Alceste – Eurípedes

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Fim

Eurípedes

TEM esta bela tragédia de Eurípedes, por principal objetivo,
a exaltação do amor conjugal que atinge o mais sublime heroísmo.

Alceste, Laodâmia e Penélope, esposas de Admeto, Protesilau
e Ulisses, respectivamente, constituem o tríptico das mais nobres figuras
femininas que a lenda grega nos apresenta. Das três, porém, coube
à incomparável rainha de Feres praticar o rasgo de abnegação
que lhe assegura a primazia entre as esposas modelares.

Enumerando, no canto II da Ilíada, os contingentes helênicos
aliados na luta contra a poderosa Tróia, Homero menciona os guerreiros
de Feres, Glafira e Iólcos, sob o comando de Eumélio, filho
querido de Admeto e de Alceste, a quem o grande aedo considera “a glória
das mulheres”, e “a mais nobre descendente de Pélias”.
Platão vai além, quando assevera que os próprios deuses
consideraram tão belo o auto-sacrifício de Alceste, que lhe
concederam o privilégio excepcional de retornar da sepultura à
vida. “Os numes honraram nela a virtude máxima do amor”,
— conclui o filósofo. E é de crer que a lembrança
de Alceste houvesse inspirado a Shakespeare esta afirmação,
que ele atribui ao infeliz rei Lear:

“Upon such sacrifices, my Cordelia,
The Gods themselves throw incense!”

A tragédia de Eurípedes, que se inicia por um monólogo
do deus Apolo ao deixar o palácio de Admeto, e pela acrimoniosa discussão
que essa benfazeja divindade sustenta com o executor implacável da
Morte, — não nos proporciona surpresa alguma decorrente de intriga
ou artifício. A ação transcorre natural e logicamente
até o desfecho. O poeta mantém sempre alcandorado o estilo,
sem que as falas das personagens e as odes corais percam o alto teor do sentimento
e da melancolia. Por isso mesmo, alguns tradutores e escoliastas estranham
as duas únicas passagens em que a atenção se desvia,
por alguns momentos, do episódio capital: tais são a fala do
servo que descreve os excessos de plutonaria e a intemperança de Hércules,
— que cantava aos berros no recesso de um lar ferido pelo luto, —
e a cena em que Admeto deblatera com o pai valetudinário, agredindo-se
ambos com amargas diatribes, quando mãos piedosas já transportam
ao jazigo o ataúde que contém o corpo inanimado de Alceste.

Trasladando, para o vernáculo, a tragédia de Eurípedes,
resolvemos adotar, para certos nomes, a forma ou a grafia que mais conveniente
nos pareceu, ou a que melhor condiz com a índole de nosso idioma. Assim,
preferimos conservar o nome grego Tânatos para representar a Morte,
e o de Hades para o sombrio país de Plutão. É evidente
que a palavra inferno, mesmo no plural, que lhe asseguraria o sentido mitológico,
causa revolta ao leitor, quando se trata de uma alma boníssima, como
a da desditosa Alceste. Designando o nume horrendo por Tânatos, evitamos
o nome de Orco, o qual, segundo autorizados mitologistas, se aplica ao próprio
deus Plutão, como se vê nesta passagem, em que Horácio
adverte que a morte atinge, inexoravelmente, a ricos e pobres:

“… si metit Orcus
Grandia cum parvis, non exorabilis auro?”
(Epístolas, II, 179)

comparada aos versos de Virgílio, concernentes à morte da “misérrima
Dido”:

“Nondum illi flavum Proserpina vertice crinem
Abstulerat, stygioque caput damnaverat Orco”.
(Epístolas, IV, 699)

Evitamos, destarte, o emprego dos vocábulos Morte e Inferno, inadequados,
em numerosos passos da tragédia, em conseqüência do sentido
que comportam na língua portuguesa, como nos idiomas afins.

Idêntica preocupação nos aconselhou a substituir “senhora”
pela palavra “rainha”, sem prejuízo para o sentido, coarctando
ambigüidades decorrentes do emprego daquele vocábulo como sinônimo
de esposa, ou quando precedido do possessivo “Nossa”, caso em
que a bela palavra assume significação especial e querida para
os cristãos.

ALCESTE

PERSONAGENS

APOLO
TÂNATOS (A Morte)
ADMETO, rei de Feres
ALCESTE, sua esposa
EUMÉLIO, seu filho
HÉRCULES
FERES, pai de Admeto
CORO (de anciãos de Feres)
UM SERVO
UMA SERVA

A cena se passa diante do palácio de ADMETO, na cidade de Feres, na
Tessália

APOLO

Ó palácio de Admeto, onde me vi coagido a trabalhar como servo
humilde, sendo embora um deus, como sou! Júpiter assim o quis, porque
tendo fulminado pelo raio meu filho Esculápio, eu, justamente irritado,
matei os Ciclopes, artífices do fogo celeste. E meu pai, para me punir,
impôs-me a obrigação de servir a um homem, a um simples
mortal! Eis por que vim ter a este país; aqui apascentei os rebanhos
de meu patrão, e me fiz protetor deste solar até hoje. Sendo
eu próprio bondoso, e servindo a um homem bondoso, — o filho
de Feres — eu o livrei da morte, iludindo as Parcas. Estas deusas prometeram-me
que Admeto seria preservado da morte, que já o ameaçava, se
oferecesse alguém, que quisesse morrer por ele, e ser conduzido ao
Hades.

Tendo posto a prova todos os seus amigos, seu pai, e sua velha mãe,
que o criou, ele não achou quem consentisse em a dar vida por ele,
e nunca mais ver a luz do sol! Ninguém, senão Alceste, sua dedicada
esposa; e agora, no palácio, conduzida a seus aposentos nos braços
de seu marido, vai desprender-se sua alma, porque é hoje que o Destino
exige que ela deixe a vida. Eis por que, para me não macular, eu abandono
estes tetos queridos. Vejo que já se aproxima Tânatos, o odioso
nume da Morte, para levar consigo Alceste à merencória mansão
do Hades. E vem no momento preciso, pois aguardava apenas o dia fatal em que
a mísera Alceste deve perder a vida.

Entra TÂNATOS

TÂNATOS

Ah! Que procuras tu junto deste palácio? Que fazes aqui, Apolo? Queres
ainda privar os deuses infernais das honras que lhes são devidas? Já
não te basta haver desviado o destino de Admeto, iludindo as Parcas
por meio de tuas artimanhas? E agora, com teu arco em mãos, zelas,
talvez, pela filha de Pélias, que prometeu ao esposo morrer em seu
lugar?

APOLO

Tranqüiliza-te! Nada pretendo, senão o que for justo, e razoável.

TÂNATOS

Para quê, então, esse arco, se a teu favor tens a justiça?

APOLO

É meu costume tê-lo comigo sempre.

TÂNATOS

E proteger este palácio, desprezando as justas determinações
do Destino…

APOLO

Afligem-me, com efeito, as infelicidades daqueles a quem amo.

TÂNATOS

E pretendes roubar-me esta segunda morte?

APOLO

Não foi pela violência que agi para contigo.

TÂNATOS

Como se explica, então, que Admeto esteja sobre a terra, e não
sepultado nela?

APOLO

Porque deu, por si, a esposa, a quem vieste buscar agora.

TÂNATOS

Sim! E hei-de conduzi-la ao Hades subterrâneo!

APOLO

Toma-a, pois, contigo, e vai-te! Não sei se conseguiria convencer-te!

TÂNATOS

De quê? De que devo matar aqueles que devem morrer? Pois se é
este o meu ofício!

APOLO

Não! mas de preferir aqueles que tanto tardam em morrer![1]

TÂNATOS

Compreendo tuas razões; teu zelo é natural.

APOLO

Ainda bem! Dize, pois: haverá, por acaso, um meio pelo qual a pobre
Alceste consiga chegar à velhice?

TÂNATOS

Ah! Não!… Faço empenho em defender minhas prerrogativas!

APOLO

Ao menos estou certo de que não arrebatarás daqui senão
uma única alma!

TÂNATOS

Quando morre quem está na flor da idade, bem maior é minha
glória!

APOLO

Mas, se ela morresse quando idosa, teria um funeral mais sumptuoso!…

TÂNATOS

O que propões, Apolo, favorece aos ricos, tão somente.

APOLO

Que dizes? Por acaso aprendeste a raciocinar com tanta subtileza, sem que
o soubéssemos?

TÂNATOS

Sim! Os abastados comprariam o direito de morrer em ancianidade.

APOLO

Tu me recusas, pois, a graça que solicito?

TÂNATOS

Recuso-a, sim. Bem conheces meu regime.

APOLO

Que é funesto aos mortais, e odioso aos próprios deuses!

TÂNATOS

Nada conseguirás daquilo que não deves conseguir.

APOLO

Tu moderar-te-ás, por muito cruel que sejas, Eis que se aproxima um
homem do palácio de Feres. É um herói, que Euristeu envia
às longínquas regiões da Trácia, para apoderar-se
dos cavalos de Diomedes; mui breve será recebido, como hóspede,
no palácio de Admeto, e pela força, há-de te arrebatar
a esposa[2]. Assim, nenhuma gratidão te deverei; tu não farás
o que eu não quero que faças, e não menos execrado serás
por isso.

TÂNATOS

Dize o que quiseres; nada mais terás de mim. Esta mulher descerá
à mansão sombria de Plutão. Vou já preludiar,
pela espada, o sacrifício; porque é imediatamente consagrado
aos deuses infernais aquele de cuja cabeça esta lâmina cortar
um só fio de cabelo![3]

(Saem)

O CORO, em dois grupos compostos de anciãos de Feres

1º GRUPO

Por que tão profundo silêncio no vestíbulo deste palácio?
Por que tão calmo está o solar do rei Admeto?

2º GRUPO

Não se vê um só amigo que nos possa dizer se já
é tempo de prantear a rainha morta, ou se, ainda em vida, Alceste,
a filha de Pélias, vê a luz do sol, ela, que se tem revelado
a melhor esposa, a mais dedicada a seu marido!

1º GRUPO

Ouve alguém, lá de dentro, gemidos, prantos ou o angustioso
atrito das mãos[4] lamentando o golpe da fatalidade? Nem um só
dos servos se vê junto ao pórtico. Praza aos deuses que Pã
nos apareça, para dar um fim a tanta desventura!

2º GRUPO

Eles não conservariam tanto silêncio, se ela estivesse morta.
Não creio que o corpo já tenha sido retirado do palácio!

1º GRUPO

Por que pensais assim? Nós nada percebemos! Como estais assim seguros
do que dizeis?

2º GRUPO

Como teria Admeto podido realizar, em segredo, os funerais de uma esposa
tão digna?

1º GRUPO

Não se vê, junto à porta, o vaso de água lustral,
como é de costume colocar-se à entrada da casa onde há
um morto; no vestíbulo não estão suspensos os cabelos,
que os amigos, possuídos de dor, cortam de suas frontes, nem se ouve
a triste lamentação das carpideiras.

2º GRUPO

No entanto, chegou o dia fatal…

1º GRUPO

Que dizeis?

2º GRUPO

O dia em que ela deve descer à sepultura!

1º GRUPO

Comoveste-me o coração, e o íntimo de minha alma. Quando
criaturas bondosas estão imersas na dor, quem quer que tenha bons sentimentos
deve dela compartir.

O CORO

Para onde quer que se envie uma galera[5] ninguém poderá salvar
a alma dessa infeliz; quer na Lícia, quer nas ardentes regiões
de Ámon: porque o Destino é inexorável, e não
tarda! Não sabemos a que deuses devemos recorrer, nem a que sacerdote
pedir auxílio neste transe!

Ah! Se vivesse ainda o filho de Apolo, poderia Alceste retornar ainda da
sombria estrada que conduz à porta do Hades. Só ele ressuscitava
os mortos, enquanto não foi fulminado pelo raio de Júpiter!
Agora, porém, que esperanças de salvação poderemos
conceber? Todos os ritos já foram cumpridos por nosso rei; sobre as
aras de todos os deuses realizam-se sangrentos sacrifícios; e não
há remédio para a desgraça que o fere.

Eis, porém, que uma das servas de Alceste vai sair do palácio,
lacrimosa. Que nos dirá ela? É natural sua aflição,
visto que seus senhores estão, também, sob o peso do infortúnio.
Viverá, ainda, Alceste, ou não? Eis o que ansiosamente desejamos
saber.

Entra A SERVA

A SERVA

Bem podeis afirmar que ela está, ao mesmo tempo, morta, e viva!

O CORO

Mas como pode alguém estar na morte, e em vida ainda?

A SERVA

Porque, já com a cabeça pendida, ela vai entregar a alma…

O CORO

Ó infeliz rei! Que boa esposa perdes tu, que és tão
digno dela!

A SERVA

O rei não o saberá, senão depois de a ter perdido.

O CORO

E não há mais esperança alguma de lhe salvar a vida?

A SERVA

Infelizmente, o dia fatídico chegou.

O CORO

E já estão preparando as solenidades?

A SERVA

As vestes com que o esposo a inumará já estão prontas.

O CORO

Que ela saiba, pois, que tem morte gloriosa, sendo a melhor de todas as mulheres
que têm existido sob o sol!

A SERVA

E como não seria a melhor das esposas? Quem o negará? Que outra
mulher se lhe poderá avantajar? Que outra esposa faria mais por seu
marido, do que oferecer-se para morrer por ele? Toda a cidade disso está
ciente; mas vós tereis vossa admiração aumentada ao saberdes
o que ela fez no interior do lar. Quando sentiu que era chegado o dia fatal,
lavou o seu corpo alvíssimo na água do rio, e, retirando dos
escrínios os seus mais belos ornatos, vestiu-se ricamente; depois,
diante do altar doméstico, fez esta prece: “Ó Deusa! Vou
para a região das sombras, mas quero venerar-te, pela última
vez em minha vida, rogando-te que tenhas pena de meus filhos órfãos!
Concede-me que um deles tenha uma boa esposa, e a outra, um digno marido.
E que eles não morram, como sua infeliz mãe, antes do tempo
fixado pelo destino, mas que vivam, felizes e prósperos, na terra da
Pátria!” Em seguida, visitando todos os altares que há
no palácio de Admeto, ela depositou sobre eles coroas de flores, esparzindo
ao redor folhas de murta, e orou, sem um só gemido ou lamentação,
porque a iminência do trespasse em nada alterou sua fisionomia plácida
e bela. Depois, voltando à câmara nupcial, deixou-se cair sobre
o leito; só então, com os olhos lacrimosos, disse: “Ó
meu leito, onde perdi minha virgindade pelo amor deste homem, por quem hoje
vou morrer! Não te lamento, porque somente a mim vais perder; e eu
morro para ser fiel a meu esposo. Uma outra há-de te possuir, —
quem sabe? — nunca mais casta do que eu, mas talvez mais feliz!…”
E, agarrando-se ao leito, beijava-o, molhando-o com suas copiosas lágrimas.
Assim aliviada pelo pranto, ergue-se, retira-se do aposento, com a cabeça
baixa, para voltar várias vezes, e de novo atirar-se sobre o leito.
Choravam os filhos, agarrados às vestes de sua mãe; e ela, tomando
nos braços ora um, ora outro, beijava-os maternalmente, como quem sabe
que vai morrer. Todos nós, servos, chorávamos, também,
em nossos aposentos, condoídos da sorte da nossa rainha. Ela estendia-nos
a mão, em despedida, tendo uma palavra carinhosa para cada qual, por
mais humilde que fosse. Tais são os males que afligem a casa de Admeto;
se ele tivesse de perecer, já estaria morto; mas, tendo evitado a morte,
sofre uma dor tamanha, que nunca mais a poderá esquecer!

O CORO

E Admeto deplora, certamente, a perda de uma esposa tão bondosa!

A SERVA

Sim, ele chora, tendo nos braços a companheira querida, e pede-lhe
que não o abandone, desejo impossível agora! Sim, porque ela
já se vai consumindo pelo mal, e pesa nos tristes braços do
marido. Embora possa apenas respirar ainda, quer contemplar a luz do sol,
que nunca mais lhe será dado rever, pois é a última vez
em que os raios do astro do dia virão até seus olhos. Vou anunciar,
porém, vossa chegada; pois nem todos se mostram tão dedicados
ao seu chefe, para que o visitem na hora do infortúnio. Vós
sois, porém, velhos e leais amigos de nosso rei!

1º GRUPO

Ó Júpiter! Como fugir a tamanha desgraça? Que remédio
haverá, para o golpe que ameaça os nossos soberanos? Virá
alguém dar-nos notícia do que se passa? Deveremos cortar nosso
cabelo, e vestir trajo de luto? É certo que o faremos, amigos! No entanto
continuemos a invocar os deuses! Imenso é o poder dos numes imortais!

2º GRUPO

Ó Rei Paian![6] imagina um meio para libertar Admeto de tamanha desgraça!
Vem em seu socorro! Tu já o salvaste uma vez; salva, agora, também,
a Alceste! Livra-a do poder homicida de Plutão!

1º GRUPO

Oh! Oh! Filho de Feres, como te lamentas, privado de tua mulher! Não
seria menor sofrimento a morte pelo gume da espada, ou por um laço
fatal? Sim, porque verás hoje morrer uma companheira tão amada,
a mais digna esposa que poderá existir no mundo!

2º GRUPO

Ei-la que sai do palácio, com seu esposo. Terra de Feres, chora, lamenta
a perda desta excelente matrona, que, consumida pelo mal, vai descer à
mansão soturna do Hades!

Não! Nunca direi que o himeneu dê mais venturas do que dores;
a julgar pelos dramas já passados e pelo destino deste rei, que tendo
perdido a melhor das esposas, arrastará doravante um viver que já
não é mais vida!

Entram ADMETO e ALCESTE

ALCESTE

Ó sol, maravilhosa luz do dia! Ó nuvens que os ventos do céu
velozes arrastam!

ADMETO

O sol te vê, e a mim também… Dois infelizes que nada fizeram
contra os deuses, para que tu morras!

ALCESTE

Ó minha terra, ó meu ditoso lar, ó meu quarto de Iólcos,
onde meu pai foi rei!

ADMETO

Reanima-te, infeliz! Não te abandones, assim, ao desespero! Roga aos
deuses poderosos, para que se compadeçam de ti!

ALCESTE

Eu vejo… eu já estou vendo… o sinistro barco de dois remos. O
guia dos mortos, Caronte, já me chama: “Por que demoras tu? Caminha,
pois, que me retardas!”[7] E assim me força a apressar-me.

ADMETO

Ai de ti, que falas nessa dolorosa travessia! Infeliz Alceste, como sofremos!

ALCESTE

Estão me arrastando… Eu o sinto! Alguém me oprime… tu não
vês? Arrastam-me para a mansão dos mortos… É Plutão!…
ele mesmo!… Com suas asas… e seus olhos horrendos, cercados de negras
sobrancelhas… Oh! Que fazes? Deixa-me! pobre de mim! Que caminho sombrio
é este, por onde me conduzem?

ADMETO

… Um caminho doloroso para teus amigos, e mais ainda para mim, e para teus
filhos, que partilham de meu desespero!

ALCESTE

Deixa-me! Deixa-me! Quero deitar-me… os pés já não
me sustentam mais! O Hades está próximo… uma noite escura
cai sobre meus olhos. Ó meus pobres filhinhos, já não
tendes mãe!… Adeus, meus filhos… gozai a luz… a luz radiosa do
dia!

ADMETO

Ai de mim! Ouço tristes palavras… mais dolorosas que a morte! Eu
te peço, Alceste! pelos deuses! Não me abandones! Pelos filhos
que vais deixar na orfandade! Levanta-te! Tem esperança ainda! Se tu
morreres, também eu não viverei mais! Estejas tu viva, ou não,
eu dependo de ti por tudo, e sempre; o amor que tenho por ti é sagrado!

ALCESTE

Admeto, bem vês a que extremidade cheguei; desejo, antes de morrer,
que ouças o que te quero revelar. Amando-te sinceramente, e dando minha
vida para que continues a ver a luz, morrerei por ti quando poderia viver
por longo tempo ainda, receber por esposo aquele, dos tessálios, que
eu preferisse, e habitar um palácio real. Mas recusei-me a viver privada
de tua companhia, e a ver meus filhos sem pai; não me poupei, dispondo
embora dos dons da mocidade e dos meios de os usufruir. Trairam-te teu pai
e tua mãe, sim! pois sua avançada idade lhes permitiria uma
morte gloriosa, salvando o filho por um rasgo meritório. És,
com efeito, o filho único que possuem; após tua morte, nenhuma
esperança lhes seria possível, de ter ainda prole no futuro.
E eu continuaria a viver, tu não sofrerias, por toda a vida, a falta
de uma esposa, e não serias forçado a educar filhos órfãos
de mãe… Mas um deus quis que as coisas tomassem este rumo… Seja!
De tua parte, e porque sempre te hás-de lembrar disto, concede-me uma
graça, em troca; não igual à que te faço, pois
não há bem mais precioso que a vida; mas justa, como tu mesmo
reconhecerás. Tu amas a nossos filhos tanto quanto eu, se teu coração
é sincero e honesto. Que sejam eles os donos de nosso lar! Não
os submetas, nunca, à autoridade de uma madrasta, que seria certamente
inferior a mim, e que, impelida pelo ciúme, maltrataria essas pobres
crianças que são teus filhos, mas também são meus!
Eu te conjuro: não faças tal coisa! A madrasta que sucede à
esposa é inimiga dos filhos do primeiro matrimônio, e em nada
inferior a uma víbora!

O filho varão tem, no pai, um protetor; corre para ele, e o pai o
protege. Mas quanto a minha filha, como poderá ser honestamente educada
durante sua virgindade? Ó minha filha! Que segunda esposa de teu pai
mandará sobre ti? Receio bem que, lançando sobre tua reputação
uma nódoa infamante, possa ela amargurar tua juventude, e impedir que
realizes um ditoso casamento. Tua mãe nada poderá fazer pelo
teu consórcio; nem estará a teu lado quando vierem ao mundo
teus filhos, quando não há companhia mais querida que a de uma
boa mãe. Devo morrer; e este cruel trespasse não será
amanhã, nem no terceiro dia do mês; mas dentro de alguns momentos
já estarei incluída entre os mortos. Meu esposo, sê feliz…
Tu bem te podes gloriar de ter possuído a mais amorosa das esposas,
e vós, queridos filhos, de terdes tido a mais carinhosa das mães!

O CORO

Tranqüiliza-te, Alceste; não tememos falar por ele; ele cumprirá
teu desejo, a menos que haja perdido a razão!

ADMETO

Sim! Tudo farei como pedes; não tenhas receio! Tendo-te possuído
em vida, continuarei a considerar-te minha esposa depois da morte. Nenhuma
outra mulher tessália me chamará seu marido; nenhuma, por mais
nobre que seja sua jerarquia, e maior sua beleza! Só peço aos
deuses que me permitam zelar por nossos filhos, visto que não me deram
a ventura de conservar a ti também. Meu luto não durará
um ano, mas toda a vida, ó minha esposa! E doravante detestarei minha
mãe e meu pai, visto que se mostram meus amigos só no nome,
mas não de coração. Tu, sim! tu me salvaste, oferecendo
o que tens de mais caro, — a vida! — para poupar a minha! E não
devo eu chorar a perda de uma esposa como tu? Doravante não quero mais
banquetes, nem festas animadas pela presença de amigos, nem coroas
floridas, nem os cantos de alegria que guarneciam meu palácio. Nunca
mais tocarão meus dedos as cordas da lira, nem minha voz se ouvirá
ao som da flauta líbia; tu levarás contigo todo o encanto de
minha vida. Mas tua imagem, que farei reproduzir por um artista, há-de
permanecer em minha câmara nupcial; e eu estarei a seus pés,
eu a abraçarei, invocando teu nome, na ilusão de abraçar
ainda minha querida esposa, embora sabendo que não a verei mais! Triste
consolação, penso eu; mas assim aliviarei minha alma; e, visitando-me
em sonhos, tu darás algum conforto à minha viuvez. É
grato, com efeito, rever aqueles a quem amamos, em quaisquer circunstâncias,
inclusive em sonho. Ah! Se eu dispusesse da voz e da inspiração
de Orfeu, a fim de acalmar a filha de Ceres, ou seu marido, e retirar-te do
Hades, eu lá iria ter, e nem o cão de Plutão, nem Caronte,
o timoneiro das almas, com seu remo, poderiam impedir que eu te trouxesse
de novo à região da luz! Ao menos, espera-me lá, para
que, quando eu morrer, faça minha alma companhia à tua. Ordenarei,
com efeito, que me sepultem contigo, no mesmo esquife de cedro, onde repousaremos,
lado a lado! Nem a morte me separará de ti, que me foste tão
fiel!

O CORO

E nós, como amigos que somos, partilharemos da saudade que ela te
há-de inspirar, ela que é tão digna!

Entram os filhos de ADMETO

ALCESTE

Meus filhos, ouvistes vosso pai, que assume o compromisso de não vos
dar uma segunda mãe, e de não desonrar nosso leito conjugal!

ADMETO

Eu o juro; e hei-de cumprir minha palavra!

ALCESTE

Com essa condição, recebe estes nossos filhos, de minha mão!

ADMETO

Recebo uma dádiva preciosa, de mãos queridas!

ALCESTE

E doravante, sê também, em meu lugar, a mãe destas crianças!

ADMETO

Assim farei, visto que serão destituídos do carinho maternal!

ALCESTE

Filhos meus, quando eu mais precisava viver, sou arrastada para a morte!

ADMETO

Ai de mim! Que farei sem ti!

ALCESTE

O tempo moderará tua dor; os mortos nada mais são…

ADMETO

Leva-me contigo, pelos deuses imortais!

ALCESTE

Não; basta que eu me sacrifique por ti!

ADMETO

Cruel destino! De que esposa tu me privas!

ALCESTE

Sinto que meus olhos se velam de uma nuvem escura…

ADMETO

Eu morrerei, Alceste, se me abandonares!

ALCESTE

Foge-me a vida… já nada mais sou…

ADMETO

Olha! Reergue-te! Não abandones teus filhos!

ALCESTE

É bem a meu pesar que os deixo… adeus, meus filhos!

ADMETO

Um último olhar para eles! Ai de nós!

ALCESTE

Tudo se acabou para mim!

ADMETO

Que dizes? Tu nos vais deixar?

ALCESTE

Adeus!

(Morre ALCESTE)

ADMETO

Estou perdido!

O CORO

Ela já não vive! Admeto não tem mais esposa!

EUMÉLIO

Como sou desgraçado, meu pai! Minha mãe foi para o Hades! Nunca
mais verá a luz do sol! Infeliz, ela abandonou a vida, e deixou-me
órfão! Vê, meu pai, como suas pálpebras estão
imóveis, e suas mãos desfalecidas! Ó minha mãe!
Minha mãe! Ouve-me! Ouve-me, eu te peço! Sou eu, minha mãe!
Sou eu, teu filho! Fala! Teu filho é quem te chama, bem perto de teus
lábios!

ADMETO

Tu chamas, em vão, por quem não te vê, nem te ouve mais.
Fomos ambos vítimas de uma dolorosa desgraça!

EUMÉLIO

Tão jovem ainda, meu pai, eis-me abandonado por minha mãe querida!
Como me sinto infeliz! E tu, minha irmãzinha, que partilhas de minha
triste sorte! Ah! meu pai! Em vão, em vão escolheste uma esposa!
Não atingiste, com ela, a velhice!… Ela te precedeu na sepultura!
Contigo, minha pobre mãe, perece toda a nossa casa!

O CORO

Admeto, é mister que te conformes com a desgraça! Tu não
és o primeiro dos mortais a perder uma esposa virtuosa! Bem sabes que
a morte é uma dívida que todos nós devemos pagar!

ADMETO

Eu sei, eu bem sei! Este golpe não me feriu de surpresa! De há
muito eu o esperava, e já sofria por isso! Mas… urge celebrar os
funerais da morta. Auxiliai-me, e cantai um canto fúnebre ao deus subterrâneo,
a quem não se oferecem libações! Que todos os tessálios
que vivem no meu reino tomem parte no luto por esta mulher, cortando os cabelos
da fronte, e trajando de negro. Que também se cortem as crinas dos
cavalos das quadrigas, bem como dos que cavalgam sós. Que não
se ouça, por toda a cidade, o som das flautas e das cítaras,
durante doze luas inteiras! Jamais levarei à sepultura pessoa que me
tenha sido tão querida, e que mais haja merecido de mim! Ela é
bem digna de que eu lhe preste todas as honras, visto que morreu, voluntariamente,
em meu lugar!…

Saem ADMETO (conduzindo o corpo de Alceste) e os filhos.

O CORO

Ó filha de Pélias, descansa em paz na mansão do Hades,
que a luz do sol não atinge! Que o deus de negros cabelos, e o velho
Caronte, remador e guia, saibam que ela é a mais nobre de todas as
mulheres que têm transposto o paul do Aqueronte, no barco de dois remos!

Hão-de te celebrar os aedos por seus cantares, ao som do heptacórdio,
e por vibrantes hinos não acompanhados pela lira, em Esparta, quando
a ronda do tempo trouxer a lua cheia do mês Caineano[8], e na fértil
e opulenta Atenas; porque tua morte dará copiosa e comovente matéria
ao estro dos poetas!

Por que, por que não poderemos nós restituir-te à luz,
arrancar-te do sombrio reino de Plutão, e trazer-te, repassando o Cocito,
na barca fatídica? Por que, ó mulher inigualável e esposa
querida, só tu, só tu tiveste coragem de dar tua vida preciosa,
para resgatar a de teu esposo? A terra te seja leve! Se algum dia teu marido
convolar segundas núpcias, ele tornar-se-á odioso, a nós,
e a teus filhos! Nem a mãe de Admeto, nem seu velho pai quiseram dar
a vida pela do filho; deixaram nas mãos de Plutão aquele a quem
puseram no mundo; recusaram-se a salvá-lo, eles, infelizes, cujos cabelos
já branquearam! No entanto, na flor da idade, tu morres por teu jovem
esposo. Possam os deuses conceder-nos esposas assim, para nossas companheiras!
Preciosidade tamanha, mui raramente se encontra na vida. Elas seriam felizes
conosco; e nossa vida transcorreria serena, sem uma nuvem!

Entra HÉRCULES

HÉRCULES

Ó habitantes de Feres, encontrarei eu Admeto neste palácio?

O CORO

Sim, Hércules! — O filho de Feres está em sua casa. Dize-me,
porém: que é que te conduz ao país dos Tessálios,
e a nossa cidade?

HÉRCULES

Tenho a cumprir um dever imposto por Euristeu, de Tirinto.

O CORO

Qual é o teu rumo? Que viagem vais realizar?

HÉRCULES

Vou apoderar-me dos corcéis de Diomedes, o trácio.

O CORO

Como, porém, conseguirás tal coisa? Por acaso ignoras quem
é esse estrangeiro?

HÉRCULES

Não o conheço; nunca estive na terra dos Bistônios.

O CORO

Não te apoderarás, sem séria luta, desses terríveis
animais!

HÉRCULES

Mas não é lícito fugir ao cumprimento dessa obrigação.

O CORO

Terás que matá-lo, e voltar; ou por lá cairás
morto.

HÉRCULES

Não será o primeiro combate que eu deva travar.

O CORO

E que ganharás tu, depois de vencer a Diomedes?

HÉRCULES

Levarei os cavalos ao rei de Tirinto.

O CORO

Não será fácil impor-lhes o freio!

HÉRCULES

Só se eles expelirem fogo pelas narinas!

O CORO

Eles despedaçam criaturas humanas com seus dentes vorazes!

HÉRCULES

A carne humana será alimento de feras, mas não de cavalos.

O CORO

Pois tu hás-de ver as cavalariças inundadas de sangue!

HÉRCULES

E, quem assim os sustenta, de que pai é filho?

O CORO

De Marte! Ele é rei da Trácia; rico, potente e belicoso,

HÉRCULES

Eis aí uma empresa digna de meu destino! É perigosa, mas visa
um fim meritório. Terei de combater contra os filhos de Marte! Licaonte
primeiro; depois Cicno; e agora, Diomedes com seus ferozes cavalos. Mas ninguém
verá jamais, o filho de Alcmena tremer diante de inimigos!

O CORO

Eis aí o rei desta cidade, Admeto, que sai de seu palácio.

Entra ADMETO

ADMETO

Salve, ó filho de Júpiter, e descendente de Perseu!

HÉRCULES

Eu te saúdo, Admeto, rei dos tessálios! Sê feliz!

ADMETO

Ah! eu bem o quisera! Sei o quanto és benevolente para comigo!

HÉRCULES

Por que tens os cabelos cortados, e as vestes de luto?

ADMETO

É porque devo, ainda hoje, sepultar um cadáver.

HÉRCULES

Que os deuses afastem a desgraça de teus filhos!

ADMETO

Meus filhos estão vivos, em seus aposentos.

HÉRCULES

Se foi teu pai que morreu, já era bem idoso para isso!

ADMETO

Mas vive ainda meu pai, e também minha mãe.

HÉRCULES

Certamente não é Alceste, tua esposa, a morta?

ADMETO

Devo dar-te uma resposta dúbia…

HÉRCULES

Que dizes? Está ela viva, ou morta?

ADMETO

Ela é… e não é mais… e isso me enche de dor!

HÉRCULES

Não compreendo o que dizes; tuas palavras são obscuras para
mim!

ADMETO

Não sabes do destino que ela terá de sofrer?

HÉRCULES

Sim; sei que ela resolveu ceder a vida em teu lugar.

ADMETO

Como direi, pois, que ela exista, se consentiu tal coisa?

HÉRCULES

Oh! Não estejas a lamentar prematuramente a morte de tua esposa; espera
o momento!

ADMETO

Quem deve morrer, já está morto; e quem está morto,
já não existe…

HÉRCULES

No entanto, ser e não ser são coisas muito diferentes.[9]

ADMETO

Tu pensas assim, Hércules; mas eu de modo muito diferente!

HÉRCULES

Afinal, por quem choras, tu, então? Qual de teus amigos morreu?

ADMETO

Uma mulher. É numa mulher que penso!

HÉRCULES

Uma estranha, ou pertence a tua família?

ADMETO

Uma estranha… mas muito ligada a mim, e a minha casa.

HÉRCULES

Mas como aconteceu que ela tenha vindo morrer em tua casa?

ADMETO

Seu pai morreu, e ela veio viver aqui, já órfã.

HÉRCULES

Oh! Como eu gostaria de não te encontrar assim lacrimoso!

ADMETO

Por que dizes isso, Hércules?

HÉRCULES

Porque sou obrigado a procurar hospitalidade em outra casa.

ADMETO

Isto não é permitido, Hércules! Que nunca me aconteça
semelhante desgraça!

HÉRCULES

Um hóspede que chega inesperadamente é sempre uma sobrecarga
para quem sofre uma aflição.

ADMETO

Os mortos, mortos estão. Entra em minha casa!

HÉRCULES

Será uma vergonha que pessoas amarguradas por um desgosto ofereçam
um banquete a amigos.

ADMETO

Os aposentos dos hóspedes, para onde te conduzirei, ficam afastados.

HÉRCULES

Deixa-me seguir adiante; eu te ficarei grato.

ADMETO

Não! Tu não podes procurar abrigo em casa de outro. Olá,
servo! Caminha na frente; abre os aposentos dos hóspedes, e avisa aos
que são encarregados disso, que preparem abundante refeição.
Vós outros: fechai as portas internas: não convém que
os convivas ouçam nossos gemidos, e que nossos hóspedes se entristeçam
com as nossas dores.

(Saem HÉRCULES e os servos)

O CORO

Que fizeste, Admeto? Como te animas a receber hóspedes, quando te
acabrunha tamanha desgraça? Não terá sido uma insensatez
de tua parte?

ADMETO

E se eu o repelisse de meu lar, e da cidade, por acaso aprovaríeis
esse meu ato? Não, certamente! Minha dor não seria menor, e
eu teria faltado ao cumprimento das leis da hospitalidade. Ao desgosto que
já sofro, eu veria juntar-se outro, qual fosse o de ver minha casa
considerada inóspita. Tenho tido nele um amigo dedicado e acolhedor,
sempre que visito o árido país da Argólida.

O CORO

E por que razão não lhe revelaste a inteira verdade acerca
de teus males, visto que, como dizes, é um amigo sincero que se acha
sob teu teto?

ADMETO

Ele não consentiria em aceitar a hospitalidade que lhe ofereço,
se soubesse de minha desventura. Sei que a muitos causará estranheza
e reprovação o meu proceder; mas nunca se dirá que minha
casa não se abriu para receber um amigo forasteiro.

(Sai ADMETO)

O CORO

Ó casa hospitaleira de Admeto, casa acolhedora e generosa, o deus
Apolo, de harmoniosa lira, dignou-se viver sob teu abrigo, e não se
envergonhou de passar por um modesto pastor, e assim apascentar, por estas
colinas de ondulação suave, os seus rebanhos, modulando doces
árias ao som da avena campestre.

Seduzidos por estas melodias, ali vinha ter o tímido lince, de pele
marchetada; das grotas do Ótris saíam, em grupos, os sanguinários
leões; e o veadinho de listrado dorso ousava sair dos escuros da floresta
para ouvir, de perto da lira, os deliciosos acordes[10].

Graças a ti, ó Apolo, Admeto possui numerosos rebanhos que
vivem ao longo das margens do lago de Bebei, de águas cristalinas;
seus campos cultivados, e seus bosques verdejantes se estendem até
longe no ocidente, e sua autoridade atinge do mar Egeu, às plagas inatingíveis
do Pélios. Eis que ele se vê forçado a receber um hóspede
enquanto chora ainda, debulhado em lágrimas, a morte da esposa muito
amada, que acaba de exalar o último suspiro neste palácio…
E isso lhe acontece, porque ele possui um coração nobre, e sabe
prezar a amizade sagrada. São assim generosos todos quantos se orientam
pela verdadeira sabedoria. Tenhamos confiança! O mortal piedoso há-de
ter, sempre, o justo prêmio de sua virtude.

Entra ADMETO (Os servos transportam o ataúde)

ADMETO

Cidadãos de Feres! Vós, que aqui viestes para testemunhar-me
vossa afeição, sabei que meus servidores já prepararam
o cadáver conforme prescreve o rito, e agora o transportam até
a pira funerária e ao perpétuo jazigo. Saudai também
vós, conforme o costume, aquela que ora realiza sua derradeira viagem.

O CORO

Vejo teu pai, que caminha com o vagaroso passo da velhice, e os servos que
trazem nas mãos os fúnebres ornamentos com que honramos os mortos.

Entra FERES

FERES

Aqui estou eu, meu filho, para partilhar de tua dor. Perdeste uma esposa
virtuosa; ninguém o negará! Mas é preciso que te resignes
a este golpe, embora seja penoso suportá-lo. Recebe estes ornatos,
e deposita-os na sepultura. É dever que te incumbe, venerar a quem
morreu para te salvar a vida, para que eu conservasse meu filho, e não
consumisse a última fase da minha vida, ao abandono, e em luto. Com
este rasgo de generosidade, ela deixou, para o sexo, uma glória imortal.
Ó tu, que salvaste meu filho e poupaste minha velhice, adeus! Possas
tu, mesmo no triste domínio de Plutão, gozar de algum conforto.
Só as esposas como tu asseguram aos homens a ventura na vida; sem elas,
o matrimônio seria uma inutilidade!…

ADMETO

Tu não foste convidado por mim a este funeral! Eu não te considero
mais meu amigo, entre tantos que aqui estão presentes! Alceste não
usará, nunca! — os ornatos que lhe trouxeste; ela de ti nada
precisa para descer à sepultura. Tu devias chorar, quando eu estava
prestes a morrer; mas ficaste de longe, deixando que se sacrificasse outra
mais jovem, velho como és! E agora vens carpir junto ao esquife! Não!
Tu não és meu pai! E aquela que se diz minha mãe e que
usa meu nome, não me concebeu! Talvez, filho de um ventre escravo,
eu tenha sido furtivamente posto no regaço de tua mulher. Tu provaste
ser quem realmente és! Creio, firmemente, que não sou teu filho!
Tu sobrepujas a todos os homens pela covardia, visto que, em idade tão
avançada, já no extremo de tua vida, não tiveste a coragem
de morrer por teu filho, mas deixaste essa honra a uma mulher, a uma estrangeira,
a quem eu considero minha mãe e meu pai! No entanto, a morte que terias,
em lugar de teu filho, equivaleria a um triunfo, sendo curto o tempo que ainda
te resta a viver! Alceste e eu viveríamos felizes o resto de nossos
dias, e eu não lamentaria minha viuvez. No entanto, tudo o que um mortal
poderia ambicionar, como felicidade, tu conseguiste: tua mocidade, tu a gozaste
no trono; tinhas em mim um filho e herdeiro de teus estados, não receando
pois, que por falta de um sucessor, viessem a cair em poder de estranhos.
Nunca dirás, pois, que tendo desprezado a velhice, tu me abandonaste
à morte; a mim, que sempre demonstrei tamanho respeito por ti![11] E eis a prova de gratidão que me destes, tu, e minha mãe! Trata,
pois, de descobrir outros filhos que alimentem tua velhice, e que te prestem
honras fúnebres, porque, quanto a mim, direi que meus braços
nunca te levarão à sepultura; no que dependia de ti, estou morto;
se encontrei uma pessoa que me salvou, a ela é que devo ternura filial.
Mentem os velhos que a cada momento invocam a morte, queixando-se da velhice,
e da longa duração da vida; pois se a morte se aproxima, ninguém
quer morrer, e a velhice deixa de ser um doloroso fardo!

O CORO

Cessa! Cessa! Já não é bastante a desgraça presente?
Não amargures ainda mais, Admeto, o coração de teu pai.

FERES

Filho meu, a quem injurias assim? Será por acaso a algum lídio,
ou frígio, comprado por dinheiro? Não sabes que sou tessálio,
filho de pai tessálio, e livre de nascença? Tu me ofendes em
demasia! Mas, depois de me teres lançado tão violentas censuras,
não ficarás impune! Dei-te a vida, e te eduquei, para que fosses,
depois de mim, o chefe de meu patrimônio; mas nunca me obriguei a morrer
em teu lugar! Não há tradição dos antepassados,
nem leis da Hélade, determinando que morram os pais pelos filhos. Feliz,
ou não, que cada qual tenha o seu destino! Tudo o que me cumpria dar-te,
tu recebeste de mim: reinas sobre numerosos súbditos, e eu te deixarei
amplos domínios, que herdei de meu pai. Que ofensa te fiz eu, portanto?
De que bem te privei? Não quero que morras por mim, mas também
não quero morrer se é tua a vez. Se te apraz contemplar a luz,
pensas que o mesmo não se dê comigo? Bem sei que longo tempo,
muito longo tempo mesmo, eu permanecerei sob a terra; o que me resta da vida
terrena é pouco, mas é doce! Tu, que te debateste vergonhosamente
contra a morte, tu vives, sim; transpuseste o passo fatal, mas a custa de
tua esposa! E agora censuras minha covardia, tu, infame, suplantado em coragem
por uma mulher, que se deixou morrer por ti, belo rapaz! Descobriste um meio
de evitar a morte; caso possas persuadir a todas as mulheres que contigo se
casem, de que consintam em morrer, sucessivamente, em teu lugar! E insultas
os amigos que a isso se escusam, quando tu mesmo evidencias tua falta de coragem!
Cala-te, pois! E sabe que, se tens amor à vida, os outros o têm,
igualmente! E se continuas a me ofender, ouvirás de mim terríveis
e verdadeiros insultos!

O CORO

Basta de recíprocas afrontas! Cessa, ó velho, a repreensão
que tão ruidosamente lanças sobre teu filho.

ADMETO

Podes falar, visto que também eu falei; mas se não queres ouvir
a verdade, não devias ter procedido mal para comigo.

FERES

Maior mal eu faria, se viesse a morrer por ti.

ADMETO

Acreditas, então, que vem a ser o mesmo, morrer na mocidade, ou na
velhice?

FERES

Cada um de nós tem uma vida somente; e não duas.

ADMETO

Pretendes, então, viver mais do que Júpiter?

FERES

E tu maldizes de teus pais, que nenhum mal te fizeram?

ADMETO

Compreendo que ambicionas uma longa vida.

FERES

E não estás conduzindo à sepultura um cadáver
que ocupa o teu lugar?

ADMETO

Ela prova, homem covarde, ela prova a tua covardia.

FERES

Ao menos não te atreves a dizer que ela morreu para me poupar.

ADMETO

Ah! Tomara que um dia venhas a precisar de mim!

FERES

Casa-te com uma multidão de esposas, para que haja mais gente disposta
a morrer por ti!

ADMETO

Seria ainda maior a tua vergonha, visto que não queres morrer.

FERES

Oh! Esta luz divina me é querida, muito querida!

ADMETO

São sentimentos vis, indignos de um homem!

FERES

Não gozarás o prazer de conduzir o meu velho corpo à
sepultura!

ADMETO

Mas tu hás-de morrer um dia, e morrerás desonrado!

FERES

Depois de morto, pouco me importa que falem mal de mim!

ADMETO

Oh! Mas como a velhice é desbriada!

FERES

Esta mulher não foi desbriada, não; mas insensata!

ADMETO

Retira-te! Deixa-me amortalhar este corpo!

FERES

Eu me retiro! Amortalha tua esposa, de quem foste o matador. Terás,
porém, que prestar contas aos parentes de tua mulher; Acasto, sem dúvida,
não será um homem se não vingar em ti a morte de sua
irmã.

ADMETO

Que tu vivas, ó velho, tu e aquela que habita contigo! Vivereis, como
mereceis, sem filhos, embora eu viva ainda. Sim, porque não mais permaneceremos
sob o mesmo teto. Ah! Se eu pudesse anunciar, por arautos, que renunciei ao
lar paterno, eu o faria! Vamos nós, porém, levar este corpo
à pira funerária!

O CORO

Ai de ti! Ó vítima de tua coragem! Ó tu, a melhor, e
a mais generosa das esposas, adeus! Que os deuses subterrâneos te recebam
com benevolência! E se lá, no Hades, se concedem recompensas
aos justos, possas tu participar delas, ao lado da esposa de Plutão!

(Saem ADMETO e FERES)

Entra O SERVO

O SERVO

Tenho visto já, na verdade, muitos hóspedes vindos de diversos
países, na casa de Admeto, e a todos tenho servido as refeições;
mas palavra que nunca recebi hóspede mais brutal do que este! Apenas
chegou, embora visse meu senhor em pranto, ele transpôs a soleira da
casa! Em seguida, sabendo que nos aflige um grande desgosto, recebeu, sem
moderação, as atenções hospitaleiras; e o que
nós demoramos em trazer, ele exige que lhe seja trazido, em voz áspera
de comando. Depois, tomando nas mãos uma enorme taça, cheia,
guarnecida de hera, bebeu, em largos sorvos, do vinho mais puro, até
que os vapores do álcool lhe subissem à cabeça; isso
feito, pôs uma coroa de ramos de murta e aos berros entoou um canto
grosseiro. Ouviu-se então, uma dupla ária; porque ele cantava
sem dar nenhuma atenção ao desgosto de Admeto, e nós,
os servos, entoávamos uma elegia à memória de nossa rainha,
ocultando, porém, nossas lágrimas ao rude visitante, porque
assim expressamente nos ordenou Admeto. E assim estou eu servindo um banquete
a um estranho, que mais parece um salteador, ou bandido, ao passo que nossa
rainha vai sair para sempre do palácio sem que eu possa acompanhá-la,
nem estender-lhe a mão, chorando a perda de quem era uma boa mãe
para todos nós, os seus servidores, porque ela nos poupou muitos males,
acalmando a cólera de seu marido. Não tenho, pois, o direito
de detestar esse hóspede, que surge agora, precisamente quando sofremos
tamanha aflição?

Entra HÉRCULES

HÉRCULES

Olá! Por que esse ar tão grave e sério? Um servo nunca
deve mostrar aos hóspedes uma cara de contrariedade: deve, sim, recebê-los
sempre de maneira afável. Tu, porém, vendo neste recinto um
sincero amigo de teu senhor, tu o recebes com fisionomia triste, e sobrancelhas
carregadas, preocupado por algum motivo estranho. Vem cá: quero ensinar-te
a ser mais delicado. Sabes tu, por acaso, de que natureza são os seres
humanos? Creio que ignoras; com efeito, como poderias saber tal coisa? Ouve,
pois: todos os homens são condenados a morrer, e não há
um só que possa assegurar um dia que ainda estará vivo no dia
imediato. O que depende da sorte nos é oculto; nada a tal respeito
nos pode instruir, e nenhuma ciência jamais revelará. Portanto,
convencido dessas verdades, que acabas de ouvir de mim, trata de gozar a alegria,
de beber à vontade, de aproveitar a vida que passa; que fique o mais
a cargo do Destino! Presta homenagem a Vênus, a deusa que maiores delícias
concede aos mortais. Que deusa generosa ela é! Não cures do
resto; segue meus conselhos, porque eu sei que são bons. Deixa essa
melancolia, homem, e vem beber comigo! Transpõe esta porta, e coroa-te
de flores! Estou certo de que o tilintar das taças afugentando-te a
tristeza, há-de conduzir a um ditoso porto. Visto que somos mortais,
convém que nos conformemos à condição das coisas
mortais. Com efeito, a vida para os homens austeros e tristes, não
é a verdadeira vida, mas um suplício, e nada mais!

O SERVO

Eu sei! Mas o pesar que sinto não me anima a rir, nem a tomar parte
em festins.

HÉRCULES

Ouvi dizer que morreu uma mulher estrangeira; não te aflijas em demasia,
visto que a gente da casa está viva, e com saúde!

O SERVO

Viva, como? Por acaso não sabes que desgraça caiu sobre esta
família?

HÉRCULES

Então o teu senhor ter-me-ia iludido!

O SERVO

É que ele respeita muito, — muito mesmo! — os deveres
de cortesia para com seus hóspedes.

HÉRCULES

Por acaso devia ele receber-me mal, por causa da morte de uma estranha?

O SERVO

Ah! Se ela pertencia, — e demais! — à família!

HÉRCULES

Houve, então, uma desgraça que Admeto não me quis revelar?

O SERVO

Sê feliz… A nós, os da casa, é que cabe acompanhar
o nosso chefe em sua dor.

HÉRCULES

Pelo que dizes, não se trata de um luto de gente estranha…

O SERVO

Ah! Não! Se tal acontecesse, eu não estaria triste quando tu
te entregavas aos prazeres do festim.

HÉRCULES

Oh! Com que então me teriam assim magoado os que me receberam?

O SERVO

Com efeito, tua visita não foi oportuna; todos nós estamos
de luto: vê estes cabelos cortados, e estas roupas escuras.

HÉRCULES

Mas… quem morreu? Um de seus filhos? Ou talvez seu pai?

O SERVO

Foi a esposa de Admeto que morreu, ó estrangeiro.

HÉRCULES

Que dizes tu? E apesar disso franquearam-me a hospitalidade?

O SERVO

Admeto não quis vedar-te, com essa notícia, o ingresso em sua
casa.

HÉRCULES

Pobre Admeto! Que esposa tu perdeste!

O SERVO

Com ela, é como se todos nós morrêssemos!

HÉRCULES

Eu bem suspeitei disso, ao vê-lo com os olhos cheios de lágrimas
e a fronte privada de cabelos; mas ele destruiu minha suspeita declarando
que ia dar sepultura a uma estrangeira. Bem a meu pesar, pois, entrei nesta
casa, comi e bebi à mesa de um homem generoso a quem amargurava uma
dor profunda. Distraí-me num festim, e pus sobre a cabeça uma
coroa de flores. Por que não me disseste que um golpe tão doloroso
caiu sobre esta casa? Onde é a sepultura? Por onde devo ir, a fim de
encontrá-la?

O SERVO

À margem da estrada que nos conduz a Larissa verás um túmulo
de mármore, fora da cidade.

(Sai O SERVO)

HÉRCULES

Ó meu coração, que tanto já tens lutado! Ó
minha alma! Mostremos hoje que filho a tirintiana Alcmena, filha de Electrion,
deu a Júpiter! Sim! Eu devo salvar da morte esta mulher que acaba de
morrer! Urge restituir Alceste a esta família, e provar assim minha
gratidão para com Admeto. Irei ter com Tânatos, o negro soberano
das sombras! Esperarei que ele se aproxime da sepultura, onde vai sugar o
sangue dos finados! E se, preparando-lhe uma cilada, puder atirar-me sobre
ele e agarrá-lo com a cadeia de meus braços, não há
ninguém que dali o arranque, mesmo maltratado como estiver, enquanto
ele não me restituir esta mulher! Mas, se a presa me fugir, se ele
não vier saciar-se de sangue, ah! — então irei eu próprio
aos Infernos, à sombria mansão de Prosérpina e de Plutão,
exigirei Alceste, e estou certo de que a trarei de volta à terra, e
a entregarei ao amigo acolhedor que tão bondosamente me recebeu em
sua casa, não me repelindo, embora esmagado ao peso de tamanha desgraça,
e ocultando conscientemente o seu luto, em consideração para
comigo. Haverá na Tessália, haverá em toda a Grécia
um mortal mais hospitaleiro? Nunca ele dirá que foi amigo de um ingrato,
ele que se mostra tão generoso!

(Sai HÉRCULES)

Entra ADMETO

ADMETO

Ai de mim! Que triste regresso a meu lar! Como parece deserto este palácio!
Ai de mim! Para onde irei? Que farei? Que hei-de dizer? Que devo calar? Oh!
Se eu pudesse morrer também! Sim! Minha mãe trouxe-me ao mundo
para sofrer! Como invejo a felicidade dos mortos; eu gostaria de habitar a
sua triste região. A luz do sol não mais me encanta a vista,
nem me agrada pisar na terra, depois que o cruel Tânatos me arrebatou
um ente tão querido, para dá-lo ao Hades!

O CORO

Adiante! Adiante! Entra em tua casa!

ADMETO

Ai de mim!

O CORO

Digna de lástima é tua triste sorte!

ADMETO

Ai de mim!

O CORO

Bem sabemos quão pungente é tua dor!

ADMETO

Pobre de mim!

O CORO

Teu pranto de nada vale, para aquela que não mais vive!

ADMETO

Pobre de mim!

O CORO

Desgraça atroz, que nunca mais verás o rosto de tua esposa
estremecida!

ADMETO

Tu recordas precisamente o que mais me dilacera: não há maior
desgraça para um homem, do que perder uma esposa fiel! Prouvera aos
céus que nunca eu tivesse trazido como esposa, a este palácio,
a mísera Alceste! Invejo a sorte dos que não têm mulher,
nem filhos… Possuem uma única alma, e sofrer por ela será
um fardo suportável. Mas ver o sofrimento dos filhos, e ver devastado
pela morte o leito nupcial, eis um espetáculo intolerável, quando
se poderia ter vivido sem prole, e sem o matrimônio!

O CORO

Feriu-te o destino, cruel e inexorável!

ADMETO

Pobre de mim!

O CORO

E tua dor será eterna…

ADMETO

Ai de mim!

O CORO

Seja, embora, um fardo bem difícil…

ADMETO

Ai de mim!

O CORO

Deves resignar-te; não és tu o primeiro….

ADMETO

Ai de mim!

O CORO

Não foste o primeiro a perder uma esposa.

ADMETO

Pobre de mim!

O CORO

Várias são as desgraças que ferem os mortais!

ADMETO

Ó luto perene! Saudade cruel de um ser querido, que já não
vive! Por que me impediram que me deixasse cair no túmulo e descansar,
de uma vez, ao lado de minha esposa tão querida? Plutão teria
tido não uma só alma, porém duas, atravessando o rio
infernal.

O CORO

Viveu outrora em minha família um homem, cujo filho único,
digno de veneração por suas virtudes, morreu. No entanto, ele
suportou com resignação essa desgraça, que o deixava
sem o filho, embora fosse ele já idoso, tendo a cabeça branca
pendida, como quem busca a sepultura[12].

ADMETO

Ó muralhas de meu palácio! Como poderei eu voltar a teu recinto?
Como hei-de viver, depois de tão rude mudança na minha vida?
Oh! Que diferença! Outrora eu entrava nesta casa, iluminada por archotes
vindos do Pélion, e ao som de hinos nupciais, conduzindo pela mão
minha esposa querida. Junto a nós caminhava um jovial cortejo de amigos,
celebrando a feliz união de dois cônjuges de nobre estirpe. Agora,
ao invés de alegria, ouvem-se lúgubres lamentações;
em lugar dos véus de alvíssimo tecido, é o luto, com
suas vestes negras, que me conduz à minha câmara nupcial deserta!…

O CORO

Foste ferido, em plena felicidade, por este rude golpe do destino, quando
ainda não conhecias o sofrimento; mas tu conservas a vida, ao passo
que tua esposa jaz, morta, privada de tua ternura. Em verdade, nada de novo
se vê em tudo isso… A morte já tem apartado muitos homens de
suas esposas…

ADMETO

Amigos, em meu parecer, bem melhor do que a minha foi a sorte de minha mulher,
embora outros pensem diversamente. Doravante, ela está isenta de todo
o sofrimento; e libertou-se, gloriosamente, de muitas provações!
Eu, porém, que já não devia viver, transpus o termo fatal,
e arrastarei uma existência miserável. Eu bem o compreendo agora!
Como terei ânimo de reentrar em minha casa? A quem vou falar? Quem me
falará? Onde, e como, obter aquelas doces conversações?
Para onde devo ir? A solidão me afugentará daqui, quando eu
vir vazio o leito da esposa, e o trono que ela ocupava, e a boa ordem do palácio
descurada… quando meus filhos vierem, a meus pés, lamentar a falta
de sua mãe, e os servos a de sua senhora. Eis o que me espera no interior
de minha casa: lá fora, a vista das esposas tessalianas, e das numerosas
reuniões femininas, será para mim um motivo de terror, pois
não terei coragem de contemplar uma só das companheiras de Alceste.
E meus inimigos dirão: “Vede este homem, que arrasta uma existência
de ignomínia, porque não teve ânimo para morrer! Em seu
lugar deu a esposa, para livrar-se, covardemente, de Plutão! E ele
se diz “um homem”… Detesta pai e mãe, mas recusou-se
a morrer!” Tal será a reputação que há-de
agravar o meu opróbrio e minha desgraça. Que valor terá,
para mim, a vida, ó meus amigos, com uma fama tão ruim, e tão
adversa fortuna?

O CORO

Alçou-me um dia a Musa, em suas asas, à região celeste,
e de lá, depois de observar todas as coisas que existem, nada vi mais
poderoso do que a Necessidade! Nem as fórmulas sagradas de Orfeu, inscritas
nos estélios da Trácia, nem os violentos remédios que
Apolo ensinou aos filhos de Esculápio, para que minorassem os sofrimentos
dos mortais!

Só ela, entre as deusas, não tem altares, nem imagens, a que
possamos levar nossos tributos: nem recebe vítimas em holocausto. Ó
temerosa divindade! Não sejas mais cruel para comigo, do que já
tens sido até hoje! Tudo o que Júpiter ordena, és tu
que executas sem demora; até o ferro dos Calíbios tu vergas
e dominas; e nada conseguirá abrandar teu coração inflexível!

Tu, Admeto, a quem essa deusa potente oprime com sua força invencível,
tem coragem! Não será pelos prantos e lágrimas que lograrás
trazer à vida os mortos que já lá vão sob a terra.
Também os filhos dos deuses irão ter, um dia, à tenebrosa
mansão da morte! Alceste era querida por nós, quando vivia;
e ainda a veneramos, depois de morta; porque aquela a quem tomastes por esposa
era, por certo, a mais nobre das mulheres. Que o túmulo de tua esposa
não se mostre igual a tantos outros; mas sim, que receba honras semelhantes
às que tributamos aos deuses, e preitos de justa veneração
dos viandantes. Que o peregrino exclame, sustando o seu caminhar: “Esta,
que deu a vida pelo esposo, não deixará de ser uma divindade
benfazeja!” E assim Alceste será saudada!

Parece-nos, Admeto, que aí vem o filho de Alcmena; e já se
aproxima de tua casa.

Entra HÉRCULES, acompanhado por uma mulher velada por um manto

HÉRCULES

A um amigo leal, Admeto, devemos sempre falar com franqueza, nenhum ressentimento
deixando oculto no coração. Eu, que, presente, vi que estavas
desgostoso, supunha que, em qualquer hipótese, saberias pôr a
prova minha amizade. No entanto, não me quiseste dizer claramente que
o corpo exposto era o de tua esposa; e assim fui induzido a aceitar a hospitalidade
em teu palácio, crente de que se tratava do trespasse de uma estrangeira.
Coroei-me de flores, e fiz libações aos deuses, em tua casa,
quando todos se achavam sob o peso da mais pungente desolação!
Agora, sou eu que me queixo de ti; eu, sim, que protesto contra o modo pelo
qual agiste para comigo! Mas não quero agravar teu desgosto; vou dizer-te
apenas o motivo que me fez voltar aqui.

Toma sob tua proteção esta mulher; guarda-a, eu te peço,
até que eu volte com os ferozes cavalos trácios, depois de vencer
o rei dos Bistônios. Se a sorte me for contrária (o que praza
aos deuses que não me aconteça, pois muito lhes tenho pedido
um feliz regresso!) ela será tua, e habitará tua casa. Foi ao
cabo de tremendo combate que ela caiu em meu poder. Compareci a perigosos
jogos públicos, nos quais se ofereceram prêmios de alto valor
aos vencedores; e eu trouxe esta mulher como recompensa por minha vitória.
Para as pugnas mais simples, destinavam-se cavalos aos atletas vitoriosos;
para os combates mais rudes, para os tremendos pugilatos, davam bois; e, como
prêmio de maior valia, esta mulher. Achando-me ali, por acaso, seria
vergonhoso, para mim, esquivar-me à luta, e desprezar uma láurea
tão gloriosa! Mas, como te disse, é mister que trates com todo
o carinho esta mulher, porque a obtive, não por astúcia, mas
por um esforço ingente. Talvez um dia tu me agradeças, por tudo
o que fiz!

ADMETO

Não foi por desprezo para contigo, nem por qualquer outro sentimento
inamistoso, que te ocultei a sorte ingrata de minha esposa; mas seria, para
mim, um desgosto, aumentando a dor sincera que eu já sofria, se tu
fosses coagido a procurar hospitalidade em outro solar. Já era bastante
a mágoa que nos angustia. Mas, se julgas possível isso, ó
Hércules, eu te peço que confies esta mulher a um outro tessálio
que não tenha passado pelo golpe que me feriu; tens muitos amigos entre
os habitantes desta cidade. Não recordes minha desgraça… Eu
não poderia conter as lágrimas, vendo esta mulher em minha casa…
Não queiras agravar, com um novo desgosto, o que já sinto; minha
desgraça já basta! Onde poderia eu acolher esta criatura? Ela
parece jovem, a julgar pelas vestes e ornatos que usa. Poderia ela viver entre
os homens sendo casta como parece? Não é fácil, Hércules,
dominar os impulsos da mocidade: assim advirto, em teu interesse. Dar-lhe-ei
aposento na câmara de Alceste? Ah! Não! Eu mereceria uma dupla
censura: a do povo, que me acusará de trair minha esposa, cedendo-lhe
o leito a outra mulher, — e a da morta, que merece toda a minha saudade
e toda a minha veneração. E tu, ó mulher, quem quer que
tu sejas, como te assemelhas a minha querida Alceste pelo porte, pelo aspecto!
Hércules, pelos deuses! Leva-a para longe de mim! Não queiras
acabrunhar ainda mais a quem já está torturado pela sorte! Ao
vê-la, creio ver minha esposa! Ela perturba meu coração
e faz com que as lágrimas me rebentem dos olhos! Oh! Que infeliz sou
eu! Vejo agora como será doloroso o meu luto!

O CORO

Eu não poderei congratular-me contigo, ó rei, por teu destino,
mas, seja quem for, deves receber a dádiva que os deuses te enviam.

HÉRCULES

Pudesse eu, Admeto, trazer-te de novo a esposa, arrancando-a da região
do Hades para a luz do dia!

ADMETO

Bem sei que o farias, se pudesses; nenhuma dúvida tenho a tal respeito;
mas… como realizarias esse intento? Não é lícito aos
mortos voltar à luz da vida…

HÉRCULES

Já te recomendei que não te excedas em teus queixumes. Suporta
o mal com resignação!

ADMETO

É bem mais fácil exortar os outros a que se resignem, do que
enfrentar o mal que nos aflige.

HÉRCULES

Que proveito terás tu, se te puseres a gemer pela vida a fora?

ADMETO

Sei que nada lucrarei; mas o pranto é um alívio para o coração
que se angustia.

HÉRCULES

Amar a uma morta é uma fonte perene de lágrimas.

ADMETO

Sua perda me mata, muito mais do que seria possível.

HÉRCULES

Tu perdeste uma esposa exemplar; quem o negará?

ADMETO

Precisamente por isso já não sinto alegria no viver.

HÉRCULES

O tempo abrandará teu desgosto, que por ora ainda sentes tão
violento!

ADMETO

Ah! O tempo… tu dizes bem: o tempo significa a aproximação
da morte!

HÉRCULES

Uma mulher, e o desejo de novo himeneu hão-de consolar-te um dia.

ADMETO

Cala-te! Que disseste, amigo? De ti eu não esperava tal coisa!

HÉRCULES

E por que não? Com que então não contrairás novas
núpcias? Pretendes continuar na viuvez?

ADMETO

Mulher alguma partilhará de meu amor.

HÉRCULES

E acreditas que assim agradas aos manes de Alceste?

ADMETO

Onde quer que ela esteja, faz jus à minha imperecível gratidão.

HÉRCULES

Aprovo teus sentimentos, Admeto; mas haverá quem te acuse de loucura.

ADMETO

Jamais, ó mulher, terás em mim um esposo.

HÉRCULES

Eu te admiro e louvo, porque te mostras dedicado à memória
de tua esposa.

ADMETO

Que eu morra, se algum dia a trair, mesmo depois de morta!

HÉRCULES

Está bem! Agora podes receber em teu lar esta criatura!

ADMETO

Oh! Não! Pelo deus Júpiter, a quem deves a vida!

HÉRCULES

Cometes grave erro, se a repelires.

ADMETO

Mas… se a aceitar, o remorso ferir-me-á o coração!

HÉRCULES

Ora, aceita-a; vamos! Afirmo-te que esta dádiva é oportuna.

ADMETO

Prouvera aos deuses que nunca a houvesses tu recebido como prêmio de
teu valor!

HÉRCULES

No entanto, tu mereceste, também, a vitória que obtive.

ADMETO

Dizes bem; mas convém que se retire essa mulher.

HÉRCULES

Ela irá, se convier que vá; mas primeiramente quero que me
digas se ela deve ir.

ADMETO

Sim; assim é preciso; a menos que isto te desagrade…

HÉRCULES

Só eu, realmente, sei a razão por que insisto desta maneira!

ADMETO

Em tais condições, eu cedo; mas fica sabendo que o que fazes,
não me agrada.

HÉRCULES

Um dia virá, em que hás-de bendizer a minha resolução.
Por agora, obedece, e verás.

ADMETO

(Aos servos) Levai-a ao interior do palácio; visto que nos é
forçoso recebê-la aqui.

HÉRCULES

Não! Não confiarei esta mulher a teus servos!

ADMETO

Nesse caso, tu mesmo a conduzirás, já que assim o queres.

HÉRCULES

Só em tuas mãos quero e devo entregá-la!

ADMETO

Não lhe tocarei no corpo; mas ela pode entrar.

HÉRCULES

Já disse que só a deixarei em tuas mãos, amigo!

ADMETO

Hércules: tu me obrigas a assim agir; vou recebê-la, contra
a minha vontade!

HÉRCULES

Então, estende a mão, e aperta a desta desconhecida.

ADMETO

Eis aqui!… Estendo-lhe a mão, como se estivesse prestes a ver a
cabeça da Medusa.

HÉRCULES

Já a tens, contigo, pois?

ADMETO

Sim; tenho-a comigo.

HÉRCULES

Pois então fica certo de que a guardarás contigo, e dirás
sempre que o filho de Júpiter sabe ser um hóspede grato. (Retira
o véu que cobre a mulher) Contempla-a, agora! Vê se não
é, realmente, muito parecida com Alceste! Eis-te feliz, de novo, Admeto!
Para longe, o luto e o desespero!

ADMETO

Deuses imortais! Que vejo! Que direi? Ó prodígio inesperado!
Será verdadeiramente Alceste, a quem eu vejo, ou algum deus zomba de
mim concedendo-me uma alegria ilusória?

HÉRCULES

Não! É Alceste, tua esposa, que tens diante de ti!

ADMETO

Cuidado, Hércules! Não será um fantasma egresso das
regiões infernais?

HÉRCULES

Admeto, teu hóspede nunca foi um invocador de almas![13]

ADMETO

Então é, mesmo, minha esposa, aquela a quem eu já havia
dado sepultura?

HÉRCULES

Sem dúvida! É ela própria! E não me admira que
tu hesites em acreditar na tua fortuna!

ADMETO

Poderei então falar-lhe, como falava a minha esposa em vida?

HÉRCULES

E por que não? Fala-lhe, homem! Tu readquiriste, na verdade, o tesouro
por que tanto suspiravas!

ADMETO

Ó doce olhar de minha esposa amada! Sim, és tu, na verdade!
Contra toda a expectativa, eu te possuo de novo, eu, que supunha nunca mais
te ver!

HÉRCULES

Sim; ela é tua! E faço votos para que os deuses não
invejem tamanha felicidade!

ADMETO

Nobre filho de Júpiter, que a felicidade te acompanhe sempre! Que
teu pai vele por ti! Só tu pudeste reerguer a minha vida, que a desgraça
derruíra! Mas… como pudeste trazê-la do Hades à luz
do dia?

HÉRCULES

Lutando contra a maléfica divindade que se apoderara de sua sorte.

ADMETO

Oh! Onde lutaste contra Tânatos, o nume terrífico da morte?

HÉRCULES

Bem perto da sepultura, onde dela me apoderei, sustendo-a nos braços.

ADMETO

E por que razão Alceste, rediviva, permanece muda e imóvel?

HÉRCULES

Não te será possível ouvir sua voz enquanto ela não
for purificada de sua consagração às divindades infernais,
e só ao romper do terceiro dia. Mas, faze entrar Alceste em tua casa;
e conserva sempre, Admeto, o religioso respeito que tens pelas leis da hospitalidade.
Adeus! Eu prossigo minha viagem, a fim de executar o trabalho que me foi imposto
pelo filho de Esténelo!

ADMETO

Consente em ser meu hóspede por mais alguns dias!

HÉRCULES

Por agora é impossível. Devo apressar-me.

ADMETO

Sê feliz, Hércules! Possas tu retornar mui breve a nosso lar!
Que os cidadãos de Feres e todos os habitantes da Tessália celebrem
este ditoso acontecimento por festas, e danças; que em todos os altares
a chama do holocausto se erga, em meio de preces de gratidão! Porque
uma vida melhor se vai seguir a dias tão funestos! Adeus, Hérculesl
Sê feliz!

O CORO

Os acontecimentos que o céu nos proporciona manifestam-se sob as mais
diversas formas; e muita coisa acontece, para além de nossos temores
e suposições; muita vez o que se espera, nunca sucede; e o que
nos assombra, realiza-se com a ajuda dos deuses. A volta feliz de Alceste
é uma prova!

FIM

Notas

O professor João Baptista de Mello e Souza foi, por anos, professor
de história no Colégio Mello e Souza e marcou gerações
com seus ensinamentos. É de Afonso Arinos, em suas Memórias,
este testemunho sobre a importância que teve em sua formação
as aulas por ele dadas: “A matéria que mais me encantava era
a História do Brasil, dada pelo mesmo (J.B. Mello e Souza).”;
“Creio que toda a minha inclinação posterior pelos estudos
históricos data desse fecundo aprendizado inicial.” (ap. Alberto
Venancio Filho, A Historiografia Republicana: A contribuição
de Afonso Arinos, in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 3, n.
6, 1990, p.151-160.) [NE] [1] — Alude Apolo ao pai, e à mãe de Admeto, que, em
avançada idade, viviam ainda.

[2] — Esse herói, como se sabe, é Hércules; e
a aventura referida constitui o 2º dos doze “trabalhos”.
Euristeu, a quem Hércules servia, manda-o à Trácia a
fim de arrebatar os ferozes animais, que o cruel Diomedes alimentava com carne
humana.

[3] — Era costume antigo cortar, pouco antes do holocausto, alguns
fios de cabelo da vítima, os quais eram lançados ao fogo como
primícias do sacrifício. Na Electra, antes de ferir o animal,
Egisto corta-lhe alguns pêlos.

[4] — Alusão ao rumor que faziam os gregos, batendo com as mãos
acima da cabeça, o que era sinal de dor veemente, ou desespero.

[5] — Naturalmente para consultar um oráculo — medida
extrema que os gregos adotavam em casos tais.

[6] — Um dos títulos pelos quais era invocado o deus Apolo.

[7] — Racine aproveitou esta passagem na Ifigênia, dando-lhe
esta magnífica versão:

“Je vois déjà la rame, et la barque fatale!
J’entends le vieux nocher sur la rive infernale…
Impatient, il crie: “On t’attend ici-bas!
Tout est prêt! Descends! Viens! Ne me retarde pas!”

[8] — O mês Caineano (ou o “Mounikión”) corresponde
a abril, no calendário romano.

[9] — Esta fala de Hercúles teria sugerido o famoso monólogo
de Hamlet.

[10] — Horácio inspirou-se nesta passagem de Eurípedes
ao escrever, em sua ode II, XIII: “Prometeu, e o pai de Pelops acham,
nestas doces harmonias, o esquecimento temporário de seus males; e
o próprio Orion já não pensa em perseguir o tímido
lince”.

[11] — Afigura-se muito confusa esta afirmação de Admeto.

[12] — Supunha-se que esta passagem se referisse a Périeles,
mas os comentadores romanos provaram que tal não se poderia admitir,
visto que Périeles teve dois filhos, Xantipo e Páralo. Cícero
faz ver que se trata de Anaxágoras que, já idoso, ao receber
a infausta notícia da morte de seu filho único, respondeu: “Eu
sabia que ele era mortal!…”

[13] — Eis um dos pontos árduos na interpretação
de Alceste. A palavra grega ?s?a???ó? só se poderia traduzir
por psiquagogo, “aquele que dirige ou conduz as almas”, vocábulo
formado ad instar de pedagogo ou demagogo. A fala de Hércules vem comprovar
a antiguidade das práticas que em todos os povos têm havido,
com o fim de conseguir o reaparecimento, entre os vivos, das almas que já
deixaram a existência terrena.

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