A Gratidão do Assírio

Lima Barreto

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– Meu caro Senhor Assírio, eu lhe tinha a perguntar se de fato está satisfeito com a vida.

Nós nos havíamos introduzido no elegante porão do Municipal e falávamos ao restaurante chic com água na boca. Este não tardou em responder:

– Sei, doutor. Rui Barbosa não tem igual.

– Mas por que você não vota nele?

– Não voto porque não o conheço intimamente, de perto, como já disse ao senhor. Antigamente…

– Você não pensava assim – não é?

– É verdade; mas, de uns tempos a esta parte, dei em pensar.

– Faz mal. O partido…

– Não falo mal do partido. Estou sempre com ele, mas não posso por meu próprio gosto dar sobre mim tanta força a um homem, de que eu não conheço o gênio muito bem.

– Mas, se é assim, você terá pouco que escolher a não ser, nós colegas e nós amigos de você.

– Entre esses eu não escolho, porque não vejo nenhum que tenha as luzes suficientes; mas tenho outros conhecidos, entre os quais posso procurar a pessoa para me governar, guiar e aconselhar.

– Quem é?

– É o doutor.

– Eu?

– Sim, é o senhor.

– Mas, eu mesmo? Ora…

– É a única pessoa de hoje que vejo nas condições e que conheço. O senhor é do partido, e votando no senhor, não vou contra ele.

– De forma que você…

– Voto no senhor, para presidente da república.

– É voto perdido…

– Não tem nada; mas voto de acordo com o que penso. Parece que sigo o que está no manifesto assinado pelo senhor e outros. “Guiados pela nossa consciência e obedecendo o dever de todo republicano de consultá-la”…

– Chega Felício.

– Não é isso?

– É mas você deve concordar que um eleitor arregimentado tem de obedecer ao chefe.

– Sei, mas isto é quando se trata de um deputado ou senador, mas para presidente, que tem todos os trunfos na mão, a coisa é outra. É o que penso. Demais…

– Você está com teorias estranhas, subversivas…

– Estou, meu caro senhor; estou, imagine que não há dia em que não me veja abarbado com um banquete.

– É assim?

– Pois não, meu digno senhor. Um poeta publica um livro e logo encomendam-me um banquete com todos os “ff” e “rr”; os jornais publicam a lista dos convidados, ao dia seguinte, e o meu nome se espalha por este país todo. Se acontece alguém escrever uma crônica feliz, zás, banquete, retrato e nome nos jornais. Se, por acaso…

– Notamos, – interrompi eu, que nas suas festanças não há mulheres.

– Já observei isto aos dilettanti de banquetes e, até, lhes ofereci organizar um quadro de convidadas.

– Que eles disseram?

– Penso que eles não querem rivalidades femininas. Já as têm em bom número masculinas.

– E as flores?

– Com isso não me preocupo, porque, às vezes, elas me servem para meia dúzia de banquetes. Os rapazes não reparam nisso.

– E as iguarias?

– Oh! Isso? Também não vale nada. Basta uns nomes arrevesados, para que os nossos Lúculos comam gato por lebre. Mas a minha maior gratidão é…

– Por quem?

– Pela Secretaria do Exterior. Um cidadão é promovido de segundo secretário a primeiro, banquete; um outro passa de amanuense a segundo secretário, banquete… Herança do Rio Branco!… Outro dia, como o Serapião passasse de servente a contínuo, logo lhe ofereceram um banquete.

– Os serventes?

– Não; todos os empregados. Que gente boa, meu caro senhor.

Deixamos o Senhor Assírio cheio de -uma terna beatitude agradecida por tão bela gente que se banqueteia.

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