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A rosa imaginária
É preciso que fique escrito
antes que a tua baba peçonhenta
nos corrompa a palavra
de ti, só se ouvirá no fim da noite
o ranger de dentes
que teu ódio acalenta
inútil e partido!
Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?!
Acordar todas as manhãs
com a rosa imaginária
que não dou ao meu amor??
Sabes Velho Histérico
o que é Ter 29 anos, e sol
e vida?
nessa catacumba
de esqueletos onde moras?!
Sabes Velho Histérico
onde está o ventre de mundo
que seria um dia, o meu?!
Aonde está a criança
que não nasceu
nesse ventre de mundo
que seria, um dia, o meu??
Berra Velho Histérico
ainda
a tua ordem
enquanto não chega o vento!
Berra Velho Histérico
na rádio e no jornal
ainda
a tua ordem
enquanto montado no vento
não chega o fim da noite!
… e a rosa imaginária
que vou dar ao meu amor…
Árvore de frutos
Cheiras ao caju da minha infância
e tens a cor do barro vermelho molhado
de antigamente;
há sabor a manga a escorrer-te na boca
e dureza de maboque a saltar-te nos seios.
Misturo-te com a terra vermelha
e com as noites
de histórias antigas
ouvidas há muito.
No teu corpo
sons antigos dos batuques à minha porta,
com que me provocas,
enchem-me o cérebro de fogo incontido.
Amor, és o sonho feito carne
do meu bairro antigo do musseque!
Autocrítica
Aqui, a sós.
Entre mim e o sonho
De cantar-te,
A voz
De que disponho
Sem engenho e arte…
Fraca e mal nascida,
Nasce,
E nunca digo de nós,
Da vida.
Do Sol
Que prossigo,
Com palavras-não-gastas…
Nasce,
E fica-se (tece)
A tristeza mole da derrota
Pelo mal que digo,
(Canto!)
A certeza da vitória
Nesta rota…
Espanto sem história
Neste esforço
De cantar-te?
Se és tão simples água
Ou sol nas veias,
Simples olhar límpido
De criança perpétua
Sem a primeira mágoa?!
Simples leveza de amar-te,
Simples esperança simples,
Maré-cheia e horizonte,
Escorço de linhas
Com o SOL lá, PÃO e FONTE!…
– ah! minhas palavras minhas!
Cajueiro plantado no cérebro
– Oh, velho, disforme, cambuta, retorcido, feio-
-maravilhoso cajueiro da minha infância!
Vem de longe estender tua sombra amiga
Sobre meu corpo longo de suor e desespero…
Traz-me a carícia de tuas folhas-
-paraus de piratas nas lagoas da chuva
(Estou longe, quero regressar à minha terra…)
O suave aroma de teus ramos de pele encarquilhada, resinando,
Os esconderijos de teus braços nos cigarros proibidos.
Vem de longe, desse fundo sem eco da distância,
E traz-me a doce fragrância de um só caju maduro
Marcado com meu nome e data
E que os outros não descobriram…
Oferece-me a última vez que seja na vida
Teus ramos tenros para marinhar
Acrobacias impossíveis:
– Énu mal’ê! Énu mal’ê
Canção desesperada
Vento que vais passar
Pelos loucos cabeços nus,
Que trazes para contar
Sobre a Noite ou sobre a Luz?
Sol que incendeias a terra
Toda nua e resignada,
Que nos trazes dessa guerra
Sem esperança desejada?
Lua, erma e abandonada
Nos confins do abandono,
Que trazes ,assim calada,
Para além de morte e sono?
– Jaz a terra de bruços
Não canta água na pedra:
Só se ouvem soluços
Da desgraça que medra…
Catavento numa ilha do atlântico
– Vento ao norte! – Vento norte,
Que novas trazes de Set?
Inda o domínio da morte,
O reino da escuridão?
– Vento ao oeste! – Vento oeste,
Que novas bebeste em terra?
Ainda a desunião,
As lutas, a fome, a guerra?
– Vento ao sul! – Vento do sul,
Porque tens sabor agreste?
Ainda alguma criança
Faleceu, hoje, de peste?
– Vento ao leste! – Vento leste,
Que tens a morte de Set,
Nasceu alguma esperança?
O barco pode singrar?
Tem rumo-de-só-amar?…
Frutos
Que frutos feios os da Europa:
Não têm nome, nem têm cor,
Não tem cheiro, nem sabor.
Maracujá maboque
Abacate sapessape
Soam redondos na boca,
Cheiram nos olhos e na memória
Sôfrega,
Sôfrega…
História
Entre o sonho que me tem
E as palavras necessárias,
O desespero e o desencanto
Nestes músculos que ponho
Na caneta
Das emoções várias,
Sempre ,em letra, aquém
Do que ficou pensando… Fugaz combate
Entre o desejar
E o ser ,bravio,
Sem fonte que mate
O desejo, e rio
Que me saiba nascer…
Irrealizado
Aqui deixo o esboço
Destas palavras,
Como o camponês
De que me queixo
com esforço
Nesta história:
Tanto no sonho fez e desfez
E tão pouco foi acabado!…
Marinheiros ou poema dos frutos
Juro, haverá sempre em cada um,
Um marinheiro naufragado,
Portos, mulheres, até rum,
E mar sem navio e calado…
E nas noites doidas de lua,
Com algas e brisas nos olhos,
Aos bordos navegam a rua
Das flores perdidas aos molhos…
Sós, ancorados na cidade,
Com olhos de morto insepulto,
Vêem escorrer-lhes a idade,
Perdida em névoa como um vulto…
Alguns iludem no cachimbo,
O frio que já lhes demora
No outrora sonho e limbo
De uma diferente aurora…
E há o marinheiro cansado
De tão parado navegar,
Que um dia, na praia, prostrado,
Se deixa engolir pelo mar…
Necrologia
A poesia está ai, em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem…
Para exemplo
de pura ocasião
a poesia está, todos os dias
na necrologia dos jornais:
é crianças e mais crianças…
Na relação dos feridos
nas catacumbas das prisões
e nos bancos dos hospitais:
“acometido de doença súbita
no Musseque Lixeira,
foi transportado na ambulância,
Domingos João, que morreu
hoje, Quinta-feira.”
A poesia está ai, disfarçada em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem…
E, até por ironia,
está escondida na necrologia dos jornais!…
Oferta
Sou a quitandeira mais doce
que todos os doces de coco,
minha boca é tão docinha
como a fruta da minha quinda.
Tenho os seios para dar
duas laranjas do loje,
tenho nos olhos pitangas
tão boas de namorar
Tenho o Sol na barriga
e doçura da manga nos braços,
quem quer a minha vida
pra adoçar os seus cansaços?
Sarita
Sarita mora no musseque,
sofre no musseque,
mas passeia garrida na baixa
toda vermelha e azul,
toda sorriso branco de marfim,
e os brancos ficam a olhar,
perdidos no seu olhar.
Sarita usa brincos amarelos de lata
penteado de deusa egípcia
andar de gazela no mato,
desce à cidade
e sorri para toda a gente.
Depois, às seis e meia,
Sarita vai viver pró musseque
com os brancos perdidos no seu olhar!
Um dia
ao António Jacinto
Um dia eu vou fazer um romance
com as histórias da minha rua
antes de se chamar Silva Porto
e os pretos irem embora.
Vai entrar a lua e meninos sem cor
a Domingas quitata, o sô Floriano do talho
com muita mistura de amor
e muito suor de trabalho.
Vou meter as cabras e os cães vadios da velha Espanhola
os batuques da Cidrália e dos Invejados,
os batalhões do “Treze” e do “Setenta e Quatro”,
o bêbado Rebocho, o velho Salambió,
a Joana Maluca da garotada,
cajueiros, cubatas, lixeiras,
capim e piteiras,
e mesmo no fim da história,
quando os homens estão desesperados
e as fardas passam em fila,
acendo um sol de Fevereiro,
semeio algumas esperanças
e parto com o meu veleiro
a dar uma volta ao Mundo!
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