Anarquismo na Rússia

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Anarquismo na Rússia – O que foi

Os estudiosos se interessam muito pelo anarquismo particularmente russo. Isto porque foi lá que o anarquismo surgiu no final de século XIX, se desenvolveu e organizou-se.

Desde muito cedo movimentos anarquistas já era esboçados naquela região, principalmente nas fronteiras onde estavam as maças de camponeses injustiçados.

Em 1875, por exemplo, três jovens entusiasmados com obras de escritores anarquistas iniciaram uma pequena conspiração contra o Czar, abusando de artifícios não aprovados pela doutrina anarquista.

Assim, difundiram no distrito de Kieve a idéia de que o Czar reconhecia o direito dos camponeses, mas, seu exército não poderia fazer nada contra os poderosos nobres. Assim, convenceram o povo a organizar uma milícia revolucionária para desapropriar os nobres.

Porém, em um descuido a policia do Czar descobriu esta milícia e prendeu centenas de camponeses inclusive os três jovens. Vários destes presos foram deportados para a Sibéria, enquanto os três fugiram da prisão.

No final deste mesmo século, o anarquismo sofreu uma tendência terrorista herdada de Nechaev.

Alguns grupos não foram contra mas também não fizeram parte dos atentados terroristas que criaram o grupo Narodnaja Volja, responsável pelo assassinato do Czar Alexandre II.

Isso desencadeou exílios e prisões e anos mais tarde formaram se os primeiros grupos declaradamente anarquistas na Rússia.

Em 1903, foram publicados vários jornais que, juntamente com greves, tumultos no campo demonstrações estudantis e descontentamento no exército, deu a estas manifestações um sentido de liberdade.

Mesmo assim, os próprios anarquistas não sabem se foram estas as causas da revolução de 1905. Outros fatores que com certeza influenciaram tal revolução foi o descontentamento popular, estouro de greves, camponeses incendiários e saqueadores, operários nas ruas e as derrotas sofridas ao Japão na guerra.

Nesta revolução, os anarquistas presentes eram realmente muito poucos. Há quem diga que o número não passou de duzentos.

Em 1906, os antarquistas se fortaleceram, instalando bases nas principais cidades russas. Um ano depois veio a grande reação governamental e o anarquismo perdeu a sua força.

Depois da Primeira Guerra Mundial, período em que o anarquismo sumiu quase que por inteiro os anarquistas se confundiram com todas as forças de esquerda que queriam transformar a Russia em uma república.

Para isso foi preciso que todos os exilados voltasse para que o anarquismo russo retomasse o seu brilho.

No início, eles não queriam participar no governo bolchevique, mas alguns participaram ativamente.

Rapidamente a grande maioria percebeu que este novo governo era uma ditadura contrária a todos os ideais de liberdade. Assim, o combate com o governo foi inevitável.

Em abril de 1919, na cidade de Jarkov, houve uma reunião de anarquistas de todas as tendências, fora os sindicalistas, numa conferencia mais tarde denominada Nabat ( que significa alerta ).

Eles iniciaram com a campanha do “anarquismo único”, sobre o comando do russo chamado Voline. Eles procuraram unir todos os ramos do anarquismo, criaram a Confederação de Organizações Anarquistas; opuseram-se a ditadura governamental mas concordavam os movimentos contra-revolucionários capitalistas eram o maior perigo para a revolução russa.

Decidiram organizar e apoiar qualquer grupo de guerrilheiros que fosse contrário ao Exército Vermelho e estavam observando um grupo de guerrilheiros camponeses organizados sobre o comando de Nestor Machnó.

Eles não apoiaram nenhum soviete ou sindicato ligados à partidos.

A EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA NO SÉCULO XIX: É POSSÍVEL UNIR LIBERDADE, RACIONALISMO E NEOMALTHUSIANISMO?

Anarquismo na Rússia

O século XIX é caracterizado como o século do triunfo do conhecimento científico e da racionalidade. Este conhecimento era considerado rigoroso e objetivo, buscava a regularidade e a constância dos fenômenos, estabelecia as relações causais entre fatos, assim por meio desse conhecimento o homem poderia conhecer profundamente a natureza, a sociedade e agir sobre elas. Além disso, a racionalidade científica poderia combater os dogmas e as superstições da Igreja, por isso tinha condições de superar as interpretações metafísicas.

Mas também no século XIX, aparecem diferentes apropriações do conhecimento científico e sua racionalidade, porque neste século se consolidam as Ciências Humanas que provocam alguns questionamentos como: podemos criar uma ciência cujo objeto é o homem?

Os métodos usados nas Ciências da Natureza podem ser usados nas Ciências Humanas? O homem enquanto objeto de estudo não apresenta especificidades?

Estas são questões epistemológicas importantes para todo o campo das Ciências Humanas. A partir desses questionamentos, começou-se uma busca por caminhos epistemológicos que pudessem dar conta do estudo científico do homem e das relações humanas.

Paralelamente a este questionamento surgiram os movimentos sociais, fundamentados principalmente no ideário igualdade, liberdade e fraternidade, da Revolução Burguesa no final do século XVIII, que buscavam compreender a inserção dos homens na história e na sociedade.

Esses movimentos se apropriaram da racionalidade científica para explicar a história, a sociedade e as relações políticas.

Neste cenário surgiram as diferentes modalidades de socialismo: o socialismo utópico, o socialismo libertário e o socialismo comunista.

Todas essas modalidades de socialismo se apropriaram da racionalidade científica no sentido de compreender com maior profundidade as relações históricas e sociais.

Porque a razão tornou-se um instrumento imprescindível na luta contra o dogmatismo e a ignorância, assim acreditava-se que aquele que utilizasse a sua capacidade racional para analisar os diferentes aspectos da realidade tinha condições de superar a opressão que o cercava. Assim, no século XIX,

a ignorância é denunciada como alimento da escravidão e a razão é o guia que conduzirá os seres humanos a libertarem-se da opressão e da exploração impostas pelo obscurantismo e egoísmo dos privilegiados ( Moriyón, 1989, p.14).

A racionalidade utilizada pelas diferentes modalidades de socialismo tinha uma finalidade inversa da racionalidade utilizada pelos intelectuais que serviam ao status quo, estes pretendiam uma sociedade produtiva e eficiente, de modo que facilitasse a acumulação de capital sem atropelos, enquanto que os socialistas buscavam uma sociedade igualitária e pautada na liberdade.

A razão torna-se para as diversas modalidades de socialismo fator de libertação.

Outro ponto que destacamos é o uso da racionalidade em teorias que buscavam compreender o processo de evolução do homem, tanto a evolução no campo biológico, como no campo da história e do estudo das populações, este último aspecto foi estudado por Malthus.

Este fez o prognóstico de um aumento da população em progressão geométrica e do desenvolvimento aritmético dos meios de subsistência, de modo que num futuro próximo não haveria condições de sustentar a humanidade. Diante desta defasagem Malthus defendeu o controle populacional.

Esta racionalidade malthusiana foi muito criticada por vários intelectuais e também por vários socialistas, mas Paul Robin, que defendia o ideário socialista, se apropriou de algumas de suas análises.

Ele acreditava que se houvesse controle populacional consolidar-se-ia a harmonia e o equilíbrio social e assim existiria meios de subsistência abundantes, ambiente propício para a efetivação de um projeto de sociedade igualitária.

Nosso trabalho buscou, a partir das categorias racionalidade e liberdade, compreender as concepções educacionais de Paul Robin, principalmente o Manifesto aos Partidários da Educação Integral, escrito em 1893, Bakunin, Kropotkin e também os desdobramentos dessas influências no pensamento de Ferrer y Guardia.

Verificamos que as categorias racionalidade e liberdade, oriundas do pensamento iluminista, assim como a busca de uma vida saudável e higiênica, balizaram essas teorias educacionais.

Por isso, propomos discutir a forma de apropriação dessas categorias pelas concepções socialistas libertárias, no intuito de compreender o processo de circulação e apropriação de idéias e concepções, no contexto histórico-cultural do século XIX.

Paul Robin e o Manifesto aos Partidários da Educação Integral

Robin nasceu em Toulon, na França, em 3 de abril de 1837. Iniciou a carreira de medicina e depois a substituiu pelo magistério. Em 1861, foi nomeado professor do Liceu Napoleon –Vendé.

Em 1873, James Guillaume, secretário de redação do Dicionário de Pedagogia, solicitou a Robin vários artigos.

Em 1878, publica seu primeiro folheto neo-malthusiano, cujo título é A questão sexual.

Em 1879, foi inspetor de ensino de Blois e no final deste mesmo ano assumiu a direção do Orfanato Prévos em Cempuis, onde ficou até 1894.

Durante a sua permanência em Cempuis editou a revista A Educação Integral.

Neste orfanato põe em prática a educação integral e a co-educação dos sexos. Em 1893, escreveu o Manifesto aos partidários da educação integral, este Manifesto surgiu a partir de uma experiência de doze anos à frente de Cempuis. Criou também “uma associação universal para a propagação da educação integral” (ROBIN, 1981, p.9).

Atribuem a Paul Robin quatro características: pedagogo, internacionalista, neo-malthusiano e libertário.

Robin assumiu aspectos particulares do anarquismo e do liberalismo e uma visão regeneradora da realidade social.

Com relação a sua visão social adotou a concepção de Rousseau sobre o estabelecimento de um contrato social entre o indivíduo e a sociedade. De acordo com Robin, “a liberdade de cada um se encontra limitada pelas leis naturais da solidariedade humana. Adotando o pacto social, o homem abdica uma parte de sua liberdade natural para receber em troca a proteção de todos e os benefícios resultantes da ação coletiva” (ROBIN, 1981, p.6).

Robin foi influenciado pelo positivismo de Comte, pelo evolucionismo de Darwin e pela teoria de Malthus, por isso preconizava a regeneração do homem.

Inclusive em 1893, começou a discutir a criação da Liga para a regeneração humana. Acreditava que a regeneração do homem deveria levar em conta a questão da superpopulação que pode acentuar as desigualdades, por isso acreditava ser necessário frear o crescimento da humanidade. Ao controlar o crescimento da população mundial, dever-se-ia criar meios para eliminar as diferenças de ordem intelectual, a partir da prática da educação integral.

A regeneração humana está fundamentada em dois princípios: seleção científica e educação integral.

Como mencionamos anteriormente, o projeto inicial para criar a Liga para a regeneração humana é de 1893, mas somente em agosto de 1900, criou-se a Federação universal de regeneração humana.

Alguns meses antes, em abril de 1900, apareceu o primeiro número de Regeneração, publicação que sobrevive até 1908.

Surgiram outras publicações baseadas na visão malthusiana: Geração Consciente, Renovação e O Malthusiano.

No pensamento de Robin, encontram-se idéias comuns entre ele e Comte:

“1) a divisão do trabalho e a especialização são as causas da desordem social;
2)
 a urgente necessidade de facilitar às novas gerações um certo número de idéias comuns” (ROBIN, 1981, p.20). Para solucionar tais questões deve-se usar “um meio científico e racional que assegure ao ser humano este mínimo de conhecimento, que facultando uma especialização restrita garanta o equilíbrio e a paz social” (ROBIN, 1981, p.20).

Mas os propósitos educacionais de Comte e Robin eram bastante diferentes, Comte propunha a educação positiva e Robin, a educação integral.

Robin apropriou-se das idéias de Darwin, Malthus e Comte porque, segundo sua visão, a seleção científica e a educação integral são ingredientes “para construir um ambiente social regenerado das contradições do velho mundo” (ROBIN, 1981, p.21). Ele busca a regeneração social, uma sociedade baseada no bem estar social e na felicidade humana.

Propunha seguir três preceitos: bom nascimento, boa educação e boa organização social.

Robin acreditava que a ciência levaria o homem à melhora de suas condições de vida e, por isso propunha a simbiose da ciência com a razão.

Ele também é influenciado pelos seguintes pensadores: Llull, Rousseau, Vives, Comênio, Rabelais e Basedow e desenvolve noções enciclopedistas da Ilustração.

Sua concepção pedagógica centra-se no progresso da ciência.

Sua proposta pedagógica pode ser caracterizada como: científica, racional, universal e integral.

Propõe também o desenvolvimento harmônico das distintas faculdades humanas e deve-se seguir a seguinte ordem: educação física, educação intelectual e educação moral.

A educação física estaria centrada no desenvolvimento dos órgãos dos sentidos, com exercícios musculares e corporais, de modo que a prática destes exercícios levaria a um controle antropométrico do desenvolvimento da criança (ROBIN, 1981, p.21). A educação intelectual se efetivaria por meio do estudo das ciências (sociologia, biologia, química, física, astronomia e matemática). A educação moral deveria estar centrada na busca de uma existência normal num meio normal, afastando as crianças de conjecturas metafísicas.

Destacamos que é no Manifesto aos partidários da educação integral que Robin sintetizou as influências das diferentes teorias que embasaram seu pensamento pedagógico, onde podemos detectar os caminhos que traçou para educar. Sua preocupação era a educação popular, pois considerava que nas escolas, da segunda metade do século XIX, eram passados conhecimentos desnecessários às classes populares, além disso essas escolas propunham a distinção de classes, o que levava a desigualdade para o processo educacional.

Para romper com este processo de desigualdades dever-se-ia unir a ciência e o trabalho, porque a separação entre ciência e trabalho levaria a escravidão moral e material.

Robin dizia que precisávamos tirar da burguesia o monopólio da ciência (ROBIN, 1981).

Além disso, era preciso acabar com os governos que praticavam esta educação excludente e, para tal, era necessário fazer uma revolução social e organizar a educação integral.

Robin acreditava que somente pela instrução integral poderíamos adquirir todos os conhecimentos científicos e profissionais, teóricos e práticos.

E para efetivar um projeto de educação integral, deveríamos responder as seguintes questões: quais tipos de sistema de ensino deveríamos empregar?

Como deveria ser a organização interna da escola que propusesse a instrução integral? Deveria haver um estabelecimento especial em cada comuna ou várias comunas aproveitariam o mesmo estabelecimento?

Os custos deveriam vir da associação de trabalhadores da comuna ou dos pais dos alunos? Como deveria ser organizado o corpo docente? (ROBIN, 1981, p.33).

Robin defendia a criação de estabelecimentos de ensino em cada comunidade, assim sendo, a comunidade se encarregaria de criar a escola, com a participação de todos os indivíduos dessa coletividade, que organizariam e administrariam esses estabelecimentos de ensino, assim como os sustentariam financeiramente. A responsabilidade primordial da educação era da comunidade.

Ele apregoava que a educação integral deveria ser ministrada por estabelecimentos de ensino público e coletivo.

De acordo com Robin, cada criança deveria ter a possibilidade de desenvolver suas faculdades e de adquirir todos os conhecimentos necessários à sua formação.

Toda criança deveria ter acesso a estabelecimentos comuns, onde poderia desenvolver sua mente e músculos, aprender a ciência e um ofício.

Reconhecia o papel imprescindível da ciência, por isso as transformações científicas não poderiam ser freadas. Deveríamos combater educação tradicional porque esta era autoritária, limitada e negativa, ao passo que a educação atual era positiva, emancipadora e extensiva. Devíamos legar às novas gerações a educação da razão e da ciência (ROBIN, 1981, p.39-40).

Acreditava que a educação libertadora e pacificadora deveria ser: racional (educação científica); universal; integral (ROBIN, 1981, p.44). A educação integral era a base de qualquer especialização.

Fazia considerações sobre os métodos de ensino, por isso propunha ir do particular para o geral e do ponto de vista analítico para o sintético. Dizia que no processo pedagógico devia-se considerar o método, a relação sujeito e objeto, as diferentes matérias de ensino, a idade e a disposição dos alunos. No currículo de qualquer estabelecimento de ensino deveria estar a educação física, a educação intelectual e a educação moral. Preconizava a higiene, a saúde, a alimentação, equilíbrio entre ação e repouso; recomendava aulas ao ar livre, a prática da ginástica, passeios e banhos de mar.

Outro aspecto que considerava importante era a educação estética, pois a considerava tão importante quanto a educação científica, principalmente a educação musical. Preconizava também a aprendizagem manual, pois ela aperfeiçoa os sentidos e desenvolve a destreza manual. Este tipo de aprendizagem prepara para o ensino profissional, mas um ensino profissional que deveria ter como base o espírito de generalidade, de tendência integral.

Junto com a educação estética deveria vir uma educação moral, que possibilitasse o desenvolvimento da justiça e da reciprocidade social. Deve-se evitar tudo que levasse a idéias falsas, impressões espantosas que leve ao erro e a desordem (ROBIN, 1981). A educação integral é “um conjunto completo, encadeado, sintético, paralelamente progressivo em toda ordem de conhecimentos e tudo isso a partir da mais tenra idade” (ROBIN, 1981, p.47).

Robin preconizava que o processo educativo deveria estar fundamentado na racionalidade científica, na regeneração humana e na ordem social, porque a desordem social na qual o mundo estava imerso era fruto da desigualdade, que tem sua origem em fatores históricos e naturais (ROBIN, 1981, p. 41).

Na verdade, a sociedade capitalista praticava uma contra-educação, anti-racional e imoral. Devemos por ordem nos cérebros, se desejamos que estas coisas não aconteçam. (p.42) Assim, “a sociedade tem o direito e o dever de dar a cada um de seus membros uma educação completa” ((ROBIN, 1981, p.36).

Essas idéias de Robin causaram muita polêmica ao final do século XIX, porque as escolas socialistas são indiferentes ao pensamento neo-malthusiano, assim Robin buscou apoio em grupos liberais, sociedade de livres pensadores, lojas maçônicas, núcleo feministas e entidades científicas. Suas idéias foram muito questionadas pelos socialistas libertários e socialistas comunistas.

Os socialistas rejeitavam estes elementos malthusianos, as escolas socialistas superaram a idéia de seleção natural e utilizaram conceitos como: apoio mútuo de Kropotkin, a importância do trabalho e das forças produtivas de Engels.

O trabalho pedagógico de Robin foi também muito criticado pelos conservadores, pois vincularam a experiência de Cempuis a política laica da III República francesa, estes o condenavam pelas suas idéias arrojadas como a defesa da escola laica e a co-educação.

A historiografia recente tem recuperado as contribuições da educação integral no século XIX, no período da Primeira Internacional. Por meio de uma série de registro foi descoberto que A Federação, órgão da seção de Barcelona da A.L.T., publicou, entre os meses de agosto e setembro de 1869, uma série de artigos intitulados Do Ensino Integral. Estes artigos sem assinatura foram reproduzidos, em 1871, em A Humanidade. Há pistas que indicam que foi através de Antonio Marsal Anglora (pseudônimo Sarro Magallón) e Gaspar Sentiñon que o interesse pelo ensino integral foi introduzido na Espanha. Ferrer y Guardia, pedagogo espanhol defensor da pedagogia racional libertária recebeu a influência de Paul Robin, ele adotava a educação integral e defendia a escola laica.

Bakunin e a educação libertária

Nasceu em 1814, em Tver, na Rússia, seguiu Stankevische, que era adepto do pensamento hegeliano. Bakunin era conhecido como um homem de ação.

Envolveu-se em muitas conspirações e revoltas. Do final da década de 1860 em diante, Bakunin tanto oralmente, como por meio de seus escritos passa a influenciar o anarquismo na Rússia, mas não exerceu influência sobre os atos revolucionários (WOODCOCK, 2002).

Bakunin defendeu o anarquismo coletivista, procurava adaptar os ideais anarquistas à uma nova sociedade, uma sociedade industrializada.

Ele acreditava que os meios de produção deveriam ficar nas mãos de instituições voluntárias que assegurariam a cada trabalhador o fruto de seu trabalho ou o equivalente do mesmo.

Para Bakunin, cada um deveria receber de acordo com seus meios e suas ações.

Segundo Bakunin a emancipação das massas operárias passava pela educação complexa, por isso os trabalhadores deveriam receber uma educação fundamentada pelo conhecimento científico, porque a racionalidade científica era imprescindível para a interpretação do mundo e a libertação. Além disso, acreditava que aquele que sabe mais domina aquele que sabe menos.

Os progressos da ciência eram significativos no século XIX, porém seus resultados não eram socializados, apenas uma elite tinha acesso a esses conhecimentos e seus benefícios eram desfrutados por uma minoria.

A ciência se tornou, de acordo com Bakunin, um poder para o Estado. Sendo assim, os progressos materiais e intelectuais do mundo contemporâneo contribuíram para aumentar a desigualdade entre os homens e ampliar a dominação. Por isso, era necessário criar mecanismos que combatessem essa exclusão.

Assim como Robin, ele defende uma educação integral, de modo que os trabalhadores estejam em contato com as conquistas científicas, porque até então o desenvolvimento da ciência sempre se voltou para atender às classes privilegiadas e ao poder de Estado. A educação integral seria um dos caminhos para conquistar a igualdade entre os homens, pois todos teriam acesso ao conhecimento acumulado pela ciência.

A ciência deveria ser considerada um bem comum, por isso os avanços científicos precisavam estar inseridos nos currículos escolares. Assim, a razão tornar-se-ia um instrumento fundamental para o processo educativo.

A racionalidade deveria guiar os conhecimentos adquiridos na escola, de modo que todos tivessem acesso a conhecimentos significativos e importantes para o mundo contemporâneo, tal procedimento forneceria ao proletariado uma educação de qualidade.

Bakunin lutava para acabar com a dualidade educacional, ou seja, a existência de um tipo de instrução para as classes privilegiadas e outra para o proletariado, por isso passa a lutar pela educação integral para todos.

Tomando como ponto de partida a educação integral defende a fusão do trabalho manual com o intelectual e afirmava:

a ciência do sábio se tornará mais fecunda, mais útil e mais ampla quando o sábio não mais ignorar o trabalho braçal e o trabalho do operário instruído será mais inteligente e, por conseguinte mais produtivo do que o do operário ignorante (BAKUNIN, 2003, p.38).

Não se podia permitir que os filhos dos operários tivessem uma educação distinta daquela dos filhos dos burgueses. Assim, somente quando todos tivessem acesso ao mesmo tipo de conhecimento poderiam ser realçadas as diferenças individuais, já que todos teriam as mesmas oportunidades na escola.

Outro aspecto defendido por Bakunin era a co-educação de meninos e meninas, pois afirmava que todas as crianças sem exceção deveria ter uma educação absolutamente igual, porque

o ensino deve ser igual para todos em todos os graus, por conseguinte deve ser integral, quer dizer, deve preparar cada criança de ambos os sexos tanto para a vida do pensamento como para a do trabalho, a fim de que todos possam igualmente tornar-se homens completos (BAKUNIN, apud Moriyón, 1989, p.43).

Em sua proposta educacional, Bakunin pretendia reconciliar trabalho manual e intelectual, ciência e vida. Acreditava que todos os homens poderiam alcançar um mesmo grau de educação, mas as profundas desigualdades sociais não permitiam a socialização dos conhecimentos.

A educação integral deveria ser composta de duas partes: a parte geral e a parte específica. Na primeira os estudantes teriam acesso a ciência como um todo, o que possibilitaria uma formação de caráter geral e na segunda eles entrariam em contato com as especificidades dos diferentes conteúdos científicos.

De acordo com Bakunin,

o ensino integral, ao lado do ensino científico ou teórico, deve compreender necessariamente o ensino industrial ou prático. Somente assim é que se formará o homem completo: o trabalhador que compreende e que sabe (Bakunin, apud Moriyón, 1989, p.44).

Para efetivar a educação integral Bakunin propunha que na educação infantil dever-se-ia partir da autoridade e desembocar na liberdade.

A citação abaixo traduz bem seu ponto de vista:

o princípio de autoridade na educação das crianças constitui o ponto de partida natural: é legítimo, necessário, quando é aplicado às crianças na primeira infância, quando sua inteligência não se desenvolveu abertamente… Mas como o desenvolvimento de todas as coisas, e por conseqüência da educação, implica a negação sucessiva do ponto de partida, este princípio deve enfraquecer-se à medida que avançam a educação e a instrução, para dar lugar á liberdade ascendente…

Toda educação racional nada mais é, no fundo, que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade alheia.Assim o primeiro dia da vida escolar (…) deve ser o de maior autoridade e de uma ausência quase total de liberdade; mas seu último dia deve ser o de maior liberdade e de abolição absoluta de qualquer vestígio do princípio animal ou divino de autoridade (BAKUNIN, 2003, p. 47).

Cabe ressaltar que a liberdade não é dada a priori, ela é construída gradativamente no processo educacional, começa-se com a autoridade de alguém mais experiente e paulatinamente a autoridade desaparece para dar lugar à liberdade. Lembramos que para Bakunin, a liberdade era o pleno desenvolvimento das faculdades existentes no homem e não a independência absoluta da vontade de cada um.

De acordo com Bakunin, a plenitude do homem no sentido moral deve-se a três aspectos: o nascimento higiênico; um ensino racional e integral, fundamentado no respeito ao trabalho, à razão, à igualdade e à liberdade e num meio onde todos usufruíssem dos mesmos direitos. Por isso, defendia a luta por uma educação verdadeiramente socialista.

Afirmava que num mundo onde reinava a desigualdade não poderia ser implantado esse novo tipo de educação, porque

o problema mais importante é o da emancipação econômica, que engendra necessariamente, e ao mesmo tempo, a emancipação política e imediatamente após a emancipação intelectual e moral (BAKUNIN, apud Moriyón, 1989, p.49).

Assim as mudanças no campo da educação estavam atreladas às mudanças no campo econômico e social, as transformações econômicas criariam as possibilidades efetivas para a implantação de um novo modelo educacional.

No exposto acima, podemos constatar como Bakunin se apropriou das categorias liberdade e racionalidade, seu intuito era socializar o conhecimento científico de modo a instrumentalizar a classe oprimida para enfrentar o poder de Estado e acabar com a dicotomia entre trabalho manual e intelectual.

Kropotkin e a educação Libertária

Kropotkin nasceu na Rússia na década de 1840 e pertencia a uma família rica e poderosa, foi escolhido por Nicolau I para participar do Corpo de Pajens, onde foi um aluno brilhante, tornou-se sargento da Corporação e durante um ano foi pajem pessoal do tzar Alexandre II, deixou a Corporação em 1862. Parece que a sua saída deveu-se a recusa de participar das tiranias do Corpo de Pajens (WOOODCOCK, 2002). A partir de então, dedicou-se a ciência e tornou-se um intelectual respeitado pelos geógrafos. Foi um cientista que contribuiu muito para o conhecimento da estrutura e história da Terra.

Ficou conhecido como um cientista e filósofo social.

Entrou em contato com as idéias anarquistas, quando conviveu com exilados políticos em Zurique e Genebra, o poeta M. L. Mikhailov apresentou Kropotkin a obra de Proudhon. Ao longo de sua vida, Kropotkin acreditou que a revolução era inevitável e necessária, mas a sua atuação foi mais acadêmica. O que o aproximou do anarquismo foi o aspecto positivo e construtivo desse movimento, por isso passou a lutar por uma sociedade justa e igualitária.

Ele acreditava que

a revolução nunca é tão lenta nem tão uniforme quanto se afirma. Evolução e revolução se alternam, e a revolução – isto é, o período em que a evolução é acelerada – é parte tão integrante da natureza quanto o tempo em que ela ocorre mais lentamente (KROPOTKIN, apud Woodcock, 2002, p.18).

Para Kropotkin, a genealogia do anarquismo estava no seio do povo, pois este preserva a vitalidade e a força criativa do anarquismo.

Foi considerado um anarquista comunista e por isso acreditava que a distribuição do produto do trabalho deveria ser feita de forma livre, de acordo com a necessidade de cada um.

No seu entender a revolução social se concretizaria quando, a partir das comunas locais, os meios de produção fossem desapropriados e coletivizados.

Ele apresentava uma peculiaridade: não se preocupou em criar organizações de luta, escolheu fazer da vida acadêmica a sua militância, assim a ciência produzida por ele era fruto de seu idealismo social e dos seus objetivos revolucionários.

Na sua obra ficava explícita a intenção de unir teoria a prática. Seguindo esta intenção, Kropotkin defendeu a relação estreita entre trabalho intelectual e trabalho manual, nos processos educativos. De acordo com ele, os cientistas desprezavam o trabalho manual, o que fez com que as academias ignorassem a importância da articulação entre esses dois tipos de trabalho.

A proposta educacional de Kropotkin enfatizava o papel central da razão no processo educativo, a racionalidade científica deveria ser trabalhada em todas as escolas, caso vislumbrássemos formar todos com a mesma qualidade, com a intenção de dar oportunidades iguais aos trabalhadores. Defendia também a criação de escolas para ambos os sexos, que priorizassem a educação integral, onde não se distinguiria o trabalho intelectual do manual.

Uma escola que possibilitasse

uma educação tal, que ao deixar as salas de aula com a idade de dezoito ou vinte anos, os jovens de ambos os sexos estariam dotados de um cabedal de conhecimentos científicos que lhes permitisse trabalhar com proveito para a ciência, e que ao mesmo tempo tivessem um conhecimento geral das bases do ensino técnico e a habilidade necessária em qualquer indústria especial, para poder ocupar o seu posto dignamente no grande mundo da produção manual da riqueza (Kropotkin, 1972, p.50).

Em sua obra “Campos, fábricas e oficinas”, Kropotkin explicou que esse tipo de escola não era uma quimera, pois a Escola Técnica de Moscou realizou uma experiência muito interessante e conseguiu, durante cerca de vinte anos, oferecer uma boa formação científica e profissional aos jovens. Nessa escola estimulava-se a pesquisa científica e a aplicação dos resultados.

Condenava o caráter superficial da aprendizagem e a mera repetição dos conhecimentos, a escola deveria priorizar a construção do conhecimento, ou seja, o estudante deveria sempre estar em busca dos conhecimentos.

Por isso considerava que

ninguém pode ser bom estudante de ciências se não tiver conhecimentos de meios adequados de pesquisa científica, se não tiver aprendido a observar, a descrever com exatidão, a descobrir as mútuas relações entre fatos aparentemente independentes, a levantar hipóteses e prová-las, a raciocinar sobre a causa e o efeito, e assim por diante (Kropotkin, 1972, p.56).

Defendia um ensino profissional dinâmico e criativo, guiado por um bom método, de modo que o estudante executasse com bastante segurança o ofício que escolheu.

Por isso,

ninguém poderá ser um bom artesão, se não tiver familiarizado com um bom método de arte mecânica. É necessário que cada um se acostume a conceber o objeto do seu pensamento numa forma concreta, desenhá-lo ou modelá-lo, evitar o descuido das ferramentas, os maus hábitos de trabalho, dar a tudo um bom toque de efeito final, sentir prazer na contemplação do belo e desprezar o feio. Seja arte mecânica, ciências ou belas artes, a principal aspiração do ensino não deve ser a de fazer do principiante um especialista, mas ensinar-lhe os elementos fundamentais e os bons hábitos de trabalho (Kropotkin, 1972, p.56).

Kropotkin, nas suas reflexões educativas, mostrou que o operário com sólida instrução poderia realizar melhor e mais rápido o seu trabalho, além disso propôs uma espécie de socialização do conhecimento científico por intermédio da escola, na verdade ele defendeu a formação de um grande contingente de pessoas que constituiria uma importante comunidade crítica, com o intuito de ampliar a capacidade de produção científica, porque

não (havia) nenhuma ciência que não (sofresse) no seu desenvolvimento por falta de gente que (possuísse) uma concepção filosófica do universo, disposta a aplicar sua capacidade de pesquisa num determinado campo, por mais limitado que (fosse), e que (dispusesse) do tempo necessário para se ocupar da especulação científica (Kropotkin, 1972, p.60).

Considerava que no processo educativo não se poderia desvincular a teoria da prática, porque ambas se complementam. A criação científica sempre se efetivou sem fazer a distinção entre teoria e prática, no entanto em nossas escolas, o ensino apresentava-se de modo inerte, porque veiculava conteúdos sem significado, provocava o desestímulo da aprendizagem e impossibilitava a construção da capacidade crítica.

Para Kropotkin, essa situação podia ser atribuída à divisão social do trabalho que criou uma dicotomia entre trabalho intelectual e manual.

No trabalho educacional percebia-se que a racionalidade estava desvinculada da prática e esta desvinculação criou uma hierarquia entre as formas de trabalho, de modo que o trabalho intelectual passou a ser mais valorizado que o trabalho manual.

Segundo Kropotkin, a nossa sociedade somente teria a ganhar se acabássemos com essa divisão social do trabalho, porque todos deveriam exercer simultaneamente os dois tipos de trabalho o intelectual e o manual, acabando com o sistema injusto de exploração do trabalho de alguns, pois

uma comunidade organizada sob o princípio que todos sejam trabalhadores, seria bastante rica para convir em que todos os seus membros, homens e mulheres, a uma certa idade, dos quarenta em diante por exemplo, fossem liberados da obrigação moral de tomar parte direta na execução do trabalho braçal, podendo assim se dedicar completamente ao que mais lhe agradasse no terreno da ciência, da arte ou qualquer outro(…) Numa semelhante comunidade, não se conheceria a miséria em meio à abundância nem o dualismo da consciência que envenena a nossa existência(…) (KROPOTKIN, 1972, p.64).

Ele propunha uma organização social baseada na rotação dos postos de trabalho, apontando para a construção de uma sociedade igualitária e justa.

A tarefa de construção desse novo tipo de sociedade não poderia prescindir da educação.

A racionalidade e a liberdade em Kropotkin deveria servir para que se instaurasse uma comunidade organizada

sob o princípio de que todos sejam trabalhadores, seria bastante rica para convir em que todos os seus membros, homens e mulheres, a uma certa idade, dos quarenta em diante por exemplo, fossem liberados da obrigação moral de tomar parte direta na execução do trabalho braçal, podendo assim se dedicar completamente ao que mais lhe agradasse no terreno da ciência, da arte ou qualquer outro (KROPOTKIN, apud Moriyón, 1989, p.67).

Ferrer y Guardia e a pedagogia racionalista libertária

Ferrer y Guardia nasceu em 1859, em Alella, perto de Barcelona, Espanha. Militou no movimento republicano e anticlerical e em 1886, participou de uma manifestação contra a monarquia em 1886, por isso foi expatriado, em Paris juntou-se a alguns anarquistas. Em Paris, deu aulas particulares de espanhol para sustentar sua família. Em Paris, criou a Liga Internacional pela Educação Racional da Infância, presidida por Anatole France.

Em 1901, fundou a Escola Moderna em Barcelona, na Espanha, seu propósito era criar uma escola onde pudesse existir a uma educação laica, livre, igualitária, com a co-educação de classes e sexos.

Seu principal objetivo era possibilitar uma educação que rompesse com os dogmas e as superstições da Igreja. Tanto no século XIX, como na primeira metade do século XX, o clero, a Igreja e o Estado possuíam um poder absoluto sobre a educação espanhola. Por causa da sua luta em prol de uma educação laica e libertária foi condenado a morte em Montjuich, no dia 13 de outubro de 1909.

Ferrer y Guardia constatou que já existiam escolas laicas e anticlericais, na Espanha, porém estas professavam uma pedagogia moderada e existiam também escolas dos centros operários e dos ateneus que, de acordo com ele, eram estigmatizadas política e socialmente, causando medo às classes populares. Por esta razão, ele conservou o caráter revolucionário de sua escola, mas criou estratégias para que não ficasse explícita a ideologia que a embasava, de modo a não afastar pessoas das classes populares que quisessem matricular seus filhos.

Os princípios pedagógicos que embasavam a Escola Moderna vinham da concepção de Educação Integral, defendida por Robin, Bakunin e Kropotkin.

Ferrer y Guardia também propalava a formação integral do ser humano, a união entre a teoria e a prática, a não dicotomia entre trabalho manual e intelectual.

Outro aspecto interessante foi a forma como se constituiu a direção da Escola Moderna, uma Junta Consultiva a dirigia. Ele sempre se preocupava em não despertar a ira e a atenção de seus inimigos e, por isso, inaugurou a escola da forma mais discreta possível e deu-lhe o nome de Escola Moderna e não um nome que a identificasse com o movimento anarquista.

Em 1901, no primeiro ano de funcionamento da escola foram matriculados 30 alunos (12 meninas e 18 meninos). De 1901 a 1903, o número passou de 30 para 114 alunos. A escola possuía uma biblioteca, uma tipografia, com serviço de edição que publicava manuais e obras pedagógicas, assim o material pedagógico utilizados nas aulas eram editados na escola.

Ferrer y Guardia tinha como intenção que a escola Moderna fosse um local de emancipação e propagação das idéias libertárias. Para ele, o ensino deveria ser uma força a serviço da mudança. Inclusive, as obras editadas na escola passaram a ser adotadas por outras escolas privadas da época.

Ferrer y Guardia acreditava ser a educação era um dos principais caminhos para desenvolver a consciência crítica. A Escola Moderna tinha o objetivo de trabalhar a educação por meio da racionalidade.

A educação racionalista libertária deveria priorizar o ensino baseado nas ciências e na razão, desenvolvendo o aluno intelectual e profissionalmente.

Ele se preocupava com o material a ser utilizado na escola; disponibilizava lâminas de fisiologia vegetal e animal, gabinetes de física e laboratório especial, máquina de projeção, além de substâncias diversas para análise.

A escola possuía uma tipografia e um serviço de edição que publicava seus materiais didáticos, além dos Boletins da Escola Moderna.

Ele também propunha o fim de três elementos de regulamentavam as práticas educativas, no início do século XX: disciplina, geradora de simulação, dissimulação e mentira; os programas, niveladores de originalidade, iniciativa e responsabilidade; e hierarquia, geradora de rivalidade, invejas e ódios.

A este respeito nos revela Luizetto:

“A disciplina deverá ser suprimida, pois causa a dispersão e a mentira entre os alunos. Os programas deveriam ter o mesmo destino, porque anulam a originalidade, a iniciativa e a responsabilidade das crianças. Por fim, a escola deverá deixar de ser fonte de comportamentos baseados na rivalidade, na inveja e no rancor, e, para tanto, deverão ser abolidas as classificações destinadas a distinguir os alunos entre si” (Luizetto, 1986, p. 52).

Sendo assim, a pedagogia racional libertária deveria ser:

Integral – para buscar o desenvolvimento harmônico do ser, fornecendo um conjunto completo, encadeado, sintético, paralelamente progressivo em toda ordem de conhecimentos, intelectuais, físicos, manuais e profissionais.
Racional – 
embasada na razão, no desenvolvimento da dignidade e da independência pessoal; na abolição da ficção Deus, causa eterna e absoluta de subjugação.
Libertária –
 liberta da autoridade em proveito da liberdade, sendo o objetivo final da educação formar homens livres, cheios de respeito e amor pela liberdade do próximo.
Mista – 
para favorecer a co-educação dos sexos e social. A co-educação não se referia apenas à igualdade dos sexos, deveria existir também a igualdade social, ou seja, ricos e pobres precisavam estudar numa mesma classe.

Segundo Safón (2003), depois de três anos de atividades na Escola Moderna, os alunos chegaram a conclusão que deveria desaparecer da sociedade:

1- a exploração de uns pelos outros
2-
 o militarismo, meio de destruição utilizado por países contra os outros países, resultado da má organização da sociedade
3- 
o poder que permite a alguns governar e comandar e a outros serem obrigados a submeter-se na humilhação
4-
 o dinheiro que torna ricos uns e pobres os outros. (SAFÓN, 2003, p.43)

Para Ferrer y Guardia a educação era um meio importante de propagação e infiltração das idéias libertárias na sociedade. A educação poderia ser a mola propulsora para o fim do erro, da mentira e da injustiça.

Considerava que as escolas eram o reflexo do interesse do Estado em formar um “abismo intelectual” entre a classe dominante e as classes dominadas.

A educação não tinha unidade e os currículos seguiam dois caminhos completamente opostos. A educação da classe dominante voltava-se para o ensino das ciências, enquanto a educação para a classe trabalhadora direcionava-se para o ensino profissional. O Estado perpetua a dualidade da educação.

De acordo com Ferrer y Guardia, a criança nasce sem idéias preconcebidas e as apreende ao longo de sua vida, por isso se educarmos uma criança com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional, ela ficaria preparada para qualquer tipo de estudo.

No Programa da escola revelava que a meta era fazer com que meninos e meninas se tornassem pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. Para tal o ensino deve estar baseado na racionalidade científica.

Estimulou as atitudes próprias de cada aluno, para que com seu valor individual, cada aluno fosse um membro útil da sociedade. Buscava preparar uma humanidade fraternal, sem distinção de sexos.

A escola aceitava crianças a partir de cinco anos. No Programa da Escola Moderna, havia a proposta para abrir aos domingos, no intuito de oferecer aulas de história geral, ciências, artes e discutir as lutas pelo progresso. Essas aulas poderiam ser frequentadas pelas famílias dos alunos.

A escola estava instalada com boas condições de higiene e os alunos teriam inspeção médica ao ingressar na escola para evitar propagação de enfermidades contagiosas.

Numa reportagem sobre a Escola Moderna, o periódico “O Dilúvio” informa que a escola proporcionaria os conhecimentos de caráter científico, a partir de métodos pedagógicos progressistas, por isso a lição de coisas substituiria a lição de palavras, além disso descrevia as instalações para as aulas práticas de ciências.

Ferrer y Guardia considerava a ciência um patrimônio de todos, porque ela permitia dissipar erros e capacitava os homens para que conhecessem efetivamente os objetos.

Nos primórdios da educação as crianças deveriam ser guiadas na direção do conhecimento racional, pois na primeira infância a vida é receptiva.

O professor deveria semear as idéias para que mais tarde elas frutificassem. A ciência não impedia o conhecimento, mas o impulsionava e conferia realidade às coisas.

Ele considerava o homem um ser um complexo, de múltiplas facetas, ou seja, um ser que conjugava coração, inteligência e vontade. Outro aspecto fundamental de sua proposta educacional, como mencionamos anteriormente, era a co-educação de meninos e meninas. Mas como a questão da co-educação não era acatada na Espanha, Ferrer y Guardia não alardeou seus propósitos na proposta de sua escola, quando uma pessoa vinha matricular um menino, ele perguntava se tinha uma menina em casa, incentivando a matriculá-la. Foi, assim, que na sua escola foram matriculados uma quantidade significativa de meninos e meninas.

Ferrer y Guardia considerou significativa a convivência de meninos e meninas, porque a natureza, a história e a filosofia ensinam que a mulher e o homem são seres humanos iguais, por isso as crianças de ambos os sexos deveriam ter uma educação idêntica; uma educação que desenvolvesse a inteligência, purificasse o coração e temperasse suas vontades. Homens e mulheres se complementam.

A mulher é a companheira do homem. Questiona a hipocrisia da igreja em relação ao papel do homem e da mulher. Na cultura patriarcal a mulher não tinha autonomia, estava sob o domínio do homem.

Outro aspecto importante foi a coeducação das classes sociais. Assim como pensa a coeducação dos sexos, Guardia concebeu também a coeducação das classes sociais.

Acreditava que uma escola somente para meninos pobres não é uma escola racional, porque nessa escola corria-se o risco de cultivar o ódio. Porque se não lhes ensinasse a submissão e a credulidade, deveríamos lhes ensinar a rebeldia, o que acirraria o ódio. E uma escola para meninos ricos não seria racional, porque cultivaria o privilégio. “A coeducação de pobres e ricos, que põe em contato uns com os outros na inocente igualdade da infância, por meio da sistemática da igualdade da escola racional, essa é a escola, boa, necessária e reparadora” (Guardia, 1912, p.36).

Assim, podemos constatar como Ferrer y Guardia se apropriou das categorias de racionalidade e liberdade. A sua concepção educacional apresentou alguns pontos de convergência com Robin, Bakunin e Kropotkin ao propor uma educação racional, mas não incorporou outros elementos, como por exemplo o malthusianismo de Robin.

Fonte: www.geocities.com/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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