Lima Barreto
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O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoam-nos e nos enchem de prazer.
Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas, doutores, soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carnavalesca.
O zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações da nossa árdua vida.
O pensamento do sol inclemente só é afastado pelo regougar de um qualquer “Iaiá me deixe”.
Há para esse culto do carnaval sacerdotes abnegados.
O mais espontâneo, o mais desinteressado, o mais lídimo é certamente o “Morcego”.
Durante o ano todo, Morcego é um grave oficial da Diretoria dos Correios, mas, ao aproximar-se o carnaval, Morcego sai de sua gravidade burocrática, atira a máscara fora e sai para a rua.
A fantasia é exuberante e vária, e manifesta-se na modinha, no vestuário, nas bengalas, nos sapatos e nos cintos.
E então ele esquece tudo: a Pátria, a família, a humanidade. Delicioso esquecimento!… Esquece e vende, dá, prodigaliza alegria durante dias seguidos.
Nas festas da passagem do ano, o herói foi o Morcego.
Passou dois dias dizendo pilhérias aqui; pagando ali; cantando acolá, sempre inédito, sempre novo, sem que as suas dependências com o Estado se manifestassem de qualquer forma.
Ele então não era mais a disciplina, a correção, a lei, o regulamento; era o coribante inebriado pela alegria de viver. Evoé, Bacelar!
Essa nossa triste vida, em país tão triste, precisa desses videntes de satisfação e de prazer; e a irreverência da sua alegria, a energia e atividade que põem em realizá-la, fazem vibrar as massas panurgianas dos respeitadores dos preconceitos.
Morcego é uma figura e uma instituição que protesta contra o formalismo, a convenção e as atitudes graves.
Eu o bendisse, amei-o, lembrando-me das sentenças falsamente proféticas do sanguinário positivismo do Senhor Teixeira Mendes.
A vida não se acabará na caserna positivista enquanto os “morcegos” tiverem alegria…
Vida urbana, 2-1-1915
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