Redondilhas de Luís Vaz de Camões
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Glosa
a este moto:
Foi-se gastando a esperança,
fui entendendo os enganos;
do mal ficaram meus danos e do bem só a lembrança.
Nunca em prazeres passados
tive firmeza segura,
antes tão arrebatados
que inda não eram chegados
quando mos levou ventura.
E como quem desconfia
ter em tal sorte mudança,
no meio desta porfia,
de quanto bem pretendia
foi-se gastando a esperança.
Não tive por desatino
a ocasião de perdê-la;
mas foi culpa do destino,
que a ninguém, como mais dino,
Amor pudera sustê-la.
Dei-lhe tudo o que era seu,
não receando tais danos
deste, a quem alma lhe deu;
quando já não era meu,
foi entendendo os enganos.
Fiquei, deste mal sobejo
a quem a causa compete,
dizer-lhe tudo o que vejo,
que Amor aceita o desejo,
mas mente no que promete.
Que, se a mim se me obrigou
a dar-me bens soberanos,
foi engano que ordenou,
que do bem tudo levou,
do mal ficaram meus danos.
E se de dor tão desigual
sofro em mim com padecê-los,
quero de novo sofrê-los;
que, por a causa ser tal,
não determino ofendê-los.
Dobre-se o mal, falte a vida,
creça a fé, falte a esperança,
pois foi mal agradecida;
fique a dor n’alma imprimida,
e do bem só a lembrança.
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
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