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Logo da TV Cultura
Desde sua criação, ainda no início dos anos 70, a TV Cultura tomou para si a missão de atuar como uma TV escola, priorizando a educação a distância, desenvolvendo uma programação mais voltada para os conteúdos escolares com o objetivo de suprir as deficiências e carências educacionais do país.
Um segundo passo em sua trajetória foi descobrir que era preciso – sim! – fazer educação e cultura; porém, sem deixar de lado o entretenimento, característica própria da televisão enquanto meio de comunicação.
Essa nova postura, baseada em conceitos mais modernos de educação, entendida como formação integral do homem e visando a ampliação de horizontes e conhecimentos, permitiu abrir o leque de possibilidades e de interesses dos programas produzidos e exibidos.
Nessa fase, a programação infanto-juvenil tomou grande impulso, transformando-se, nos últimos anos, no núcleo básico e mais criativo da TV Cultura.
Respeitando sua inteligência e dignidade, na Cultura, a programação voltada para a infância e para a juventude livrou-se de dois desvios habituais do segmento: o excesso de didatismo e a utilização mercadológica da cabeça de crianças e jovens em formação.
Com esse trabalho contínuo de renovação e experimentação, a TV Cultura foi desenvolvendo novas linguagens, criando um estilo próprio que se transformou num modelo a ser seguido.
Simultaneamente, houve a introdução de uma programação variada e informativa; o desenvolvimento de um telejornalismo cada vez mais independente e analítico; a cobertura dos principais eventos musicais, culturais e esportivos do país e do mundo; a preocupação com o desenvolvimento e a transmissão de programas voltados para a problemática ambiental global; a abertura de espaços para a programação independente brasileira de cinema e vídeo; a produção e a co-produção de documentários e de reportagens sobre o Brasil.
Tudo isso, é claro, sem deixar de dar atenção especial à programação educativa e científica mais específica.
Compromisso
Num país como o Brasil, de grandes desigualdades, profundos problemas sociais e alto índice de analfabetismo, a televisão surge como um importante instrumento de democratização da informação e da educação.
Como meio de comunicação de alcance nacional – 80% dos lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho de TV – a televisão desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do país e exerce grande influência sobre a vida dos brasileiros.
Em 1999, São Paulo está entre as maiores metrópoles do mundo, tem 19 milhões de habitantes e sete estações de TV de sinal aberto em VHF. Desse total, seis são emissoras privadas e apenas a TV Cultura é pública.
A Fundação Padre Anchieta vem trabalhando firmemente para o fortalecimento de uma rede nacional, formada pelas emissoras educativas estaduais, que retransmitem seus programas para quase todo o país e contribuem com suas produções regionais próprias para a programação da TV Cultura.
A TV Pública tem um compromisso com a ética, a estética e a qualidade de sua programação. Com cerca de 18 horas de programação diária, composta em sua maioria por produções próprias complementada pelo que há de melhor nas televisões independentes e culturais do mundo, a TV Cultura consolidou-se como uma forte opção para os telespectadores brasileiros.
Dada a sua natureza e condição, a TV Cultura cumpre seus objetivos, produzindo e difundindo uma programação de qualidade, acessível às mais diferentes classes e segmentos sociais, atendendo suas necessidades e interesses.
Informação, conhecimento e entretenimento são os ingredientes básicos da programação da TV Cultura, estimulando a curiosidade e a imaginação, especialmente das crianças. Assim, artes, música, ecologia, civismo, notícias, matemática, tudo pode ser aproveitado num aprendizado informal, essencial ao desenvolvimento permanente do ser humano.
A história
Primeira Parte -período de 1969 a 1971
No final dos anos 60, duas publicações disputavam os leitores interessados em notícias – e fofocas – sobre televisão: “Intervalo”, da Editora Abril, e “São Paulo na TV”, da Editora Propaganda. As duas publicavam em suas páginas um guia semanal de programação com os horários de todos os programas. Na época, as pessoas referiam-se às emissoras por meio de sua posição no seletor. A Tupi era o “canal 4”, a TV Paulista (Globo) era o “canal 5”, a Record era o “canal 7” e assim por diante.
O público paulistano, em 1967, tinha seis canais à disposição: 2, 4, 5, 7, 9 e 13 – respectivamente, Cultura, Tupi, Paulista, Record, Excelsior e Bandeirantes.
Em janeiro de 1968, a programação do Canal 2 não estava mais disponível. Na revista “São Paulo na TV”, o espaço a ela destinado passou a trazer as palavras “Futura TV Educativa”. A observação passou a constar do roteiro da publicação a partir do momento em que foram encerradas as transmissões da antiga TV Cultura, considerada a “irmã caçula” da TV Tupi no conglomerado de empresas de comunicação dos Diários Associados. E lá ficaram, até 1969, as palavras que indicavam ao telespectador de São Paulo que futuramente ele teria mais uma alternativa em seu seletor de canais.
A novidade: seria uma emissora pública – e muito mais do que a “TV Educativa” anunciada.
O surgimento de canais voltados à educação e à cultura tinha o respaldo do Governo Federal, que em 1967 havia criado a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, com o objetivo de estimular e dar apoio às emissoras culturais estaduais.
Desde o início, a entidade reservava um papel importante ao futuro canal educativo paulista: superior em recursos – 12,5 milhões de cruzeiros novos para o ano de 69 -, deveria fornecer programas em videotape para os outros Estados.
O potencial de emissoras dessa natureza já havia sido demonstrado pela pioneira TV-U, Canal 11, de Recife. Criada em novembro de 1966 e mantida pela Universidade de Pernambuco, em poucos meses apresentava expressivos índices de audiência com seus programas educativos e de teatro.
A Fundação Padre Anchieta
Para viabilizar e manter a nova TV2 Cultura, o Governo de São Paulo criou, em setembro de 1967, a Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas, com dotação do Estado e autonomia administrativa. Instituída e mantida pelo poder público, nascia com o estatuto de entidade de direito privado, para ter seu rumo desvinculado das vontades políticas dos sucessivos governos estaduais. Esse fundamento fazia parte da concepção de TV pública idealizada pelo então governador Roberto de Abreu Sodré.
A constituição da Fundação Padre Anchieta seguiu as diretrizes da Lei Estadual nº 9849, de 26 de setembro de 1967, que autorizou o Poder Executivo a formar uma entidade destinada a promover atividades educativas e culturais por meio do rádio e da televisão. Foi autorizada também a abertura de um crédito de 1 milhão de cruzeiros novos para o empreendimento. Além da dotação inicial, estavam previstos outros recursos, como receitas originadas de aplicações dos bens patrimoniais. Entre esses bens figurava o Solar Fábio Prado, na avenida brigadeiro Faria Lima, doado pela sra. Renata Crespi e que hoje abriga o Museu da Casa Brasileira.
Logo após a criação da Fundação, seu primeiro presidente, o banqueiro José Bonifácio Coutinho Nogueira, tratou de buscar profissionais para dar início a execução do projeto da nova TV Cultura.
Por meio de consultas e indicações de amigos do mundo artístico, como o então diretor do Teatro Cultura Artística, Alberto Soares de Almeida – que sugeriu os nomes de Cláudio Petraglia e Carlos Vergueiro -, Bonifácio chegou aos nomes que viriam a participar das reuniões de planejamento e fariam parte da primeira diretoria da emissora: o brigadeiro Sérgio Sobral de Oliveira, assessor administrativo; Carlos Sarmento, assessor de planejamento; Carlos Vergueiro, assessor artístico; Cláudio Petraglia, assessor cultural; Antonio Soares Amora, assessor de ensino; e Miguel Cipolla , assessor técnico.
O radialista Fernando Vieira de Mello se juntaria ao grupo, ainda que por pouco tempo, como assessor de produção. Vários desses profissionais traziam experiência de outros veículos – Petraglia tinha no currículo vários cursos e estágios no exterior e uma passagem significativa pela TV Paulista; Cipolla havia trabalhado na TV Excelsior; Vergueiro era diretor da Rádio Eldorado; e Vieira de Mello atuava na Rádio Pan Americana, a Jovem Pan.
Nos primeiros meses, a Fundação Padre Anchieta tinha dois endereços. As reuniões de planejamento aconteciam nos escritórios da avenida Ipiranga, região central de São Paulo, enquanto alguns setores administrativos já operavam no local que abrigaria a sede definitiva da TV Cultura, à rua Carlos Spera, 179, no bairro da Água Branca, zona oeste da capital. Neste último endereço existiam dois estúdios, um pequeno prédio utilizado pela administração, uma lanchonete, outro prédio térreo onde funcionavam a Rádio Cultura AM e o almoxarifado geral, além de uma pequena casinha ao fundo, onde morava o zelador Nélson Niciolli. Era este o patrimônio inicial da nova TV Cultura. Funcionários mais antigos ainda lembram do período em que essa estrutura servia aos Diários Associados.
“Aqui tinha uma grande lona, como num circo, onde o Sílvio Santos vinha fazer seu programa aos domingos. A gente atendia telefonemas e saía para dar os recados, porque não havia esse sistema de comunicação eficiente como o de hoje. Aliás, as ruas de acesso não eram asfaltadas e não havia condução. Era tudo barro, então nós tínhamos que vir com mais um par de sapatos e trocá-lo aqui.”
Marly Therezinha Ribeiro, recepcionista e telefonista em 1966. Em 1999, supervisora administrativa da Gerência Operacional da TV Cultura.
A construção
As primeiras obras de ampliação da emissora foram realizadas em 1968, com a construção de um prédio de dois andares para abrigar a diretoria, o Conselho de Curadores e a produção, de uma nova sede para a Rádio Cultura e um anexo para abrigar o setor de operações. Paralelamente, a equipe inicial reunida pelo presidente da Fundação elaborava um cronograma de trabalho para colocar o canal no ar no ano seguinte.
No segundo semestre de 68, começaram a ser contratados os profissionais de TV que dariam o ‘start’ da programação. Ao mesmo tempo, cuidava-se da aquisição de equipamentos – os mais modernos do mercado – e a concepção visual da emissora. O logotipo do canal surgiu nas pranchetas do escritório dos designers João Carlos Cauduro e Ludovico Martino. Chamado internamente de “bonequinho”, foi concebido para ter variações conforme a utilização. A primeira vinheta musical, que já utilizava o bonequinho, foi composta por Camargo Guarnieri e gravada no estúdio da RGE-Scatena.
Na época – e já avançando em 69 -, aconteceram os testes técnicos e de produção nos estúdios da Escola de Comunicações e Artes da USP, no Antigo Prédio da Reitoria. Curiosamente, a fase de testes era acompanhada por alunos de Rádio e TV da ECA que, formados nos anos seguintes, viriam a se juntar aos pioneiros da nova emissora, já como profissionais
“No período de implantação, chegamos à idéia básica de TV pública e não TV instrutiva. Elaborei um decálogo contendo os itens fundamentais de uma ‘public TV’. Nós tínhamos de ter audiência ao mesmo tempo em que precisávamos abrir espaço para programas experimentais. Em seu conjunto, os programas teriam de atender a todos os segmentos. Se não tivesse existido esse conceito de televisão pública, acho que a TV Cultura teria fracassado, não teria feito a carreira que vem fazendo até agora. Hoje, ela é uma televisão cultural.”
Cláudio Petraglia, assessor cultural da TV Cultura até 1971. Em 1999, diretor regional da Rede Bandeirantes de Televisão no Rio de Janeiro.
O projeto técnico
Se o perfil de programação do novo canal estava traçado, era necessário viabilizá-lo tecnicamente. Durante todo o ano de 68, o assessor técnico Miguel Cipolla, em conjunto com o assessor de planejamento, Carlos Sarmento, elaborou um projeto técnico que possibilitava a captação do sinal da emissora num raio de 150 quilômetros em torno de São Paulo. A primeira providência foi a mudança da antena do alto do prédio do Banco do Estado de São Paulo, no centro da cidade, para o pico do Jaraguá, na zona oeste.
O passo seguinte foi a reinstalação dos estúdios, com a aquisição de novos equipamentos. A empresa vencedora da concorrência foi a RCA, que forneceu todas as máquinas, com exceção das câmeras – a emissora optou pelas modernas Mark V, da Marconi, só encontradas nos estúdios da BBC de Londres.
Durante o processo de compra e implantação, a equipe ganhou o reforço do engenheiro Renê Xavier dos Santos, que havia participado da instalação da TV Globo no Rio de Janeiro. A exemplo de Cipolla, Xavier era formado no Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, de São José dos Campos.
O surgimento da TV Cultura
Os meses que antecederam a estréia da TV Cultura foram de intenso trabalho. Já davam expediente os profissionais de televisão que moldariam a “cara” da emissora conforme surgiu no ar a partir de junho de 69.
“Logo no início, a Fundação se pautou pela escolha de profissionais de grande gabarito. Foram esses profissionais que formaram verdadeiramente a primeira escola de televisão no Brasil. Antes da estréia, nós passamos de seis a oito meses formando conceitos, discutindo o caminho que deveria tomar uma TV educativa. No meu setor, recebi uma equipe de cerca de vinte pessoas, vindas do antigo Canal 2.
Lá estavam profissionais das mais diferentes áreas: desenho, fotografia, contra-regra, costura, maquiagem…
Era um grande desafio montar o departamento de cenografia e arte, que englobava tudo. Esse modelo foi até os anos 90, e acredito que dele nasce o designer, o diretor de arte, que precisa ter uma visão global. Lembro da minha equipe: um grande pintor de arte, que era o Isidoro Vasconcelos; um marceneiro maravilhoso, chamado Antonio Monteiro dos Santos [em 1999, chefe do setor de cenotécnica da TV Cultura]; o fotógrafo Danilo Pavani, as costureiras Dercy e Antonia, a camareira Leonor. Entre os desenhistas, tínhamos o Maurício Sanches, o Vicente Iborra e outros. Na cenografia, tínhamos o Campello Neto [vindo da TV Globo] e Leonor Scarano de Mendonça. Nos anos seguintes, naturalmente, outros profissionais juntaram-se à equipe”.
Armando Ferrara, chefe do Departamento de Cenografia e Arte da TV Cultura de 1969 a 1988.
Após dois meses de transmissões experimentais, iniciadas em 4 de abril, chegou finalmente o momento de inauguração da TV Cultura. Era o dia 15 de junho de 1969. Exatamente as 19h30 daquele domingo, entraram no ar os discursos do governador Roberto de Abreu Sodré e do presidente da Fundação Padre Anchieta, José Bonifácio Coutinho Nogueira.
Em seguida, foi exibido um clipe mostrando o surgimento da emissora, os planos para o futuro e uma descrição dos programas que passariam a ser apresentados a partir do dia seguinte, dia 16 de junho – quando foram iniciadas as transmissões regulares da nova emissora. Estava no ar a TV Cultura, resultado de um longo trabalho que envolveu uma legião de técnicos, diretores, produtores e artistas.
Primeiros dias no ar: programação educativa
Nos primeiros meses, a TV Cultura permanecia no ar por apenas quatro horas diárias – das 19h30 às 23h30. O primeiro programa exibido, às 19h30 do dia 16 de junho, foi um episódio da série “Planeta Terra”. O documentário trazia como tema terremotos, vulcões e fenômenos que ocorrem nas profundezas do planeta.
Logo depois do “Planeta Terra”, mais uma novidade: todos os dias, sempre as 19h55, a TV Cultura levaria ao ar um completo boletim meteorológico, chamado “A Moça do Tempo”, apresentado por Albina Mosqueiro. Às 20h00, iniciava-se uma série que viria a fazer história: era o “Curso de Madureza Ginasial”, um dos seus maiores desafios era provar que uma aula transmitida por televisão poderia ser, ao mesmo tempo, eficiente e agradável. Outras emissoras comerciais haviam tentado incluir o curso em sua programação, sem alcançar bons resultados de audiência. Nas tentativas anteriores, o esquema em vigor era o velho “giz e quadro negro”.
Para mudar esse panorama, a TV Cultura havia reunido grandes profissionais de televisão e contratado professores universitários de alto nível.
A primeira diferença: a maior parte dos professores não ia para a frente das câmeras. Eles preparavam o conteúdo das aulas que, em seguida, eram transformadas em verdadeiros programas de televisão, apresentados por uma equipe de 18 atores selecionados entre quinhentos candidatos.
“Havia uma disciplina que se chamava Ciências Humanas e englobava História, Geografia, Psicologia, Lingüística e Demografia. Era uma equipe de alto nível: entre os professores, tínhamos Gabriel Cohn, Ruth Cardoso, Paul Singer, Rodolfo Azen, Jobson Arruda e José Sebastião Witter. Enfim, era um time de primeira que fazia os textos, a partir dos quais desenvolvíamos as aulas”.
Fernando Pacheco Jordão, que em 1969 era produtor responsável pelas aulas de Ciências Humanas.
A primeira aula que entrou no ar naquele 16 de junho mostrava que o desafio estava sendo vencido. A aula de português, preparada por Walter George Durst a partir do conteúdo dos professores Isidoro Blikstein e Dino Pretti, era ilustrada por diálogos da novela “O Feijão e o Sonho”, produzida a partir da obra de Orígenes Lessa. Era esta a forma que a emissora havia desenhado para transmitir suas aulas.
No momento em que entrou no ar, às 20h00, a aula de português concorria com as novelas “Beto Rockefeller”, no Canal 4, “A Rosa Rebelde”, no Canal 5, e “Vidas em Conflito”, no Canal 9. O Canal 7 exibia o humorístico “Na Onda da Augusta”, produzido por Carlos Manga, enquanto o Canal 13 mostrava o interativo “Telefone Pedindo Bis”, apresentado por Enzo de Almeida Passos. Em seu primeiro dia, a Cultura atingiu a expressiva média de 9 pontos de audiência. Na mesma segunda-feira, foram apresentadas as aulas de Geografia e de História. Cada aula tinha duração de 20 minutos..
O assessor de ensino, Antonio Soares Amora, contava com alguns auxiliares diretos, como Andreas Pavel – um jovem sociólogo alemão “a frente de seu tempo”, segundo seus colegas -, George Sperber e o professor de matemática Oswaldo Sangiorgi, que anos depois assumiria a chefia do departamento de ensino. Bem assessorado, Amora estabeleceu uma parceria com a Editora Abril, que ficou responsável pela elaboração dos fascículos com o conteúdo das aulas, vendidos nas bancas por dois cruzeiros novos. A Cultura tinha participação no preço de capa.
“Ainda lembro das viagens que fazíamos por diversos Estados, principalmente do Norte e do Nordeste. Nós, da Cultura, íamos com a ‘latinha’ contendo o filme feito em TFR [Telecine Film Recording, máquina que faz cópias em filme de 16 mm a partir de fitas de vídeo] com programas do curso de Madureza, enquanto o pessoal da Abril levava os fascículos. O acordo para criar os fascículos foi muito importante, do ponto de vista pedagógico, porque era mais um canal de comunicação com os alunos. Eles podiam manusear o material em qualquer lugar e em qualquer momento. Além de assistir às teleaulas, os telespectadores tinham a possibilidade de estudar sozinhos ou em grupos. Em vários lugares de São Paulo e em outros Estados, as secretarias de Educação e outros órgãos oficiais organizavam telepostos. Nesses espaços, o aluno via o programa e estudava a partir dos fascículos, contando com a presença de um orientador de aprendizagem. Aqui mesmo, na TV Cultura, tínhamos um teleposto que servia para as avaliações do processo. De um modo geral, aquele sistema apresentou um retorno extraordinário”.
Pedro Paulo Demartini, pedagogo, contratado em 1970 para dar apoio à Assessoria de Ensino. Em 1999, assistente de Educação da TV Cultura.
“No final do curso, que durava um ano, foram realizados os exames – que valeram como conclusão do curso ginasial. Nós sabíamos, por meio de pesquisas, que o maior nó, o maior gargalo era justamente o madureza do ginásio. Havia um nível de repetência muito alto e era preciso resolver o problema das pessoas mais velhas. Pelo que me lembro, cerca de 60 mil pessoas conseguiram o diploma de madureza. Foi um negócio renovador”. Depoimento de Cláudio Petraglia.
Na seqüência da programação inaugural, foi exibido, às 21h00, o programa “Quem Faz o Quê”, mostrando o trabalho de três artistas plásticos. Logo depois, às 21h30, foi ao ar o primeiro “Sonatas de Beethoven”, com o pianista Fritz Jank.
As 22h65, outra estréia significativa, fechando a grade do primeiro dia: ‘O Ator na Arena”, com apresentação do diretor polonês Ziembinsky. Para aquela noite, foi escolhido um trecho da peça “Yerma”, de Federico Garcia Lorca, interpretado por Carlos Arena e Ana Lúcia Vasconcelos.
Nos dias seguintes, a emissora foi lançando novos programas, como as teleaulas de Ciências Humanas, Matemática, Inglês e Ciências Naturais, sempre na faixa entre 20h00 e 20h40. Surgiram também os programas culturais, como o “Mundo, Notícias, Mocidade”, com Maria Amélia Carvalho, “Clube de Cinema”, produzido por Gregório Bacic e apresentado por A. Carvalhaes e Gláucia Rothier, e “Perspectiva”, produzido por Heloísa Castellar – que, com vasta experiência como novelista, utilizava elementos de ficção para enfatizar situações reais do cotidiano. No primeiro programa, que trazia uma reportagem sobre a construção do Metrô de São Paulo, teatralizou algumas cenas para demonstrar a necessidade de um transporte rápido e seguro na cidade.
A ficção, por sinal, teria destaque com o “Grande Teatro”, logo nos primeiros tempos da TV Cultura. Marcaram época as montagens de “A Casa de Bernarda Alba” (foto) e “Electra”, adaptadas e dirigidas por Heloísa Castellar. A primeira, baseada no original de Garcia Lorca, trazia um elenco estelar, com Lélia Abramo, Ruthinéa de Moraes, Cacilda Lanuza e Mirian Mehler, entre outras atrizes de sucesso nos palcos. Nos anos 70, diretores do primeiro time do teatro brasileiro, como Ademar Guerra, Antunes Filho e Antonio Abujamra assinariam montagens de teleteatro produzidas pela emissora.
Polêmica
Na primeira semana – na noite de quarta-feira – estreou também o polêmico “Jovem, Urgente”, produzido por Walter George Durst e apresentado pelo psiquiatra Paulo Gaudencio. Gravado com a participação do público, tinha a proposta de debater o comportamento da sociedade – em particular dos jovens – numa época especialmente explosiva. No ano anterior, o movimento estudantil havia eclodido com toda a força na Europa. Nos Estados Unidos, nascia o movimento hippie e pipocavam os movimentos pacifistas contra a guerra do Vietnã.
No Brasil, onde já se ouviam os acordes dissonantes do tropicalismo, os estudantes saíam às ruas para protestar contra o regime militar e procuravam acompanhar as mudanças culturais que aconteciam em outros países. Nesse clima de inquietação e em plena vigência do AI-5, “Jovem, Urgente” buscava discutir temas como liberdade de opinião, virgindade, conflitos de gerações e outros tabus sexuais e culturais. Se o programa evidenciou a independência editorial da TV Cultura, marcou também o início dos problemas que a emissora viria a ter com a censura.
Era o risco que corria também o “Caixote de Opinião”, programa de depoimentos cujo nome era inspirado no célebre costume dos ingleses, que, quando queriam protestar contra a família real britânica, subiam num caixote em pleno Hyde Park e falavam à vontade, já que “não estavam pisando solo britânico”.
“O ‘Jovem Urgente’ era um programa fantástico. Mas toda semana era proibido pela Censura e o (presidente) José Bonifácio ligava para Brasília para liberá-lo. Era gravado com antecedência, mas mesmo assim era uma loucura. Marcou época.” Depoimento de Yolanda Costa Ferreira.
Intercalados aos programas feitos na própria TV Cultura, eram exibidos documentários e programas culturais de outros países, como Canadá, França, Inglaterra, Alemanha e Japão – obtidos nos consulados ou por meio de acordos operacionais com emissoras estrangeiras.
Os musicais
Havia também os programas musicais criados pela equipe de Carlos Vergueiro, formada por Sérgio Viotti, Caio Mário Britto, Vicente Conti, Annie Fleury e Sílvia Autuori, entre outros profissionais. Programas como “Música da Nossa Terra”, apresentado pelo cantor Joel de Almeida e exibido aos sábados, no horário nobre. Entre os convidados, Ângela Maria, Orlando Silva, Araci de Almeida e Lana Bittencourt. Outra atração da área artística eram os recitais, como os que mostravam Inezita Barroso cantando e acompanhando-se ao violão.
Desde o início, a TV Cultura tinha o objetivo de democratizar a música, particularmente a erudita, tentando aproximá-la do grande público. Uma iniciativa marcante foi empreendida pelo maestro Júlio Medaglia, com produção de Fernando Pacheco Jordão. Toda semana, uma orquestra de cordas era levada a um pátio de escola ou de uma fábrica, para que estudantes e operários pudessem ver de perto o trabalho dos músicos.
E havia também a preocupação com a criação de um acervo erudito com obras apresentadas por grandes orquestras.
“Todos os domingos, tinha concerto da Sinfônica Municipal ou da Estadual, sempre no Teatro Municipal. Nós tínhamos um acordo e toda semana íamos lá gravar. Algumas semanas depois, o concerto ia ao ar. Isso nos permitiu formar o maior acervo de música erudita da América Latina. Não só das orquestras brasileiras, mas das estrangeiras também.”
Esporte é Cultura
Era de Orlando Duarte o célebre jargão “Esporte também é Cultura”. Num estilo sóbrio, a área de esportes, nos primeiros anos, deu ênfase aos esportes amadores. Tinha como importante ponto de apoio o “gafanhoto”, o equipado ônibus de externa da emissora, que recebeu o apelido por ser todo verde.
“A TV Cultura foi pioneira na cobertura dos esportes amadores. Fazíamos transmissões de tênis, automobilismo, vôlei, basquete, hipismo e atletismo. Ainda lembro das partidas memoráveis da Taça Davis e também dos amistosos internacionais de futebol, que transmitimos ao vivo.”
Luís Noriega, pioneiro da equipe esportiva da TV Cultura. Em 1999, sócio da LMN, agência de assessoria em mercadologia, e vice-presidente da Federação Paulista de Tênis.
OrlandoDuarte entre Mário Travaglini e Rubens Minelli Os primeiros programas esportivos foram “História do Esporte” e “É Hora de Esportes”, este último com longa carreira na grade da emissora. Inevitavelmente, o tema principal era o futebol, mesmo porque o surgimento da TV Cultura coincidiu com o ano de preparação da seleção brasileira para a campanha do tricampeonato em 1970, no México.
Não por acaso, a estréia do programa de variedades “A Verdade de Cada Um” exibido aos sábados, abordou o tema: foi com o ex-técnico da seleção Vicente Feola, que explicou as vitórias e derrotas do Brasil nas Copas do Mundo. Na época, era viva a lembrança do retumbante fracasso da seleção brasileira no Mundial da Inglaterra, em 66.
Jornalismo em TV pública: um desafio
Diversos programas, embora realizados pela equipe de produção, tinham caráter jornalístico – como as entrevistas do programa “Personalidades”, as reportagens do “Perspectiva” e do “Brasil, Esse Desconhecido”, produzido e apresentado por Carlos Gaspar, e do “Presença”, que Nídia Lícia passaria a apresentar a partir de 1970. O primeiro programa de caráter noticioso, no entanto, a Cultura só teria em 1971, com o semanal “Foco na Notícia”. Apresentado às sextas-feiras por Nemércio Nogueira, era o embrião dos produtos jornalísticos que a emissora criaria nos anos seguintes. A equipe de jornalismo que elaborava o “Foco na Notícia” era formada por Fernando Pacheco Jordão, o editor de internacional Gabriel Romeiro e o repórter Gilberto Barreto.
“Como havia problemas de censura, o “Foco na Notícia” tinha bastante ênfase no noticiário internacional. Mesmo assim surgiam problemas, porque estávamos em plena guerra do Vietnã e toda hora vinha queixa do consulado americano. De qualquer forma, nossa exigência era por um telejornal não opinativo, sem adjetivos. A gente procurava contextualizar a notícia, dando às pessoas os elementos necessários para que elas formassem a sua própria opinião”.
Fernando Pacheco Jordão, que em 1971 assumiu o Departamento de Jornalismo da TV Cultura.
Termina a primeira fase
Nos três primeiros anos, a TV Cultura colocou no ar mais de oitenta séries diferentes, entre produções próprias e adquiridas de terceiros. Era um período de consolidação da emissora tanto no que se referia à audiência como no que dizia respeito à manutenção de sua autonomia. O rápido – e sólido – prestígio que o novo canal obteve junto aos telespectadores atestava que o caminho estava bem delineado.
Justamente por causa disso, viria a enfrentar dificuldades na primeira prova de fogo: a mudança de governo. O novo governador, Laudo Natel, que sucedeu Abreu Sodré em 1971, buscou alterar o relacionamento que o Estado mantinha com a emissora. Ao esbarrar nos estatutos que garantiam a independência da Fundação, passou a reduzir as verbas destinadas à manutenção da TV Cultura. Não pôde modificar a vocação cultural da emissora, mas por meio da asfixia financeira conseguiu a saída de José Bonifácio Coutinho Nogueira da presidência da Fundação. Em solidariedade, todos os diretores pediram demissão.
Sob a presidência de Rafael Noschese, no entanto, a TV não mudou o rumo ou alterou substancialmente seus planos iniciais. Na nova fase, em que ganhou o reforço das primeiras turmas formadas pelo curso de Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP, seguiria firmando seu espaço por meio de programas inovadores, como o célebre infantil Vila Sésamo, adaptado do original norte-americano “Sesame Street”, e pela busca contínua de construir uma programação cultural e educativa séria, competente e, ao mesmo tempo, atraente aos olhos do grande público.
Você Sabia?
Que a TV Cultura produziu o primeiro Curso de Madureza Ginasial da TV brasileira que contou com uma rede de telepostos em vários municípios paulistas?
Que a TV Cultura foi a primeira emissora a transmitir jogos da segunda divisão do Campeonato Paulista?
Que o Viola Minha Viola é o mais antigo programa de música de raiz da TV brasileira?
Que a TV Cultura realizou inéditas transmissões de mundiais de Skate e de Surfe?
Que o Repórter Eco, que está no ar desde 1992, foi a primeira série de programas de TV voltada para questões de ecologia e meio-ambiente?
Que Nathália do Valle foi apresentadora das aulas de Geografia Telecurso 2º Grau e que seu primeiro trabalho como atriz foi no Teatro2 da TV Cultura?
Que a TV Cultura foi primeira a fazer um programa de entretenimento para o público da faixa etária acima dos 50: Festa Baile?
Que a fita de 2 polegadas, bitola utilizada no início da televisão, com capacidade para 1 hora de gravação, tinha 1370 metros de comprimento?
Que o ator e diretor de cinema Anselmo Duarte foi o primeiro apresentador do Cine Brasil, na versão de 1984, que fez o resgate inicial das produções da Cia Cinematográgica Vera Cruz?
Que a atriz Lilian Lemmertz foi a primeira apresentadora do programa Panorama, em 1975?
Que, em 1986, a TV Cultura realizou o Vitória, a primeira série de programas voltada para os esportes radicais?
Que, em 1986, a TV Cultura fez uma remontagem, ao vivo, de Calunga – teledrama originalmente transmitido pela TV Tupi na TV de Vanguarda nos anos 50 – com o mesmo elenco base?
Que nos anos 70 a TV Cultura exibiu uma série de programas voltada para questões agrícolas chamada Hora Agrícola?
Que a TV Cultura foi a primeira emissora a transmitir com exclusividade os campeonatos Japonês, Alemão e Espanhol ?
Que, em 1972, a TV Cultura transmitiu Homens de Imprensa, um programa que marcou época e que promovia o debate e o questionamento da atividade jornalística?
Que o Projeto Telescola: Matemática para 6.a série – Introdução aos Números Inteiros · foi o primeiro programa da emissora a receber um prêmio internacional: Prêmio Japãp – NHK Corporation de 1975?
Que o primeiro programa da televisão brasileira a usar o recurso de vídeo clipes para divulgar música jovem foi o TV2 Pop Show de 1974?
Que a TV Cultura ficou fora do ar por 3 horas apenas, no dia 28 de fevereiro de 1986, quando um incêndio destruiu 90% da área técnica da emissora, graças ao empenho de seus funcionários e a solidária colaboração de todas as emissoras paulistas, que cederam equipamentos para que trabalhos de finalização pudessem ser realizados.
Que já em 1969 a TV Cultura transmitia um boletim meteorológico diário com dados fornecidos pela CNAE ( Comissão Nacional de Atividades Espaciais ) e que sua apresentadora ficou famosa na época e reconhecida como “A Moça do Tempo”?
Que o programa Jovem, Urgente, lançado na programação de estréia da TV Cultura, em 1969, conduzido pelo psicalista Paulo Gaudêncio, discutia questões relacionadas ao cotidiano dos jovens como família, relações sociais, afetivas, etc?
Que a TV Cultura transmite a Missa de Aparecida do Norte todos os domingos desde 1987?
Que o Bem Brasil nasceu em 1991 como um reduto para chorinho e chorões no anfiteatro Romano, na Universidade de São Paulo, mas logo ampliou a variedade de gêneros musicais para, em agosto de 1994, mudar-se para o Sesc Interlagos, uma das mais belas áreas verdes de São Paulo, com capacidade para 40 mil pessoas?
Que a TV Cultura transmite regularmente o programa Vestibulando desde 1980, na primeira fase ao vivo e, a partir de 1985, em versões gravadas, que são periódicamente atualizadas?.
Que o ator Gerson de Abreu começou sua carreira na TV Cultura apresentando o programa Tempo de Verão, depois de destacar-se numa das equipes de estudantes que participou do programa É Proibido Colar?
Que a TV Cultura foi a primeira emissora de televisão a dar ampla cobertura ao Carnaval Paulista desde quando este acontecia na Av. São João até o evento adquirir caráter de exclusividade comercial em meados de 80?
Que a última transmissão de Copa do Mundo na Cultura foi em 1990, quando a emissora colocou os jogos no ar com uma tarja que escondia anúncios inseridos no sinal por outra emissora que conseguiu quebrar a exclusividade da TV Cultura?
Que a TV Cultura produziu vários cursos de formação e atualização profissional na década de 70, entre eles Curso de Corte e Costura, Desenho Técnico e Curso Básico de Administração de Empresas?
Que o Metrópolis constituiu um acervo com mais de 75 obras de renomados artistas brasileiros a partir dos trabalhos especialmente executados para compor seu cenário?
Que Sérgio Groisman apresentou na TV Cultura um programa voltado ao público jovem chamado Matéria Prima?
Que Renata Ceribelli foi repórter do Vitrine onde fazia máterias sobre os bastidores dos meios de comunicação?
Que Luciano Amaral começou sua carreira em teledramaturgia na TV Cultura em 1991, quando – aos 10 anos – foi protagonista da série Mundo da Lua, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e Antonio Fagundes.
Que o Nossa Língua Portuguesa começou na Rádio Cultura AM, em 1992, como o nome Língua Brasileira e que o professor Pasquale foi escolhido entre diversos professores de português pela então Chefe do Departamento Rádio AM, Maria Luíza Kfouri?
Que o Matéria Prima apresentado na TV Cultura por Sérgio Groisman começou na Radio Cultura AM, em 1984, tendo como apresentador Toninho Moraes dirigido por João Carrasqueira?
Que a Radio Cultura AM realizou o Projeto Curumim em parceria com a Secretaria Municipal de Ensino em 82 e 83 e que foram transmitidos 215 programas e alguns de seus personagens foram criados a partir de pesquisas feitas com os ouvintes mirins como: o papagaio Pituca, a abelha Abelhuda e o Bicho Imitador?
Que a Sinfonia Cultura, orquestra da Fundação Padre Anchieta, realiza, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado, um projeto pedagógico através do qual as escolas recebem a orquestra e os estudantes têm a
oportunidade de conhecer os músicos e seus instrumentos e de se iniciar na escuta musical erudita?
Que a TV Cultura mantem um setor de Efeitos Especiais que executa todas as trucagens dos programas da emissora com maior destaque para produções infantis como Rá-Tim-Bum, Mundo da Lua, Castelo Rá-Tim-Bum, X-Tudo e Cocoricó.
Fonte: www.portaldafama.kit.net
História da TV Cultura
A TV Cultura estreou em 1960, canal 2, pertencente à Rede Nacional das Associadas.
Em janeiro de 1968, sua programação não estava mais disponível nos jornais e revistas e lá se encontravam os seguintes dizeres: Futura TV Educativa. Essa observação passou a constar a partir do momento em que foram encerradas as transmissões da antiga TV Cultura, considerada a irmã caçula da TV Tupi no conglomerado de empresas de comunicação dos Diários Associados.
Para viabilizar e manter a nova TV Cultura, canal 2s, o Governo de São Paulo criou, em setembro de 1967, a Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas, com dotação do Estado e autonomia administrativa. Instituída e mantida pelo poder público, nascia com o estatuto de entidade de direito privado, para ter seu rumo desvinculado das oscilações políticas dos sucessivos governos estaduais. Esse fundamento fazia parte da concepção de TV pública idealizada pelo então governador Roberto de Abreu Sodré.
A constituição da Fundação Padre Anchieta seguiu as diretrizes da Lei Estadual n.º9849, de 26 de setembro de 1967, que autorizou o Poder Executivo a formar uma entidade destinada a promover atividades à sociedade brasileira com informações de interesse público, que pretendiam o aprimoramento educativo e cultural do rádio e da televisão, com o objetivo de estimular e dar apoio às emissoras culturais estaduais. Para tanto, a Cultura não orientaria sua programação pelos mesmos critérios de audiência das TVs e rádios comerciais.
A Fundação Padre Anchieta foi oficialmente instituída em 1969. É uma entidade custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada. A Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão, a TV Cultura, e duas emissoras de rádio, a Cultura AM e a Cultura FM.
Logo após a criação da Fundação, seu primeiro presidente, o banqueiro José Bonifácio Coutinho Nogueira, selecionou os profissionais para dar início à execução do projeto da nova TV Cultura. Os nomes que fizeram parte da primeira diretoria foram Sérgio Sobral de Oliveira, como assessor administrativo; Carlos Sarmento, como assessor de planejamento; Carlos Vergueiro, assessor artístico; Cláudio Petraglia, assessor cultural; Antonio Soares Amora, assessor de ensino; e Miguel Cipolla , assessor técnico.
As primeiras obras de ampliação da emissora foram realizadas com a construção de um prédio de dois andares para abrigar a diretoria, o conselho de curadores e a produção. Também buscaram uma nova sede para a Rádio Cultura e um anexo para abrigar o setor de operações. Na seqüência, contrataram os profissionais de TV para, então, darem o start da programação, ao mesmo tempo em que cuidavam da aquisição de equipamentos e a concepção visual da emissora. O logotipo do canal surgiu nas pranchetas do escritório dos designers João Carlos Cauduro e Ludovico Martino.
Houve alguns testes técnicos e de produção nos estúdios da Escola de Comunicações e Artes da USP(ECA), no antigo prédio da Reitoria. Esses testes foram acompanhados por alunos de Rádio e TV da ECA, que vieram a se juntar aos pioneiros da nova emissora.
Cláudio Petraglia, assessor cultural da TV Cultura, até 1971, hoje diretor-regional da Rede Bandeirantes de Televisão no Rio de Janeiro, lembra que:
No período de implantação, chegamos à idéia básica de TV pública e não TV instrutiva. Elaborei um decálogo contendo os itens fundamentais de uma public TV. Nós tínhamos de ter audiência ao mesmo tempo em que precisávamos abrir espaço para programas experimentais. Em seu conjunto, os programas teriam de atender a todos os segmentos. Se não tivesse existido esse conceito de televisão pública, acho que a TV Cultura teria fracassado, não teria feito a carreira que vem fazendo até agora. Hoje, ela é uma televisão cultural.
Domingo, dia 15 de junho de 1969, exatamente às 19h30 min., entravam no ar os discursos do governador Roberto de Abreu Sodré e do presidente da Fundação Padre Anchieta, José Bonifácio Coutinho Nogueira, abrindo as transmissões da TV Cultura, canal 2, de São Paulo. Na seqüência dos discursos, foi exibido um clipe mostrando o surgimento da emissora, os planos para o futuro e uma descrição dos programas que passariam a ser apresentados a partir do dia seguinte, dia 16 de junho.
Nos primeiros meses, a TV Cultura permaneceu no ar por apenas quatro horas diárias – das 19h30 às 23h30 min. O primeiro programa exibido foi um episódio da série Planeta Terra. O documentário trazia como tema terremotos, vulcões e fenômenos que ocorrem nas profundezas do planeta. Logo depois, uma novidade surgiu todos os dias: a TV Cultura levaria ao ar um completo boletim meteorológico que se chamava A Moça do Tempo, apresentado por Albina Mosqueiro. Às 20h, iniciava-se uma série que viria a fazer história, era o Curso de Madureza Ginasial, com o desafio de provar que uma aula transmitida por televisão poderia ser, ao mesmo tempo, eficiente e agradável. A TV Cultura reuniu renomados profissionais de televisão e professores universitários. Os professores não iam para a frente das câmeras; eles preparavam o conteúdo das aulas, que era transformado em programas de televisão e apresentado por uma equipe de atores. Cláudio Petraglia aponta que, pelo que me lembro, cerca de 60 mil pessoas conseguiram o diploma de madureza. Foi um negócio renovador.
Fernando Pacheco Jordão, que em 1969 era produtor responsável pelas aulas de Ciências Humanas, recorda que:
Havia uma disciplina que se chamava Ciências Humanas e englobava História, Geografia, Psicologia, Lingüística e Demografia. Era uma equipe de alto nível: entre os professores; tínhamos Gabriel Cohn, Ruth Cardoso, Paul Singer, Rodolfo Azen, Jobson Arruda e José Sebastião Witter. Enfim, era um time de primeira que fazia os textos, a partir dos quais desenvolvíamos as aulas…
Outros programas foram surgindo e marcavam o início da emissora, cuja proposta era diferenciada, como o polêmico Jovem, Urgente, produzido por Walter George Durst e apresentado pelo psiquiatra Paulo Gaudêncio; era gravado com a participação do público e tinha a proposta de debater o comportamento da sociedade – em particular dos jovens – numa época especialmente explosiva. No ano anterior, o movimento estudantil havia eclodido com toda a força na Europa. Nos Estados Unidos, nascia o movimento hippie e pipocavam os movimentos pacifistas contra a guerra do Vietnã. No Brasil, onde já se ouviam os acordes dissonantes do tropicalismo, os estudantes saíram às ruas para protestar contra o regime militar e procuravam acompanhar as mudanças culturais que aconteciam em outros países. Nesse clima de inquietação e em plena vigência do AI-5, Jovem, Urgente era um programa que buscava discutir temas como liberdade de opinião, virgindade, conflitos de gerações e outros tabus sexuais e culturais.
Yolanda Costa Ferreira da TV Cultura diz:
“O ‘Jovem Urgente’ era um programa fantástico. Mas toda semana era proibido pela Censura e o (presidente) José Bonifácio ligava para Brasília para liberá-lo. Era gravado com antecedência, mas mesmo assim era uma loucura. Marcou época.”
Como também marcou o início dos problemas que a emissora viria a ter com a censura. Outro programa que também chamou a atenção da censura foi o Caixote de Opinião, um programa de depoimentos cujo nome era inspirado no célebre costume dos ingleses que, quando queriam protestar contra a família real britânica, subiam num caixote em pleno Hyde Park e falavam à vontade.
Os programas musicais eram criados pela equipe de Carlos Vergueiro, formada por Sérgio Viotti, Caio Mário Britto, Vicente Conti, Annie Fleury e Sílvia Autuori, entre outros. Surgiram programas como Música da Nossa Terra, apresentado pelo cantor Joel de Almeida, exibido aos sábados, no horário nobre.
Outra atração eram os recitais, entre eles o de Inezita Barroso que cantava acompanhada de seu violão.
Desde o início, a TV Cultura tinha por objetivo democratizar a música, particularmente a erudita, tentando aproximá-la do grande público. Uma iniciativa marcante foi empreendida pelo maestro Júlio Medaglia, com produção de Fernando Pacheco Jordão. Toda semana, uma orquestra de cordas era levada a um pátio de escola ou de uma fábrica, para que estudantes e operários pudessem ver de perto o trabalho dos músicos. E havia também a preocupação com a criação de um acervo erudito com obras apresentadas por grandes orquestras.
Intercalado aos programas feitos na própria TV Cultura, eram exibidos documentários e programas culturais de outros países, como Canadá, França, Inglaterra, Alemanha e Japão, obtidos nos consulados ou por meio de acordos operacionais com emissoras estrangeiras.
Nos três primeiros anos, a TV Cultura colocou no ar mais de oitenta séries diferentes, entre produções próprias ou adquiridas de terceiros. Era um período de consolidação da emissora tanto no que se referia à audiência como no que dizia respeito à manutenção de sua autonomia.
Com a mudança de governo, Laudo Natel, que sucedeu Abreu Sodré em 1971, buscou alterar o relacionamento que o Estado mantinha com a emissora. Ao esbarrar nos estatutos que garantiam a independência da Fundação, passaram a reduzir as verbas destinadas à manutenção da TV Cultura. Não podendo modificar sua vocação cultural, mas por meio de uma asfixia financeira, conseguiram a saída de José Bonifácio Coutinho Nogueira da presidência da Fundação.
Em solidariedade, todos os diretores pediram demissão. Sob a presidência de Rafael Noschese, no entanto, a TV não mudou o rumo ou alterou substancialmente seus planos iniciais.
A TV Cultura atravessou, na década de 70, diferentes fases e até tendências que determinaram a linha de sua programação. A primeira proposta, como vimos, era opor-se à televisão comercial e à sua programação popularesca, na elaboração por uma televisão voltada para a cultura, centrada na apresentação de concertos, óperas e debates sobre temas cultos. Os baixos índices de audiência, no entanto, fizeram surgir no meio da década uma tendência mais populista. Os dirigentes, embora inicialmente imunes a esse tipo de pressão, começavam a se incomodar com a acusação de estar utilizando o dinheiro público para fazer uma TV que poucos viam. Optou-se então por fórmulas consagradas no circuito comercial, como novelas e programas de auditório. Essa tendência seria superada no final da década, quando se buscou um ponto entre o popular e o elitista. (Reimão, 1997, p.47)
Mas destacamos que, enquanto as outras emissoras procuravam sua identificação indo atrás de tendências, a TV Cultura investia seu perfil num entretenimento educativo. Por meio de apoio de empresas privadas, conseguiram transformar programas como o Rá-Tim-Bum em Castelo Rá-Tim-Bum, que estreou em maio de 1994, com um novo cenário e um alto nível de qualidade e que, embora totalmente orientado para crianças, conquistou seu espaço no início do horário nobre. Ganhou medalha de Prata no 37º Festival de Nova York na categoria Programa Infantil e melhor produção para crianças pela Associação Paulista dos Críticos de Arte foi exportado para Cuba e negociado com os países de língua espanhola em 1996. (Reimão, 1997, p.78 e 79) Assim não perdeu, apesar das crises de cunho financeiro, seu caráter definido de emissora educativa.
Na década de 90, a emissora surpreendeu pela diversificação de sua programação, pelo aumento de audiência e pela maior abertura ao patrocínio. Década também em que a TV Cultura se transformou em Rede, com o aluguel de um sinal no satélite da Embratel e passou a mandar sua programação para 14 estados brasileiros.
Mesmo com tais modificações, sua programação cultural continuou dentro de uma linha educativa. A emissora também prosseguiu importando seus programas e minisséries estrangeiras, principalmente européias, esclarecendo assuntos tanto científicos, sócio-culturais, além de divulgar a biografia de diversas personalidades.
Na programação infantil, a emissora consagrou nomes de programas que lhes renderam muitos prêmios por suas produções como Glub-Glub, X-Tudo, Ra-Tim-Bum, Mundo da Lua, Castelo Rá-Tim-Bum, entre outros.
Fonte: www.laramaria.com.br
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