Lima Barreto
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O foguista da Armada, Francisco dos Reis, foi,
ontem, assistir ao jogo de futebol, no campo do
Seleto Clube, à rua São Gabriel.
Em meio do “match” o jogador Jadir Brás
deu um formidável “shoot”, indo a bola partir
a perna direita de Francisco dos Reis.
Rio-Jornal, de 16-1-1922.
TENDO recebido de Porto Alegre, por intermédio desta revista, uma terna missiva do Dr. Afonso de Aquino, meu saudoso amigo, em que ele me fala da “Carta Aberta” que o meu amigo também Dr. Carlos Sussekind de Mendonça me dirigiu, publicando-a sob a forma de ‘livro e com o título – O Esporte está deseducando a mocidade brasileira – lembrei-me de escrever estas linhas, como resposta ao veemente e ilustrado trabalho do Dr. Sussekind.
Confesso que, quando fundei a Liga Brasileira Contra o Futebol, não tinha, como ainda não tenho, qualquer erudição especial no assunto, o que não acontece com o Dr. Mendonça. Nunca fui dado a essas sabedorias infusas e confusas entre as quais ocupa lugar saliente a chamada Pedagogia; e, por isso, nada sabia sobre educação física, e suas teorias, nas quais os sábios e virtuosos cronistas esportivos teimam em encaixar o esporte. A respeito, eu só tentava ler Rousseau, o seu célebre Émile; e mesmo a vagabundíssima Educação de Spencer nunca li.
O que me moveu, a mim e ao falecido Dr. Mário Valverde, a fundar a Liga foi o espetáculo de brutalidade, de absorção de todas atividades que o futebol vinha trazendo à quase totalidade dos espíritos nesta cidade.
Os jornais não falavam em outra coisa. Páginas e colunas deles eram ocupadas com histórias de “matches”, de intrigas de sociedades, etc., etc. Nos bondes, nos cafés, nos trens não se discutia senão futebol. Nas famílias, em suas, conversas íntimas, só se tratava do jogo de pontapés. As moças eram conhecidas como sendo torcedoras de tal ou qual clube. Nas segundas-feiras, os jornais, no noticiário policial, traziam notícias de conflitos e rolos nos campos de tão estúpido jogo; mas, nas seções especiais, afiavam a pena, procuravam epítetos e entoavam toscas odes aos vencedores dos desafios.
Não se tratava de outra coisa no Rio de Janeiro, e até a política do Conselho Municipal, desse nosso engraçado Conselho que teima em criar teatro nacional, como se ele fosse nacional, a fim de subvencionar regiamente graciosas atrizes – até isso era relegado para segundo plano, senão esquecido.
Comecei a observar e a tomar notas. Percebi logo existir um grande mal que a atividade mental de toda uma população de uma grande cidade fosse absorvida para assunto tão fútil e se absorvesse nele; percebi também que não concorria tal jogo para o desenvolvimento físico dos rapazes, porque verifiquei que, até numa sociedade, eram sempre os mesmos a jogar; escrevi também que eles cultivam preconceitos de toda a sorte; foi, então, que me insurgi. Falando nisso a Valverde, ele me disse todos os inconvenientes de tal divertimento, feito sem regra, nem medida, em todas as estações e por todo e qualquer sujeito, fosse de que constituição fosse, tivesse as lesões que tivesse. Fundamos a Liga.
Ela não foi avante, não somente pelos motivos que o Dr. Mendonça escreve no seu livro, mas também porque nos faltava dinheiro.
Quando a fundamos, eu fui alvejado com os mais soezes insultos e indelicadas referências. Ameaçaram-me com vigorosos polemistas, partidários de futebol e uma récua de nomes desconhecidos cujo talento só é conhecido na tal Liga Metropolitana. Coelho Neto citou Spencer e eu, pela A Notícia, mostrei que, ao contrário, Spencer era inimigo do futebol. Dai em diante, tenho voltado ao assunto com todo o vigor que posso, porque estou convencido, como o meu amigo Sussekind, que o “sport” é o “primado da ignorância e da imbecilidade”. E acrescento mais: da pretensão. É ler uma crônica esportiva para nos convencermos disso. Os seus autores falam do assunto como se tratassem de saúde pública ou de instrução. Esquecem totalmente da insignificância dele. Um dia destes o Chefe de Policia proibiu um encontro de “box”; o cronista esportivo censurou asperamente essa autoridade que procedera tão sabiamente apresentou como único argumento que, em todo o mundo, se permitia tão horripilante coisa. Ora, bolas!
Certa vez, o governo não deu não sei que favor aos jogadores de futebol e um pequenote de um clube qualquer saiu-se dos seus cuidados e veio pelos jornais dizer que o futebol tinha levado longe o nome do Brasil. ‘Risum teneatis”…
O meu caro Dr. Sussekind pode ficar certo de que se a minha Liga morreu, eu não morri ainda. Combaterei sempre o tal de futebol.
Careta, 8.4.1922
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