sonho.

Carolina – Mas o sonho passa.

Ribeiro – Para voltar no dia seguinte, no outro e sempre.

Carolina – Eu também tenho meus sonhos; mas não acredito neles.

Ribeiro – E que sonhas tu, minha Carolina?

Carolina – Vais zombar de mim!

Ribeiro – Não; conta-me.

Carolina – Sonho com o mundo que não conheço! Com esses prazeres que

nunca senti. Como deve ser bonito um baile! Como há de ser feliz a mulher

que todos olham, que todos admiram! Mas isto não é para mim.

Ribeiro – Tu verás!… Vem! A felicidade nos chama.

Carolina – Espera.

Ribeiro – Que queres fazer?

Carolina – Rezar! Pedir perdão a Deus.

Ribeiro – Pedir perdão de quê? O amor não é um crime. Meu Deus!… E minha mãe?

Ribeiro – Vem, Carolina.

CENA XIV

(Os mesmos e Luís)

Carolina – Ah!

Ribeiro – Quem é este homem?

Carolina – Meu primo.

Luís – Não pense que é um rival que vem disputar-lhe sua amante. Não, senhor! Há pouco recusei a mão de minha prima que seu pai me oferecia; não a amo. Mas sou parente e devo ampará-la no momento em que vai perder-se para sempre.

Ribeiro – Não tenho medo de palavras; se quer um escândalo…

Luís – Está enganado! Se quisesse um escândalo e também uma vingança bastava-me uma palavra; bastava chamar seu pai. Mas eu sei que não é a força que dobra o coração; eu temo que minha prima odeie algum dia em mim o homem que ela julgará autor de sua desgraça.

Ribeiro – O que deseja então?

Luís – Desejo tentar uma última prova. O senhor acaba de falar a esta menina a linguagem do amor e da sedução; eu vou falar-lhe a linguagem da amizade e da razão. Depois de ouvir-me, ela é livre; e eu juro que não me oporei à sua vontade.

Ribeiro – Ela ama-me! Era por sua vontade que me seguia.

Luís – Ela ama-o, sim; mas ignora que este amor é a perdição; que ela vai sacrificar a um prazer efêmero a inocência e a felicidade. Não sabe que um dia a sua própria consciência será a primeira a desprezá-la, e a envergonhar-se dela.

Carolina – Luís!

Ribeiro – Não acredites.

Luís – Acredite-me, Carolina. Falo-lhe como um irmão. Esses brilhantes, esse luxo, que há pouco o senhor lhe prometia, se agora brilham a seus olhos, mais tarde lhe queimarão o seio, quando conhecer que são o preço da honra vendida!

Carolina – Por piedade! Cale-se, meu primo! Depois a beleza passará, porque a beleza passa depressa no meio das vigílias; então ficará só, sem amigos, sem amor, sem ilusões, sem esperanças: não terá para acompanhá-la senão o remorso do passado.

Ribeiro – Tu sabes que eu te amo, Carolina.

Luís – Eu também… a estimo, minha prima.

Ribeiro – Vem! Seremos felizes!

Carolina – Não!… Não posso!

Por quê?… Há pouco não dizias que eras minha? Sim… A uma palavra deste homem, esqueces tudo?

Carolina – Não esqueço, mas…

Ribeiro – Sei a causa. Se ele não chegasse, eu era o preferido; mas entre os dois, escolhe aquele que talvez já tem direito sobre sua pessoa.

Carolina – Direitos sobre mim?

Luís – Já lhe disse que não amava essa moça. Negar em tais casos é um dever. Adeus; seja feliz com ele.

Carolina – Com ele!… Mas eu não o amo!

Ribeiro – Já lhe pertence.

Carolina – Luís? Eu lhe suplico! Diga que é uma falsidade!

Luís – Eu juro!

Ribeiro – Não creio em juramentos!

Carolina – Oh! não!

Margarida (de dentro) – Carolina!

Carolina – Minha mãe!

Luís – Margarida!

Carolina – Ah! Estou perdida! (Desfalece nos braços de Ribeiro)

Luís – Silêncio! (Vai fechar a porta.Ribeiro aproveita-se deste momento e sai, levando Carolina nos braços.)

CENA XV

(Luís e Margarida)

Luís – Ah!… (Corre à janela; ouve-se partir um carro; volta com desespero; vê os laços de fita, apanha-os e beija.)

Margarida – Carolina! …Que é isto, Luís?

Luís (mostrando as fitas) – São as asas de um anjo, Margarida; ele perdeuas, perdendo a inocência.

Margarida – Minha filha!

ATO PRIMEIRO

(Salão de um hotel. Pequenas mesas à direita e à esquerda. No centro uma preparada para quatro pessoas.)

CENA PRIMEIRA

(Pinheiro, Helena e José)

Helena – Ainda não chegaram.

Pinheiro – Não há tempo, José, prevenirás o Ribeiro, logo que ele chegue, de que estamos aqui.

José – Sim, senhor.

Helena – O champagne já está gelado?

José – Já deve estar. Que outros vinhos há de querer, Sr. Pinheiro?

Pinheiro – Os melhores.

Helena – Eu cá não bebo senão champagne.

Pinheiro – Por espírito de imitação. Ouviu dizer que era o vinho predileto das grandes lorettes de Paris.

Helena – Não gosto de franceses.

Pinheiro – Pois eu gosto bem das francesas.

Helena – Faz bem! Nós é que temos a culpa! Se fôssemos como algumas que a ninguém têm amor!…

Pinheiro – Qual! Santo de casa não faz milagres.

José – Já viu uma dançarina que chegou pelo paquete?

Pinheiro – A que está no Hotel da Europa?

José – Não; está aqui, no número 8.

Helena– Alguém lhe pediu notícias dela?

José (rindo) – O Sr. Pinheiro gosta de andar ao fato dessas coisas.

CENA II

(Pinheiro e Helena)

Helena – Como esteve maçante o teatro hoje!

Pinheiro – Como sempre.

Helena – Não sei que graça acham esses sujeitinhos na Stoltz! Não tem nada de bonita!

Pinheiro – É prima dona!

Helena – Sabes quem deitou muito o óculo para mim? O Araújo.

Pinheiro – Ah! Está apaixonado por ti?

Helena – E por que não? Outros melhores têm-se apaixonado!

Pinheiro – Isso é verdade!

Helena – Ah! Já confessa!… Mas dizem que o Araújo agora está bem?

Pinheiro – É guarda-livros de uma casa inglesa.

Helena – Foi feliz; eu conheci-o caixeiro de armarinho.

Pinheiro – Escuta, Helena; tenho uma coisa a dizer-te.

Helena – O quê?… Temos arrufos?…

Pinheiro – Estou apaixonado pela Carolina.

Helena – Já me disseste.

Pinheiro – Julgaste que era uma brincadeira! Mas é muito sério. Estou disposto a tudo para conseguir que ela me ame.

Helena – Por isso é que já não fazes caso de mim?

Pinheiro – Ao contrário; é de ti que eu mais espero.

Helena – De mim?

Pinheiro – Não me recusarás isto!

Helena – Ah! Julgas que a minha paciência chega a este ponto?

Pinheiro – Foste tu que protegeste o Ribeiro.

Pinheiro – Sim; mas o Ribeiro não era meu amante, como o senhor!

Pinheiro – Ora, deixa-te disso! Queres fazer de ciumenta! Que lembrança!…

Helena – Não julgue os outros por si.

Pinheiro – Olha! A Carolina gosta de mim, e…

Helena – E mais cedo ou mais tarde devo ceder-lhe o meu lugar?

Pinheiro – Desde que nada perdes…

Helena – É o que te parece.

Pinheiro – Eu continuarei a ser o mesmo para ti.

Helena – Cuidas que não tenho coração?

Pinheiro – Se eu não soubesse como tu és boa e condescendente, não te pedia este favor.

Helena – Está feito! tu sempre me havias de deixar!… Antes assim!

Pinheiro – Obrigado, Helena.

Helena – Que queres que eu faça?

Pinheiro – Eu te digo. Dei esta ceia ao Ribeiro unicamente para ver se consigo falar à Carolina.

Helena – Ah! nunca lhe falaste?

Pinheiro – Nunca: o Ribeiro não a deixa!

Helena – É verdade: há dois anos que a tirou de casa e ainda gosta dela como no primeiro dia.

Pinheiro – Posso contar contigo?

Helena – Já te prometi. Mas vês esta pulseira? Foi o presente que me fez o

Ribeiro. É de brilhantes!…

Pinheiro – Eu te darei um adereço completo.

Helena – Não paga o sacrifício que eu te faço!… esses homens pensam! Se eles dizem que a gente é de mármore!

Pinheiro – Falarás hoje mesmo a ela.

Helena – Falo… Falo…

Pinheiro – Vê se consegues que deixe o Ribeiro.

Helena – Fica descansado. Eu sei o que hei de fazer. Agora vai contar isto aos teus amigos para que eles zombem de mim.

CENA III

(Os mesmos,. José, Ribeiro e Carolina)

José – Aí está o Sr. Ribeiro com uma senhora. Posso servir?

Pinheiro – Podes.

Helena – Ainda não. Espere um momento.

Pinheiro – Para quê?

Helena – Já te esqueceste?… deve ser antes.

Pinheiro . Ah! Sim!

Ribeiro – Chegaram muito cedo.

Helena – Saímos antes de acabar o espetáculo.

Ribeiro – Não reparei. Quanto mais depressa acabarmos, melhor.

Pinheiro A Favorita fez-te fome?

Ribeiro – Alguma: mas além disso preciso recolher-me cedo.

Carolina – Pois eu previno-te que enquanto houver uma luz sobre a mesa e uma gota de vinho nos copos, não saio daqui. Tenho tantas vezes sonhado uma noite como esta, tenho esperado tanto por estas horas de prazer, que pretendo gozá-las até o último momento. Quero ver se a realidade corresponde à imaginação.

Ribeiro . Está bem, Carolina: pode ficar o tempo que quiseres. Não te zangues por isso.

Carolina – Oh! Não me zango! Já estou habituada à vida triste a que me condenaste. Mas hoje…

Helena – Então não vives satisfeita?

Carolina – Não vivo, não, Helena: sabes que me prometeram
uma existência brilhante, e me fizeram entrever a felicidade que eu
sonhava no meio do luxo, das festas e da riqueza! A ilusão se desvaneceu
bem depressa.

Ribeiro – Tu me ofendes com isto, Carolina.

Carolina –`Cuidas que foi para me esconderes dentro de uma casa, para
olhar de longe o mundo sem poder gozá-lo, que abandonei meus pais?
Que sou eu hoje? Não tenho nem as minhas esperanças de moça,
que já murcharam, nem a liberdade que sonhei.

Ribeiro – Mas, Carolina, tu bem sabes que eu, se te guardo para mim
somente, se tenho ciúme do mundo, é porque te amo: sou avaro,
confesso; sou avaro de um tesouro.

Carolina – Não entendo esse amores ocultos que têm vergonha
de se mostrarem; isto é bom para os velhos e para os hipócritas.
Amar é gozar a existência a dois, partilhar seus prazeres e sua
felicidade. Que prazeres temos nós que vivemos aborrecidos um do outro?
Que felicidade sentimos para darmo-nos mutuamente?

Ribeiro – Está hoje de mau humor.

Carolina – Ao contrário, estou contente! A vista destas luzes,
destas flores, desta mesa, destes preparativos de ceia, me alegrou. É
assim que eu compreendo o amor e a vida. Na companhia de alguns amigos, vendo
o vinho espumar nos copos e sentindo o sangue ferver nas veias. Os olhares
queimam como fogo; os seios palpitam, a alma bebe o prazer por todos os poros;
pelos olhos, pelos sorrisos, nos perfumes, e nas palavras que se trocam!

Helena – Bravo! Como estás romântica!

Carolina – Oh! Tu não fazes idéia! Meu espírito
tem revoado tantas vezes em torno dessa esperança, que vendo-a prestes
a realizar-se, quase enlouqueço. Outrora dei por ela a minha inocência;
hoje daria a minha vida inteira!

(Ribeiro e Pinheiro conversam à parte)

Helena– Pois olha! Tens o que desejas bem perto de ti.

Carolina – Não entendo.

Helena – Deixa-te ficar e verás.

Carolina – Mas escuta!

Helena – Depois; não percas tempo.

Carolina – Já perdi dois anos!

Ribeiro – Foste injusta comigo, Carolina. Não acreditas que
te amo, ou jánão me amas talvez! Confessa!

Carolina – Não sei.

Ribeiro – Dize francamente.

Carolina – Como está quente a noite! Abre aquela janela. (Ribeiro
vai abrir a janela do fundo; Helena que falava baixo a Pinheiro, dirige-se
a ele, e ambos conversam recostados à grade e voltados para a rua.)

CENA IV

(Carolina e Pinheiro)

Pinheiro – Eu lhe agradeço, Carolina.

Carolina – O que, senhor Pinheiro?

Pinheiro – A satisfação que me causaram suas palavras.
Não pensava, dando esta ceia, que ia realizar um desejo seu.

Carolina – Ah! é verdade! Mas sou eu então que lhe devo
agradece.

Pinheiro – Faça antes outra coisa.

Carolina – O quê?

Pinheiro – Faça que o acaso se torne uma realidade; que esta
noite de esperança se transforme em anos de felicidade. Aceite o meu
amor.

Carolina – Para fazer o que dele?

Pinheiro – O que quiser; contanto que me ame um pouco, sim?

Carolina – Não.

Pinheiro – Amor por amor, já tenho um; e este, ao menos é
primeiro.

Pinheiro – O meu será o segundo e eu procurarei torná-lo
tão belo, tão ardente que já não tenha mais inveja
do primeiro.

Carolina – Já me iludiram uma vez essas promessas, quando eu
ainda via o

mundo com os olhos de menina, hoje não creio mais nelas.

Pinheiro – Não tem razão.

Carolina – Oh! se tenho! O senhor diz agora que me ama, por mim, para
fazer-me feliz, para satisfazer os meus desejos, os meus caprichos, as minhas
fantasias. Se eu acreditasse nessas belas palavras, sabe o que aconteceria?

Pinheiro – Me daria a ventura!

Carolina – Sim, mas ficaria o que sou. No momento em que lhe pertencesse,
tornar-me-ia um traste, um objeto de luxo; em vez de viver para mim, seria
eu que viveria para obedecer às suas vontades. Não; no dia em
que a escrava deixar o seu primeiro senhor, será para reaver a liberdade
perdida.

Pinheiro – Não é livre então? Não pode
amar aquele que preferir?

Carolina – Para uma mulher ser livre é necessário que
ela despreze bastante a sociedade para não se importar com as suas
leis; ou que a sociedade a despreze tanto que não faça caso
de suas ações. Eu não posso ainda repelir essa sociedade
em cujo seio vive minha família; há alguns corações
que sofreriam com a vergonha da minha existência e com a triste celebridade
do meu nome. É preciso sofrer até o dia em que me sinta com
bastante coragem para quebrar esses últimos laços que me prendem.
Nesse dia, se houver um homem que me ame e que me ofereça a sua vida,
eu a aceitarei; porém como senhora.

Pinheiro – E por que este dia não será hoje? Diga uma
palavra! uma só…

Carolina – Hoje?…Não!… Talvez amanhã.

Pinheiro – Promete?

Carolina – Não prometo nada. Vamos cear. Anda. Helena! Ribeiro!…
Deixem-se de conversar agora.

Pinheiro – José, serve-nos.

CENA V

(Os mesmos, Ribeiro, Helena e Meneses)

Ribeiro – É mais de meia-noite.

Helena – Um dia não são dias, Sr. Ribeiro; amanhã
dorme-se até às duas horas da tarde.

Carolina – Justamente as horas que eu passo mais aborrecida.

Tu me pareces a mesma. Achaste o que procuravas?

Carolina – Ainda não.

És difícil de contentar.

Pinheiro – Adeus, Meneses. Queres cear conosco?

Meneses – Muito obrigado.

Pinheiro – Não faças cerimônia.

Meneses – Tu és que estás usando de etiquetas. Onde
vieste usar um quinto parceiro para jogar uma partidfa de voltarete?

Ribeiro – Ah! É por isso que não aceitas?

Meneses – Decerto! Nesta espécie de ceias, a regra é
nem menos de dois, nem mais de quatro; um quinto transtorna a conta, a menos
que não seja um zero. Ora, eu não gosto de ser nem importuno,
nem… Vieirinha!…

Pinheiro – Deixa-te disso; vem cear.

Meneses – É escusado insistires.

Ribeiro – Pois não sabes o que perdes.

Meneses – Não; mas sei quanto ganho.

Pinheiro – Podemos ir-nos sentando.

CENA VI

(Os mesmos, Luís, Araújo e José)

Araújo – Tu não és capaz de adivinhar quem eu
vi esta noite no teatro.

Luís – Alguma tua apaixonada?

Araújo – Não tenho… Uma pessoa que te fez bastante
mal.

Luís – Quem?

Araújo – Lembras-te daquela mulher que mandava fazer costuras…
(Vendo Carolina, aperta o braço de Luís) oh!

Luís – Ela!…

Araújo – Não faças estaladas. Finge que não
a vês; é o melhor.

Luís – Adeus. Não posso ficar aqui.

Araújo – Deixa-te disso, Luís. Nada de fraquezas!

Luís – Mas a sua presença é uma tortura.

Araújo – Come alguma coisa: é o melhor calmante para
as dores morais. Tenho estudado a fundo a fisiologia das paixões e
estou certo que o coração está no estômago quando
não está na algibeira.

Meneses – Araújo!

Araújo – Oh! Não te tinha visto.

Meneses – Estiveste no teatro?

Araújo – Estive.

Meneses – Que tal correu a Favorita?

Araújo – Bem; por que não foste?

Meneses – Tinha uma partida a que não podia faltar.

Pinheiro – Anda mais depressa, José!

José – Pronto! Uma mayonnaise soberba!

Helena – De quê?

José – De salmão?

(Durante este último diálogo, Carolinatira as luvas e o mantelete,
que vai deitar no sofá à direita; Luísergue-se. O trecho
seguinte da cena é dito à meia-voz)

Carolina – Luís.

Luís– Silêncio!

Carolina – Não me quer falar, meu primo?

Luís – Com que direito os lábios vendidos profanam o
nome do homem honesto que deve a posição que tem ao seu trabalho?
Com que direito a moça perdida quer lançar a sua vergonha sobre
aqueles que ela abandonou?

Carolina – Não me despreze, Luís.

Luís – Não a conheço.

Carolina – Tem razão. Esqueci-me que estou só neste
mundo; que não me resta mais nem pai, nem mãe, nem parentes,
nem família. O senhor veio lembrar-me! Obrigada.

Luís – Minha prima!

Carolina – Sua prima morreu! (Volta-lhe as costas)

Helena – Vem, Carolina!

Ribeiro – Quem é este moço com quem conversavas?

Carolina – Não sei.

Ribeiro – Não o conheces?

Carolina – Nunca o vi.

Ribeiro – Mas falavas com ele?

Carolina – Pedia-me notícias de uma amiga minha que já
é morta.

Ribeiro – Não estejas com estas idéias tristes. Anda;
estão nos esperando.

Araújo – José, traz-nos alguma coisa.

José – O que há de ser?

Araújo – O que vier mais depressa.

Meneses – E a mim, quanto tempo queres fazer esperar?

José – O que deseja, senhor Meneses?

Meneses – Desejo o que tu não tens; dize-me antes o que há.

José – Quer uma costeleta de carneiro?

Meneses – Vá feito.

Araújo (a Luís) – Sabes do que estou lembrando? Daquelas
noites em que ceávamos juntos na Águia de Prata, há dois
anos, quando tu me falavas do teu amor. Naquele tempo não tínhamos
dinheiro, nem freqüentávamos os hotéis. Eras compositor
e eu caixeiro de armarinho na Rua do Hospício.

Luís – E hoje somos mais felizes? Adquirimos uma posição
bonita, que muitos invejam, mas perdemos tantas esperanças que naqueles
tempos nos sorriam!

Araújo – Vais cair nos sentimentalismos! A esta hora é
perigoso.

Luís – Dizes bem! Há certas ocasiões em que é
preciso rir para não chorar.

(A José). Uma garrafa de cerveja.

Araújo – Amarela!

CENA VII

(Os mesmos e Vieirinha)

Vieirinha – Só o Meneses não estaria por aqui!

Meneses – Sigo o teu exemplo.

Vieirinha – Não quiseste ir hoje ao lírico?

Meneses – Tive que fazer.

Vieirinha – Pois esteve bom; havia muita moça bonita. A Elisa
lá estava.

Meneses – Então já se sabe… Tiveste serviço?

Vieirinha – Não lhe dei corda! ocupei-me com outra pessoa…
Mas esta tu não conheces.

Meneses – É nova?

Vieirinha – Negócio de quinze dias; porém já
está adiantado.

Meneses – Ainda não te escreveu?

Vieirinha – És curioso.

Pinheiro – Vieirinha!

Vieirinha – Adeus, Pinheiro!… Mas como está isto florido!

Pinheiro – Vem cear conosco.

Vieirinha – Aceito. Como estás, Ribeiro?

Ribeiro – À tua saúde!

Pinheiro – E dos teus amores.

Vieirinha – Quais?

Meneses – São tantos, que nem se lembra!

Araújo – Quem é este conquistador?

Meneses – Nunca o viste?

Araújo – Não.

Meneses – Admira! É um desses sujeitos que vivem na firme convicção
de que todas as mulheres o adoram; isto o consola do pouco caso que dele fazem
os homens.

Araújo – Então é um fátuo?

Meneses – Pois não! É um homem feliz; vai a um teatro
e a um baile; acha bonita uma mulher, solteira, viúva ou casada; persuade-se
que ela o ama; e no dia seguinte com a maior boa fé revela esse segredo
a alguns amigos bastante discretos para só contarem aos seus conhecidos.

Araújo – E é nisso que se ocupam?

Meneses – Achas que é pouco?

Vieirinha – Uma saúde! Mas há de ser de virar.

Helena – A quem?

Vieirinha – À mulher que compreende o amor. Pois eu bebo à
mulher que compreende o prazer.

Pinheiro – Bravo! Muito bem!

Helena – Não bebe, senhor Ribeiro?

Ribeiro – Eu bebo à minha saúde.

Helena – E eu à segunda.

Vieirinha – E eu a ambas.

Pinheiro – José, pede permissão a estes senhores para
oferecer-lhes um copo de champagne. Espero que me façam o obséquio
de acompanhar a nossa saúde. Vamos, Meneses!

Meneses – Qual é a saúde?

Carolina – À mulher que ama o prazer.

Meneses – Vá lá!

Pinheiro – Os senhores não bebem?

Araújo – Eu agradeço.

Pinheiro – E o senhor Viana?

Luís – Eu proponho outra saúde: ao prazer e àqueles
que para gozá-lo sacrificam tudo!

Pinheiro – É a melhor!

Luís – E a mais verdadeira. Se os senhores me permitem, eu
lhes contarei uma pequena história que os há de divertir.

Vieirinha – Com muito gosto.

Meneses – Venha a história.

Luís – O senhor pode aproveitá-la para um dos seus folhetins,
quando lhe falte matéria.

Meneses – Fica ao meu cuidado.

Vieirinha – Mas não a apliques a ti, conforme o teu costume.

Meneses – Se for uma história de amor, está visto que
hás de ser tu o meu herói.

Luís – É uma história de amor. Passou-se há
dois anos.

Pinheiro – Aqui na corte?

Luís – Na Cidade Nova. Vivia então no seio de uma família
uma moça pobre, mas honrada. Tinha dezoito anos; era linda… como…
uma senhora que está a seu lado, Sr. Ribeiro.

Ribeiro – Em que rua morava?

Luís – Não me lembro. Seu pai e sua mãe a adoravam;
tinha um primo, pobre artista, que a amava loucamente.

Carolina – A amava?…

Luís – Sim, senhora. Era ela quem lhe dava a ambição;
era esse amor que o animava no seu trabalho, e que o fazia adquirir uma instrução
que depois o elevou muito acima do seu humilde nascimento. Mas sua prima o
desprezou, para amar um moço rico e elegante.

Araújo (baixo) – Vais trair-te.

Luís – Não importa.

Pinheiro – Continue, senhor Viana.

Helena – Eu acho melhor que se faça uma saúde cantada.

Vieirinha – Com hipes e hurras!

Carolina – Por quê?… A história do senhor é
tão bonita.

Vieirinha – Lá isso não se pode negar! É um perfeito
romance.

Luís – Uma noite, no momento em que esse moço entrava,
sua prima seduzida por seu amante, ia deixar a casa dos pais.

Meneses – O! Temos um lance dramático?

Luís – Não, senhor; passou-se tudo muito simplesmente.
Ele disse algumas palavras severas à sua prima; esta desprezou suas
palavras como tinha desprezado o seu amor, e…partiu.

Vieirinha – Como! O sujeito deixou-a partir?

Luís – É verdade.

Carolina – E a amava!…

Meneses – Era um homem prudente.

Luís – Era um homem que compreendia o prazer.

Pinheiro – Não entendo.

Luís – Ele amava essa moça, mas não era amado;
nunca obteria dela o menor favor, e respeitava-a muito para pedi-lo. Lembrou-se
que, deixando-a fugir, chegaria o dia em que com algumas notas de banco compraria
a afeição que não pôde alcançar em troca
de sua vida.

Araújo – Como podes mentir assim!

Ribeiro – Não bebas tanto champagne, Carolina. Faz-te mal!

Luís – Esse homem compreendia o mundo, não é
verdade?

Vieirinha – Era um grande político.

Meneses – Da tua escola.

Luís – Desde então ele tratou de ganhar dinheiro; precisava
não só para satisfazer o seu capricho, como para aliviar a miséria
da família daquela moça, que com a sua loucura, tinha lançado
sua mãe em uma cama, e arrastado o pai ao vício da embriaguez.
Ah!…

Ribeiro – Que tens?

Carolina – Uma dor que costumo sofrer! Dá-me vinho.

Luís – É justamente o que esse pai fazia. Sentia a dor
da perda de sua filha e queria afogá-la com vinho.

Vieirinha – Mau! A história começa a enternecer-me.

Meneses – É bem interessante.

Carolina – Mas falta-lhe o fim.

Meneses – Ah! Tem um fim?

Ribeiro – Carolina!

Carolina – Essa moça… Os senhores desejam conhecê-la?

Vieirinha – Decerto.

Carolina – Sou eu!

Pinheiro – A senhora!

Luís (a Araújo) – Está perdida.

Carolina – Sou eu: e espero que chegue o dia em que possas pagar o
sacrifício desse amor tão generoso, que desprezei.

Pinheiro – Mas seu primo?…

Carolina – Já o não é.

Meneses – Como se chama?

Carolina – Não sei.

Araújo – José, dá-me a conta.

Meneses – Espera, vamos juntos.

Araújo – Ainda te demoras!

Meneses – Não.

CENA VIII

(Os mesmos, José e Antônio)

José (na porta – Ponha-se na rua! Não achou outro lugar
para cozinhar a bebedeira?

Antônio (da parte de fora)– Quero beber… Vinho… compro com
o meu dinheiro. Eh! Meia garrafa, senhor moço!

José – Vá-se embora, já lhe disse.

Meneses – Que barulho é este, José?

José – É um bêbado. Achou a porta aberta e entrou.
Agora quer por força que lhe venda meia garrafa de vinho.

Araújo – Pois mata-lhe a sede.

José – Se ele já está caindo.

Antônio (cantando) Mandei fazer um balaio Da casquinha de um camarão

José – Nada! Ponha-se no andar da rua.

Carolina – Deixe-o entrar; talvez nos divirta um pouco. Estou triste.

José – Mas é capaz de quebrar-me a louça.

Pinheiro – Que tem isso? Eu pago o que ele quiser.

Carolina – É uma fineza que lhe devo.

Ribeiro – Mas não é necessária; tu podes satisfazer
a teus caprichos sem recorrer a ninguém.

Antônio – Oh! temos bródio por cá também?
Viva a alegria! Toca música!

Ta-ra, la-lá, ta-ri, to-ri (dança).

Meneses – O homem é diletante como o Vieirinha.

Vieirinha – E engraçado como um artigo teu.

Antônio – Estão rindo?… Cuidado que estou meio lá
meio cá.

Meneses – Não; faz tanto barulho que vê-se logo que está
todo cá.

Antônio – Pois olhe, apenas bebi seis garrafas.

Vieirinha – Não é muito!

Antônio – Não é, não. Mas faltavam-lhe
os cobres, senão… Oh! Tanto hei de beber que por fim hei de achar.

Meneses – Achar o quê?

Antônio – Não sabe? Upa!… Pois não sabe?…
Eu não bebo porque goste de vinho… Já me enjoa.

Meneses – Por que bebe então?

Antônio – Porque procurôôô… eh! Iô…
procuro no fundo da garrafa uma coisa que os velhos chamam virtude, e que
não se acha mais nesse mundo.

Pinheiro – Eis um Diógenes!…

Helena – Como te chamas?

Antônio – Que te importa o meu nome? Não tenho dinheiro!

Araújo (aLuís,baixo) – Luís! Luís! Olha!

Luís – O quê?

Araújo – Este homem.

Luís – Antônio!…

Araújo – Cala-te!

Meneses – Mas então ainda não achou o que procuravas?

Antônio – Hein?…

Meneses – A virtude…

Antônio – Não existe. No fundo da garrafa só acho
o sono. Mas é bom o sono. A gente não se lembra…

Vieirinha – Das maroteiras que fez.

Antônio – A gente vive no outro mundo que não é
ruim como este. Oh! é bom o vinho!

Vieirinha – Pois tome lá este copo de champagne.

Antônio – Venha! (Provando) Puah!… não presta! É
doce como as falas de certa gente; embrulha-me o estômago! Antes a aguardente
que queima!

Meneses – Chegue aqui; diga-me o que você procura esquecer.
Sofreu alguma desgraça?

Vieirinha – Queres outra história?

Antônio – Qual história? Não sofri nada! Diverti
os outros.

Meneses – Mas conte isso mesmo.

Antônio – Não tem que contar… O trabalhador não
deve criar sua filha para os moços da moda?

Meneses – Então sua filha…

Antônio – Roubaram e nem ao menos me deram o que ela valia!
Velhacos…

Os sujeitinhos hoje estão espertos!

Meneses – Pobre homem!

Antônio – Pobre, não! (Bate no bolso) Veja como tine.
(Rindo) A mulher está doente, não trabalha; eu durmo todo o
dia, não vou mais à loja; porém Margarida tinha uma cruz
de ouro com que rezava. Fui eu, e furtei de noite a cruz, como o outro furtou
minha filha, e passei-a nos cobres. Cá está o dinheiro; chega
para beber dois dias. Estou rico! Viva a alegria! Olá! senhor moço!
Ande com isso!… Meia garrafa!…

Helena – (a Carolina) – Vamos para outra sala; não podes
ficar aqui. (Erguem-se)

Ribeiro (a José) – Faz já sair este bêbado!

Araújo a Luís) – Tenho medo do que vai se passar.

Antônio (paraCarolina) – Olé! Que peixão! Dê
cá este abraço… menina!

Carolina – Meu pai!…(Esconde o rosto)

Antônio – Pai!… Há muito tempo que não ouço
esta palavra. Mas quem és tu? Deixa-me ver o teu rosto. Tu pareces
bonita. Serás como Carolina? Mas… se não me engano… Sim…
Sim… Tu és!

Carolina – Não!

Antônio – Tu és minha filha!

Carolina – É falso!

Antônio – Não foste tu que me falaste há pouco?…
aqui… Não me chamaste teu pai?… Carolina!

Carolina – Deixe-me!

Antônio – Vem! Tua mãe me pediu que te levasse.

Carolina – Minha mãe!…

Antônio – Sim, tua mãe… Margarida. Se soubesses…
como ela tem chorado… Minha pobre Margarida!

Carolina – Não sei quem é.

Antônio – Não sabes?

Carolina – Não!

Antônio – Tu não sabes?

Carolina – Meu Deus!

Antônio – Esqueceste até o nome de tua mãe?

Carolina – Esqueci tudo.

Antônio – Oh! tens razão! Tu não és minha
filha. Nunca foste… (Precipita-se sobre ela e a obriga a ajoelhar-se.Ribeiro
e Pinheiro protegem Carolina, enquanto Luís segura Antônio pelo
braço.)

Luís – Antônio!

Antônio – Solta-me, Luís!

Meneses – Não a ofenda! É sua filha!

Antônio – Não: já não é.

Meneses – Mas é ainda uma mulher. Deseja puni-la? Respeite
essa vida que a levará de lição em lição
até o último e terrível desengano. É preciso que
um dia a sua própria consciência a acuse perante Deus, sem que
possa achar defesa, nem mesmo na cólera severa, mas justa de um pai.

Araújo – Vamos; vamos, Luís.

Antônio – E ela… fica.

Araújo – Nem lhe responde!

Antônio – Pois sim, fica; se algum dia me encontrares no teu
caminho, se o teu carro atirar-me lama à cara, se os teus cavalos me
pisarem, não me olhes, não me reconheças. Vê o
que tu és, que um miserável bêbado, que anda caindo pelas
ruas, tem vergonha de passar por teu pai!

Luís – Espera, Antônio! Talvez ainda não esteja
tudo perdido. Um último esforço! Abre os braços à
tua filha!… Olha! Olha!… Não vês que ela chora?

Carolina – Foram as últimas lágrimas… já secaram!…
se tivessem caído neste copo, eu beberia com elas à memória
do meu passado.

ATO SEGUNDO

(Sala em casa de Helena)

CENA PRIMEIRA

(Luís, Araújo e Meneses)

Meneses – Podemos entrar. Nada de cerimônias.

Araújo – Talvez sejamos importunos.

Meneses – Não tenhas receio. Sente-se, Sr. Viana.

Araújo – E o tal Vieirinha?

Meneses– Que tem? (Na porta Helena!

Helena (dentro) – Já Vou, Sr. Meneses.

Meneses – Está no toilette naturalmente. Esperemos um instante.

Araújo – Não cuidei que se tratasse com tanto luxo!
É uma bela casa.

Meneses – Como muitas famílias não a têm; mas
assim deve ser quando os maridos roubam as suas mulheres, e os pais a seus
filhos para alimentarem esses parasitas da sociedade.

Luís – Dizes bem; a culpa não é delas.

Meneses – Mas, Araújo, sinceramente te confesso que ainda não
compreendi o teu empenho!

Araújo – Empenho de quê?

Meneses – De conhecer a Helena. Achas bonita?

Araújo – Bonita!… Uma mulher que tem os dentes e os cabelos
na Rua do Ouvidor!

Meneses – Entretanto entraste hoje de madrugada, quero dizer, às
dez horas por minha casa; interrompeste o meu sono de domingo, o único
tranqüilo que tem um jornalista; me fizeste sair sem almoço; pagaste
um carro; e tudo isto para que te viesse apresentar a essa velha sem dentes
e sem cabelos!

Araújo – Isso se explica por um capricho. Sou um tanto original
nas minhas paixões.

Meneses – Então estás apaixonado pela Helena?

Araújo – Infelizmente.

Luís – Por que não confessas a verdadeira causa? O Sr.
Meneses é teu amigo, e embora só há pouco tempo tivesse
o prazer de conhecê-lo, confio bastante no seu caráter para falar-lhe
com franqueza.

Araújo – É o melhor; assim me poupas o descrédito
de inventar uma paixão bem extravagante.

Meneses – Qual é então a verdadeira causa desta apresentação?

Luís – Eu lhe digo. Trata-se de salvar uma moça por
quem muito me interesso; quero falar-lhe ainda uma vez, tentar os últimos
esforços; mas na sua casa é impossível; o Ribeiro guardou-o
com um cuidado e uma vigilância excessiva.

Meneses – E a Carolina?

Luís – Ela mesma. Lembra-se daquela CENA que presenciamos no
hotel há cerca de um mês?

Meneses – Lembro-me perfeitamente; e parece-me, pelo que vi, que os
seus esforços serão inúteis.

Araújo – É também a minha opinião. Tenho-lhe
dito muitas vezes que a honra de um homem é uma coisa muito preciosa
para estar sujeita ao capricho de qualquer mulher, só porque o acaso
a fez sua parente.

Luís – Não é por mim, Araújo, é
por ela que procuro salvá-la. Reconheço queé bem difícil;
mas resta-me ainda uma esperança: talvez a mãe obtenha pelo
amor, aquilo que nem a voz da razão nem o grito do dever puderam conseguir.

Meneses – Pensa bem, Sr. Viana.

Luís – Para isso, porém, é preciso encontrá-la
um só instante; soube que costuma vir à casa desta mulher que
a perdeu e de quem é amiga. Araújo disse-me que o senhor a conhecia;
e fomos imediatamente procurá-lo. Eis o verdadeiro motivo do incômodo
que lhe demos; o Sr. Meneses é homem para o compreender e apreciar.

Meneses – Não se enganou, Sr. Viana; farei o que me for possível.

Meneses – Não tem de que; é dever de todo homem honesto
proteger e defender a virtude que vacila e vai sucumbir ou mesmo ajudá-la
a reabilitarse. Mas devo corresponder à sua fraqueza com igual franqueza.
Creio que o senhor, e tu mesmo, Araújo, não conhecem bem o terreno
em que pisam.

Luís – Não, decerto.

Araújo – Quanto a mim estou em país estrangeiro.

Meneses – Pois é preciso estudar o movimento e a órbita
destes planetas errantes para acompanhá-los na sua rotação.
Aqui não se conhece nem um desses objetos como a honra, o amor, a religião,
que fazem tanto barulho lá fora. Neste mundo à parte, só
há um poder, uma lei, um sentimento, uma religião; é
o dinheiro. Tudo se compra e tudo se vende; tudo tem um preço.

Luís – Que miséria, meu Deus!

Meneses – Quem vê de longe este mundo, não compreende
o que se passa nele, e não sabe até onde chega a degeneração
da raça humana. O oriente desses astros opacos é o luxo; o ocaso
é a miséria. Começam vendendo a virtude; vendem depois
a sua beleza, a sua mocidade, a sua alma; quando o vício lhes traz
a velhice prematura, não tendo já que vender, vendem o mesmo
vício e fazem-se instrumento de corrupção. Quantas não
acabam vendendo suas filhas para se alimentarem na desgraça!

Araújo – Tu exageras!… Ninguém se avilta a esse ponto.

Meneses – Não exagero. Muitas são boas e capazes de
um sacrifício; têm coração. Mas de que lhes serve
esse traste no mundo em que vivem!

Araújo – Para amar o homem a quem devem tudo.

Meneses – Ele seria o primeiro a escarnecer dela.

CENA II

(Os mesmos, Vieirinha e Helena)

Vieirinha (cantarolando) – De suis le sire de Framboisy! meus senhores!…

Não se incomodem, estejam a gosto.

Meneses – Adeus. Como vais?

Vieirinha – Bem, obrigado.

Meneses – Que se faz de bom?

Vieirinha – Nada; enche-se o tempo.

Meneses – Enfim apareceu!

Helena – Desculpe; se me tivesse prevenido da sua visita… Mas chega
de repente e no momento em que estava me penteando.

Meneses – Tem razão!… Aqui lhe trouxe o Sr. Viana e o Sr.
Araújo que muito desejam conhecê-la. São meus amigos;
isto diz tudo.

Helena – A minha casa está às suas ordens. Estimo muito…

Meneses – Se não me engano, o Sr. Viana deseja conversar com
a senhora; portanto não o faça esperar.

Helena – Fazer esperar é o nosso direito, Sr. Meneses!

Meneses – Quando se trata de amor, mas não quando se trata
de um negócio.

Helena – Ah! É um negócio…

Luís – Sim, senhora…

Helena – Pois quando quiser…

Vieirinha – Já almoçaste, Helena?

Helena – Há pouco; mas o almoço ainda está na
mesa.

Vieirinha – Com licença, meus senhores. (Luíse Helena
conversam no sofá; Meneses e Araújo recostados à janela.)

CENA III

(Meneses, Araújo, Luís e Helena)

Araújo – Não me dirás que figura faz este Vieirinha
no meio de tudo isto?

Meneses – A figura de um desses sagüis com que os moços
se divertem. Neste mundo de mulheres, Araújo, existem duas espécies
de homens, que eu classifico como animais de penas. Uns são os moços
ricos e os velhos viciosos que se arruinam e estragam a sua fortuna para merecerem
as graças dessas deusas pagãs; esses se depenam. Os outros são
os que vivem das migalhas desse luxo, que comem e vestem à custa daquela
prodigalidade; esses se empenam.

Araújo – O Vieirinha pertence a esta última classe.

Meneses – É o tipo mais perfeito. Em todas estas casas encontra-se
uma variedade do gênero Vieirinha.

Araújo – Mas por que razão suportam elas esse animal?
Será amor?

Meneses – Às vezes é; outras é simples orgulho
e vaidade. Esta gente que profana tudo, que faz de tudo, dos sentimentos mais
puros uma mercadoria, depois de tanto vender, quer também ter o gosto
de comprar. Umas compram logo um marido; outras contentam-se em comprar um
amante. É mais cômodo: deixa-se quando aborrece.

Araújo – É o que Helena fez com o Vieirinha?

Meneses – Justamente.

Meneses – E sai-lhe caro esse capricho?

Meneses – Sem dúvida; mas o dinheiro como vem, assim vai. Depois
ela dá por bem empregado qualquer sacrifício. Não quer
parecer velha. Araújo – Mas quando ceamos juntos, aquela noite
ao sair to teatro, me

pareceu que o Pinheiro…

Meneses – Deixou-a; está apaixonado pela Carolina; e a Helena,
segundo me disseram, o protege.

Araújo – Ah! De amante passou a confidente?

Meneses – É verdade. Tu ficas?

Araújo – Espero por Luís.

Meneses – Então, adeus.

Araújo – Por que não te demoras? Sairemos juntos.

Meneses – Não posso; tenho que fazer. Vou almoçar e
depois escrever um artigo. Até a noite.

Araújo – Aonde?

Meneses – No Teatro Lírico. Não vais?

Araújo – É natural.

Meneses – Sr. Viana! Helena…

Luís – Já vai? Nós o acompanhamos.

Meneses – Depressa terminou a sua conversa!

Luís – É verdade; a senhora foi tão simples!

Meneses – Fico bastante satisfeito; é sinal de que a minha
apresentação valeu um pouco.

Helena – O senhor sabe que ela vale sempre muito.

Araújo (a Luís) – Conseguiste?

Luís – Consegui tudo. O Meneses tem razão: o dinheiro
venceu todas as dificuldades. Ao meio-dia, Carolina está aqui.

Araújo – Ao meio-dia?… São mais de onze…

Luís – Toma o carro. Ela está doente, mas a esperança
de ver sua filha…

Araújo – E tu onde me esperas?

Luís – Eu vou dar uma volta, e dentro de meia hora voltarei.

Araújo – Até já, Meneses! (A Helena) Viva!

Luís – Vamos, Sr. Meneses.

Helena – Então ao meio-dia?

Luís – Aqui estarei.

CENA IV

(Helena e Vieirinha)

Vieirinha – Almocei bem! O Meneses já foi?

Helena – Saiu agora mesmo.

Vieirinha – E os outros?

Helena – Também.

Vieirinha – Que fazer tu hoje?

Helena – Nada.

Vieirinha – Então não precisas de mim?

Helena – Que pergunta!

Vieirinha – Dá-me um charuto.

Helena – Não tenho.

Vieirinha – Estás hoje muito aborrecida.

Helena – E tu muito maçante.

Vieirinha – Não duvido; passei mal a noite. (Estende-se no
sofá) Se quiseres conversar, acorda-me.

Helena – Não se deite, não senhor.

Vieirinha – Por quê?

Helena – Não são horas de dormir.

Vieirinha – Ora, quando se tem sono…

Helena – Espero Carolina. Preciso estar só com ela.

Vieirinha – Está feito. vou trocar as pernas por aí.

Helena – Não voltas?

Vieirinha – É boa! Deitas-me pela porta fora e achas que devo
voltar?

Helena – Estás zangado?… Deixa-te disso. Volta às
quatro horas.

Vieirinha – Para fazer o quê?

Helena – Iremos jantar ao Hotel de Botafogo.

Vieirinha – É muito longe.

Helena – Não faltes.

Vieirinha – Se puder.

Helena – Conto contigo.

Vieirinha – Vai só.

Helena – Não tem graça!

Vieirinha – Pois eu não posso ir.

Helena – Por que razão?

Vieirinha – Por quê…

Helena – Estás inventando a mentira?

Vieirinha – Tenho acanhamento em confessar-te.

Helena – Começas tarde com os teus acanhamentos!

Vieirinha (rindo) – Deveras!… Pois não vou ao Hotel de Botafogo
porque não quero encontrar-me com certo sujeito.

Helena – Ou sujeita?…

Vieirinha – Já está com ciúmes! É um rapaz
que me ganhou outro dia cinqüenta mil-réis no jogo, e a quem ainda
não paguei.

Helena – Não será o primeiro.

Vieirinha – Nem o último. Mas esse tem uma irmã feia
e rica que pode ser um excelente casamento. Se não lhe pago, fico desacreditado
na família.

Helena – Bem feito! Só assim deixarás o maldito vício
do jogo.

Vieirinha – Ah! Deu-te para aí! Queres pregar-me um sermão?
Basta os que ouço do velho! (Vai sair.)

Helena – Então, até quatro horas?

Vieirinha – Não, decididamente não vou; já te
disse o motivo.

Helena – Olha! Se tu me prometesses…

Vieirinha – O quê?

Helena – Não jogar mais.

Vieirinha – Que farias?

Helena – Faria um sacrifício…

Vieirinha – Sacrifício… (faz o gesto vulgar com que se exprime
dinheiro.)

Helena – Sim!

Vieirinha – Prometo o que tu quiseres! Juro!

Helena (dando-lhe uma nota) – Pois toma; vai pagar a tua dívida
e volta.

Vieirinha – Está dito!… Tu és uma flor, Helena.

Helena – Sim! Vêm a tempo os teus cumprimentos; nem fazes caso
de mim.

Vieirinha – Não digas isto. Os únicos momentos de felicidade
que tenho são os que passo junto de ti. Até a tarde!

CENA V

(Helena e Carolina)

Carolina – Cheguei muito cedo!

Helena – Não faz mal.

Sentia uma impaciência!… Apenas Ribeiro saiu, meti-me num carro…Antes
que me arrependesse!

Helena – Assim estás resolvida?

Carolina – Inteiramente.

Helena – Já duas vezes disseste o mesmo, e quando chegou o
momento…

Carolina – Hesitei antes de dar este passo; não sei que pressentimento
me apertava o coração, e me dizia que eu procedia mal. Foi o
primeiro homem a quem amei neste mundo; é o pai de minha filhinha.
Parecia-me que devia acompanhá-lo sempre!

Helena – Se ele não te abandonasse mais dia, menos dia.

Carolina – Não há de ter este trabalho; hoje resolvi-me;
esta existência pesa-me. A que horas vem o Pinheiro?

Helena – Não pode tardar.

Carolina – É muito longe daqui a Laranjeiras?

Helena – Não; é um instante! Em cinco minutos podes
lá estar.

Carolina – Já viste a casa?

Helena – Ainda ontem. Está arranjada com um luxo!… O Pinheiro
vai te tratar como uma princesa.

Carolina – Contanto que me deixe livre.

Helena – Ele te adora; há de fazer todas as tuas vontades.
Queres ver que lindo presente te mandou?

Carolina – Por ti?

Helena – Sim; está aqui. (Tira do bolso caixas de jóias.)

Carolina – Um colar…pulseiras…um adereço completo!

Helena – Não é de muito gosto?

Carolina – São brilhantes?

Helena – Verdadeiros… Mas, Carolina, tenho uma notícia a
dar-te.

Carolina – Que notícia?

Helena – Teu primo deseja ver-te.

Carolina – Luís!… Esteve aqui!… Que me quer ele? Ainda
não está satisfeito com me ter mostrado tanto desprezo?

Helena – Que te importa?

Carolina – Sempre que o vejo fico triste. Sofro por muitos dias.

Helena – Foi a princípio.

Carolina – Ainda hoje não posso esquecer as palavras que ele
me disse há dois anos. E são tão amargas as suas palavras!

Helena – Entretanto ele te ama.

Carolina – A mim?… Tu pensas…

Helena – Não nos disse outro dia no hotel?

Carolina – Disse que amava outra Carolina, que não sou hoje.

Helena – Cuidas que por uma mulher preferir outro homem, aquele que
ela desprezou deixa de amá-la? Como te enganas!

Carolina – Então acreditas?

Helena – Agora mesmo ele aqui esteve: e me falou de ti com um modo…

Carolina – Que te disse?

Helena – Confessou que estava arrependido do que fez; que deseja ver-te
para mostrar que sempre te estimou e ainda te estima.

Carolina – Não é possível, Helena. Se Luís
me estimasse não me falava com tanto desprezo.

Helena – Ora, Carolina, se tu amasses um homem que se casasse com
outra mulher, o que farias?

Carolina – Tens razão.

Helena – Espera.

Carolina – Mas ele te disse que me queria ver? Voltará?

Helena – Creio que sim.

Carolina – Meu Deus!

Helena – Que mal faz que tu lhe fales? Se ele te ofender, entre para
dentro; se quiser amar-te, faz o que entenderes; mas não esqueças
o Pinheiro.

Carolina – Sei o que devo fazer.

Helena – Se precisares de mim, chama-me.

Carolina – Me deixas só?

Helena – Ao contrário, vê quem está aí.

CENA VI

(Luís e Carolina)

Carolina – Luís!

Luís – Não me recusou falar, Carolina. Eu lhe agradeço.

Carolina – Por que recusaria?

Luís – Depois do que se tem passado, não era natural
que desejasse fugir à presença de um importuno?

Carolina – Qual de nós, a primeira vez que nos encontramos
depois de uma longa ausência, repeliu o outro?

Luís – A repreensão é justa, eu a mereço.
Mas não creio que venho ainda lembrar-lhe um passado que todos devemos
esquecer, e acusá-la de uma falta de que outros talvez sejam mais culpados.
Venho falar-lhe como irmão; queres ouvir-me?

Carolina – Fale; não tenho receio.

Luís – Todos nós, Carolina, homens ou mulheres, velhos
ou moços, todos sem exceção, temos faltassem nossa vida;
todos estamos sujeitos a cometer um erro ou praticar uma ação
má. Uns, porém, cegam-se ao ponto de não verem o caminho
que seguem; outros se arrependem a tempo. Para estes o mal não é
senão um exemplo e uma lição: ensina a apreciar a virtude
que se desprezou em um momento de desvario. Estes merecem, não só
o perdão, porém muitas vezes a admiração que excita
a sua coragem.

Carolina – Não, Luís; há faltas que a sociedade
não perdoa, e que o mundo não esquece nunca. A minha é
uma destas.

Luís – Está enganada, Carolina. Se uma moça que,
levada pelo seu primeiro amor, ignorando o mal, esqueceu um instante os seus
deveres, volta arrependida à casa paterna; se encontra no coração
de sua mãe, na amizade de seu pai, na afeição dos seus,
a mesma ternura; se ela continua a sua existência doce e tranqüila
no seio da família; por que a sociedade não lhe perdoará,
quando Deus lhe perdoa, dando-lhe a felicidade?

Carolina – Nunca ela poderá ser feliz! A sua vida será
uma triste expiação.

Luís– Ao contrário, será uma regeneração.
Em vez da paixão criminosa que a rouba de seus pais, ela pode achar
no seio de sua família o amor calmo que purifique o passado e lhe faça
esquecer a sua falta.

Carolina – É verdade, então, Luís?… Helena
não me enganou!

Luís – o quê?… Não sei…

Carolina – Ainda me ama!

Luís – Eu?…

Carolina – Não era de si que me falava?

Luís – Não, Carolina; falava do Ribeiro.

Carolina – Ah! Era dele!…

Luís – É o único que tem direito de amá-la.

Carolina – Pois eu não o amo.

Luís – Não creio.

Carolina – Juro-lhe.

Luís – É impossível.

Carolina – Amanhã não duvidará.

Luís – Amanhã?… Que vai fazer?

Carolina – Há de saber.

Luís – Carolina, eu lhe peço, não dê semelhante
passo; ele é ainda mais grave do que o primeiro. Compreendo que uma
menina inexperiente sacrifique-se à afeição de um homem;
mas nada justifica a mulher que renegar aquele a quem deu sua vida.

Carolina – Então não posso deixá-lo!

Luís – Não! Uma mulher deve sempre conservar a virgindade
do coração e guardar pura sua primeira afeição.
Respeita-se o consórcio moral de duas criaturas que se unem apesar
do mundo e dos prejuízos que as separam; respeita-se a virtude ainda
quando ela não reveste as fórmulas de convenção.
Mas despreza-se a mulher que aceita qualquer amor que lhe oferecem.

Carolina – E quem lhe diz que amarei a outro?

Luís – O primeiro amor é às vezes o último;
o segundo nunca o será.

Carolina – Podia ser, Luís, se o não desprezassem.

Luís – Não compreendo.

Carolina – Também eu não compreendo este sentimento;
mas o coração é assim feito; deseja o que não
pode obter, e que muitas vezes desdenhou quando lhe ofereciam. Admiro-me do
que se passa em mim, e não sei explicá-lo. Parece-me, às
vezes, que ainda haveria um meio de ligar o fio de minha vida às recordações
dos meus dezoito anos, e continuar no futuro a existência tranqüila
de outrora. Mas esse meio… é uma loucura.

Luís – Diga, Carolina! Eu farei tudo…

Carolina – Tudo!…

Luís – Duvida?

Carolina – Ame-me então!

Luís – Escarnece de mim.

Carolina – Luís!

Luís – Creia-me, Carolina. Se eu estivesse convencido da realidade
desse amor, ainda assim, sacrificaria a minha felicidade à sua.

Carolina – Está bem! Não falemos mais nisso. Foi um
gracejo; não faça

caso… Adeus…

Luís – Já me despede.

Carolina – Pode ficar se quiser. (Chega-se ao espelho, e enxuga furtivamente
uma lágrima. Deita fora as jóias que Helenalhe dera.)

Luís (vendo no relógio) – Meio dia…

Carolina – Cuidei que fosse mais tarde!… Bonitas pedras! Não
são? Foi um presente!…

Luís – Ah! foi um presente?

Carolina – Não é de bom gosto?

Luís – Muito lindo!

Carolina – Quanto valerá?

Luís – Nada para mim; para outros talvez seja o preço
de uma infâmia.

Carolina – Faltava o insulto!

CENA VII

Helena – Quem está aí?

Carolina – Não.

Helena – O Ribeiro.

Carolina – Ah!

Helena – Que virá fazer?

Carolina – Não sei. Naturalmente recebeu a minha carta mais
cedo do que devia.

Helena – Tu lhe escreveste?… Para quê?…

Luís (aCarolina) Seu amante!

Carolina – Eu o espero.

CENA VIII

Ribeiro (a Carolina) – Esta carta?

Carolina – É minha.

Ribeiro – Que quer dizer isto?

Carolina – Não leu? Preveni-o da minha resolução.

Ribeiro – Não acredito!… tu não podes deixar-me!

Carolina – Não posso… Por quê?

Ribeiro – Tu és minha, Carolina! Tu me pertences!

Carolina – Engana-se; o que lhe pertence ficou em sua casa; deixando-o,
deixei tudo o que me havia dado.

Ribeiro – Que me importa isso? É a ti que eu não quero
e não devo perder.

Carolina – Seu que incomoda a falta de um objeto com o qual estamos
habituados! Mas paciência… nem sempre a moça tímida
havia de sujeitar-se ao jugo que lhe impuseram.

Ribeiro – É a segunda vez que me fazes esta exprobração.
Não me compreendes! Se eu não te amasse, teria realizado os
teus sonhos; gozaria um momento contigo desta vida louca e extravagante que
te fascina e depois te abandonaria ao acaso. Mas Deus puniu-me com a minha
própria falta: quis seduzir-te e amei-te. Não sabes o que tenho
sofrido… em que luta vivo com minha família!

Carolina – Nesse ponto me parece que se algum de nós deve ao
outro, não é decerto aquela que sacrificou a sua existência.
Mas não cuide que me queixo; aceito o meu destino! Fui eu que assim
o quis…

Ribeiro – Tu me lembras que tenho uma dívida de honra a pagar-te.

Carolina – Obrigada! Basta-me a liberdade e o sossego!

Ribeiro – Então decididamente me deixas?

Carolina – Já o deixei; já não estou em sua casa.
A minha é nas Laranjeiras.

Ribeiro – A dele, queres dizer? A do Pinheiro!

Carolina – É o mesmo.

Luís – E era esta mulher que há pouco falava de amor.

Carolina – Não era esta, não senhor; era a outra a quem
insultaram.(Vai sair)

Ribeiro – Uma palavra, Carolina!…

Carolina – Que quer ainda, senhor?

Ribeiro – Eu te seduzi, fiz-te desgraçada, não é
verdade?… Pois bem!

Arrosto a oposição de minha família! Arrosto tudo!
Quero reparar a minha falta! És a mãe de minha filha; sê
minha mulher!

Carolina – Tua mulher!

Ribeiro – Sim, Carolina! É um sacrifício que te devo.

Carolina – Não lho pedi.

Ribeiro – Mas sou eu que te suplico.

Luís – É a honra, é a virtude; é a felicidade
que ele lhe restitui! (Aparece Pinheiro)

CENA IX

(Os mesmos e Pinheiro)

Carolina – Não! É tarde…

Luís– Carolina!…

Carolina – Já que o amor não é possível
para mim, prefiro a liberdade!

Quero ver a meus pés, um por um, todos esses homens orgulhosos que
tanto blasonam de probos e honestos!… Aí curvando a fronte ao vício,
o marido trairá sua esposa, o filho abandonará sua família,
o pai esquecerá os seus deveres para mendigar um sorriso. Porque no
fim de contas, virtude, honra, glória, tudo se abate com um olhar,
e roja diante de um vestido. (A Pinheiro) Meu carro?…

Pinheiro – Está na porta.

Helena – Vem ver como é rico!

Ribeiro – Lembra-se ao menos de tua filha!…

Carolina – Deixo-o as seu pai como um remorso vivo.

Luís – Reflita, Carolina; aceite a reparação
que o senhor lhe oferece; faça de um homem arrependido, de uma moça
desgraçada e de uma menina órfã, uma família;
dê a felicidade a seu marido, e um nome à sua filha!

Carolina – E quem me dará a mim o que eu perco?

Luís – A sua consciência.

Carolina – Não a conheço! Adeus! (Vai sair.)

Ribeiro – Não! Tu não sairás com este homem!

Carolina – Quem impedirá?

Ribeiro – Eu!

Helena – Sr. Ribeiro, seja prudente!

Pinheiro – É o que faltava ver! Que o senhor queira levar o
ridículo a esse ponto! Tem algum direito sobre ela?

Ribeiro – Tenho o direito de vingar-me de um amigo desleal que me
traiu.

Pinheiro – Eu traí; e o senhor?… Roubou! Roubou a filha a
seus pais.

Luís (a Carolina) – Veja os homens a quem ama!

Carolina – Não amo a ninguém! Sou livre! (Caminhando
para a porta vêMargarida que entra pelo braço de Araújo,
recua com espanto.

CENA X

(Os mesmos, Margarida e Araújo)

Carolina – Ah! Esqueci que ainda tinha mãe!

Margarida – Carolina!

Luís– Tardaste muito!

Araújo – Apesar de toda a sua coragem, faltavam-lhe as forças!
Que te disse ela?

Luís – Cala-te!

Margarida – Carolina!… Não falas à tua mãe?
Não me queres conhecer?…

Depois de tanto tempo!… Tens medo de mim?… Não penses que vim
repreender-te…. acusar-te! Já não tenho forças!…
Vim pedir-te que me restituas a filha que perdi! Queria ver-te antes de morrer…
Eu te perdôo tudo… Não tenho que perdoar… Mas fala-me…
Olha-me ao menos!… Mais perto! Quase não te vejo!… As lágrimas
cegam… e tenho chorado tanto!

Carolina – Minha mãe!…

Margarida – Ah!…

Carolina – Oh! não!

Margarida – Que tens?

Carolina – Tenho vergonha!

Margarida – Abraça-me! Deus ouviu as minhas orações!
Achei enfim a minha filha!…minha Carolina!

Carolina – Não estás mais zangada comigo?

Margarida – Nunca estive! Tinha saudades! Porém agora não
nos separaremos mais nunca. Vem!…

Carolina – Para onde?

Margarida – Para a nossa casa; hás de achá-la bem mudada.
Mas tudo voltará ao que era. Estando tu lá, a alegria entrará
de novo; seremos muito felizes, eu te prometo.

Carolina – Está tão fraca!…

Margarida – Contigo sinto-me forte! Já não estou doente:
vê! (Dá um passo e vacila)

Carolina – Nem pode andar!… Mas tenho ai o meu carro.

Margarida – Teu carro!…

Carolina – Sim! Ainda não viu? É muito bonito.

Margarida – Todas estas riquezas que compraste tão caro e com
tantos sofrimentos custaram à tua mãe, já não
te pertencem, Carolina, atira para longe de ti estes brilhantes!… Não
te assentam!

Carolina – Minhas jóias!…

Margarida – Oh! Não lamentes a sua perda! Beijos de mãe
brilham mais em tuas faces do que esses diamantes. Tu eras mais bonita quando
íamos à missa aos domingos.

Carolina – Pois sim! (Afasta-se)

Luís (a Margarida) – Era a minha última esperança!

Margarida – Não falhou, o coração me dizia…

Carolina (no espelho) Não! Não tenho coragem!

Margarida – Que dizes?

Carolina – Perdão, minha mãe! É impossível!

Margarida – lembra-te, minha filha, que é a tua desonra que
tu mostras a todos!

Carolina – Que importa?… Minhas jóias!… Tão lindas!…
Sem elas, o que serei eu? Uma pobre moça que excitará um sorriso
de piedade!… Não! Nasci com este destino! É escusado.

Luís (a Margarida) Foi irritá-la!…

Margarida (a Carolina) – Escuta! Não exijo nada! Não
quero saber de coisa alguma! Faze o que quiseres; mas deixa-me acompanhar-te;
deixa-me viver contigo: eu partilharei até mesmo a tua vergonha.

Carolina – Nunca! minha mãe! Seria profanar o único
objeto que eu ainda respeito neste mundo. Adeus…

Margarida – Carolina…

Carolina – Adeus… e para sempre!

Margarida – Ah!… (Desmaia.)

Luís – Assim, depois de ter desconhecido o pai, e abandonado
a filha, repele a mãe!

Carolina – Como há pouco me repeliram.

ATO TERCEIRO

(Em casa de Carolina. Sala rica e elegante)

CENA PRIMEIRA

(Carolina, Helena, Meneses e Araújo)

Carolina – Dize alguma coisa, Sr. Araújo.

Araújo – Prefiro ouvir.

Carolina – Como está o seu amigo?

Araújo – Bem, obrigado.

Carolina – Por que ele não veio?

Araújo – Deve saber a razão.

Carolina – Ele foge de mim; não é verdade?

Araújo – Creio que foi a senhora que fugiu dele.

Meneses – Que é feito do Pinheiro?

Carolina – Não sei.

Helena – Anda por aí. Depois que deitou fora a fortuna do pai
vive tão murcho!

Meneses – Está pobre!

Helena – Não tem vintém. <P–Araújo –
Ninguém pode melhor dizê-lo do que a senhora.

Carolina – Explique-se.

Araújo – Este luxo explicará melhor. Quem lho deu?

Carolina (subindo) – Não me recordo.

Helena (na janela, a Carolina) – Não passeias hoje? A tarde
está tão linda!

Carolina – Talvez.

Araújo – Vou-me embora.

Meneses – Tão depressa?… Para isso não valeu a pena
incomodar-nos.

Araújo – É verdade! Mas convidei-te para esta visita,
só por um motivo.

Meneses – Qual?

Araújo – Luís pediu-me que soubesse notícias
dela. Vim buscá-las eu mesmo, para dá-las exatas.

Meneses– Pois então demora-te; talvez ainda tenhas que ver.

Helena – Olha! Lá vai aquela sujeita!

Carolina – Quem?

Helena – A mulher do Fernando, a quem pregaste aquela peça!

Carolina – Lembro-me.

Helena – Que bem feita coisa!

Meneses – o quê?

Helena – É uma história muito engraçada. O senhor
não sabe?

Meneses – Não. Conta, Carolina.

Carolina – Não estou para isso. Se queres conta tu, helena.

Araújo – É melhor.

Helena – Foi no último dia de grande gala que houve…

Araújo – O dia 7 de setembro.

Helena – Isso mesmo. O Fernando por pedido da mulher veio à
cidade de propósito para comprar um bilhete de camarote do Teatro Lírico.
Os cambistas lhe fizeram dar cem mil-réis por um de segunda ordem…

Número?…

Carolina – Não me lembro.

Helena – Como era tarde, jantou na cidade e escreveu à mulher
dizendo que se aprontasse porque tinham o camarote. Na ida passou por aqui
e entrou.

Começamos a conversar, falou-se de teatro; Carolina estava morrendo
por ir… Enfim, para encurtar razões, deu-lhe o bilhete.

Araújo – Que tratante.

Helena – Ao contrário, um homem delicado!… Mas o melhor,
é que saindo daqui, não sabendo que desculpa havia de dar à
mulher, não foi à casa, nem lembrou-se da carta que tinha escrito.
Ora, a sujeita vendo que ele não ia, meteu-se no carro e largou-se
para o teatro.

Araújo – Adivinho pouco mais ou menos o resto.

Helena – Não adivinha, não! Quando o bilheteiro ia abrindo
a porta, chegou Carolina que ia comigo, e disse:

— Este camarote é meu. A mulher do Fernando respondeu:

— Não é possível; meu marido o comprou hoje para
mim. O que havia ela de replicar?

— Foi seu marido mesmo quem mo deu; aqui está o bilhete, que
por sinal custou-lhe cem mil-réis.

Araújo – Ela disse isto?…

Helena – Palavra de honra.

Araújo – O que fez a mulher?

Helena – Que havia de fazer? Retirou-se da corrida.

Meneses – Retirou-se, sim; e sem dizer uma palavra: porque uma senhora
não dá à amante de seu marido nem mesmo a honra de indignar-se
contra ela. Quanto ao homem que praticou este ato infame, perdeu para sempre
a estima de sua esposa e dos homens de bem. Queira Deus que ele não
veja um dia os seus cabelos brancos manchados por esse mesmo vício
que alimentou.

Carolina – Está o Meneses como quer; deram-lhe tema para fazer
discursos.

Araújo – Mas diga-me uma coisa. A senhora pensa que a sociedade
pode tolerar por muito tempo uma mulher que não respeita coisa alguma?

Carolina (rindo) – Aí vem o outro com a sociedade!

Helena – É bem lembrada!

Araújo – Olha que eu não estou disposto a rir-me.

Meneses – Ri; é o melhor; não tomes isto a sério.

Carolina – Como quiserem; para mim é indiferente! Essa sociedade
de que o

senhor me fala, eu a desprezo.

Araújo – Porque a repele!

Carolina – Porque vale menos do que aquelas que ela repele do seu
seio. Nós. Ao menos, não trazemos uma máscara; se amamos
um homem, lhe pertencemos; se não amamos ninguém, e corremos
atrás do prazer, não temos vergonha de o confessar. Entretanto
as que se dizem honestas cobrem com o nome de seu marido e como respeito do
mundo os escândalos da sua vida. Muitas casam por dinheiro com o homem
a quem não amam; e dão sua mão a um, tendo dado a outro
sua alma! E é isto o que chamam virtude? É essa sociedade que
se julga com direito de desprezar aquelas que não iludem a ninguém,
e não fingem sentimentos hipócritas?…

Araújo – Têm o mérito da impudência!

Carolina – Temos o mérito da franqueza. Que importa que esses
senhores que passam por sisudos e graves nos condenem e nos chamem perdidas?…
O que são eles?… Uns profanam a sua inteligência, vendem a
sua probidade, e fazem um mercado mais vil e mais infame do que o nosso, porque
não tem nem o amor nem a necessidade por desculpa; porque calculam
friamente. Outros são nossos cúmplices, e vão, com os
lábios ainda úmidos dos nossos beijos, manchar a fronte casta
de sua filha, e as carícias de sua esposa. Oh! Não falemos em
sociedade, nem em virtude!… Todos valemos o mesmo! Todos somos feitos de
lama e amassados com o mesmo sangue e as mesmas lágrimas!

Meneses – Não te iludas, Carolina! Esse turbilhão que
se agita nas grandes cidades; que enche o baile, o teatro, os espetáculos;
que só trata do seu prazer, ou do seu interesse; não é
a sociedade. É o povo, é a praça pública. A verdadeira
sociedade, da qual devemos aspirar a estima, é a união das família
honestas. Aí se respeita a virtude e não se profana o sentimento;
aínão se conhecem outros títulos que não sejam
a amizade e a simpatia. Corteja-se na rua um indivíduo de honra duvidosa;
tolera-se numa sala; mas fecha-se-lhe o interior da casa.

Carolina – Quanta palavra inútil!…

Meneses – Não são para ti, bem sei; mas saem-me sem
querer e, felizmente, aqui está um amigo que me escuta com prazer.

Araújo – Realmente precisava ouvir-te para não duvidar
de mim, e de todos esses objetos que estou habituado a respeitar.

Helena – Falemos de coisas mais alegres.

Meneses – Não lhe agrada a conversa neste tom? (Batem palmas.)

Helena – Não entendo disso; é bom para a Carolina que
vive a ler.

Meneses – Ah! Lê romances naturalmente?

Carolina – Que lhe importa?

CENA II

(os mesmos e Pinheiro)

Helena (na porta) – Não lhe pode falar! Não teime!

Carolina – Quem é?

Helena – O Pinheiro.

Carolina – Que vem ele fazer cá? Dize-lhe que não estou
em casa.

Araújo – Bate-lhe na cara com esta mesma porta que ele fechava
outrora com sua chave de ouro.

Meneses ( a Araújo ) – Não te disse que ainda tinhas
que ver?

Pinheiro (a Helena) – Deixa-me! Hei de falar a Carolina. (Entra.)

Helena – Onde viu o senhor entrar assim na casa dos outros?

Pinheiro – São os maus hábitos que ficam a quem já
foi dono. Meus senhores!…

Meneses – Sr. Pinheiro! (Estendendo-lhe a mão.)

Pinheiro (recusando, confuso) – Tem passado… bem…

Meneses – Pode apertá-la; nunca a estendi aos favores do homem
rico; ofereço-a ao homem pobre que sabe suportar dignamente a sua desgraça.

Pinheiro (apertando a mão) – Se todos tivessem esta linguagem…

Araújo – Ele não teria merecimento, Sr. Pinheiro.

Pinheiro – Os senhores permitem que eu diga algumas palavras em particular
à Carolina?

Meneses – Sem dúvida! Esperamos naquela saleta. Anda, Helena;
vem divertir-nos contando os teus arrufos com o Vieirinha.

Helena (a Carolina) – Não sofras maçada.

Carolina – Deixa.

CENA III

(Pinheiro e Carolina)

Pinheiro – Vejo que a minha presença lhe aborrece, Carolina.
Só um motivo forte me obrigaria a importuná-la.

Carolina – Previno-lhe que vou sair; portanto não se demore.

Pinheiro – Houve tempo em que nesta mesma sala, neste mesmo lugar,
a mesma voz se queixava quando eu não podia me demorar.

Carolina – Deixemos o passado em paz.

Pinheiro – Não se recorda.

Carolina – As mulheres só começam a recordar depois
dos quarenta anos; antes gozam.

Pinheiro – Pois bem! Que esqueça o amor, compreendo; mas há
certas coisas que lembram sempre.

Carolina – Não sei quais sejam.

Pinheiro – Os benefícios.

Carolina – Deixam de ser quando se lançam em rosto.

Pinheiro – Não foi essa minha intenção, Carolina;
desculpe. O meu espírito se azeda com estas reminiscências. antes
que a ofenda de novo, não vou

dizer o que lhe quero pedir.

Carolina – Ah! Vem pedir?

Pinheiro – Admira-se!

Carolina – Como nunca pedi, estranho sempre que me pedem.

Pinheiro – Talvez algum dia seja obrigada!…

Carolina – Deixamos o passado para tratar do futuro? Pois olhe, se
um pertence às mulheres velhas, o outro é o consolo das pobres
meninas de dezoito anos, que vivem a sonhar.

Pinheiro – Deste modo não me deixa dizer…

Carolina – Que lhe impede?

Pinheiro – Suas palavras de sarcasmo.

Carolina – Estou hoje contrariada.

Pinheiro – Por que motivo?

Carolina – Não sei.

Pinheiro – É a minha presença?… Tem razão;
estou lhe roubando o seu tempo; outrora podia comprá-lo; hoje estou
pobre; gastei toda a minha fortuna. Não me queixo, nem a acuso. Sofreria
resignado essa perda se ela fosse apenas uma perda de dinheiro, e não
acarretasse a desgraça de outra pessoa.

Carolina – Que tenho eu com isto?

Pinheiro – Deixe-me acabar. Vou confessar-lhe uma vergonha minha;
mas é preciso: seja este o primeiro castigo. Escuso lembrar-lhe, Carolina,
que ou por amor ou vaidade, procurei sempre adivinhar, para satisfazê-los,
os seus menores desejos.

Carolina – Loucura! Não há nada que encha esse vácuo
imenso que se chama o coração de uma mulher.

Pinheiro – É exato, toda a minha fortuna se sumiu no abismo;
restavam-me apenas cinco contos de réis, que não me pertenciam.
Eram um legado que meu pai deixara como dote a uma menina órfã,
sua afilhada. Esse dinheiro devia ser sagrado para mim por muitos motivos;
devia respeitar nele a última vontade de meu pai e a propriedade alheia;
entretanto, foi com ele que comprei aquela pulseira que lhe dei no último
dia em que estive nesta casa.

Carolina – Ah! Aquela pedra só custou cinco contos?

Pinheiro – Custou um roubo! A órfã me pede o seu dote
para casar-se; e eu não o tenho para restituir-lhe.

Carolina – Então é impossível; não pense
mais nisso.

Pinheiro – Não é impossível se quiser, Carolina;
faça um sacrifício,

empreste-me esta jóia, e juro-lhe que com o meu trabalho lhe pagarei
o valor dela.

Carolina (rindo) – Ah! Ah! Ah!… É interessante!… Sr. Meneses!
Helena! Sr. Araújo!… Ouçam esta! É original.

CENA IV

(Os mesmos, Meneses, Araújo e Helena)

Helena – O que é?

meneses – Alguma outra anedota?

Carolina – Uma lembrança muito engraçada.

Araújo – Faço idéia!

Carolina – O senhor entendeu que devo agora fazer-me mascate de jóias.

Meneses – Não é má profissão.

Carolina – Adivinhem o que ele veio propor-me!

Helena – Por que não explicas logo?

Carolina – Querem saber?

Pinheiro – Eu poupo-lhe o trabalho; não tenho vergonha de confessar.
É um homem, meus senhores, que tendo consumido com uma mulher a sua
fortuna, perdeu a razão ao ponto de comprar-lhe o último presente
com um depósito sagrado que lhe foi confiado. Ameaçado do opróbrio
de uma condenação, esse homem vem pedir àquela a quem
tinha sacrificado tudo, que o salvasse, emprestando-lhe essa jóia cujo
valor ele jurava restituir-lhe com o seu trabalho. A resposta que teve foi
a gargalhada que ouviram.

Carolina – Não tinha outra.

Meneses – Certamente.

Araújo – Como, Meneses?

Carolina – Vê!

Pinheiro – O senhor aprova?

Meneses – Não, senhor.

Araújo – Mas, então?…

Meneses – Desgraçados dos homens de bem, Araújo, se
o mundo não fosse assim; se o vício não tivesse em si
esse princípio de destruição que é o seu próprio
corretivo. Estimo o Sr. Pinheiro desde que soube a maneira digna com que aceitou
o seu infortúnio; mas esse infortúnio proveio de sua paixão
louca por Carolina; ele não podia, não devia achar nela um sentimento
de gratidão. É preciso que o despreze para o punir; é
preciso que lhe negue para uma boa ação o dinheiro com que ele
acabou de perdê-la. A avareza (designa Carolina) corrige a prodigalidade
(designa Pinheiro.)

Carolina – Avareza! Não admito.

Araújo – E que nome tem isto?

Carolina – Chame-lhe ingratidão, chame-lhe o que quiser, mas
avareza, não!

Faço tanto caso do dinheiro como da moral que trazem certos sujeitos
na algibeira, e da qual só usam quando lhes convém, como de
um charuto, de um lenço, ou de uma caixa de rapé. E a prova
é que essa jóia, dá-la-ia de esmola a qualquer miserável,
se não estivesse convencida que ele amanhã nem me tiraria o
chapéu!

Pinheiro – Quando eu passo à noite pela Travessa de São
Francisco de Paula, ouço vozes humildes que suplicam, e que já
falaram mais alto que a sua, Carolina.

Carolina – Que tem isto? Se algum dia ouvir a minha, não a
escute, como eu hoje não quero escutar a sua.

Pinheiro – Nem todos possuem o seu coração.

Carolina – Isso é verdade!

Araújo – E o seu amor…

CENA V

(Carolina, Meneses, Helena e Araújo)

Carolina – Amor?…

Araújo – Amor ao dinheiro.

Carolina – Mas seriamente, os senhores não me compreendem.
Nem sabem que para uma mulher não há ouro que valha o prazer
de humilhar um homem.

Meneses – Tanto ódio nos tens?

Carolina – Muito!…

Araújo – Contudo não posso crer que aquelas que durante
toda a sua existência correm atrás do dinheiro, façam
dele tão pouco caso.

Carolina – Pois creia; todas essas minhas jóias, todo esse
luxo e riqueza, que me fascinaram, e que hoje possuo, não os estimo
senão por uma razão.

Araújo – Qual?

Carolina – Talvez possam realizar um sonho da minha vida.

Araújo – E que sonho é esse?

Carolina – Não digo.

Araújo – Por quê?

Carolina – Vai zombar de mim.

Araújo – Não tenha receio.

Meneses – Para zombar começaríamos tarde!

Carolina – E que zombem, não faz mal. Toda a criatura boa tem
o seu fraco; assim toda a mulher, por mais desgraçada que seja, conserva
sempre um cantinho puro onde se esconde a sua alma.

Meneses – Estás bem certa que tens uma alma, Carolina?

Carolina – Talvez me engane; é possível. Mas eu guardo-a
com tanto cuidado!

Araújo – Aonde, em alguma caixinha?

Carolina – Justamente! Numa caixinha de charão… Vai ver,
Helena; está no meu guarda-vestidos. (Dá-lhe as chaves.)

Meneses – E debaixo de chave!… És prudente!

Carolina – No meio de todas as minhas extravagâncias, de todos
os meus prazeres, eu sentia uma pequena parte de mim mesma que nunca ficava
satisfeita; chamei a isto minha alma, tive pena dela, fechei-a dentro dessa
caixa, e disse-lhe que esperasse até um dia em que seria feliz. (Helena
voltacom a caixa.)

Araújo – Ah! E esta?

Meneses – E de que maneira pretendes dar-lhe a felicidade?

Carolina – Não sei; mas como o dinheiro é tudo, fiz
uma coisa; dividi o que eu tinha e o que viesse a ter com a minha alma. Voltava
de uma ceia onde tinha me divertido muito; metia dentro desta caixa todo o
dinheiro que possuía, para que o espírito tivesse um igual divertimento.
As minhas jóias, depois de usadas uma vez, se escondiam aqui dentro;
enfim a cada prazer que eu gozava, correspondia uma esperança que guardava.

Meneses (apontando para a caixa) – E quanto valerá hoje a tua
alma?

Carolina – Não sei; o que entra aqui dentro é sagrado,
não lhe toco nem lhe olho; tenho medo da tentação. Só
abro esta caixa à noite, quando me deito.

Meneses – Pois deixa dar-te um conselho: põe a tua alma a juro
no banco, e esquece-te dela. Há de servir-te na velhice. Ou então
diverte-te!…

Carolina – Não; vou dá-la.

Araújo – A quem?

Carolina – A um homem que não me ama; e por causa do qual jurei
que havia de ver todos os homens a meus pés, para vingar-me neles do
desprezo de um. E sabem se cumpri meu juramento!…

Meneses – É talvez isto, Carolina, que faz de tua vida um fenômeno,
que eu estudo com toda a curiosidade. Tu és um destes flagelos, não
faças caso da palavra… um desses flagelos que a Providência
às vezes lança sobre a humanidade para puni-la dos seus erros.
Começaste punindo teus pais que te instruíram e te prenderam,
mas não se lembraram da tua educação moral; leste muito
romance mas nunca leste o teu coração. Puniste depois o Ribeiro
que te seduziu, e o Pinheiro que te acabou de perder; ao primeiro que te roubou
à tua família, deixaste uma filha sem mãe; ao segundo,
que te enriqueceu, empobreceste. Só me resta ver como castigarás
a ti mesma; se não me engano, tu acabas de revelar-me. Espero pelo
tempo. Vamos, Araújo.

Carolina – O senhor veio fazer-me ficar triste.

Araújo – Virá depois de nós quem o alegre.

Carolina – Escute!… Não!…

Araújo – Arrependeu-se?

Carolina – Como está Luís?

Araújo – Não sei.

Carolina – Não tem visto?

Araújo – Ainda ontem.

Carolina – Ele lhe fala às vezes em mim?

Araújo – Nunca.

CENA VI

CAROLINA e HELENA

CAROLINA – Nunca!…

HELENA – Estás falando só?

CAROLINA – Estava pensando em uma coisa… Ele não vira, Helena!

HELENA – Por que razão?

CAROLINA – Ainda perguntas?

HELENA – Não creias. Estou quase apostando que não tarda aí.

CAROLINA – Tu não conheces Luís.

HELENA – Ora é boa!! Conheço os homens, Carolina; para eles
uma mulher é sempre urna mulher, sobretudo quando é bonita.

CAROLINA – Terá recebido a carta?

HELENA – O Vieirinha entregou-a em mão própria.

CAROLINA – O Vieirinha?… Não tinhas outra pessoa por quem mandar?…

HELENA – Que tem que fosse ele?..

CAROLINA – Nada: é que me aborrece esse homem. Desejo nem vê-lo…

HELENA – Tu bem sabes…

CAROLINA – Sei, mas não estou para suportá-lo. Entra na minha
casa como se fosse dono dela; ontem fui achá-lo naquela sala a remexer
na minha cômoda.

HELENA – E faltou-te alguma coisa?…

CAROLINA – Não; mas para que isso não torne a acontecer, previno-te
que, se queres continuar a morar comigo, deves descartar-te dele.

HELENA – Não me animo a dizer-lhe…

CAROLINA – É um homem sem caráter!

HELENA – Gosto dele, Carolina!

CAROLINA – Tens um gosto bem extravagante!

HELENA – Confesso! Se tu soubesses o que tenho sofrido!…

CAROLINA – Porque queres.

HELENA – É verdade; mas não sei que poder tem sobre mim, que
não posso resistir-lhe! Conheço que é um homem capaz
de tudo; e, entretanto, Carolina, se ele vier pedir-me, como já tem
feito muitas vezes, que venda um traste meu para desempenhar o seu relógio…
Tu vais te rir?… Pois eu não lhe negarei!

CAROLINA – Não me rio, não, Helena; ao contrário, tive
uma idéia bem triste.

HELENA – Que idéia?

CAROLINA – Será esse o fim da nossa vida? A mulher que perverte seu
coração estará condenada a amar um dia algum homem ainda
mais baixo do que ela?

HELENA – E quem nos pode amar senão esses, Carolina?

CAROLINA – Mas isso não é amor! (Luís aparece na
porta do fundo.)

CENA VII

As mesmas e LUÍS

HELENA – Sr. Viana!

CAROLINA – Ah!…

LUÍS – Creio que entra-se aqui pagando!... (Tira da carteira
uma cédula que deita sobre o aparador.)

CAROLINA – Luís!…

LUÍS – Por este nome só me tratam os meus amigos e as pessoas
que estimo.

CAROLINA – Não é preciso recorrer a estes meios para mostrar-me
o seu desprezo; eu o sinto mesmo de longe e agora vejo-o mais no seu olhar
do que nas suas palavras.

LUÍS – Que quer de mim?…

CAROLINA – Queria fazer-lhe um pedido; mas já não tenho coragem.

LUÍS – Então é inútil a minha presença
aqui.

CAROLINA – Não! Espere! Farei um esforço; porém prometa-me
ao menos uma coisa.

LUÍS – Não é preciso.

CAROLINA – É muito; prometa-me que por mais estranho que lhe pareça
o que vou dizer-lhe, deixe-me falar; depois acuse-me e escarneça de
mim: é o seu direito; não me queixarei.

LUÍS – A recomendação é escusada; três
vezes procurei com as minhas palavras reparar um erro; mas afinal convenci-me
que quando tine o ouro, não se ouve a voz da consciência. Pode
falar.

CAROLINA – Sente-se. Fecha aquela porta, Helena, e deixa-nos.

CENA VIII

LUÍS e CAROLINA

CAROLINA – Consinta que ao menos agora que ninguém nos ouve eu o
chame Luís, como antigamente.

LUÍS – Para quê?

CAROLINA – Este nome me lembra uma intimidade, e me faz esquecer o ano que
passou.

LUÍS – Para que esquecê-lo? É o mais feliz da sua vida!…

CAROLINA – Podia ter sido se alguém me tivesse amado; mas ele não
quis, ou não julgou que uma moça perdida valesse a pena de uma
afeição.

LUÍS – E valia?.

CAROLINA – Talvez, Luís… Sem o despeito dessa repulsa, talvez a
filha não fosse surda ao grito de sua mãe e a mulher resistisse
à fascinação que a atraia.

LUÍS – Ora!…

CAROLINA – Oh! Não me defendo. A culpa é minha: o mal estava
aqui (leva a mão à fronte). Tinha sede de
prazer e precisava saciar-me; entretanto, creio que também havia alguma
coisa aqui (leva a mão ao coração), porque depois
das minhas loucuras sentia um remorso do que tinha feito; e me parecia que
me afastava cada vez mais daquele de quem desejava aproximar-me. E, coisa
singular! Era justamente este remorso que me irritava mais, que me lançava
em algum novo escândalo, e me fazia olhar com um soberano desprezo para
essa sociedade que me repeliu, e para todas essas mulheres virtuosas que ele
podia amar.

LUÍS – Foi então para dizer-me isto… que…

CAROLINA – Foi para dizer-lhe que este amor louco me tem sempre acompanhado,
que resistiu a tudo, e que hoje se ajoelha a seus pés!…

LUÍS – Carolina!

CAROLINA – Luís, não te peço que me ames, não;
sou indigna, eu o sei! Mas eu te suplico, me deixa amar-te!…

LUÍS – Cale-se!

CAROLINA – Que lhe custa isso? Um homem não se mancha com a afeição
de uma mulher, por mais desprezível que ela seja; e é sempre
doce sentir que se está dando um pouco de felicidade a uma pobre criatura
que o mundo condena.

LUÍS – Não sou rico!

CAROLINA – A mulher que ama não vende o seu coração:
suplica que o aceitem!…

LUÍS – E o partilhem com os outros!…

CAROLINA – Não me compreende, Luís. Vê esta caixa? Aqui
tenho as economias da minha dissipação; guardei-as para um dia
poder gozar um momento dessa existência doce e tranqüila, que eu
não conheço. Não sei em quanto importam; mas devem chegar
para viver um ou dois anos na Tijuca ou em Petrópolis. Venha comigo!
Consinta que o ame. Logo que o aborrecer, deixe-me. Assim ao menos quando
começar para mim o desengano, quando de meus anos gastos na perdição
só restar a velhice prematura, eu terei as recordações
desses poucos dias de felicidade para encher o vácuo do passado.

LUÍS – Adeus, Carolina.

CAROLINA – Não me recuse!…

LUÍS – Eu lhe perdôo, porque ignora que isto que propõe
é uma infâmia! Nunca amou, Carolina, senão compreenderia
que ninguém se avilta a ponto de aceitar esses sobejos de amor, esses
restos de um luxo pago por tantos outros. Seus primeiros amantes, a quem arruinou,
diriam que eu vivia da sua miséria.

CAROLINA – Oh! não…

LUÍS – É inútil!

CAROLINA – Pois bem!… Antes de partir… porque sei que é a última
vez que nos vemos… Luís… (apresenta-lhe a fronte timidamente.)

LUÍS – O quê?…

CAROLINA – A sua lembrança!…

LUÍS – Outros lábios a apagariam!

CAROLINA – Ah!…

CENA IX

CAROLINA e HELENA

HELENA – Que foi?

CAROLINA – Nada!… Meneses tem razão!

HELENA – Em quê?…

CAROLINA – O melhor destino que eu posso dar à minha alma (aponta
para a caixa)
é gastá-la em uma ceia e beber à nossa
saúde.

HELENA – Que dizes?

CAROLINA – Quero divertir-me…

HELENA – Fazes bem!

CAROLINA – Acende velas. (VIEIRINHA entra e descobre a nota que LUÍS
deixara.)

CENA X

As mesmas e VIEIRINHA

VIEIRINHA – Oh! Como anda o dinheiro por aqui! É teu, Helena?

CAROLINA – Não, senhor, é meu. Faz favor.

VIEIRINHA – Empresta-me até amanhã.

CAROLINA – Nunca empresto, costumo dar.

VIEIRINHA – Então melhor…

CAROLINA – Mas este não posso. Dar-lhe-ei outro.

VIEIRINHA – Olhe lá…

CAROLINA – Dou-lhe este mesmo. (Toma o dinheiro e acende com ele o charuto.)

HELENA – Que vais fazer?

VIEIRINHA – Não consinto…

CAROLINA (atirando a cinza do bilhete a VIEIRINHA) – Aí
tem: aprenda a fumar.

VIEIRINHA – Uma fumaça de cinqüenta mil-réis.

CAROLINA – Tome; veja que gosto tem!

VIEIRINHA – Apanha, Helena.

HELENA – Estão batendo.

VIEIRINHA – Pode entrar.

CAROLINA – Vai ver quem é, Helena.

VIEIRINHA – Se procurarem por mim, dize que não estou em casa.

CAROLINA – Não podem procurar pelo senhor aqui; e aproveito a ocasião
para dizer-lhe que me faz um grande obséquio não aparecendo
mais em minha casa.

VIEIRINHA – Por hoje fico ciente.

CAROLINA – Já disse o mesmo à Helena.

VIEIRINHA – Depois arranjaremos isto. Podes entrar, Ribeiro, senta-te.

CENA XI

Os mesmos e RIBEIRO

RIBEIRO – Adeus, Carolina, como está?

CAROLINA – Boa, obrigada… E… ela?

RIBEIRO – Sua filha… Está muito linda… em seu nome que venho…

CAROLINA – Fazer o quê?

RIBEIRO – Não se assuste: é uma coisa muito simples. Lembra-se,
Carolina, que há um ano, depois que nos separamos, apesar de não
querer conservar nada do que lhe tinha dado, aceitou como lembrança
de sua filha uma cruzinha de pérolas.

CAROLINA – Lembro-me. Por quê?

RIBEIRO – Ontem, por acaso, comprando algumas jóias, reconheci entre
elas essa cruz. Pensei que talvez uma necessidade urgente a obrigasse a vendê-la;
comprei-a e de novo lhe peço que a guarde em lembrança de sua
filha.

CAROLINA – Parece-se; mas não é a mesma. (Sai VIEIRINHA.)

RIBEIRO – Veja na chapa o seu nome.

CAROLINA – É verdade!… (Assustada) Mas como é possível!…

RIBEIRO – Nunca se desfez dela?

CAROLINA – Estava nesta caixa com todas as minhas jóias!.. Para tirá-la…
(Abre a caixinha rapidamente; tira de dentro as caixas vazias) Tudo.
Tiraram-me tudo! Meu dinheiro! Minhas jóias!…

HELENA – Foi ele (Apontando para a porta) Oh!… tenho toda a certeza.

RIBEIRO – O Vieirinha?…

HELENA – Sim; já me fez o mesmo, e ontem, Carolina achou-o remexendo
na cômoda.

CAROLINA – Esqueceu uma!… Leva a esse miserável, teu amante, para
que aproveite os restos do seu crime.

RIBEIRO – Era tudo quanto possuía, Carolina?

CAROLINA – Tudo!… E roubaram-me…

RIBEIRO – Então está pobre?…

CAROLINA – Pobre!… Oh!… Não!… Sou moça!…

ATO QUARTO

Em casa de CAROLINA; Sala pobre e miserável. É noite.

CENA PRIMEIRA

HELENA e MENESES

HELENA – Quem é?

MENESES – Abre, Helena.

HELENA – Ah! Sr. Meneses!

MENESES – Que significa isto?

HELENA – Uma desgraça!

MENESES – Conta-me!… Recebi a tua carta: mas tu não aproveitas
muito as lições do teu mestre de gramática; pouco entendi.

HELENA – O senhor nada sabia?

MENESES – Nada absolutamente. Voltando à tua casa disseram-me que
se haviam mudado. Perguntei notícias ao Ribeiro, a quem encontrei há
dias. Não me soube dizer.

HELENA – É que foi uma coisa tão repentina! Naquele mesmo
dia em que o senhor lá esteve com o Araújo, fazem dois meses
pouco mais ou menos, que Carolina descobriu que estava roubada.

MENESES – Ah! Aquela caixinha de charão…

HELENA – O Vieirinha com uma chave falsa abria e tirava as jóias
que Carolina guardava, deixando as caixas vazias, para que ela não
desconfiasse.

MENESES – Que miserável!

HELENA – Ela coitadinha, a princípio fingiu não se importar;
mas depois veio-lhe uma febre… Esteve à morte. Com a moléstia
gastamos o que tínhamos; vendemos tudo, e alugamos este cochicholo
onde mal cabemos.

MENESES – Com efeito não parece habitação de gente.

HELENA – Que remédio?… Mas o pior é que não temos
nem o que comer! Se ao menos ela já estivesse boa… Neste desespero
lembrei-me de escrever àqueles que tínhamos conhecido em outros
tempos, ao senhor, ao Araújo, ao Ribeiro, ao Viana… Escrevi até
ao próprio Vieirinha!

MENESES – Depois do que ele fez?

HELENA – Talvez esteja arrependido, e restitua uma parte do que roubou.

MENESES – Duvido muito; mas fica descansada. Falarei aos outros. Entretanto
deve ter necessidade de algum dinheiro… (batem.)

HELENA – Há de ser algum deles!

MENESES – É natural.

LUÍS – Onde está Carolina?

HELENA – Dorme; não a acorde. E o único momento de alívio
que tem.

LUÍS – Está muito doente?

HELENA – Agora vai um pouco melhor; mas ainda sofre bastante.

ARAÚJO (a MENESES) – Foi depois daquele dia que estivemos
juntos em casa dela.

MENESES – É verdade.

ARAÚJO – Soubeste hoje.

MENESES – Porque Helena me escreveu!

LUÍS – Eu já sabia há dias; porém não
me foi possível descobrir a casa.

HELENA – Uma rua tão esquisita!… Quando pensaria eu morar no Saco
do Alferes!…

MENESES – Não se acaba por onde se começa, Helena.

LUÍS – Que é feito do homem que praticou esse roubo infame?

MENESES – Anda por aí muito satisfeito; vai casar-se.

HELENA – Que feliz mulher!…

ARAÚJO – E deixa-se que um indivíduo desses goze tranqüilamente
do fruto do seu crime? Não havia meio de levá-lo à polícia?

HELENA – Com o vexame da doença de Carolina, nem me 1embrei de semelhante
coisa. Demais, que lucrávamos nós com isso? Faltavam as provas;
e quem se prestaria a ir jurar a nosso favor contra um homem conhecido?…

ARAÚJO – Conhecido como um tratante!

HELENA – Mas sempre tem amigos; ninguém acreditaria. ARAÚJO
– Não estou por isso.

MENESES – Helena tem razão, Araújo; ninguém lhe daria
crédito, ninguém juraria a seu favor; e eu estimo bem que ela
tenha consciência do quanto desceu, que a sociedade nem ouve as suas
queixas.

HELENA – Não falemos nestas coisas agora, Sr. Meneses; já
não têm volta.

ARAÚJO – O arrependimento nunca vem tarde.

HELENA – Por isso eu vou passando muito bem sem ele.

ARAÚJO – Que mulherzinha!…

MENESES – Quantas não existem assim.

CENA III

Os mesmos e RIBEIRO

MENESES – Oh!… Ribeiro…

RIBEIRO – Também vieste?…

MENESES – O mesmo motivo nos trouxe a todos.

RIBEIRO – Ah! Mas não se incomodem; eu me encarrego do que for preciso.

LUÍS – Perdão, Sr. Ribeiro; aprecio a sua delicadeza; mas
ela não me dispensa de cumprir o meu dever.

RIBEIRO – Creio que é a mim que pertence como pai de sua filha…

LUÍS – Não senhor: a obrigação de ampará-la
é minha e ninguém ma pode contestar. Sou seu parente: e represento
aqui sua família.

MENESES – Não há dúvida, Sr. Viana; mas permita-me
que lhe diga também que quando se trata de uma boa ação
não reconheço em ninguém o direito de excluir-me dela.
Sou pobre…

RIBEIRO – Não se trata de fortuna, Sr. Meneses: nem um de nós
é rico.

ARAÚJO – Pois então façamos uma coisa: associemo-nos,
e partilhemos todos o prazer de fazer o bem.

LUÍS – Não é necessário.

RIBEIRO – É ser egoísta, Sr. Viana.

LUÍS – Desculpe: se estivesse no meu lugar faria o mesmo.

RIBEIRO – Estão batendo.

HELENA – Vou ver.

MENESES – Pois advirto-lhe que não me sujeito.

LUÍS – Se o senhor tivesse prometido a uma mãe quase moribunda
restituir-lhe sua filha, consentiria que outros o ajudassem a cumprir essa
promessa?

MENESES – Por que não? Seria orgulho…

LUÍS – Talvez, Sr. Meneses; mas um orgulho legítimo. O que
sofri por ela dá-me esse direito.

MENESES – Compreendo e respeito essa dor.

CENA IV

Os mesmos e VIEIRINHA

RIBEIRO – Que vem fazer aqui?

VIEIRINHA – O meu negócio não é com o senhor.

HELENA – É comigo.

VIEIRINHA – Justamente. Saiba que fez muito mal em escrever-me.

MENESES – Já eu o tinha dito.

VIEIRINHA – Ah! Está por aqui, Meneses?

MENESES – Peço-lhe que se esqueça do meu nome.

VIEIRINHA – Que quer isto dizer?

ARAÚJO – Quer dizer que há certos conhecimentos que desonram
um homem honesto.

VIEIRINHA – Não entendo.

LUÍS – Eu lhe explico. Tenha a bondade de retirar-se.

VIEIRINHA – Depois de dizer algumas palavras a esta mulher.

HELENA – Já não sabe como me chamo!

RIBEIRO – De que te admiras? Já não tens dinheiro para dar-lhe.

HELENA – Que quer de mim? Vem restituir o que roubou?… Quanto ao que lhe
dei não é necessário.

VIEIRINHA – Não quero que me escreva. Suas cartas podem comprometer-me;
estou em vésperas de casar-me.

HELENA – Que tem isso?…

VIEIRINHA – Podem suspeitar que tenho relações com gente de
tal qualidade.

HELENA – E o senhor envergonha-se?…

VIEIRINHA – Se lhe parece que é uma honra…

HELENA – Não se envergonha, porém, do que praticou; não
se lembra que, por mais de um ano, foi sustentado por uma mulher da minha
qualidade.

VIEIRINHA – Não dou peso ao que diz.

HELENA – E não deve dar mesmo: porque a mulher que chegou a amar
um homem como o senhor é bem desprezível!… (VIEIRINHA quer
sair.)

CENA V

Os mesmos e CAROLINA

HELENA – Pois não! Agora há de ouvir-me!

ARAÚJO (a CAROLINA) – Sente-se melhor?

CAROLINA – Pouco… Mas os senhores aqui… Luís… Sr. Ribeiro…

RIBEIRO – Incomoda-lhe a minha presença?

CAROLINA – Não!… Mas por que não a trouxe?

RIBEIRO – Nossa… Sua filha?…

CAROLINA – Tinha tanta vontade de vê-la!…

RIBEIRO – Espere!… Voltarei antes de uma hora com ela.

HELENA – Por que te levantaste, Carolina? Estás tão fraca!…

CAROLINA – Falavas tão alto!…

HELENA – E este sujeitinho… Tu o conheces bem!… Fez-me exasperar! Diz
que se envergonha de conhecer-me… porque vai casar-se.

CAROLINA – Casar-se!… Ele!… Com quem, meu Deus?

MENESES – Com a filha de um homem de bem.

ARAÚJO – Que não o conhece certamente.

CENA VI

CAROLINA, LUÍS, MENESES, ARAÚJO, HELENA e VIEIRINHA

HELENA – Hei de contar-lhe uma história. Ah! As minhas cartas o comprometem!…
Veremos as suas.

VIEIRINHA – As minhas?…

HELENA – Os bilhetinhos que me escrevia pedindo-me que lhe valesse, que
fosse desempenhar o seu relógio.

ARAÚJO – Serão um bom presente para o futuro sogro do senhor.

HELENA – Está dito; vou mandá-las amanhã! Tenho-as
aqui.

VIEIRINHA – Helena!…

MENESES (a ARAÚJO) – Como lhe avivou a memória. Já
sabe o nome.

VIEIRINHA Escuta!

HELENA – Não se comprometa, meu senhor!

CAROLINA – Vem cá, Helena.

HELENA – O que queres?

CAROLINA – Nunca te pedi nada. Dá-me estas cartas.

HELENA – Para quê?

CAROLINA – Dá-me!…

LUÍS – Que vai fazer?

CAROLINA – Vingar-me!… Aí tem!… Rasgue essas provas que o podem
denunciar; case-se com a filha desse homem de bem; entre no seio de uma família
honrada; adquira amigos!… É a minha vingança contra essa gente
orgulhosa que se julga superior às fraquezas humanas.

LUÍS – Não fale assim, Carolina; a sociedade perdoa muitas
vezes.

CAROLINA – Perdoa a um homem como este; recebe-o sem indagar do seu passado,
sem perguntar-lhe o que foi; contanto que tenha dinheiro, ninguém se
importa que a origem dessa riqueza seja um crime ou uma infâmia. Mas,
para a pobre moça que cometeu uma falta, para o ente fraco que se deixou
iludir, a sociedade é inexorável! Por que razão? Pois
a mulher que se perde é mais culpada do que o homem que furta e rouba?

MENESES – Não, decerto!

CAROLINA – Entretanto, ele tem um lugar nessa sociedade, pode possuir família!
E a nós, negam-nos até o direito de amar! A nossa afeição
é uma injúria! Se alguma se arrependesse, se procurasse reabilitar-se,
seria repelida; ninguém a animaria com uma palavra; ninguém
lhe estenderia a mão… (VIEIRINHA sai, deixando aberta a
rótula.)

CENA VII

CAROLINA, LUÍS, MENESES, ARAÚJO e HELENA

MENESES – Talvez seja uma injustiça, Carolina; mas não sabes
a causa?… É o grande respeito, a espécie de culto, que o homem
civilizado consagra à mulher. Entre os povos bárbaros ela é
apenas escrava ou amante; o seu valor esta na sua beleza. Para nós,
é a tríplice imagem da maternidade, do amor e da inocência.
Estamos habituados a venerar nela a virtude na sua forma a mais perfeita.
Por isso na mulher à menor falta mancha também o corpo, enquanto
que no homem mancha apenas a alma. A alma purifica-se por que é espírito,
o corpo não!… Eis por que o arrependimento apaga a nódoa do
homem, e nunca a da mulher; eis por que a sociedade recebe o homem que se
regenera, e repele sempre aquela que traz em sua pessoa os traços indeléveis
do seu erro.

;CAROLINA – É um triste privilégio!…

MENESES – Compensado pelo orgulho de haver inspirado ao homem as coisas
mais sublimes que ele tem criado.

LUÍS – Penso diversamente, Sr. Meneses. Por mais injusto que seja
o mundo, há sempre nele perdão e esquecimento para aqueles que
se arrependem sinceramente: onde não o há é na consciência.
Mas não se preocupe com isto agora, Carolina; vê que não
lhe faltam amigos, e essa mão que deseja, aqui a tem!

CAROLINA – Deixa-me beijá-la?

LUÍS – Não se beija a mão de um irmão; aperta-se!

CENA VIII

Os mesmos e PINHEIRO

HELENA – Quem é o senhor?

PINHEIRO – Um moço que veio no meu tílburi entrou aqui…
Não posso esperar mais tempo; são nove horas.

HELENA – Como se chama?

PINHEIRO – Vieirinha.

HELENA – Ah! Já saiu! Pregou um calote!

ARAÚJO – Para não perder o costume.

MENESES – Helena não lhe deu os dez tostões!

PINHEIRO – Helena!… Os senhores’ Aqui!… E ela! Carolina!…

CAROLINA – Quem me chama?

PINHEIRO – Ah!

HELENA – Sr. Pinheiro!…

PINHEIRO – Como está magra e pálida!… Oh!… Deus é
justo!

LUÍS – Cale-se, senhor; se não respeita a fraqueza de uma
mulher respeite ao menos o leito de uma enferma!

PINHEIRO – Não é minha intenção ofende-la; ao
contrário… O acaso fez que o homem pobre, mas honrado, encontrasse
diante das mesmas testemunhas, reduzida à miséria, a mulher
que o arruinou, e que lhe respondeu com uma gargalhada quando ele pedia-lhe
que o salvasse da vergonha. Esqueço tudo; e lembro-me que sou cristão.
Dou a minha esmola!

CAROLINA – Toda a esmola não pedida é um insulto; e um homem
nunca tem o direito de insultar uma mulher!

PINHEIRO – Recebeu-as quando eram de brilhantes!…

CAROLINA – Nunca recebi esmolas; recebia o salário da minha vergonha!
Mas fique certo que não há dinheiro no mundo que a pague. Todos
os senhores que estendem a uma mulher a mão cheia de ouro; que depois
de lhe matarem a alma cobrem o seu corpo de jóias e de sedas para reanimar
um cadáver, julgam-se muito generosos!… Não sabem que um dia
essa mulher daria a sua vida para resgatar o bem perdido; e não o conseguiria!…
Portanto não nos acusemos; o senhor perdeu a sua fortuna, eu perdi
a minha felicidade; estamos quites. Se, hoje, sou uma mulher infame, não
é o senhor, que concorreu para essa infâmia, que foi cúmplice
dela, quem me pode condenar.

MENESES – Aproveite a lição, Sr. Pinheiro; e guarde a sua
esmola. Quando tiver passado este primeiro momento de irritação
há de reconhecer o que já lhe disse uma vez. Há criaturas
neste mundo que se tornam instrumentos da vontade superior que governa o mundo.
Não foi Carolina que o arruinou, que do moço rico fez um cocheicro
de tílburi; foi, sim, a vaidade, a imprudência, e o desregramento
das paixões, sob a forma de uma moça. Incline-se pois diante
da Providência; e respeite na mulher desgraçada a vítima
do mesmo erro, e o agente de uma punição justa.

PINHEIRO – Sempre respeitei a desgraça, Sr. Meneses; e ainda agora
mesmo, se ela precisar de mim… Já não sou rico, mas economias
de pobre ainda chegam para aliviar um sofrimento.

CAROLINA – Aceitei enquanto tinha que dar! Hoje, não vê?…
Sou uma sombra! Só peço aquilo a que os mortos têm direito…
Que respeitem as suas cinzas!

PINHEIRO – Eu me retiro, Carolina; desculpe se a ofendi.

CAROLINA – Não conservo o menor ressentimento contra aqueles que
encontrei no meu caminho. Corríamos todos atrás do prazer; o
acaso nos reuniu; o acaso separou-nos. Hoje que somos uns para os outros recordações
vivas e bem tristes, devemos esquecer-nos mutuamente. Entre nós a estima,
e mesmo a piedade seria uma irrisão.

PINHEIRO – Quer assim?… Pois seja! Adeus. (Sai.)

CENA IX

CAROLINA, LUÍS, MENESES, ARAÚJO e HELENA

MENESES – Eis um exemplo de coragem bem raro no Rio de Janeiro.

LUÍS – Qual?

MENESES – O desse moço. Outros em seu lugar, tendo perdido a sua
fortuna, andariam por aí a incomodarem os amigos de seu pai, e os seus
antigos conhecidos, para lhe arranjarem emprego, que "não estivesse
abaixo de sua posição".

ARAÚJO – Como eu conheço muitos. Não têm vintém,
e entendem 9ue se desonram em ser caixeiros.

LUÍS – É um prejuízo que já vai desaparecendo.

CAROLINA – Mas, Sr. Meneses…

MENESES – O que é, Carolina?

CAROLINA – Por que os senhores apareceram todos de repente?… Nem de propósito!…

MENESES – É verdade!…

CAROLINA – Como souberam a casa?

HELENA – Escrevi-lhes.

CAROLINA – Pedi-te tanto, Helena!

LUÍS – Não queria que viéssemos?

CAROLINA – Para que afligi-los!…

MENESES – Mais nos afligiríamos se soubéssemos que tinha sofrido
privações por falta de amigos.

CAROLINA – Por isso não! Não preciso de nada.

ARAÚJO – Como!… Não pode ficar nesta casa. É tão
úmida…

CAROLINA – Quem não tem melhor!

ARAÚJO – Para que estamos nós aqui?

CAROLINA – Não, Sr. Araújo!… Não aceito coisa alguma.

MENESES – Deixa-te de caprichos.

CAROLINA – Já não os posso ter! (LUÍS e ARAÚJO
conversam baixo.)

MENESES – Helena, há pouco, me revelou as tuas circunstâncias!…
Ontem não teve com que comprar um frango para dar-te um caldo.

CAROLINA – Oh! Neste ponto é escusado, Sr. Meneses!… Não
cedo.

MENESES – Nem eu!…

CENA X

CAROLINA, HELENA, MENESES e LUÍS

LUÍS – Não a contrarie!!… Nada obteremos. Deixe-me com ela!
Eu conseguirei persuadi-la.

MENESES – Com uma condição, porém.

LUÍS – Qual?

MENESES – Que me tratará nisso como um amigo.

LUÍS – Era minha intenção, e a prova… ARAÚJO
foi buscar Margarida.

MENESES – A mãe de Carolina?

LUÍS – Sim; precisava de alguém que fosse à minha casa,
e a fizesse preparar para recebê-la hoje mesmo; porque o essencial é
tirá-la daqui. Contei com o senhor…

MENESES – E fez muito bem. Vou esperá-lo.

CAROLINA – Helena!

MENESES – Até logo, Carolina!

HELENA – Tu me chamaste?

CAROLINA (à meia voz) – Toma esta cruz!… É uma
lembrança de minha filha! Sinto separar-me dela!… Mas é por
pouco tempo.

HELENA – Não penses nisto!…

CAROLINA – Vê se dão alguma coisa por ela… e compra-me água
de flor! Tenho uma sede!…

LUÍS – Vai sair?.

HELENA – Vou à botica; volto já!

CENA XI

LUÍS e CAROLINA

LUÍS – Está sofrendo muito, Carolina?

CAROLINA -Muito!… Mas enquanto sinto a dor não penso… Não
me lembro!…

LUÍS – Incomodam-lhe as recordações do passado?

CAROLINA – Envergonho-me do que sou, Luís! Creio que não há
martírio como este a que me condenei. Agora é que entendo as
palavras que me disse naquela noite.

LUÍS – Procure esquecer, Carolina.

CAROLINA – Não é possível. Seria preciso arrancar a
alma deste corpo, e ainda assim ela se lembraria.

LUÍS – O tempo há de acalmar essa excita&ccediccedil;ão.

CAROLINA – Duvido!… Se soubesse, Luís, que mistérios profundos
encobre esta vida! Quem vê uma dessas mulheres, sempre alegre e risonha,
vestida ricamente, zombando de todos e de tudo, não adivinha o que
se passa dentro daquele coração, não sabe que miséria
se esconde sob essa aparência dourada!… É o desprezo do mundo,
começando pelo desprezo de si mesma! O vício a torna incapaz
de qualquer afeição, até mesmo do egoísmo!…

LUÍS – Compreendo!…

CAROLINA – Mas o que não compreende, nem pode compreender, é
a tortura que sofre essa mulher por causa de seu próprio erro. Para
ela a beleza é tudo! É o luxo, é a estima, é a
vaidade, é o sustento, é a existência enfim! Com que susto
lança ela os olhos para o espelho a todo o momento para interrogá-lo?…
E com que ansiedade espera a resposta muda desse juiz implacável que
pode dizer-lhe: "Tu já não és bonita!" A menor
sombra, a palidez, o cansaço de uma noite de vigília, lhe parecem
a velhice prematura que vem destruir as suas esperanças, e condená-la
à miséria.

LUÍS – Com efeito deve ser cruel!

CAROLINA – E quando chega o dia em que a moléstia lhe rouba as cores,
a formosura, a mocidade, e da moça bonita que todos admiravam faz uma
múmia; quando vem a pobreza, e é preciso, para não morrer
de fome… vender-se!… Oh!… É horrível!… Preferia, Luís,
vender o meu sangue gota a gota!..

LUÍS – Sossegue, Carolina! esse horror que lhe causam as faltas que
cometeu, é já o sinal do arrependimento; ele lhe dará
a força para repelir essa existência.

CAROLINA – Se fosse possível!…

LUÍS – Como! Que diz?

CAROLINA – Por mais forte que seja a vontade, Luís, há ocasiões
em que a necessidade a subjuga! Quem sofre privações não
reflete, não pensa…

LUÍS – Então é isso que a aflige?.

CAROLINA – Como deve ser amargo o sustento ganho com tanta vergonha e tanta
humilhação!…

LUÍS – Mas, Carolina… A minha presença devia tranqüilizá-la.

CAROLINA – Obrigada, Luís. Não posso… É um orgulho
ridículo, bem o sei. Porém nunca aceitarei..

LUÍS – Nem de mim, Carolina?

CAROLINA – De meu primo, menos do que dos outros!…

LUÍS – Por que razão?

CAROLINA – Não se lembra?

LUÍS – De quê?… Não… Não me lembro!…

CAROLINA – Não lhe disse uma vez!… No meio dessa existência
louca não perdi de todo a minha alma. Uma afeição a salvou.
Supliquei-lhe um dia que a aceitasse. Depois que a suportasse apenas!… Recusou
e eu lhe agradeço! Conservei puro e virgem este amor!… Não
me obrigue a fazer dele um dever.

LUÍS – Pois bem, Carolina, não quer aceitar de mim, aceite
de sua mãe.

CAROLINA – De minha mãe?

LUÍS – Não deseja vê-la?

CAROLINA – Queria pedir-lhe, mas não me animava.

LUÍS – Adivinhei o seu desejo.

CAROLINA – E me perdoará ela, Luís?

LUÍS – Já perdoou.

CAROLINA – Ah!… (Recosta-se extenuada.)

CENA XII

Os mesmos e HELENA

HELENA – Demorei-me, porque a botica é longe.

CAROLINA – Dá-ma; tenho uma sede!

HELENA – Estás com febre! Não tomes em água fria. Vou
fazer-te um chá. Sim?

CAROLINA – Como quiseres… A cabeça arde-me!…

LUÍS – Veja se consegue dormir um pouco.

CAROLINA – Antes acordada! Se durmo tenho sonhos horríveis! Vejo
meu pai como naquela noite! Minha mãe que chora… Dê-me a sua
mão, Luís… Deite-a sobre minha cabeça… assim… Talvez
me tire este fogo… (Pausa.) A vela apagou-se?

LUÍS – Incomoda-lhe a falta de luz?…

CAROLINA – Tenho medo!… No escuro é que me aparecem as visões.

LUÍS – Espere um momento.

CAROLINA – Onde vai? Não me deixe!

LUÍS – Volto já; vou ver luz. Não quer?

CAROLINA – Sim!… Sim!…

LUÍS – Helena!

HELENA – Chamou-me?

LUÍS – Levou a vela?

HELENA – Para fazer o remédio.

LUÍS – Não tem outra?

HELENA – Esqueci-me comprar. Mas a venda é aqui junto; vou num momento.

LUÍS – Deixe estar; irei eu mesmo. Faça o que ela lhe pediu.

HELENA (a CAROLINA) – Não te agonies; já está
quase pronto.

CENA XIII

CAROLINA e ANTÔNIO

ANTÔNIO – Ó de casa! Menina!… Deixaste a porta aberta? Ah!
Ah! Ah!

CAROLINA – Quem anda aí?

ANTÔNIO – Sou eu; onde estás?

CAROLINA – Mas quem é?

ANTÔNIO – Tu não me conheces, mas é o mesmo! Por que
estás no escuro?

CAROLINA – Apagou-se a luz. Que me quer?

ANTÔNIO – Nada, menina. Vamos conversar!

CAROLINA – Deixe-me!… Helena!…

ANTÔNIO – Tens as mãos tão frias!…

CAROLINA – Estou doente!… Sinto arrepios!…

ANTÔNIO – Por que não tomas um golezinho? A aguardente aquece.

CAROLINA – A aguardente?…

ANTÔNIO – Sim; é o melhor remédio.

CAROLINA – Dizem que faz esquecer… É verdade?

ANTÔNIO – Se é!… Queres?

CAROLINA – Oh! Se houvesse alguma coisa que me matasse esta sede!…

CENA XIV

Os mesmos, LUÍS, MARGARIDA, ARAÚJO, HELENA, RIBEIRO
e uma menina

ANTÔNIO – Há de matar!… Mas por que não te curas?

CAROLINA – Não vale a pena curar-me!

ANTÔNIO – Por que, menina?

CAROLINA – Já sou um cadáver! Pouco me resta de vida!…

ANTÔNIO – São cantigas!…

CAROLINA – Luís… Luís…

LUÍS – É tua filha! Antônio!

CAROLINA – Meu pai!…

MARGARIDA – Antônio!…

ANTÔNIO – Quem és tu?

MARGARIDA – Não conheces tua mulher?

ANTÔNIO – Ah!… Minha mulher e minha filha…

LUÍS – Cala-te!…

ANTÔNIO – Não me toques!… (A RIBEIRO) Também
veio ver? Ria-se… ria-se… Não me roubou minha filha?… Eu queria
roubar sua amante! Ah!… Ah!… Ah!…

EPILOGO

Em casa de LUÍS. Sala simples, mas elegante.

CENA PRIMEIRA

CAROLINA e MARGARIDA

CAROLINA – Luís ainda não voltou, minha mãe?

MARGARIDA – Não! Creio que anda muito ocupado.

CAROLINA – O que será?

MARGARIDA – Não sei. Não lhe perguntei.

CAROLINA – E todos os dias enquanto ele trabalha, não vou sentiu
que eu lá entrasse um instante.

MARGARIDA – Para não interrompê-lo nos seus estudos. CAROLINA
– E todos os dias enquanto ele trabalha, não vou arranjar-lhe os livros,
endireitar-lhe os papéis e mudar as flores dos vasos?… Nem por isso
o perturbo. Às vezes ele mesmo me chama, e conversamos tanto tempo!…
Outras, apenas levanta a cabeça, me vê, sorri e continua a trabalhar.

MARGARIDA – Talvez hoje precisasse estar só… Porém mudaste
o teu vestido escuro?… Fizeste bem! Assim ficas mais alegre.

CAROLINA – Nunca mais poderei ter alegria, minha mãe!. Por meu gosto
não mudaria! Mas Luís pediu-me que me vestisse de branco.

MARGARIDA – Ah! foi ele…

CAROLINA – De manhã quando nos vimos chegou-se a mim muito sério
e disse-me que desejava pedir-me um favor. Cuidei que era outra coisa… Não
tive ânimo de recusar-lhe.

MARGARIDA – Já o habituaste a fazer-lhe todas as vontades!… E assim
deve ser porque ele te estima como um verdadeiro irmão.

CAROLINA – Infelizmente não mereço essa estima.

MARGARIDA – Não digas isto, Carolina!

CAROLINA – De que serve negá-lo? Não é a verdade?

MARGARIDA – Não te importes com o que pensa o mundo; não é
para ele que vives, e sim para a tua mãe, para aqueles que te amam.
O teu mundo, o nosso, é esta casa.

CAROLINA – E nesta mesma casa não falta alguém?… O amor
de minha mãe não me lembra que eu tenho um pai que não
me quer ver, que foge de sua filha como de um objeto repulsivo?…

MARGARIDA – Isto te faz sofrer e a mim também! Mas consola-te. Luís
me prometeu que havia de trazê-lo.

CAROLINA – E poderá ele cumprir essa promessa? MARGARIDA – Tenho
esperança.

CAROLINA – Há mais de um ano que esperamos!… MARGARIDA – Por isso
mesmo! O único motivo que ainda te separa de Antônio é
a vergonha que ele tem…

CAROLINA – Vergonha?… De que, minha mãe?

MARGARIDA – Do que fez!… Bebia… tanto… Como tu viste.

CAROLINA – Então é só este motivo?…

MARGARIDA – Só. Podes acreditar. Não conserva a menor queixa
de ti.

CAROLINA. – Perdoou tudo então!

MARGARIDA – Tudo!

CAROLINA – Oh! mas Deus não perdoou, porque a todo momento vejo…

MARGARIDA – O quê?

CAROLINA – Nada, minha mãe, nada!

MARGARIDA – Não chores!… Falemos de outra coisa… Luís
já deve ter voltado. São cinco horas.

CAROLINA (enxugando os olhos) – Chorar não me entristece,
minha mãe, ao contrário me consola.

CENA II

As mesmas, LUÍS e MENESES

MARGARIDA (a LUÍS) – Chegaste enfim.

CAROLINA – Ah! LUÍS!

MARGARIDA – Sr. Meneses…

MENESES – Adeus, Margarida. (A CAROLINA) Hoje estás mais
coradazinha!… Só falta o sorriso nos lábios.

CAROLINA – As lágrimas assentam-me melhor.

LUÍS – Por que choravas, Carolina?

MARGARIDA – Começou a lembrar-se…

LUÍS – Não te é possível então esquecer?

CAROLINA – E que servia que eu esquecesse? Os outros se lembram.

LUÍS – Como estás iludida, Carolina! O mundo é inconstante
no seu ódio, como na sua simpatia. Não tem memória e
esquece depressa aquilo que um momento o impressionou.

CAROLINA – Com os homens sucede assim! Com a mulher não: aquela que
uma vez errou nunca mais se reabilita. Embora ela se arrependa; embora pague
cada um dos seus momentos de desvario por anos de expiação e
de martírio: embora, iluminada pelo sofrimento, ela compreenda toda
a sublimidade da virtude, e aceite como gozo aquilo que para tantas é
apenas um dever, um sacrifício ou um costume!… Nada disto lhe vale!
Se ela aparecer o mundo arrancará o véu que cobre o seu passado.

LUÍS – Quando o arrependimento não é sincero, porque
então a sociedade é severa.

CAROLINA – Não tem direito de ser! Deve lembrar-se que é a
verdadeira causa de alucinação de tantas moças pobres…
Porque ao passo que atira a lama ao ente fraco que se deixou iludir, guarda
um elogio e um cumprimento para o sedutor.

MENESES – É assim deve ser, Carolina.

CENA III

CAROLINA, LUÍS e MENESES

CAROLINA – O senhor defende esta injustiça?

MENESES – Defendo a lei social, que, na minha opinião, deve ser respeitada
até mesmo nos seus prejuízos. Como filósofo, posso condenar
algumas aberrações da sociedade; como cidadão, curvo-me
a elas e não discuto.

CAROLINA – Mas por que razão toda a falta recai unicamente sobre
a parte mais fraca?

MENESES – Porque a virtude de uma senhora é um bem tão precioso,
que quando ela o dá a um homem eleva-o, rebaixando-se.

CAROLINA – E a sociedade aproveita-se desse erro, aplaude o vencedor e encoraja-o
para novas conquistas?

MENESES – Toda a virtude que não luta, não é virtude;
é um hábito. Se não houvesse sedutores, a honestidade
seria uma coisa sem merecimento! Creia-me, Carolina, o mundo é feito
assim; deixemos falar os moralistas: eles podem dizer muita palavra bonita,
mas não mudarão nem uma pedra desse edifício social que
as maiores revoluções não têm podido abater.

CAROLINA – Ouves, Luís; tudo se defende, menos a falta de uma pobre
mulher.

MENESES – Não há dúvida! Fiz uma das minhas. Este maldito
Costume de escrever folhetins!… Mas desculpe; não me lembrei que
a afligia.

CAROLINA – Já estou resignada! Não pertenço mais a
este mundo!…

LUÍS – Hás de Voltar a ele. Eu te prometo!…

CAROLINA – Como, meu Deus!…

LUÍS – Não me acreditas?

CAROLINA – Desejava, mas não posso.

LUÍS – Espera!…

CAROLINA – Por que não me explicas?

LUÍS – Vai ter com Margarida; preciso conversar com Meneses.

CAROLINA – E depois?

LUÍS – Depois eu te chamarei.

CAROLINA (a MENESES) – Até logo?

LUÍS – Ele demora-se.

MENESES – Mas, de agora em diante, pode acusar a quem quiser!…

CAROLINA – Eu só acuso a mim mesma, Sr. Meneses.

CENA IV

LUÍS e MENESES

MENESES – Pobre moça!… Quem diria que depois daquele delírio
do prazer viria uma tão nobre e tão santa resignação!

LUÍS – Isto prova, Meneses, que nem sempre o mundo tem razão;
que estas faltas que ele condena encerram, às vezes, uma grande lição.
As mais belas almas são as que saem do erro purificadas pela dor e
fortalecidas pela luta.

MENESES – Concordo; para Deus assim é, para os homens não.

LUÍS – Para os homens também. Eu hoje respeito e admiro a
virtude de Carolina!

MENESES – Não duvido; há virtudes que se respeitam e admiram,
mas que não se podem amar.

LUÍS – Por que razão?

MENESES – Porque o amor é um exclusivista terrível; foi ele
que inventou o monopólio e o privilégio. Já vês
que este senhor não pode admitir a concorrência nem mesmo do
passado.

LUÍS – Julgas então impossível amar-se uma mulher como
Carolina?

MENESES – Concedo que ela excite um desejo ou um capricho, mas um verdadeiro
amor, não.

LUÍS – O que dizes é verdade se o amor aspira à posse;
mas se ele é apenas um gozo do espírito?

MENESES – Não creio na existência de semelhante sentimento.

LUÍS – Entretanto é assim que amo Carolina.

MENESES – Ainda?

LUÍS – Mais do que nunca.

MENESES – E que futuro tem semelhante amor?

LUÍS – É justamente sobre isso que desejo conversar contigo.
Araújo não deve tardar; mandei-o chamar!

MENESES – Se não me engano ouço a sua voz.

LUÍS – É ele.

CENA V

Os mesmos e ARAÚJO

ARAÚJO – Por que razão teu criado não me quis deixar
entrar pelo teu gabinete?

LUÍS – Foi ordem que lhe dei.

ARAÚJO – Pois deves revogá-la… É maçada!…

LUÍS – É por hoje unicamente.

ARAÚJO (a MENESES) – Como vais?

MENESES – Já me está com uns ares de capitalista.

ARAÚJO – Infelizmente são ares apenas.

MENESES – A realidade não tarda: o mais difícil já
conseguiste, estás estabelecido.

ARAÚJO – Por falar nisto, adivinha quem me apareceu hoje querendo
que o tomasse para caixeiro do balcão.

MENESES – Quem?

ARAÚJO – O Vieirinha.

MENESES – Ah!…

LUÍS – Fala mais baixo; Carolina pode ouvir-te.

ARAÚJO – O engraçado, porem, é que depois do não
redondo que lhe preguei na bochecha, a dois passos da porta foi recrutado.

MENESES – Não merecia essa honra. A missão de defender
o seu país é muito nobre para ser confiada ao primeiro tratante
que se agarra na rua.

ARAÚJO – Que te importa isso? O país não ganhará
um soldado, porém ao menos ensinará um velhaco.

LUÍS – Não percamos tempo. Senta-te!

ARAÚJO É verdade! Para que me mandaste chamar?

LUÍS – Para comunicar-te, e a Meneses, uma resolução
minha.

ARAÚJO – Que solenidade!

LUÍS – O objeto exige.

ARAÚJO – Pois então fala de uma vez.

LUÍS – Tu que me tens acompanhado desde o princípio da minha
vida, sabes qual foi o meu primeiro amor. O que porém não sabes,
é que apesar de tudo, apesar da vergonha e do escândalo, nunca
deixei de amar Carolina. Combati essa paixão louca e extravagante;
não pude extingui-la; consegui apenas dominá-la.

ARAÚJO – Mas hoje é ela que te domina.

LUÍS – Não, Araújo; Carolina nem suspeita! Habituei-me
por tanto tempo a reprimir os meus sentimentos, que eles me obedecem facilmente.
Não é pois o coração, é a razão
que ditou a resolução que tomei.

ARAÚJO – Que resolução, Luís?

LUÍS – Vou casar-me com Carolina.

ARAÚJO – Como teu amigo, não consentirei que dês semelhante
passo.

LUÍS – Por quê? Dois anos de expiação e de lágrimas
remiram essa alma que se extraviou. À força de coragem e de
sofrimento ela conquistou a virtude em troca da inocência perdida. O
mundo já não tem o direito de a repelir: mas exigente como é,
quer que o nome de um homem honesto cubra o passado.

ARAÚJO – E tu fazes o sacrifício?

LUÍS – Sem a menor hesitação. Tenho morto o coração;
todo o amor que havia em minha alma dei-o a Carolina; a fatalidade quis que
ele se consumisse em desengano: era o meu destino. Que posso eu fazer agora
de uma vida gasta e sem esperança? Não é melhor aproveitá-la
para dar a felicidade a uma criatura desgraçada, do que condená-la
à esterilidade? Que dizes, Meneses?

MENESES – Digo que terás de sustentar contra o mundo um combate em
que muitas vezes sentirás a tua razão vacilar. A sociedade abrirá
as portas à tua mulher: mas quando se erguer a ponta do véu,
hás de ver o sorriso de escárnio e o gesto de desprezo, que
a acompanharão sempre. Toda a virtude de Carolina, toda a honestidade
de tua vida, não farão calar a injúria e a maledicência.
Tens bastante força e bastante coragem para aceitar esse duelo terrível
de um homem só contra uma sociedade inteira?

LUÍS – Tenho!

MENESES – Então, faz o que te inspira o amor; é um nobre mas
inútil sacrifício.

ARAÚJO – Carolina já sabe da tua resolução?

LUÍS – Não; e só deve saber no momento. Conheço-a
e temo uma recusa! Por isso dispus tudo em segredo; ali está preparado
um altar…

ARAÚJO – Para hoje?

LUÍS – Sim; é preciso não deixar um instante à
reflexão.

MENESES – Pensas bem!

ARAÚJO – Contudo essa precipitação…

LUÍS – A vida não é tão longa que valha
a pena gastá-la em calcular o que se deve fazer.

ARAÚJO – Na minha opinião nunca é tarde para fazer
uma loucura.

MENESES – Vamos conversar com Carolina. O Sr. Ribeiro e Luís naturalmente
desejam ficar sós.

CENA VI

LUÍS, RIBEIRO e uma menina

RIBEIRO — Custou-me a cumprir minha promessa.

LUÍS – É sempre triste separar-se um pai de sua filha.

RIBEIRO – Oh! Não faz idéia… Mas virei abraçá-la
todos os dias.

LUÍS – Perdão, Sr. Ribeiro! De hoje em diante esta menina
deixa de ser sua filha!

RIBEIRO – Que diz, senhor!… Podia eu consentir em semelhante coisa?

LUÍS – Falta à sua palavra?

RIBEIRO – Entendi mal. Julguei que me pedia deixasse minha filha em companhia
de sua mãe, podendo vê-la quando quisesse.

LUÍS – O senhor ignora que amanhã Carolina terá um
marido. A sociedade exige que esse marido seja reputado o pai de sua filha.

RIBEIRO – Um marido!… Quem?…

LUÍS – Eu, senhor!

RIBEIRO – Ah!

LUÍS – É com este título que reclamo o cumprimento
da promessa que ontem me fez.

RIBEIRO – Um pai não pode deixar que sua filha passe como filha de
um estranho.

LUÍS – Então esse pai deve legitimar o seu direito.

RIBEIRO – Que quer dizer?

LUÍS – Quero dizer que em vez do meu, Carolina pode ter o seu nome.

RIBEIRO – Nunca!

LUÍS – Neste caso é uma crueldade recusar a filha à
mãe a quem se roubou a honra. Lembre-se, Sr. Ribeiro, que essa moça,
de cuja desgraça o senhor foi a primeira causa, só pode ter
uma felicidade neste mundo: a maternidade; enquanto que o senhor daqui a alguns
dias amará urna mulher, terá uma família e gozará
das afeições puras que Carolina perdeu para sempre.

RIBEIRO – Ela fará o mesmo. Não vai casar-se?

LUÍS – O senhor não me compreendeu bem. Dou à Carolina
o meu nome; não exijo dela um amor impossível.

RIBEIRO – Sou pai, senhor!

LUÍS – E ela é mãe. Entre os dois, quem terá
mais direito a esta menina? O senhor, para quem ela representa uma afeição
que pode ser substituída; ou Carolina, para quem ela é a existência
inteira?

RIBEIRO – Não exija uma coisa contra a natureza.

LUÍS – Exijo uma reparação que um homem honesto não
pode recusar.

RIBEIRO – Essa reparação ofereci-a outrora.

LUÍS – Isto não o desobriga; todas as faltas que ela cometeu
eram conseqüências necessárias da primeira.

(CAROLINA entra precipitadamente e abraça a menina.)

CENA VII

Os mesmos, CAROLINA e MARGARIDA

CAROLINA – Minha filha!… Como está bonita!… Tu conheces tua mãe?…
Abraça-me!

LUÍS – Tem ânimo de separá-las?

RIBEIRO – Custa-me!… É verdade!

LUÍS – Não lhe digo nada mais, Sr. Ribeiro. Ali está
uma mulher que o senhor fez desgraçada; hoje que ela vai reabilitar-se,
consulte a sua consciência, e proceda como entender. Se julga que depois
de a ter seduzido deve ser um obstáculo à sua regeneração,
arranque-lhe a filha dos braços e complete a sua obra.

RIBEIRO – Se soubesse como amo esta menina!

LUÍS – Não mostra!

RIBEIRO – Que diz, senhor!

LUÍS – Se a amasse verdadeiramente não hesitaria em fazer-lhe
esse sacrifício. Que responderá o senhor um dia à sua
filha quando ela lhe perguntar por sua mãe?…

RIBEIRO – Basta, senhor!

CAROLINA (assustada) – Quer levá-la outra vez?

RIBEIRO – Quero dizer-lhe adeus.

CAROLINA – Ah!…

MARGARIDA (baixo a LUÍS) – Antônio está aí.

LUÍS – Mande que espere um momento. (Sai MARGARIDA com
a menina.)

CENA VIII

LUÍS e CAROLINA

LUÍS – Estás satisfeita, Carolina?

CAROLINA – Tanto quanto me é possível!

LUÍS – Ainda te falta alguma coisa, não é verdade?

CAROLINA – Falta-me o que nunca mais poderei obter!

LUÍS – Por quê? Não te prometi há pouco?

CAROLINA – Sim: mas essa promessa não se realizará.

LUÍS – Depende de uma palavra tua.

CAROLINA – Como?…

LUÍS – Consentes em ser minha mulher?

CAROLINA – Luís!…

LUÍS – Responde!

CAROLINA – Não!

LUÍS – Recusas, Carolina?.

CAROLINA – Eu te amo, Luís! Deus sabe que poder tem este amor em
minha alma; Deus sabe que para partilhá-lo contigo, para ser amada
por ti, eu daria, talvez não creias, eu daria o amor de minha filha!
Porém nada neste mundo me faria sacrificar a tua felicidade!

LUÍS – Como te enganas! Não é um sacrifício.

CAROLINA – Queres dar-me à custa de tua honra, um título de
que eu me tornei indigna. Não devo aceitá-lo.

LUÍS – Mas eu também te amo!…

CAROLINA – Tu?… Tu me amas… Luís?… Não acredito!…

LUÍS – Deves acreditar.

CAROLINA – Não! Não é possível! Depois do meu
crime, Deus não podia dar-me tanta ventura! Que reservaria Ele para
a virtude?

LUÍS – Deus já te perdoou, Carolina. Vê!

CAROLINA – Um altar?

LUÍS – Que nos espera.

CAROLINA – Luís, pelo que há de mais sagrado, responde-me:
este casamento é necessário para a tua felicidade?

LUÍS – Eu te juro!…

CAROLINA – Então… Cumpra-se a tua vontade!

CENA IX

ANTÔNIO ( cenamuda. Toca a música durante o tempo em que
celebra o casamento. Pouco depois de esvaziar-se a
cena, ANTÔNIO,
quebrado pelos anos e encanecido, entra; olha com uma admiração
profunda o que se passa na sala imediata. Ajoelha e reza.)

CENA X

ANTÔNIO, LUÍS e CAROLINA

ANTÔNIO – Ah!…

LUÍS – Antônio, eu te restituo a filha que perdeste.

CAROLINA – Meu pai!…

ANTÔNIO – Carolina!…

LUÍS – Abençoa tua filha!

ANTÔNIO – Depois que ela me perdoar!

CAROLINA – Sou eu que preciso de perdão!… Meu pai!… (Abraçam-se.)

LUÍS – Agora, Antônio, entra naquela sala; deixa-me dizer duas
palavras à minha mulher.

CENA XI

LUÍS e CAROLINA

CAROLINA – Tua mulher!… Ainda não creio, Luís! Perdoada
por meu pai, estimada por ti!… Gozar ainda esse prazer supremo de ocupar
a tua alma, de viver para a tua felicidade!… Nunca pedi tanto a Deus!…
Dize!… Dize, dize que me amas, para que não me arrependa de ter aceitado
este sacrifício!…

LUÍS – Amo-te, Carolina.

CAROLINA – Mas se não puderes esquecer… Se a lembrança do
passado surgir como um espectro… Não me acuses, Luís!… Foste
tu que o exigiste!

LUÍS – Não tenhas esse receio, Carolina. Tu és minha
mulher perante o mundo. Perante Deus…

CAROLINA – O que sou?

LUÍS – És minha irmã.

CAROLINA – Tens razão! O nosso amor é impossível.

LUÍS – É puro e santo!. .. Há de ser feliz!

CAROLINA – Já não existe felicidade para mim!…

LUÍS – Existe, Carolina. Existe ao pé de um berço.
Sê mãe!..

CAROLINA – Minha filha!… Sim… Viverei para ela… (A cena enche-se.)

LUÍS – E agora… Conheces estas fitas?.

CAROLINA – Ainda as conservas!…

LUÍS – São o emblema de tua vida e a história da minha.
São as asas de um anjo que as perdeu outrora, e a quem Deus as restitui
neste momento.

CAROLINA – Ah!…

FIM

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