Bernardo Guimarães
AO LEITOR
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D’un pinceau delicat l’artifice agreable Du plus hideux object fait un object fait aimable
Boileau
No intuito de perpetuar estes versos de um poeta nosso bem conhecido, os fazemos publicar pela imprensa, que, sem dúvida pode salvar do naufrágio do esquecimento poesias tão excelentes em seu gênero, e cuja perpetuidade alguns manuscritos, por aí dispersos e raros, não podem garantir do tempo.
A lira do poeta mineiro tem todas as cordas; ele a sabe ferir em todos os tons e ritmos diferentes com mão de mestre.
Estes poemas podem se chamar erótico-cômicos. Quando B.G. escrevia estes versos inimitáveis, sua musa estava de veia para fazer rir, e é sabido, que para fazer rir são precisos talentos mais elevados do que para fazer chorar.
Estes versos não são dedicados às moças e aos meninos. Eles podem ser lidos e apreciados pelas pessoas sérias, que os encarecem pelo lado poético e cômico, sem ofensa da moralidade e nem tão pouco das consciências pudicas e delicadas.
Repugnam-nos os contos obscenos e imundos, quando não têm o perfume da poesia; esta, porém, encontrará aceno e acolhimento na classe dos leitores de um gosto delicado e no juízo destes será um florão de mais juntado à coroa de poeta de que B.G. tem sabido conquistar à força de seu gênio.
Ouro Preto, 7 de maio de 1875
DISPARATES RIMADOS
Quando as fadas do ostracismo,
Embrulhadas num lençol,
Cantavam em si bemol
As trovas do paroxismo,
Veio dos fundos do abismo
Um fantasma de alabastro
E arvorou no grande mastro
Quatro panos de toicinho,
Que encontrara no caminho
Da casa do João de Castro.
Nas janelas do destino,
Quatro meninos de rabo
Num só dia deram cabo
Das costelas de um supino.
Por tamanho desatino,
Mandou o Rei dos Amores
Que se tocassem tambores
No alto das chaminés
E ninguém pusesse os pés
Lá dentro dos bastidores.
Mas este caso nefando
Teve sua nobre origem
Em uma fatal vertigem
Do famoso conde Orlando.
Por isso, de vez em quando,
Ao sopro do vento sul,
Vem surgindo de um paul
O gentil Dalai-lama,
Atraído pela fama
De uma filha de Irmensul.
Corre também a notícia
Que o Rei Mouro, desta feita,
Vai fazer grande colheita
De matéria vitalícia.
Seja-lhe a sorte propícia,
É o que mais lhe desejo.
Portanto, sem grande pejo,
Pelo tope das montanhas,
Andam de noite as aranhas
Comendo cascas de queijo.
O queijo — dizem os sábios —
É um grande epifonema,
Que veio servir de tema
De famosos alfarrábios.
Dá três pontos nos teus lábios,
Se vires, lá no horizonte,
Carrancudo mastodonte,
Na ponta de uma navalha,
Vender cigarros de palha,
Molhados na água da fonte!…
Há opiniões diversas
Sobre dores de barriga:
Dizem uns que são lombrigas;
Outros, que vêm de conversas.
Porém as línguas perversas
Nelas vêem grande sintoma
De um bisneto de Mafoma,
Que, sem meias, nem chinelas,
Sem saltar pelas janelas,
Num só dia foi a Roma.
A ORIGEM DO MÊNSTRUO
De uma fábula inédita de Ovídio, achada nas escavações de
Pompéia e vertida em latim vulgar por Simão Nuntua
‘Stava Vênus gentil junto da fonte
Fazendo o seu pentelho,
Com todo o jeito, p’ra que não se ferisse
Das cricas o aparelho.
Tinha que dar o cu naquela noite
Ao grande pai Anquises,
O qual, com ela, se não mente a fama,
Passou dias felizes…
Rapava bem o cu, pois resolvia,
Na mente altas ideias:
— Ia gerar naquela heróica foda
O grande e pio Enéias.
Mas a navalha tinha o fio rombo,
E a deusa, que gemia,
Arrancava os pentelhos e, peidando,
Caretas mil fazia!
Nesse entretanto, a ninfa Galatéia,
Acaso ali passava,
E vendo a deusa assim tão agachada,
Julgou que ela cagava…
Essa ninfa travessa e petulante
Era de gênio mau,
E por pregar um susto à mãe do Amor,
Atira-lhe um calhau…
Vênus se assusta. A branca mão mimosa
Se agita alvoroçada,
E no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
Tremenda navalhada.
Da nacarada cona, em sutil fio,
Corre purpúrea veia,
E nobre sangue divino como
As águas purpureia…
(É fama que quem bebe desta águas
Jamais perde o tesão
E é capaz de foder noites e dias,
Até no cu de um cão!)
— “Ora porra!” — gritou a deusa irada,
E nisso o rosto volta…
E a ninfa, que conter-se não podia,
Uma risada solta.
A travessa menina mal pensava
Que, com tal brincadeira,
Ia ferir na mais morosa parte
Da deusa regateira…
— “Estou perdida!” — trêmula murmura
A pobre Galatéia,
Vendo o sangue a correr do róseo cono
Da poderosa déia…
Mas era tarde! A Cípria, furibunda,
Por um momento a encara,
E, após instantes, com severo acanto,
Nesse clamor dispara:
“Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
Que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
Um crime como este?!
Assim, por mais de um mês inutilizas
O vaso das delícias…
E em que hei de gastar das longas noites
As horas tão propícias?
Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício…
Em mísero abandono,
Que é que há de fazer, por tanto tempo,
Este faminto cono?…
Ó Adonis1 Ó Júpiter potente!
E tu, mavorte invicto!
E tu, Aquiles! Acode de pronto
De minha dor ao grito!
Esse vaso gentil que eu tencionava
Tornar bem fresco e limpo
Para recreio e divinal regalo
Dos deuses do Alto Olimpo,
Vede seu triste estado, ó! Que esta vida
Em sangue já se esvai-me!
Ó Deus, se desejas ter foda certa
Vingai-vos e vingai-me!
Ó ninfa, o teu cono sempre atormente
Perpétuas comichões,
E não aches quem jamais nele queira
Vazar os seus culhões…
Em negra podridão imundos vermes
Roam-te sempre a crica,
E à vista dela sinta-se banzeiro
A mais valente pica!
De eterno esquentamento flagelada,
Verta fétidos jorros,
Que causem tédio e nojo a todo mundo,
Até mesmo aos cachorros!!!”
Ouviu-lhe estas palavras piedosas
Do Olimpo o Grão-Tonante,
Que em pívia ao sacana do Cupido
Comia neste instante…
Comovido no íntimo do peito,
Das lástimas que ouviu,
Mandou o menino que, de pronto, acuda
À puta que o pariu…
Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
Da concha alabastrina,
Que quatro aladas porras vão tirando
Na esfera cristalina
Cupido que as conhece e as rédeas bate
Da rápida quadriga,
Co’a voz ora as alenta, ora co’a ponta
Das setas as fustiga.
Já desce aos bosques onde a mãe aflita,
Em mísera agonia,
Com seu sangue divino o verde musgo
De púrpura tingia…
No carro a toma e num momento chega
À olímpica morada,
Onde a turba dos deuses, reunida,
A espera consternada!
Já Mercúrio de emplastros se aparelha
Para a venérea chaga,
Feliz porque naquele curativo
Espera certa paga…
Vulcano, vendo o estado da consorte,
Mil pragas vomitou…
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
Celestes abalou…
Sorriu a furto a ciumenta Juno,
Lembrando o antigo pleito,
E Palas, orgulhosa lá consigo,
Resmoneou: — “ Bem feito!”
Coube a Apolo lavar dos roxos lírios
O sangue que escorria,
E de tesão terrível assaltado,
Conter-se mal podia!
Mas, enquanto se fez o curativo,
Em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
Com beijos e com abraços.
Depois, subindo ao trono luminoso,
Com carrancudo aspecto,
E erguendo a voz troante, fundamenta
E lavra este Decreto:
—“Suspende, ó filho, os lamentos justos
Por tão atroz delito,
Que no tremendo Livro do Destino
De há muito estava escrito.
Desse ultraje feroz será vingado
O teu divino cono,
E as imprecações que fulminaste
Agora sanciono.
Mas, ainda é pouco: — a todas as mulheres
Estenda-se o castigo
Para expiar o crime que esta infame
Ousou para contigo…
Para punir tão bárbaro atentado,
Toda humana crica,
De hoje em diante, lá de tempo em tempo,
Escorra sangue em bica…
E por memória eterna chore sempre
O cono da mulher,
Com lágrimas de sangue, o caso infando,
Enquanto mundo houver…”
Amém! Amém! Com voz atroadora
Os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amém! Amém! Sussurram…
ELIXIR DO PAJÉ
Lasciva est nobis pagina, vita proba.
Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!
Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?
Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co’a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co’a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!
Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.
Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil marasmo?
Acaso pra teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a dextra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co’engenho e arte.
Eis um santo elixir miraculoso
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.
Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
co’os manitós falando em uma cova,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por sua próprias mãos às escondidas.
Esse velho pajé de pica mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!
E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
de noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!
Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré
dizendo: “Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra vos chama
feroz aimoré”,
– assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co’o pé:
– Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com mais gentileza?”
E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea,
fodia o pajé.
Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitando ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!
Vassoura terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou…
Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Vinde, ó putas e donzelas,
vinde abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo…
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor…
Este elixir milagroso,
o maior mimo na terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão…
Do macróbio centenário
ao esquecido mazarpo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode em cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço…
Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!
Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
vencedor de cem mil conos…
E seja em todas as rodas,
d’hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito rei dos caralhos!
[VARIAÇÃO]i
Sou um pajé constipado
Sou um pajé conturbado
Sou um pajé contra-bardo
Guerreiro da criação
De volúpias nas donzelas
Fazidas de ervas, elas
Emprenhadas ficarão.
Irreverente, traquina
Sem pensar em heroína
Remete ódio seródio.
Menestrel e menos tal
Carretel, corda vocal
Inconstante determina
Aguardente com serina
Prodológico fascina
Poesia fescenina.
Zé Limeira, camarada,
A tua filosomia,
Companheira desterrada
Do pajé, bernardaria
Se bernardo bernardasse
E os quelé juveniasse
Por trepar na escadaria.
“Essa risonha verdura
Esses bosques, rios, montes,
Campinas, flores, perfumes,
Sombrias grutas e fontes?”
O pajé da picadura
Traças as conas em cardumes
Acende 32 lumes
Prodologicamente.
Em madre-de-deus-do-angu
Mandado comer só cru
Quem pensa que deus tem madre
Quem pensa no angu de Deus
Se quiser que faça os seus
50 nomes do padre
Contando, com um sem sabre
O caralho de Mateus
Lenga lenga lenga len
Ga lenga lenga lenga.
i Segundo Duda Machado aparece como prólogo nas edições clandestinas do poema.
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