As múltiplas faces do belo
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Começar por Cabo Delgado é começar pelo belo, pela arte, pela cultura e história do país, é começar por uma província a desenhar do litoral para o interior, entre Kimwanis, Macondes e Makwas, um universo demo-geográfico multifacetado.
Do palmar da costa entremeado por cajueiros, ao planalto para onde se sobe entre sumaumeiras e plantações de algodão e sisal, às vezes acompanhado pelo rugido das feras ou pelo saltitar duma fauna ainda não destruída, mãos humanas – na forja do ferro ou no arqueio dos barcos, no burilar do mármore ou na escultura do ébano – tecem culturas e abrem caminho ligando o que é ao que se pretende ser.
Se no interior a flora se espalha lilás, verde e amarela colorindo as savanas e atapetando os montes, no litoral praias verde-meraldas recortam-se suaves por entre corais ou desdobram-se num paradisíaco colar de ilhas que vai das Quirimbas ao Cabo Delgado, promontório penetrando no Índico e que deu nome à província.
E este mar tem história. Ainda no primeiro milénio velhas naus árabes, pangaios indianos e juncos chineses demandavam esta zona, onde mais tarde apareceram também as caravelas portuguesas a monopolizar todo o ativo comércio de especiarias e escravos com o médio e longínquo Oriente.
A ilha do Ibo, que se ergue no arquipélago das Quirimbas, no século XVIII chegou a ser capital do território moçambicano ostentando ainda hoje os símbolos e arqueologia dessa presença lusíada nestas terras.
Palácios e casarões em ruínas, mas, sobretudo, uma portentosa e bem conservada fortaleza em forma de estrela, trazendo ao visitante os ecos distantes desse tempo de misérias e grandezas que misturaram culturas.
De fato, ao longo destes últimos séculos essas populações Kimwanis e Makwas das ilhas e do litoral de Cabo Delgado misturam-se com persas, árabes, indianos, portugueses e mesmo holandeses com marcas mais ou menos visíveis na consanguinidade epidérmica dos seus habitantes, na sua maneira de trajar, de comer, de cantar e musicar, de orar.
Do islamismo ao catolicismo, do hinduismo ao animismo um caldeamento religioso-cultural espelha hoje uma realidade de muitos amores e ódios de vida dividida mas, também partilhada.
No planalto interior, os Macondes – outra importante etnia de Cabo Delgado – mantiveram-se um pouco distantes daquelas influencias pluriculturais. Deles subsistem genuínas raízes antropológicas como, por exemplo, a originalidade da pujança de uma escultura em pau-preto ímpar na sua estética e já mundialmente conhecida e estudada. A arte maconde mora ali no planalto.
Esculpindo os Homens no seu afã social ou os deuses e mitos da sua ancestralidade, os macondes são em Cabo Delgado e no país inteiro, uma força cultural secular e sólida.
Assim, se vai matizando Cabo Delgado: amálgama de história, povos e culturas em complementaridade.
Do andar dengoso das mulheres do litoral, de capulanas garridas, musiru a embranquecer as faces de beleza e mistério, aos corpos tatuados de homens e mulheres do interior, um mesmo espírito se desnuda de africanidade bebendo e pisando riqueza da sua geografia.
Das jazidas de mármore aos bancos de pesca, do petróleo betuminoso à copra do litoral, uma fauna bravia orla as florestas e savanas para gáudio dos homens.
É preciso aprender, não interessa o lugar. Debaixo de uma árvore, sentado num banco ou no chão, o importante é começar a decifrar os signos que marcam a língua que falo ou que quero aprender. E aprender as primeiras letras sem preconceitos de idade na comunhão do saber.
Estas crianças da aldeia de Metuge começam, assim, a mergulhar nas águas tépidas de outro saber das coisas, outro mundo de ideias e que a partir da própria realidade poderá ser a luz, a energia, o movimento para transformar o seu mundo.
Na aldeia de Metuge não há moageiras
O pilão antigo é o cadinho onde se transforma o milho em farinha. Há beleza no suor destes corpos em contra-luz? Certamente. Mas são corpos de trabalho, sempre mulheres, encurvados pela vida.
Um dia, a criança que agora assiste ao espectáculo do labor, talvez inventará um moinho para o vento das mãos, uma torneira para a água do poço, um candeeiro sem fumo para o teto da casa.
Roda de água na ilha do Ibo
Balouça a mão na sede do poço. Os rios escasseiam em Cabo Delgado. Há que escavar a terra que esconde a água para a boca do Homem e a raiz das plantas.
Depois vem o verde. E quando não chove? Fica apenas a esperança do poço a esvaziar-se como uma canção aflita na garganta dos camponeses. Fica apenas o restolhar seco das folhas dos cajueiros no chão ressequido. Fica a natureza sofrendo sedenta de carinho.
Que máscaras são estas para a alma do meu rosto?
Há muitos séculos misturei minha cultura no culto da pele. Descobri o musiru. Com esta raíz-caule, que esmago para fazer um creme, unto-me de mistério para a beleza da derme.
Inventei também um ritual para que o meu rosto se mascarasse em pleno dia e a certas horas, pois para o meu amor a minha pele tem noites imensas de suavidade.
Nossas mãos femininas se ajudam no carinho do gesto feito arte, um toque de sabedoria para a magia do rosto.
Mulheres do litoral Norte de Moçambique põem máscaras no, rosto e espelham a alma; põem um creme de raiz e tonificam o corpo; põem o riso dos simples e são belas. Amam a vida como um sumo doce de caju.
Quirimba
O casario quase que desaparece no aconchego das árvores, Aqui a copra e o pescado impulsionam a vida dos Kimwanis. E cada palmeira tem uma história antigo com sabor a mar. Sobretudo, cada palmeira é uma dádiva singular da natureza.
Com ela se cobre a casa, se arma a cama, se entrança o cesto e se esfia a ráfia para a sandália do pé. Com ela se animo o fogo, se faz a jangada, se varre o chão e se ergue a paliçada. Com a palmeira se alimenta o corpo, se mata a sede, se faz o óleo e se fermento o pão. Com a sura da sua seiva se anima a vida.
Outras religiões e culturas passaram por estas terras de Cabo Delgado, como aqui em Metuge. Islamizado ou não, com marcas superficiais ou profundas de outras gentes que viveram nesta terra, a população vibra a sua africanidade na singeleza da sua universalidade.
Não interessam os caminhos percorridos ou a percorrer, o importante é que o sol da cultura ilumine sempre e se mantenho como um germinador de vida, de talentos, de Amor e Inteligência. Há um coração-pomba em cada ser humano que é preciso deixar voar.
Da superfície ou das entranhas desta terra nortenha de Moçambique o mármore mina-se variado e multicolorido. Do branco ao negro, passando pelo rosa e outras tonalidades, o mármore de Montepuez conhece agora os caminhos do mundo para o trabalho dos arquitetos ou o cinzel dos escultores.
É vasta a riqueza desta pedra calcária no solo e subsolo de Cabo Delgado. O mármore brota como pedra sedento de formas e pronta ao engenho humano.
Um dia em criança disseram-me que as órbitas dos meus olhos eram brancas porque nasceram vendo algodão. O algodão é meu mundo, é flor macia no meu corpo, no meu rosto, mas calosa nas minhas mãos no tempo da colheita.
Em Montepuez do clic apresentado, os algodoais parecem não ter fim. É o ouro branco. Com ele a riqueza está ao alcance das mãos. Com ele se tecem os panos, se suaviza a limpeza das feridas; com ele se faz o óleo que alimenta e lubrifica, com ele se veste o mundo.
Mãos seculares, bem adestradas na pesca, tiram do mar a riqueza que alimenta os homens.
Os barcos são frágeis mas a coragem é infinita para estes pescadores de Pemba. À linha ou com rede, o farto litoral da província pode alimentar o país. Sim, a riqueza está à flor da água mas há outros braços e outras mentes que devem completar este trabalho para a multiplicação deste pão que vem do mar.
Se me queres ajudar, não me dês peixe, ensina-me antes a pescar, diz um provérbio antigo que os homens e mulheres de Cabo Delgado assumiram já de geração em geração. Eles também constróem os seus barcos, cosem os velas, tecem as suas redes, aparam os seus anzóis.
Para estes pescadores dos arredores de Pemba há sempre um mar calmo ou em fúria para o peixe do dia.
A formiga foi fazendo o morro. Ao princípio era seco, estéril, era duro o refúgio desse muchém laborioso.
Depois, a natureza, como que preocupado em vestir-se de belo coroou o trabalho das formigas com um bouquet de verdura e vida. Nos arredores de Montepuez foi este o Karingana wa Karingana do muchém. Mas ali os morros têm outras histórias e outras utilidades como veremos noutras imagens deste livro.
Dizem que a formiga de muchém é a escultora da savana. Sua arte de areia resiste aos temporais dos trópicos, dá sombra ao sol. Porém, se o morro fica no meio da .
Quando pontiagudo, é um relógio de sol e não raro aqui em Montepuez se pode descobrir ao fim da tarde um leopardo trepando-lhe os flancos ou um leão na sombra camuflado esperando a caça em direção ao rio.
Signo de tempo e de vida, o morro de muchém é um testemunho milenar da extraordinária capacidade de animais, ditos minúsculos, construírem obras grandiosas.
O morro de muchém nasceu e cresceu no meio da aldeia, aqui nos arredores da cidade de Montepuez.
Com engenho e arte pôs-se a natureza ao serviço do Homem. Cavou-se um forno para o pão do dia. Bolos de milho, mandioca ou arroz também se alouram neste tipo de fornos únicos de muchém.
Aqui os pães sabem a mel, dizem os velhos deste subúrbio de Montepuez.
E mais bonito de se ver é que o forno é coletivo e não se paga taxa e impostos para o seu usufruto: Apenas organização e lenha são exigidos para o seu aquecimento. Um costume antigo de distribuir por todos o que é comum de se ter.
No tempo do império português e para defesa do Ibo não existia apenas a fortaleza.
Disseminados pela Ilha foram também construídos fortins estrategicamente situados. Sobranceiros ao mar eles são agora sentinelas adormecidos no embalo das ondas.
Vista aérea do Ibo
Areias brancas e ondas a morrer no palmar e arvoredo luxuriante. Um convite sempre aberto para o repouso, o sonho, a poesia.
De pequenas dimensões a Ilha do Ibo tem 10 kms de comprimento e apenas cinco de largura. Esta ilha e sua pequena urbe do mesmo nome têm a sua história bem ligada aos primórdios da formação de Moçambique.
O Ibo já foi no século XVII e antes da Ilha de Moçambique a capital desta vasta zona litorânea e do interior Leste africano que os portugueses dominavam a partir da sede do seu império do Oriente: Goa.
Estrategicamente situada, a sua localização permitia controlar o comércio árabe na região. Cientes desta situação outros países europeus da época, como Holandeses e Franceses, tentaram por várias vezes conquistar a Ilha. Por isso a construção ainda nos finais do sec. XVIII (l 791) da grande fortaleza do Ibo.
Este percurso militar e comercial trouxe muita gente de diferentes paragens do mundo para esta pequena Ilha do Indico. E esta presença se testemunha ainda hoje pela bela e espantosa miscigenação da sua população.
Arquitetura colonial, um patrimônio a preservar nesta cidade de Pemba, capital de Cabo Delgado.
O traçado de amplas varandas e paredes caiadas trazem ecos de um passado não muito distante quando Pemba se chamava Porto Amélia, nome de uma das últimas rainhas portuguesas, apagado pelas ondas da História.
Fortaleza de São João Baptista do Ibo (1791)
Hoje, um canto aprazível, um museu moçambicano. Antes, uma casa de guerra para defesa dos rotas marítimas e comerciais portuguesas.
Em forma de estrela, esta fortaleza foi uma obra militar de vulto na época com espaço para acomodar mais de 300 praças, armazéns de viveres e munições. Ela resistiu ao ataque dos Holandeses e dos Sacalaves de Madagáscar.
Na decadência do Império Português, esta fortaleza foi prisão política. Nos seus muros seculares argamassa-se um pouco a história deste país à beira do Índico.
A cidade de Pemba é um istmo entrando pelo Índico, que ali forma uma Baía. Promontório beijado de praias onde a cidade se sedentariza. Aqui os barcos têm um bom porto de abrigo e um cais moderno para o afã das trocas.
Pemba é também uma cidade de cultura. Os seus habitantes miscigenados se harmonizam no canção da vida.
Emigrantes do planalto dos Macondes e do interior Makua fazem da cidade um excelente mercado de arte e artesanato desde uma bela cestaria e mobiliário de palha, até às peças únicas da escultura Maconde.
Ainda a velha cidade do Ibo. O tempo parece ter parado nestas paredes seculares, nestas ruínas a testemunhar e dar sinais de uma grandeza perdida.
Bem visíveis, as varandas trabalhadas, as paredes grossos, as telhas antigos ou o zinco mais recente a caracterizar o estilo de uma arquitetura mesclada.
De diferentes origens, os homens que por aqui passaram, deixaram os seus traços na forma das casas e no tecido do corpo de cada habitante.
Não são rios, são canais de mar. O Índico penetrou suave por entre as ilhargas dos mangais de peixe e algas. Os homens aprenderam a ser andarilhos-navegantes nas estradas de água.
Nestas ilhas, o verde e azul beijam doces os nossos olhos. Na verdade, nas ilhas do arquipélago das Quirimbas os rios nascem do mar.
Fonte: www.geocities.com
Cabo Delgado
É a Província mais setentrional de Moçambique, tendo como limites, a Norte o rio Rovuma que faz fronteira com a Tanzânia, a Sul o rio Lúrio que a separa da província de Nampula, a Leste o Oceano Índico e a Oeste a província de Niassa.
Cabo Delgado é habitada predominantemente pelos grupos étnicos: Maconde, Macua e os Mwani.
O centro urbano mais importante é Pemba, uma cidade histórica situada na baía com o mesmo nome, a terceira maior do mundo, que constitui também um importante centro turístico.
Para Norte, ao longo de 200Km de costa, estende-se o arquipélago das Quirimbas, constituído por 32 ilhas, de que ressalta pela sua importância histórica, beleza natural e magníficas praias, Ilha de Ibo que, no passado, foi um importante centro comercial, primeiro dominado pelos árabes e depois pelos portugueses.
Fonte: www.turismomocambique.co.mz
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