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Qorpo Santo
Personagens
Fernando Noronha
Gabriel Galdino
Almeida Garrê
Jerônimo Avis
Luduvica
Luduvina
Esméria
Rosinha
e
Coriolana
Três tocadores
As cenas passam-se em Paris.
ATO PRIMEIRO
Cena Primeira
FERNANDO – (passeando e batendo na testa) Não sei que diabo tenho
nesta cabeça! Nem S. Cosme, que é da minha particular devoção,
é capaz de adivinhar o que se passa dentro deste coco! O que, porém,
é verdade é que todos os dias, todas as horas faço novas
preces; e todas as horas e todos os dias transgrido os deveres que em tais
protestos me imponho! (Chama.) Gabriel, Gabriel, que diabo estás fazendo
nesse fogão, em que estás pregado há mais de duas horas!?
Querem ver que estás a roer os tijolos, julgando serem de goiabada!
Cruzes! Cruzes! Que gastrônomo! É capaz… já estou com
medo! É capaz de roer até a minha casaca velha! (Pegando de
repente no nariz, tira um pedaço; olha e grita:) Oh! diabo! até
já me roeu um pedaço do nariz, quando eu ontem dormia! Gabriel!
Gabriel!
GABRIEL – Pronto! Então (de dentro) que tanto me chama!? Diabos te
levem! É o amo mais impertinente que tenho visto! Cruzes! Ave-maria!
Já vou, já vou! Deixe-me tomar o meu quinhão de café;
e tomo, porque estou transido de frio! Estou gelo! Quer derreter-me!? Espere,
espere!
FERNANDO – Diabos te levem para as profundas do maior inferno! Está
este diabo a tomar café desde que amanhece, até que anoitece!
Vai-te, diabo!
GABRIEL – (aparecendo) Ora, graças a Deus e a meu amo! – já
que com o diabo cortei de todo as minhas relações. (Apalpando
e levantando a barriga.) Tenho esta pança mais pequena que a de um
jumento, ou de um boi lavrador! Não é nada (caminhando para
o lado do amo), existe aqui… quem sabe já quanto estará! (Rindo-se.)
Duas chaleiras de café; quatro libras de açúcar… já
se sabe – do mais fino refinado. Três libras, não! Seis libras
de pão de rala e duas de fina manteiga inglesa. (Andando para uma e
outra parte.) Troleró, troró! Agora sei que sou mesmo um Manuel
José Taquanão! Só me faltam as cartas, e as parceiras!
(Apalpa as algibeiras e tira um baralho.)
FERNANDO – (à parte) Estou otimamente servido de criado e companheiro!
Não tenho, sinto – um guindaste para lhe ir suspender a pança!
GABRIEL – (depois de haver examinado o baralho com atenção;
para o amo) Pensei que não tinha trazido. Está ótimo!
Vamos a uma primeirinha? (Batendo no baralho.) Hem? hem? (Tocando-lhe no braço.)
Então? Vamos, ou não vamos!?
FERNANDO – Tu és o diabo em figura de bicho. (Batendo-lhe na pança.)
GABRIEL – Ai! não me fures, que eu tenho um filho de seis meses arranjado
pela Sra. D. Luduvina, aquela célebre parteira que o Sr. meu amo melhor
que eu conhece… visto que passou as mais apreciáveis noites com…
ou… etc. etc.
FERNANDO (batendo-lhe na boca) – Ó diabo! não descubras esse
segredo! Senão, são capazes os amigos dela de me porem na cadeia!
GABRIEL – (à parte) Por isso é que muitas vezes eu chupo-lhe
o dinheiro, e faço d’amo! Tem segredos, que eu sei; e que ele não
quer que sejam revelados!
FERNANDO – Então, Galdino! Encheste o teu pandulho desde (bate-lhe
na bunda, que é também formidável, e na barriga) esta
extremidade até esta…!
GABRIEL – Ai! ai! seu diabo! Não sabes que ainda não botei
as páreas do que pari por aqui!… (Apalpa a bunda).
FERNANDO – E entretanto, de mim não te lembraste, judeu! Vai me buscar
uma xícara, anda!
GABRIEL – Oh! pois não! (Pulando; e dando voltas.) O meu amo sabe
dançar a chula? (Olha para os calcanhares.) E ainda faltam-me as esporas;
senão, havia eu de fazer o papel mais interessante que se tem visto!
Nem o Juca Fumaça era capaz de me ganhar em levianeza e linda graça!
(Continua a dançar a chula.)
FERNANDO – Este diabo (à parte ou para um lado) não vai me
buscar café! Então? Vais ou não vais!?
OABRIEL – Ah! quer café! Já vou! (Dá mais duas ou três
voltas, e entra por uma porta, pela qual torna a vir logo depois.)
FERNANDO – Que tal estará o café deste judeu?
GABRIEL – Eis aqui! Está melhor que o chocolate da velha Teresa lá
do Caminho Novo em que não há senão velhas tabaqueiras
ou espirradeiras, que na frase dos rapazes são tudo e a mesma cousa!
FERNANDO – (pegando a xícara e levando-a aos lábios) Fum!…
Fede a rato podre! E tem gosto de macaco são! Que porcaria! Pega; pega!
(Atira-lhe com o café à cara.)
GABRIEL – (limpando-se todo) Não precisava fazer-me beber pelos olhos!
Já estava farto de derramá-lo pela cara! Agora arrumo a xícara.
FERNANDO – Quem sabe se o fétido e o gosto provêem da xícara!?
Pode ser! Para não tornar a ter destes prazeres… (atirando) quebrarei
as pernas deste pançudo! (Atira xícara e pires às pernas
do criado.)
GABRIEL – Ó diabo! quase me quebras as pernas! Mas ficou sem o casal
da xícara! O que me vale (à parte) é que por eu há
muito já o conhecer, mandei o ano passado forrá-las de aço
no ferreiro das encomendas, que mora lá por trás das vendas,
na Rua das Contendas!
ATO SEGUNDO
Cena Primeira
LUDUVINA – (mulher de Gabriel Galdino, velha feia e com presunções
e ares de feiticeira) Graças a Deus que já se pode vir a esta
sala (Olhando para o chão.) Oh! cacos! Que barulho haveria aqui! Quem
quebraria esta louça!? Querem ver que o meu marido, o Sr. barrigudo
e bundudo, que pelas nádegas (e se espera que faça o mesmo pelo
embigo) andou brigando com o amo, que é uma outra das mais raras esquisitices
que se há visto sobre a Terra! Nem foi outra cousa! Deixem-nos por
minha conta; hei de pôr-lhes freio e lei, e em toda a sua grei!
GABRIEL – (entrando) Oh! minha querida Luduvina! Levantei-me a sonhar como
um sonâmbulo. Agarrei-me primeiro a uma janela, pensando que era a Sra.!
Depois a uma talha, ainda com a mesma ilusão! E intimamente a uma música
chamada cavatina, pensando sempre que era a Sra. D. Luduvina!
LUDUVINA – O Sr. é muito gracejador! Quem o manda dormir tanto! Por
que não faz como eu, que atiro-me do mar, ponho-me no ar!? Sabe que
mais? (Pondo o dedo em frente ao rosto dele, como ameaçando.) Se quiser
continuar a ser meu, há de, primeiro: Levantar-se de madrugada, senão
à do galo primeira cantada! Segundo; banhar-se dos pés à
cabeça, e esfregar-se com fino sabão inglês ou sabonete.
Terceiro; alimentar-se três vezes ao dia; e de comidas simples e brandas;
como por exemplo: uma xícara de chocolate para almoço com uma
fatia ou alguma massa fina torrada ou não; um ou dois pedacinhos de
galinha ou cousa idêntica, para o jantar, e quando muito mais (o que
não julgo necessário) – um cálix de vinho superior, ou
uma xícara de café, ou de chá. A noite – qualquer líquido
destes como ceia. O melhor de tudo é tomar uma só bebida para
almoço, e para ceia; e para o jantar também um só pratinho
com um cálix de vinho, ou uma xícara de café; no primeiro
caso se for com carne; no segundo se for…
GABRIEL – Agora acabe! Depois da ceia, diga: O que havemos de fazer? Em
que me hei de entreter!?
LUDUVINA – De noite, depois do chá… já se sabe (abraçando-o),
vamos para a cama dormir quentinhos! Fazer alguns… alguns filhinhos. Sabe,
não? Entende o que eu lhe quero dizer? Entende; entende; o Sr. não
é nenhum ignorante.
GABRIEL – Estás gaiata; gaiatissima. Pois não basta a nossa
filha Esméria para nos entreter!? Ainda queres mais filhinhas!?
LUDUVINA – É porque eu sempre gostei…
GABRIEL – Mas isso era no tempo de moça; agora estamos velhos…
LUDUVINA – A mulher nunca é velha! E o homem sempre é moço.
GABRIEL – Ora explique-me Sra. Pulquéria, a sua asserção;
eu não a entendo bem.
LUDUVINA – Visto que me troca o nome, eu lhe trocarei o chapéu. (Tira
o que ele tem na cabeça e põe-lhe outro mais esquisito.) O nome
que me deu, regula com o chapéu, que eu lhe ponho: e dê graças
a Deus não o deixar com a calva à mostra!
GABRIEL – Já agora estarei por tudo. Casei-me de fato com a Sra.;
não há remédio (à parte) senão aturá-la…
Cena Segunda
FERNANDO – (entrando) Oh! que é isto? O Sr. acompanhado aqui desta
dama!
GABRIEL – Pois que tem? Sim; sabe… o meu casamento… sim; o Sr. ignora!
Tem razão!
FERNANDO – Pois o Sr. é casado!?
GABRIEL – E até tenho uma filha chamada Esméria.
FERNANDO – (olhando para um lado) E esta! O meu criado casado; e já
com uma filha.
GABRIEL – Sim, Sr. Sim, Sr. E por isso mesmo far-lhe-ei em breve as minhas
despedidas!
FERNANDO – Ainda mais esta! Fala-me em despedida! (Pausa.) E depois quem
me há de servir, se me faltar este pançudo barrigudo!
ESMÉRIA – (entrando) Sua bênção, meu pai.
GABRIEL – Oh! bem-vinda, minha querida!
FERNANDO – Onde diabo, em que casa tinhas tu metido a mulher, e este anjo
de bondade!? Tão escondidos ou bem guardados, que eu nunca pude saber
que existiam!?
GABRIEL – Não me convinha; porque sei quanto o Sr. é amigo
de alheias mulheres! E se a minha Esméria é um anjo de bondade,
a minha Luduvina é uma santa de maldade!
FERNANDO – (muito zangado). Todos têm mulher. (Puxando os cabelos.)
Isto é o diabo! É o diabo. E é o diabo. Onde irei eu
buscar, achar uma que me agrade! (De repente, para Gabriel Galdino:) Amigo,
dás-me a tua filha em casamento!? (Pondo-lhe a mão no peito.)
Se m’a dás, hoje mesmo, meu caro, ela será minha mulher!
GABRIEL – A minha Esméria é um anjo de bondade; só
se o Sr. se sujeitar a todos os preceitos que ela lhe impuser!
FERNANDO – Mas que diabos de preceitos são esses!? Pois tu não
me conheces? Não sabes quanto eu sou franco e generoso; cavalheiro
e…
GABRIEL – Sei; sei de tudo isso! Mas eu não quero fazê-la infeliz!
O Ilmo.0 Sr. Dr. Fernando há de ser uma espécie, ou um verdadeiro
criado fiel de minha filha; e há de declará-lo em uma folha
de papel, escrita por tabelião e assinada pelo juiz competente; o dos
casamentos ou dos negócios civis. Etc. etc. e etc. Com a satisfação
de todas estas condições, ou seu preenchimento, a minha muito
querida filha, se quiser, será sua mulher. Fora delas, ou sem elas,
não falaremos, não trocaremos mais sobre tão melindroso
assunto.
FERNANDO – (à parte) E o caso não julgado é verdade
– que estou pela menina apaixonado; e que por isso mesmo não terá
remédio o Sr. Fernando, senão a tudo se ir sujeitando. Assim
é que servia-me o meu futuro sogro; há mais de seis meses sem
que eu soubesse que era casado, e que tinha uma filha! Foi realmente um mistério.
E dizem-me que não aparecem ou não se vêem milagres no
tempo presente.
ATO TERCEIRO
Cena Primeira
LUDUVICA – (criada de Almeida Garrett) Depois que este meu amo se associou
ao Sr. Fernando de Noronha; que este se casou com a Sra. D. Esméria,
filha de um velho criado deste; e finalmente, depois que se juntou certa camaraótica
de maridos, mulheres, genros, criados ou quiabos, anda esta casa sempre assim!
Ninguém os entende! Se se vai servir à Sra. D. Luduvina, eis
que se ouve a voz do Sr. Fernando de Noronha, gritando – "Luduvica! Luduvica!
traz-me as botas"! Se se está servindo ao Sr. Dr. Fernando, eis
que me chama a Sra. D. Esméria: "- Luduvica! Luduvica! toma este
recado e vai levá-lo à casa de minha prima Hermenêutica".
Finalmente, se estou servindo a qualquer destes, eis que o Sr. Gabriel Galdino,
criado outrora malcriado, barrigudo, pançudo, bundudo, grita: "~Dá
cá de lá os chinelos, que estou com os óculos na cabeça!"
Enfim, é o diabo! É o diabo! Muito desejo ver-me livre desta
casa, em que seis ou oito meses de serviço já me fedem! Ainda
que me não queiram pagar, quando não o pensarem hão de
me ver raspar! (Entra Almeida Garrett, Gabriel Galdino e Fernando de Noronha.)
GABRIEL GALDINO – Com todos os diabos! Estou hoje com tais disposições
de avançar a corações, que se tu não fosses casada
(pondo a mão em Luduvica), protesto que me não escaparias!
LUDUVICA – Como o Sr. está engraçado! Pensa que mesmo sendo,
e que mesmo não sendo, eu havia de ceder aos seus desejos brutais,
sabendo principalmente que é casado, atoleimado, foi criado e que tem
filhos!? Está; está – muito e muito enganado!
FERNANDO DE NORONHA – Oh! Sr. Gabriel Galdino, isso não é
cousa que se faça às escondidas de alguém. Eis porque
não há criados que queiram servir-nos (Com força.) Isto
envergonha! Envergonha, e faz afastar de nós todos os criados e criadas
que há em toda esta cidade! É esta a décima-oitava que
para aqui vem; e que não tardará a deixar-nos! Se o Sr. não
mudar de comportamento, estamos todos perdidos! Teremos em breve de nos servirmos
com as nossas próprias mãos!
GARRETT – Ainda será bom se nos servirmos só com as nossas
mãos! Se não nos for necessário servirmo-nos com os nossos
pés!
GABRIEL GALDINO Não – toleirões! Eu estava apenas brincando.
Queria ver a que ponto chegava a pudicícia da nossa encantadora e amável
servidora – Luduvica Antônia da Porciuncula. (Fazendo menção
de abraçá-la,. ela afasta-se um pouco como receosa.) Não
receies, minha Menina; se vos desse um abraço – seria de amizade, ou
igual àqueles que os Pais dão nos filhos; as mães nas
filhas; etc. etc.
FERNANDO – Luduvica, já preparaste o que te disse de manhã
que queria?
LUDUVICA – Como havia de preparar, se eu não me posso voltar nem
mexer-me para lado algum!? Se me volto para a direita, sou chamada da esquerda;
se para a esquerda, incomodada pela direita; e finalmente pelos flancos) retaguarda
e vanguarda; sempre e sempre chamada, incomodada e flagelada!
FERNANDO – Em vista disso, irei eu mesmo preparar! (Sai muito zangado, mas
pára-se na porta.)
GARRETT – E as minhas camisas, calças e ceroulas – já aprontaste?
LUDUVICA – Não tenho tido tempo nem para coser os meus vestidos,
quanto mais a sua roupa!
GARRETT – Uma criada assim, não sei para que diabo pode servir! (Vai
a sair e esbarra-se com Fernando de Noronha, que até então se
acha sério e firme, como um soldado de sentinela em frente do inimigo.)
LUDUVICA – Alto lá! Aqui ninguém passa. Ponha-se aí
ao lado, e firme como um soldado. Quero ver até que ponto chega a audácia
desta criada! (Garrett perfila-se ao lado direito.)
GABRIEL GALDINO – (com palavras muito ternas ou açucaradas) Então,
minha queridinha? (Aproxima-se a ela.) Nem um beijinho me dás, nem
uma boquinha, nem um abracinho, nem ao menos um volver desses olhos estrelados!
LUDUVICA – (sorrindo-se) Ora, nunca pensei que o Sr. fosse tão audaz!
GABRIEL – Pois é audácia pedir-se aquilo de que se tem necessidade!?
LUDUVICA – Vá procurar a sua mulher, e com ela faça o que
quiser!
GABRIEL – E se ela não quiser, o que hei de eu fazer!?
LUDUVICA – Ter paciência, e fazer-lhe continência!
GABRIEL – Então, além de me negar aquilo que me deve dar,
ainda hei de ter paciência e fazer-lhe continência!?
LUDUVICA – E que remédio o Sr. terá, senão assim proceder,
ou humilhar-se!? Se o não fizer, ela o ferirá; o Sr. há
de morrer, ou ela se matar!
GABRIEL – Em vista disso, adeus minha queridinha; adeus! (Vai a sair e encontra
o mesmo obstáculo como Garrett.)
FERNANDO – (para Gabriel Galdino) Alto, frente! Tome a esquerda e perfile-se!
(Desembainhando a espada por detrás.)
(Gabriel toma a esquerda e perfila-se.)
LUDUVICA – Que farão os três pandorgas (Passeando e vigiando-os
ora com o rabo de um, ora com o rabo de outro olho.) Que esperarão
eles! Pensarão mesmo que me hão de continuar a massar!? Estão
bem servidos! Eu os componho; eu agora mostro-lhes o que é a força
de uma mulher, quando esta está a tudo resolvida, ou mesmo quando apenas
quer mangar com algum homem! (Puxa, passeando, um punhal que ocultava no seio
e conserva-o escondido na manga do vestido.) Estes (à parte) meus amos
são uns poltrões; eu faço daqui carreira, faço
brilhar o punhal; eles, ou me hão deixar passar livremente, ou caem
por terra mortos de terror; e não só por serem uns comilões,
uns poltrões, também porque… não direi mas o farei!
(Volta-se repentinamente; faz brilhar o punhal; avança-se para eles,
os dos lados caem cada qual para seu lado, e o do centro para diante; ela
salta em cima deste, volta-se para o público e grita levantando o punhal:)
Eis-me pisando um homem, como um carancho a um cavalo morto! Quando a força
da razão, do direito e da justiça, empregada por atos e por
palavras, não for bastante para triunfar, lançai mão
do punhal… e lançai por terra os vossos indignos inimigos, como fiz
e vedes a estes três algozes!
(Desce o pano, passados alguns minutos, e assim finda o terceiro Ato.)
ENTREATO
JERÔNIMO DE AVIS – (entrando com flauta e três tocadores, com
vários instrumentos) Lá vai! (Sopra a flauta; e esta não
dá mais que um assovio destemperado; sopra com mais força, sucede
o mesmo, ou ainda pior. Muito ansiado, querendo desculpar–se:) Senhores,
deu o tétano na minha flauta! Desculpem; desculpem!
OS OUTROS – Qual desculpa, nem desculpa! Embaçou-nos, agora há
de aprender a tocar todos os instrumentos. (Caem-lhe em cima com eles; ele
defende-se com a flauta; de uns e de outros; e assim que pode corre a safar-se.
Os Outros fingem persegui-lo; ele procura escapar-se e não pode, dando
também em uns e em outros com a flauta, dizendo-lhes:)
JERÔNIMO DE AVIS – Paguem as lições que lhes dei ensinando-os
a tocar flauta.
(Neste ato e barulho, deve pouco a pouco ir descendo o pano.)
QUADRO
Aparecem todos; cantam – e dançam mascarados; de violas, tambores,
flautas, rabecas e violões – os seguintes versinhos:
Minha Musa está vazia,
De tanto haver dado à Tia!
Minha rabeca não canta,
Nem o violão descanta!
Trai, larai; tri, lari,
Lari; trai,. larai, tri lari
Larou…
(Repete-se.)
Minha viola ‘stá zangada,
Por não ter mais uma corda;
Dela a flauta discorda;
E assim – só desagrada!
Trai, larai; tri, lari,
Lari; trai,. larai, tri lari
Larou…
Minha rabeca assovia;
Com esse rouco violão,
Não faz boa harmonia:
Hei de ver melhor baixão!
Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau!…
(Repete-se.)
Meus tambores estão rotos!
Que fazer deles – não sei!
Hei de vende-los ao Rei,
Cobertos de peles d’escrotos!
Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau!…
(Repete-se.)
Minha flauta já não toca,
Mas apenas – assovia!
– Se não melhorar na pia,
– Hei de mandá-la à taboca!
Drom, larom, larom,
Larim lau lau, drom,
Larom, lari, lari, larom!
(Repete-se.)
Cantados e repetidos estes versos por duas ou mais vozes, dançando-se
e tocando-se chóteze, cada um canta os que dizem respeito ao instrumento
que toca.
– Termina o Quadro; e com ele a Comédia, do seguinte modo:
O FLAUTISTA – (para os outros) Srs.! Silêncio! O mais profundo silêncio!
Vou tocar a mais agradável peça, e de minha composição,
que se possa ter ouvido no planeta que habitamos! Ouçam! Ouçam!
(Todos ficam silenciosos; e põem os instrumentos debaixo do braço
esquerdo. O Flautista, levando a flauta à boca:)
Fi…………. u…………..
(Desce o pano)
Fim do Quadro e da Comédia.
Porto Alegre, Junho 6 de 1866.
Por José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo.
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