Um Romancista

Lima Barreto

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O Sr. Paulo Gardênia é um moço cheio de elegâncias, um Digesto de coisas preciosas, de receitas de namoros, de coisas decentes, que apareceu aí nos jornais e sucedeu a Figueiredo Pímentel no Binóculo.

Ontem, deparei um capítulo de um seu romance na Gazeta de Notícias; e, como gosto de romances e nunca fui dado a modernismos, não conheço grandes damas e preciso conhecê-las para exprimir certas idéias nas rimas que imagino, fui ler o Sr. Paulo Gardênia, ou melhor, Bonifácio Costa.

Li e gostei.

Vejam só este pedacinho tão cheio de perfeição escultural, revelador de homem que conhece mármores, o Louvre, as galerias de Munique, o Vaticano:

“O peignoir, fino e leve, cobria-lhe, indolentemente, em pregas moles, o corpo venusino que era esgalgo; os quadris largos; o busto flexível. Na corrente argentina, que lhe prendia os cabelos, louros como mel, luziam esmeraldas. E os seus dedos, maravilhosamente róseos e macios, eram rematados em unhas polidas, como pérolas. “fausse maigre autêntica arredondavam-se-lhe as linhas, numa surpresa de curvas opulentas, nos braços torneados, nas ancas calipígias.”

Diga-me uma coisa, seu Bonifácio: como é que essa senhora é esgalga e ao mesmo tempo tem os quadris largos?

Como é que essa senhora é “fausse maigre” e tem curvas opulentas e ancas calipígias?

O senhor sabe o que se chama Vênus calipígia?

O Sr. Bonifácio fala muito em Hélade, em Grécia, em perfeição de formas, mas nunca leu os livros da Biblioteca do Ensino de Belas-Artes, que se vendem ali no Garnier.

Se os tivesse lido, não vivia a dizer tais barbaridades para extasiar, exaltar a cultura literária e estética das meninas de Botafogo.

A sua visualidade é tão perfeita, tão intensa, tão nova, acompanha e respeita tanto os conselhos que Flaubert deu a Guy de Maupassant, que acabou achando essa coisa magnífica, neste pedacinho de estilo de calouro de academia:

“E o dia louro, azul, voluptuoso e quente, entrou pelo quarto, poderoso e fecundo, na alegria iluminada do sol..

Gardênia ficou tanto tempo diante do “dia” que acabou vendo-o ao mesmo tempo louro e azul. Coelho Neto gostou?

A roda da rua do Roso deve orgulhar-se de semelhante rebento.

Os salões do século XVIII não dariam coisa melhor…

Correio da Noite, 1-3-1915

 

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