Suspeitas que me quereis (1595)

Redondilhas de Luís Vaz de Camões

Trovas a üas suspeitas

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Suspeitas, que me quereis?

Que eu vos quero dar lugar,

que, de certas, me mateis,

se a causa de que nasceis

vos quisesse confessar.

Que de não lhe achar desculpa

a grande mágoa passada

me tem a alma tão cansada

que, se me confessa a culpa, tê-la-ei por desculpada.

Ora vede que perigos

têm cercado o coração,

que, no meio da opressão,

a seus próprios inimigos

vai pedir a defensão!

Que, suspeitas, eu bem sei,

como se claro vos visse,

que é certo o que já cuidei;

que nunca mal suspeitei

que certo me não saísse.

Mas queria esta certeza

daquela que me atormenta;

por que em tamanha estreiteza

ver que disso se contenta

é descanso da tristeza.

Porque se esta só verdade

me confessa, limpa e nua

de cautela e falsidade,

não pode a minha vontade

desconformar-se da sua.

Por segredo namorado

é certo estar conhecido

que o mal de ser enjeitado

mais atormenta sabido,

mil vezes, que suspeitado.

Mas eu só, em quem se ordena

novo modo de querela,

de medo da dor pequena,

venho achar na maior pena

o refrigério para ela.

Já nas iras me inflamei,

nas vinganças, nos furores

que já, doudo, imaginei;

e já mais doudo o jurei

de arrancar d’alma os amores.

Já determinei mudar-me

pra outra parte com ira;

depois vim a concertar-me que

era bom certificar-me

no que mostrava a mentira.

Mas depois já de cansadas

as fúrias do imaginar,

vinha enfim a arrebentar

em lágrimas magoadas

e bem para magoar.

E deixando-se vencer

os meus fingidos enganos,

de tão claros desenganos

não posso menos fazer

que contentar-me cos danos.

E pedir que me tirassem

este mal de suspeitar

que me vejo atormentar,

ainda que me confessassem

quanto me pode matar.

Olhai bem se me trazeis,

Senhora, posto no fim;

pois neste estado a que vim,

para que vós confesseis

se dão os tratos a mim.

Mas para que tudo possa

Amor, que tudo encaminha,

tal justiça lhe convinha;

porque da culpa que é vossa

venha a ser a morte minha.

Justiça tão mal olhada,

olhai com que-cor se doura,

que quer, no fim da jornada,

que vós sejais confessada

para que eu seja o que moura!

Pois confessai-vos já’ gora,

inda que tenho temor

que nem nest’ última hora

me há-de perdoar Amor

vossos pecados, Senhora.

E assi vou desesperado,

porque estes são os costumes

de amor que é mal empregado,

do qual vou já condenado

ao inferno, de ciúmes!

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br

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