As Coisas que a Gente Fala

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As coisas que a gente fala
saem da boca da gente
e vão voando, voando,
correndo sempre pra frente.
Entrando pelos ouvidos
de quem estiver presente.
Quando a pessoa presente
É pessoa distraída
Não presta muita atenção.
Então as palavras entram
E saem pelo outro lado
Sem fazer complicação.

Mas ás vezes as palavras
Vão entrando nas cabeças,
Vão dando voltas e voltas,
Fazendo reviravoltas
E vão dando piruetas.
Quando saem pela boca
Saem todas enfeitadas.
Engraçadas, diferentes,
Com palavras penduradas.

Mas depende das pessoas
Que repetem as palavras.
Algumas enfeitam pouco.
Algumas enfeitam muito.
Algumas enfeitam tanto,
Que as palavras – que
Engraçado!
– nem parece as palavras
que entraram pelo outro
lado.

E depois que elas se espalham,
Por mais que a gente procure,
Por mais que a gente recolha,
Sempre fica uma palavra,
Voando como uma folha,
Caindo pelos quintais,
Pousando pelos telhados,
Entrando pelas janelas,
Pendurada nos beirais.

Por isso, quando falamos,
Temos de tomar cuidado.
Que as coisas que a gente fala
Vão voando, vão voando,
E ficam por todo lado.
E até mesmo modificam
O que era nosso recado.

Eu vou contar pra vocês
O que foi que aconteceu,
No dia em que a Gabriela
Quebrou o vaso da mãe dela
E acusou o Filisteu.

– Quem foi que quebrou meu vaso?
Meu vaso de ouro e laquê,
Que eu conquistei no concurso,
No concurso de crochê?
– Quem foi que quebrou seu vaso?
– a Gabriela respondeu
– quem quebrou seu vaso foi…
o vizinho, o Filisteu.

Pronto! Lá vão as palavras!
Vão voando, vão voando…
Entrando pelos ouvidos
De quem estiver passando.
Então entram pelo ouvido
De dona Felicidade:
– o Filisteu? Que bandido!
que irresponsabilidade!
As palavras continuam
A voar pela cidade.
Vão entrando nos ouvidos
De gente de toda idade.
E aquilo que era mentira
Até parece verdade…

Seu Golias, que é vizinho
De dona Felicidade,,
E que é o pai do Filisteu,
Ao ouvir que o filho seu
Cometeu barbaridade,
Fica danado da vida,
Invente logo um castigo,
Sem tamanho, sem medida!
Não tem mais festa!
Não tem mais coca-cola!
Não tem TV!
Não tem jogo de bola!
Trote no telefone?
Nem mais pensar!
Isqueite? Milquicheique??
Vão acabar!

Filisteu, que já sabia
Do que tinha acontecido,
Ficou muito chateado!
Ficou muito aborrecido!
E correu logo pro lado,
Pra casa de Gabriela:
– Que papelão você fez!
Me deixou em mal estado,
Com essa mentira louca
Correndo por todo lado.
Você tem que dar um jeito!
Recolher essa mentira
Que em deixa atrapalhado!

Gabriela era levada,

Mas sabia compreender
As coisas que a gente pode
E as que não pode fazer;
E a confusão que ela armou,
Saiu para resolver.

Gabriela foi andando.
E as mentiras que ela achava
Na sacola ia guardando.
Mas cada vez mais mentiras
O vento ia carregando…
Gabriela encheu sacola,
Bolsa de fecho de mola,
Mala, malinha, maleta.

E quanto mais ia enchendo,
Mais mentiras ia vendo,
Voando, entrando nas casas,
Como se tivessem asas,
Como se fossem – que coisa!
– um milhão de borboletas!

Gabriela então chegou
No começo de uma praça.
E quando olhou para cima
Não achou a menor graça!
Percebeu – calamidade!
– que a mentira que ela disse
cobria toda a cidade!

Gabriela era levada,
Era esperta, era ladina,
Mas, no fundo, Gabriela
Ainda era uma menina.
Quando viu a trapalhada
Que ela conseguiu fazer,
Foi ficando apavorada,
Sentou-se numa calçada,
Botou a boca no mundo,
Num desespero profundo…

Todo mundo em volta dela
Perguntava o que é que havia.
Por que chora Gabriela?
Por que toda esta agonia?
Gabriela olhou pro céu
E renovou a aflição.
E gritou com toda força
Que tinha no seu pulmão:
– Foi mentira!
– Foi mentira!

Com as palavras da menina
Uma nuvem se formou,
Lá no alto, muito escura,
Que logo se desmanchou.
Caiu em forma de chuva
E as mentiras lavou.

Mas mesmo depois do caso
Que eu acabei de contar,
Até hoje Gabriela
Vive sempre a procurar.
De vez em quando ela encontra
Um pedaço de mentira.
Então recolhe depressa,
Antes dela se espalhar.
Porque é como eu lhes dizia.
As coisas que a gente fala
Saem da boca da gente
E vão voando, voando,
Correndo sempre pra frente.

Sejam palavras bonitas
Ou sejam palavras feias;
Sejam mentira ou verdade
Ou sejam verdades meias;
São sempre muito importantes
As coisas que a gente fala.
Aliás, também têm força
As coisas que a gente cala.
Ás vezes, importam mais
Que as coisas que a gente fez…
“Mas isso é uma outra história
que fica pra uma outra vez…

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