Agroindústria açucareira – Razões da sua instalação
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A necessidade de efetivar a posse definitiva da terra ameaçada por estrangeiros levou Portugal a iniciar a colonização do Brasil. Na óptica da política mercantilista, no entanto, a ocupação da terra exigia o estabelecimento de uma atividade econômica suficientemente lucrativa que atraísse os interesses de investidores e colonos e que gerasse dividendos para a metrópole. Desse ponto de vista, a exploração do pau-brasil nas costas brasileiras, sozinha, não se ajustava às necessidades da Coroa portuguesa.
Era necessário passar de uma fase de mera circulação de mercadorias (comércio afro-asiático) e de exploração predatória da madeira para uma fase de produção. Assim sendo, a ocupação econômica das terras americanas deveria se distinguir do modelo de exploração comercial levado a efeito pelos portugueses no império afro-indiano. Em busca da recuperação econômica, devido à crise do comércio indiano, o governo português tomou a iniciativa de efetivar a colonização de suas terras americanas com a instalação no Brasil de uma empresa açucareira. E nisto Portugal também foi pioneiro. O Brasil teria, portanto, uma colonização de base agrária que se iniciava dentro da estrutura monopolista do sistema colonial.
Do ponto de vista do produto explorado, a colonização brasileira, montada em base agrotropical, difere da colonização de base metalífera das colônias espanholas da América.
De qualquer maneira, tanto as colônias espanholas como a portuguesa na América tropical eram áreas econômicas periféricas cuja função seria a de complementar .a economia central, metropolitana.
Eram colônias de exploração. Isto as diferenciava das colônias de povoamento criadas pelos ingleses na América do Norte. Fatores determinantes do sucesso da empresa agroaçucareira
A escolha da empresa açucareira foi determinada por uma série de fatores. Primeiro, os portugueses já estavam habituados ao plantio da cana e à produção do açúcar desde o século XV, quando transformaram as recém-conquistadas ilhas atlânticas em centros açucareiros. Essa experiência possibilitou-lhes desenvolver o conhecimento sobre a produção do açúcar e o fabrico de equipamentos para os engenhos, provocando a queda de preço do produto, pois quebrou o monopólio veneziano na produção e comercialização do açúcar.
Por sua vez, o açúcar despontava, no início do século XVI, como uma mercadoria de alta aceitação nos mercados consumidores europeus. Crescia o consumo de um produto que já fora considerado de alto luxo e de tal maneira raro que chegara a figurar como dote nos casamentos de rainhas. Naquele momento já era intensa a comercialização com a região de flandres do açúcar português produzido na África. Devido à ampliação do mercado consumidor, o açúcar tomou-se um produto altamente rentável e atraente para aqueles que pretendessem investir na instalação de engenhos no Brasil. O clima quente e úmido e o rico solo de massapê do litoral, especialmente em Pernambuco e na Bahia, tomaram o Nordeste a área por excelência para o cultivo da cana-de-açúcar.
Além disso, dada a rentabilidade da empresa açucareira, os holandeses investiram substancialmente seus capitais no financiamento da refinação, distribuição, importação da mão-de-obra escrava e, em especial, na instalação de engenhos no Brasil, o que lhes garantia maior porcentagem da renda gerada pela empresa açucareira brasileira. Pelo exposto fica claro que a alta rentabilidade do açúcar facilitou a aquisição de financiamentos portugueses ou estrangeiros para a montagem da empresa agromanufatureira do açúcar no Brasil. De resto, havia o problema da mão-de-obra. Transportar para o Brasil uma quantidade de mão-de-obra livre compatível com as necessidades da empresa que se iniciava era demasiado caro e antieconômico. Além disso, havia escassez de mão-de-obra em Portugal. Portanto, o trabalho assalariado era inviável. E mesmo que fosse possível pagar salários, isto não estimularia a vinda de portugueses para a colônia.
Não devemos esquecer que o colono português não vinha à América para ser mão-de-obra e sim para ser senhor. O que o estimulava era a idéia de ter na colônia uma projeção social e econômica superior à que tinha na metrópole, ser proprietário, enriquecer rapidamente e, se possível, voltar para gozar a vida na Corte.
Ora, como “… a produção se devia organizar de modo a possibilitar aos empresários metropolitanos ampla margem de lucratividade”, impunha-se a utilização do trabalho obrigatório, isto é, da mão-de-obra escrava. “Sem embargo, também neste caso uma circunstância veio facilitar enormemente a solução do problema. Por essa época os portugueses eram já senhores de um completo conhecimento do mercado africano de escravos. As operações de guerra para captura de negros pagãos, iniciadas quase um século antes (…), haviam evoluído num bem organizado e lucrativo escambo que abastecia cenas regiões da Europa de mão-de-obra escrava. Mediante recursos suficientes, seria possível ampliar esse negócio e organizar a transferência para a nova colônia agrícola da mão-de-obra barata, sem a qual ela seria economicamente inviável.
Estrutura de produção
A empresa agrocolonial brasileira se estruturou na plantation, grande propriedade monocultura escravista. Em concordância com o sistema colonial que lhe deu vida, essa empresa teria de viabilizar a colonização e gerar fortunas para o Estado e o grupo mercantil metropolitano.
Inserida nos quadros da política mercantilista, a empresa agrícola recém-instalada no Brasil só seria economicamente viável se fosse suficientemente grande para produzir em larga escala para os crescentes mercados internacionais.
A produção em grande escala, por sua vez, exigia a utilização de vasta área territorial e o emprego de uma grande quantidade de mão-de-obra. Em síntese, para que houvesse o rápido retomo do capital aplicado em sua instalação, a empresa tinha de ser de grande porte. Daí a grande propriedade monocultura escravista ter sido a célula fundamental da exploração agrária colonial.
Como já vimos, a concessão de grandes propriedades (sesmarias) no Brasil já era uma atribuição legal dos donatários e depois do governador geral. A concessão de sesmarias foi a fórmula encontrada pelo governo português para atrair colonos e investimentos para o Brasil.
O colono recebia a sesmaria e em troca se obrigava a utilizar a terra, sob pena de perdê-la. Deveria cultivá-la e torná-la produtiva com capital próprio ou emprestado.
O engenho
O engenho era a unidade de produção onde se localizavam os canaviais, as plantações de subsistência, a fábrica do açúcar com sua moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar -, a casa-grande, a senzala, a capela, a escola e as habitações dos trabalhadores livres – como o feitor, o mestre do açúcar, os lavradores contratados etc.
Havia alguns engenhos que produziam exclusivamente cachaça, um dos produtos utilizados no escambo de negros africanos.
Em curvos engenhos produtores de açúcar as destilarias de cachaça funcionavam como atividade secundária.
Na moenda a cana era prensada para a extração da garapa. Na casa das caldeiras fazia-se a apuração e a purificação do caldo. Na casa de purgar, o caldo era colocado em formas especiais de barro para esfriar, até o mestre “dá o ponto”. Depois desse processo, o açúcar era encaixotado e transportado para a metrópole. Dai, seguia para a Holanda, onde era refinado. O transporte do açúcar, inclusive parte do transporte do Brasil para Portugal, era controlado pelos holandeses, o que contribuía para transformá-los nos principais interessados nos negócios açucareiros.
A casa-grande era a residência do senhor do engenho e sua família, e centro irradiador e autoridade e de toda a atividade econômica e social da propriedade. A senzala era a habitação reservada aos negros. O número de negros numa unidade de produção açucareira dependia da capacidade produtiva do engenho. Podia chegar a algumas centenas. A capela era ao mesmo tempo centro religioso e social, onde se reuniam os homens livres do local e das proximidades. O primeiro engenho brasileiro foi instalado por Martim Afonso de Sousa na Capitania de São Vicente.
A capitania foi, durante algum tempo, um importante centro produtor de açúcar, mas perdeu posição para a empresa nordestina de Pernambuco e Bahia, que se transformaram, ainda no século XVI, nos principais centros açucareiros do Brasil Colônia. A produção açucareira pernambucana e baiana superou a vicentina devido tanto ao predomínio do solo de massapê, apropriado para o cultivo da cana, quanto pela localização geográfica do Nordeste, mais próximo dos mercados consumidores europeus, o que tomava a sua empresa mais lucrativa.
Na zona açucareira havia também os fazendeiros obrigados. Eram arrendatários que não possuíam engenhos. Plantavam cana nas terras que arrendavam de outros fazendeiros e eram obrigados a moê-la no engenho do dono da terra, que lhes cobrava 50% do açúcar produzido, além de uma outra porcentagem pelo uso da terra.
Havia também fazendeiros que não possuíam engenho, mas eram os donos da terra onde se cultivava a cana. Apesar de serem “obrigados” a moer a cana no engenho de outro senhor, a quem pagavam metade do açúcar produzido, não tinham outras obrigações. Atividades econômicas complementares Mandioca, tabaco e algodão
Paralelamente ao crescimento da lavoura cavadeira e da produção açucareira, principal atividade exportadora, desenvolveu-se na colônia um setor de subsistência responsável pela produção de gêneros que vinham atender às necessidades básicas dos colonos e escravos. Nesse particular, a produção de subsistência contribuiu fortemente para o perfeito funcionamento da economia colonial centrada no açúcar.
Isso quer dizer que, além da cana, desenvolveram-se na colônia algumas atividades econômicas complementares como a pecuária e o cultivo agrícola do tabaco, do algodão, da mandioca, do milho, do feijão e outros.
O principal produto agrícola de subsistência para o consumo interno era a mandioca, pois com ela se fazia a farinha, elemento básico da alimentação do brasileiro.
Apesar disso, muitos senhores não admitiam plantar mandioca em suas terras, já que estavam más interessados em ampliar as áreas para o plantio da cana. Este fato gerou, muitas vezes, a carência do produto nos mercados locais.
O fumo passou a ocupar o segundo lugar na economia colonial como produto de exportação. Sua importância consistiu no fato de ter se transformado, juntamente com a cachaça, num dos produtos básicos para aquisição de escravos no mercado africano. A produção do fumo na época colonial se concentrou em zonas restritas da Bahia e Alagoas.
Planta nativa do Brasil, o algodão já era conhecido pelo índio pré-cabralino. Com a colonização, passou a ser usado no fabrico de tecidos de baixa qualidade destinados à confecção de roupas para os mais pobres, especialmente para os escravos.
O algodão se tomou o terceiro produto de exportação no século XVIII, devido à Revolução Industrial iniciada na Inglaterra.
A mecanização da indústria têxtil transformou o algodão em matéria-prima fundamental, na medida em que foi responsável pela queda do preço dos tecidos e, conseqüentemente, pela ampliação dos mercados consumidores desse produto.
O estímulo e o financiamento da produção algodoeira para exportação foram iniciativa das companhias de comércio criadas no século XVIII pelo marquês de Pombal: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba. O principal centro produtor no século XVIII foi o Maranhão e, em menor escala, Pernambuco. A partir do início do século XIX, a produção algodoeira do Brasil voltou a sofrer a concorrência da produção dos Estados Unidos.
Pecuária Bovina no nordeste
A pecuária bovina foi introduzida no Brasil em meados do século XVI e se desenvolveu inicialmente em Pernambuco e na Bahia, de onde penetrou para os sertões consumidores desse produto brasileiros. Apesar da sua importância como elemento de penetração e de povoamento de várias regiões, a pecuária bovina foi sempre uma atividade secundária, complementar portanto às atividades econômicas principais como a lavoura cavadeira e mais tarde a mineração. Importante como fornecedora de força de tração animal e meio de transporte para os engenhos, além de ser fonte de alimento e de couro, a pecuária não exigia, como o engenho, muito capital para seu desenvolvimento. Por isso mesmo, era muito mais fácil instalar uma fazenda de gado do que um engenho de açúcar. Para formar uma fazenda de gado, o eventual fazendeiro não precisava de mão-de-obra abundante nem de importar equipamentos caros. O fundamental era a terra, em grande extensão e aberta ao desbravamento no interior da colônia.
Aos senhores de engenho não interessava criar gado. Pelo contrário, para eles as terras deveriam ser usadas para o plantio da cana e não para pastagens. Além disso, devido à ausência de cercas, o gado estragava as plantações. Por essa razão o gado foi afastado do litoral e penetrou para o interior em busca de novas pastagens e outros alimentos naturais.
O sertão nordestino seria, finalmente, povoado. Nas margens do Rio São Francisco nasceram e cresceram muitas fazendas de gado no decorrer do século XVII.
A pecuária era o vínculo de ligação do senão do Nordeste com o litoral açucareiro. As fazendas nordestinas do senão abasteciam a zona do açúcar, ao mesmo tempo que se tornavam área de atração para as pessoas pobres e marginalizadas daquela região, que viam na pecuária uma possibilidade de melhorar sua condição de vida.
Geralmente, como dissemos, a fazenda de gado exigia pouca mão-de-obra. Os trabalhadores (vaqueiros) eram livres e só excepcionalmente se encontrava um negro numa fazenda do senão nordestino. Os vaqueiros eram brancos, mestiços, poucos negros livres e alguns índios.
Além de um pequeno salário, o vaqueiro era pago com um quarto das crias, que ele recebia após cinco anos de trabalho. Essa forma de pagamento era um grande estímulo para o vaqueiro que sonhava em ser fazendeiro e se instalar por conta própria, passados os cinco anos.
A pecuária foi responsável pelo povoamento do sertão nordestino da Bahia ao Maranhão. Foi um excelente instrumento de expansão e colonização do interior do Brasil. Com ela surgiram muitas feiras que deram origem a importantes centros urbanos, como por exemplo Feira de Santana, na Bahia. No século XVIII, com a mineração, a pecuária nordestina ganhou novo impulso econômico. A necessidade de abastecimento das zonas mineradoras elevou o preço da carne bovina e, conseqüentemente, estimulou os criadores nordestinos a expandir suas atividades.
Sociedade açucareira – Características
A sociedade colonial como um todo era o reflexo da estrutura econômica escravista e, portanto, foi estruturada para atender aos interesses mercantilistas da metrópole.
Mesclada por elementos feudais e capitalistas importados de Portugal, a sociedade colonial apresentou características próprias. Apesar do absoluto domínio do senhor de engenho em suas propriedades e até fora delas, a sociedade colonial não era feudal e sim escravista.
Na sociedade feudal os servos não eram propriedade dos senhores; no modo de produção colonial, os escravos o eram. No sistema feudal os servos eram donos da matéria-prima e dos instrumentos de trabalho; no sistema escravista o escravo não era dono de nada, nem mesmo da sua força de trabalho. De resto, vale frisar que o escravismo moderno difere do modelo escravista greco-romano, pois, iniciado no século XVI, ele foi estruturado como elemento de acumulação capitalista em conjunção com a política mercantilista.
Na sociedade colonial açucareira a mobilidade social era praticamente inexistente. A vida social se restringia aos limites da grande propriedade açucareira (o engenho).
Havia basicamente duas classes sociais (bipolaridade social), opostas e conflitantes: a do branco senhor e a do negro escravo. Não havia ainda classes médias no Brasil, e as camadas intermediárias eram extremamente heterogêneas em sua composição.
De forma geral, a sociedade colonial brasileira era: escravista; rural; bipolar; aristocrata; patriarcal.
A classe senhorial
A elite dominante (classe senhorial) era formada pelos grandes proprietários rurais que formavam a aristocracia brasileira. Dona de terras e de escravos, essa elite era senhora de amplos poderes sobre todas as pessoas que viviam na fazenda – familiares ou não. Seu domínio muitas vezes extrapolava as fronteiras de sua propriedade.
Sua palavra tinha força de lei, e contestá-la era um abuso imperdoável. O poder político da elite senhorial pode ser simbolizado no controle que ela tinha sobre as Câmaras Municipais.
Por isso, como disse Antonil, “o ser senhor do engenho é título a que muitos aspiram porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre fidalgos do Reino”.
O regime familiar era patriarcal. Neste regime, todos, familiares, escravos, agregados, deviam se submeter ao pátrio poder, isto é, ao poder do patriarca, que, não raro, decidia sobre a vida e a morte daqueles que estavam a ele subordinados. Nesse regime o herdeiro de todos os bens era o filho mais velho (primogênito), a quem todos deveriam obedecer quando se tomasse senhor.
A mulher, além de subordinada ao homem, era considerada um ser inferior. Tinha de obedecer cegamente às ordens do pai e, depois de casada, às do marido. A preservação da virgindade feminina era fundamental para o casamento. Por isso a sinhazinha só podia sair de casa acompanhada. Vivia confinada e seu quarto geralmente não tinha janelas. Deveria casar-se entre os quinze e dezessete anos com um marido muito -mais velho que ela e escolhido pelo “pater família”. No fundo, a mulher era um objeto e seu casamento não passava de uma troca de favores políticos ou materiais entre seu pai e membros da elite.
Sobre a vida sexual vale dizer que, “submetendo as escravas (e muitas vezes os garotos escravos) a seus caprichos, os senhores impunham à escravaria uma verdadeira depravação, pois se tratava, a mais das vezes, de uma sexualidade pervertida e sadomasoquista. A consciência culpada do lusitano moralista se descarregava na atribuição da culpa suposta lubricidade da raça negra, às “torpezas” da mulher escrava. Dessa forma, as relações eram carregadas de violência e promiscuidade, e as negras tinham que servir a vários filhos da casa-grande e a outros membros do engenho; nesse quadro, espalhavam-se as doenças venéreas…
“O negro africano Suplantação da mão-de-obra indígena”
O negro foi trazido para o Brasil para atender a uma necessidade básica do colono branco: ser utilizado como mão-de-obra na lavoura canavieira. Não sabemos precisar o momento em que desembarcou o primeiro negro no Brasil. Como antecedente, sabemos que a primeira mão-de-obra utilizada em terras brasileiras pelo homem branco foi a indígena.
Vimos também que aos portugueses, inferiorizados numericamente e temerosos e forçar os índios a um trabalho obrigatório, restava usar o índio como trabalhador livre. E o mecanismo usado para alcançar tal objetivo foi a instituição do escambo.
Essa situação se alterou com a montagem da colonização e da empresa agroexportadora. Tomou-se então necessário explorar o índio na lavoura canavieira não como trabalhador livre, mas como trabalhador forçado, escravizado.
O índio foi finalmente submetido, pela força das armas, a um sistema até então desconhecido por ele: o do trabalho escravo. Em algumas capitanias como a de São Vicente, o índio foi escravizado até fins do século XVII, e no Pará e Maranhão, até fins do XVIII. Por é falsa a idéia de que o índio não foi escravizado no Brasil porque reagiu à escravização. É verdade que o índio, assim como o negro, reagiu, mas isso não impediu a escravização de ambos, pois o. poder econômico, político e militar do homem branco definiu o dominador e o dominado.
A partir de meados do século XVI, o número de trabalhadores escravos africanos superou o de indígenas como mão-de-obra escrava explorada nas áreas produtoras de açúcar. A superação não se deu, como afirmaram falsamente alguns autores, pela superioridade da mão-de-obra negra em relação à indígena nem porque o índio não aceitou a condição de trabalhador escravo na lavoura. Puro falseamento ideológico, pois o negro e o índio não tinham condições de escolher o tipo de trabalho. Na falsa afirmação desses autores está implícita também a idéia de que o negro foi escravo porque não reagiu à escravidão. Ora, nada mais falso, preconceituoso e racista.
A superação se deu por um complexo de razões, a saber: as dificuldades para abastecer regularmente as zonas canavieiras de mão-de-obra indígena – dada a dispersão do índio pelo território -, a defesa do índio pelos jesuítas e as guerras indígenas em reação à escravidão e ao roubo de suas terras. Estas razões dificultavam a organização da empresa agromanufatureira do açúcar, uma empresa que tinha de produzir em larga escala em atendimento aos interesses mercantilistas.
Tráfico negreiro
E, por fim, a razão principal: o tráfico negreiro. Iniciado pelos portugueses em meados do século XV, o tráfico negreiro mostrou ser uma atividade altamente lucrativa e, portanto, acumuladora de capitais. A metrópole portuguesa regulamentava-o e cobrava impostos sobre essa atividade.
A escravidão negra se fazia necessária para a manutenção do tráfico negreiro dada a sua importância como um dos setores mais rentáveis do comércio intencional.
A África abastecia de braços o reino e suas possessões ultramarinas. Na época, a Igreja aplaudia e justificava o tráfico como um veículo para a conversão à fé cristã do negro africano. Afinal, a Igreja recebia uma porcentagem do dinheiro arrecadado com o tráfico negreiro.
Com a crescente colonização da América, aumentou o tráfico negreiro português, pois, além do Brasil, Portugal passou a suprir de escravos algumas áreas da América espanhola, sobretudo o Caribe, onde o negro também tornou-se necessário para substituir a mão-de-obra indígena devido ao extermínio da população nativa. A viagem da África para a América era feita nos infectos e superlotados porões dos tumbeiros (navios negreiros). A promiscuidade, a sujeira, os maus-tratos, a péssima alimentação, a insalubridade, a superlotação dos porões e o banzo matavam, em geral, a metade dos negros embarcados.
Várias foram as formas usadas pelos portugueses para aprisionar os negros. No início do processo eles invadiam as aldeias, incendiavam-nas, matavam e prendiam quantos podiam.
Espalhava-se o medo pela África,. Quando os traficantes se aproximavam de uma aldeia, os negros, impossibilitados de reagir, fugiam desesperados. Procurando escapar a qualquer custo, viam-se “mães abandonando filhos e maridos as mulheres”. Era a única maneira de defender a liberdade e preservar a própria vida.
Com o tempo os portugueses passaram a estimular guerras inter tribais na África. Os vencedores trocavam os vencidos por panos, alimentos, cavalos, vacas, armas; munições, rapadura, fumo e cachaça. Em. algumas tribos os chefes (sobas) faziam o escambo de seus guerreiros com aquelas mercadorias.
Assim, mais de 70 milhões de africanos foram assassinados ou escravizados entre os séculos XV e XIX.
Os principais grupos étnicos negros trazidos ao Brasil foram:
Bantos – oriundos principalmente de Angola, Golfo da Guiné e Congo;
Sudaneses – originários predominantemente da costa setentrional do Golfo da Guiné e Sudão;
Maleses – sudaneses islamizados. Angola e Costa da Mina (todo o litoral do Golfo da Guiné) foram os principais centros fonecedores de negros para o Brasil. Dizia o padre Vieira: “Sem negros não há Pernambuco, sem Angola, não há negros”.
O negro no Brasil
Indescritível era a crueldade do tratamento dispensado ao negro pelo branco. Os relatos são vários e nos esclarecem sobre a torpeza dos atos inumanos contra a escravaria.
Apesar de os negros serem “as mãos e os pés do senhor de engenho”, no dizer de Antonil, eram comuns os assassinatos, mutilações, açoites, correntes, palmatórias e outras práticas abomináveis.
No dizer da época, no Brasil o negro tinha direito a três “pês”: pau para andar na linha; pano para vestir; pão para agüentar o trabalho.
Os exemplos de violência causavam espanto até em defensores do castigo, como Jorge Benci, um jesuíta do século XVII que, tentando racionalizar o uso do açoite como instrumento de. tortura, nos deixa o seguinte relato: “Suposto pois que o castigo deva ser moderado pela razão e não governado pela paixão: pergunto eu agora aos senhores do Brasil sé é castigo racionável queimar ou atanazar (que tão ímpio e cruel é este gênero de castigo) com lacre aos servos ; cortar-lhes as orelhas ou os narizes; marcá-los nos peitos e ainda na cara; abrasar-lhes os beiços e a boca com tições ardentes? Deixo outros castigos ainda mais inumanos que os ciúmes do senhor ou da senhora fazem executar nos escravos ou nas escravas, porque são tão indignos de virem à pena (…) Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra e moderação de vida e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos (escravos); porque as prisões e açoites, mais que qualquer outro gênero de castigo, lhes abatem o orgulho e quebram os brios”.
Torturando-o física e psicologicamente, os senhores e seus algozes buscavam destruir os valores do negro e forçá-lo a aceitar a idéia da superioridade da raça branca. O negro tinha de aceitar a escravidão como uma dádiva, pois, segundo a lógica da classe dominante, a Igreja o havia cristianizado e o homem branco o havia integrado à “civilização”.
Inferiorizado e adjetivado pelo homem branco como vadio, preguiçoso, traiçoeiro, malicioso etc., o negro perdia sua identidade e se submetia à estrutura racista.
Até o mulato, sofrendo reflexo da dominação cultural branca, assumia uma postura de superioridade em relação ao negro. Acreditando que estava mais próximo do branco do que do negro – como filho de um homem branco com uma mulher negra -, o mulato negava os seus próprios valores negros. Sua superioridade era apenas fruto dessa negação, do seu sonho de embranquecer. Assim agindo, o mulato aceitava a superioridade da cor e da cultura branca sobre a negra. Negando-se, buscava chegar-se ao senhor.
A realidade sobre o relacionamento senhor-escravo contraria a falsa idéia de que a maioria dos senhores cuidava muito bem de seus escravos, dando-lhes comida e tratamento adequados, preservando-os física e moralmente. Em síntese, a crueldade com o negro escravo foi a marca dominante do comportamento do homem branco.
A reação negra
A historiografia tradicional brasileira, elitista e heróica, foi usada como instrumento para desfigurar a verdade histórica. Deliberadamente ou não, foi comum aos historiadores do passado escrever a história do Brasil segundo a óptica do colonizador, ou seja, da elite dominante. Daí as incorreções metodológicas; daí os falseamentos ideológicos e históricos.
Dentre as inúmeras idéias falsas sobre a história do Brasil, citemos a da “passividade” do negro, isto é, a afirmação preconceituosa e racista de que o negro aceitou a escravidão passivamente. Falso. Se a historiografia tradicional pretende ressaltar a “benevolência” branca e a “passividade” negra, sua atitude não passa de uma tentativa de mascarar a realidade.
O negro sempre lutou contra a escravidão
A rigor, a luta do negro pela liberdade no Brasil é um fato histórico que extrapola os limites do tempo e chega aos dias atuais.
Os movimentos de luta e reação contra as relações escravistas adquiriram várias formas: suicídios, guerrilhas, insurreições, assassinatos de feitores e senhores, e as fugas – individuais e coletivas – que levaram à formação dos quilombos.
Isto gerou um problema sério para o historiador tradicionalista: como falar sobre as lutas negras e ao mesmo tempo defender a idéia sobre a “bondade” do senhor? O melhor seria sustentar a tese da “passividade” negra.
Todavia, não podemos confundir as lutas negras na colônia como movimentos de consciência coletiva e politicamente organizados com o propósito de colocar um ponto final no regime escravista. Nem tampouco foram movimentos voltados ideologicamente para a tomada do poder. Foram, invariavelmente; rebeldias, individuais ou coletivas, onde o negro buscava livrar-se da escravidão.
Essas ressalvas, contudo, não anulam a importância da luta dos negros no período colonial. Já no Império, as diferentes formas de luta do negro contribuíram, em escala considerável, para a substituição do trabalho escravo pelo livre e, conseqüentemente, para a abolição.
Os quilombos
Quilombo, por definição, é uma comunidade formada e organizada por negros em luta pela liberdade. Esses redutos foram a base da resistência negra contra a escravidão. Em qualquer lugar do Brasil onde prevalecessem relações escravistas surgiam quilombos, colocando em polvorosa a aristocracia rural.
“Pequeno ou grande, estável ou de vida precária, em qualquer região em que existia a escravidão, lá se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. (…)
Muitas vezes surpreende pela capacidade de organização, pela resistência que oferece; destruído parcialmente dezenas de vezes e novamente aparecendo, em outros locais, plantando a sua roça, constituindo suas casas, reorganizando a sua vida social e estabelecendo novos sistemas de defesa. “Das dezenas de quilombos existentes no Brasil, destacamos o Quilombo de Palmares, pela extensão territorial, organização e duração (65 anos). Palmares localizava-se estrategicamente no atual Estado de Alagoas, numa região acidentada e de difícil acesso, porém dotada de abundantes terras férteis, caças, frutas, rios e madeira.
A população de Palmares apresentava uma composição bastante heterogênea. Ali conviviam negros das mais diferentes etnias, mestiços e índios organizados em mocambos (aldeias), onde domesticavam animais, desenvolviam a arte da cerâmica e praticavam rudimentos de metalurgia. Os negros que chegavam em Palmares de livre e espontânea vontade passavam a viver em liberdade; os que fossem raptados dos engenhos ou aprisionados nos combates com portugueses e holandeses eram escravizados até que conseguissem trazer outro negro ao quilombo. A fertilidade da região da Serra da Barriga e o trabalho geraram grandes plantações e colheitas. Ali se cultivavam cana-de-açúcar, arroz, feijão, milho, fumo, mandioca e batata-doce.
Os quilombolas de Palmares faziam um pequeno comércio com os habitantes das redondezas e exigiam de alguns senhores próximos contribuições em forma de tributo para uma convivência pacífica.
A organização política de Palmares se assemelhava à de um reino africano. O governo era exercido por um rei e por um Conselho. O rei era escolhido entre aqueles que se destacavam nas guerras. O primeiro rei foi Ganga Zumba, que negociou uma paz com os brancos e por isso perdeu o prestígio.
Assassinado, Ganga Zumba foi substituído por Zumbi, o grande herói da resistência palmarina.
Palmares, com sua organização política, econômica e social, era um verdadeiro Estado negro autônomo dentro do Brasil senhorial. Por isso, sua existência era uma afronta à ordem branca instituída, devendo ser destruído. Depois de várias incursões ao quilombo, Palmares foi finalmente destruído, em 1694, por tropas comandadas pelo paulista Domingos Jorge Velho.
Zumbi resistiu heroicamente. Todavia, impossibilitado de resistir por mais tempo, tentou uma retirada com centenas de quilombolas. A estratégia não deu resultado. Apanhados de surpresa pelas forças inimigas, os fugitivos morreram lutando. Zumbi conseguiu fugir, porém, em 20 de novembro de 1695, foi aprisionado e decapitado. Sua cabeça, espetada em um poste, foi colocada em praça pública, para servir de exemplo aos negros que o julgavam imortal.
Todavia, a figura do grande herói negro Zumbi continua, até hoje, sendo o símbolo da luta negra contra o preconceito e o racismo no Brasil. Os negros elegeram 20 de novembro como o dia da consciência negra.
Os jesuítas
Entre todos os membros componentes das diferentes ordens religiosas que marcaram presença no Brasil – franciscanos, beneditinos, carmelitas, dominicanos -, destacaram-se os jesuítas.
Privilegiados na Corte portuguesa, os membros da Companhia de Jesus não tiveram dificuldades em se deslocar para o Brasil, onde exerceram o papel de mestres, catequistas, defensores dos índios e organizadores de missões.
Os primeiros jesuítas, entre eles Manuel da Nóbrega, chegaram ao Brasil com Tomé de Sousa. Naquele momento, a Igreja buscava a conversão das populações americanas com a finalidade de ampliar a fé católica abalada pela Reforma protestante iniciada por Lutero no continente europeu. Com esse intuito, os jesuítas começaram na colônia o trabalho de catequese e ensino.
Inúmeros colégios onde se ministrava o ensino gratuito e público foram fundados no Brasil. Para tanto foram auxiliados financeiramente pelo governo português. Nos colégios os cursos eram organizados em classes inferiores e superiores.
Havia cinco classes inferiores: uma de retórica, uma de humanidades e três de gramática. Nas classes inferiores o ensino durava de cinco a seis anos. Nas classes superiores faziam-se os estudos de filosofia, que abrangia matemática, moral, física, metafísica e lógica. O ensino superior era proibido na colônia. Quem quisesse uma formação universitária tinha de ir estudar em universidades européias.
Cabia também aos jesuítas o papel de guardiães da moral, e o de manter os colonos em permanente obediência à fé católica. Esta ação moralizadora, contudo, não impediu os desmandos e a liberalidade dos colonos. Vez ou outra a Igreja Católica enviava em visitações ao Brasil alguns fanáticos inquisidores do Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição.
As pessoas julgadas pela Inquisição por algum crime contra a fé não tinham o menor direito de defesa. No Brasil as acusações eram as mais diversas e atingiam os indivíduos independentemente da camada social a que pertencessem, isto é, tanto ricos quanto pobres. As pessoas eram acusadas por crime de feitiçaria, blasfêmia, heresia, prática do judaísmo, bigamia e “pecados nefandos” (práticas sexuais condenáveis). Inocentes ou não, os julgados pelo Tribunal do Santo Ofício podiam ter os bens confiscados ou serem condenados à morte.
Os jesuítas foram responsáveis pela catequese e pela organização dos índios em missões ou reduções. A catequese gerou sérios conflitos entre colonos e jesuítas, pois os colonos que pretendiam escravizar o índio viam nos jesuítas um empecilho à utilização da força do trabalho indígena. As missões se localizavam em regiões distantes das áreas urbanas, já que os índios migravam para o interior para fugir da escravidão imposta pelo colono. As missões foram organizadas de modo a se tomarem unidades produtoras de bens que seriam mercantilizados pelos padres. Assim, os jesuítas também foram responsáveis pela exploração do trabalho indígena em proveito próprio, com a diferença de que os índios trabalhavam em regime de liberdade.
Além disso, a catequização serviu como instrumento desarticulador da identidade cultural do índio. Com a catequese, o universo de valores do indígena foi desmantelado. Ressalte-se ainda o fato de que os índios catequizados, amansados, vivendo nas isoladas missões jesuíticas, tomaram-se presa fácil dos bandeirantes que ali iam buscá-los para escravizá-los ou vendê-los como escravos.
Portanto, ao organizar os índios em missões e catequizá-los, os jesuítas estavam contribuindo com a Coroa no processo de expansão e colonização. E enquanto defendiam os indígenas da escravização, estavam contribuindo para uma maior acumulação capitalista do Estado e do grupo traficante, que tinham no tráfico negreiro uma das suas principais fontes de renda. Em 1759, o ministro português marquês de Pombal expulsou os jesuítas do Brasil, alegando que eles estavam montando um império próprio em terras brasileiras.
A Sociedade Açucareira
A sociedade da região açucareira dos séculos XVI e XVII era composta, basicamente, por dois grupos.
O dos proprietários de escravos e de terras compreendia os senhores de engenho e os plantadores independentes de cana. Estes não possuíam recursos para montar um engenho para moer a sua cana e, para tal, usavam os dos senhores de engenho.
O outro grupo era formado pelos escravos, numericamente muito maior, porém quase sem direito algum.
Entre esses dois grupos existia uma faixa intermediária: pessoas que serviam aos interesses dos senhores como os trabalhadores assalariados (feitores, mestres-de-açúcar, artesãos) e os agregados (moradores do engenho que prestavam serviços em troca de proteção e auxílio).
Ao lado desses colonos e colonizados situavam-se os colonizadores: religiosos, funcionários e comerciantes.
Henry Chamberlain. Uma Família Brasileira
A sociedade açucareira era patriarcal. A maior parte dos poderes se concentrava nas mãos do senhor de engenho.
Com autoridade absoluta, submetia todos ao seu poder: mulher, filhos, agregados e qualquer um que habitasse seus domínios. Cabia-lhe dar proteção à família, recebendo, em troca, lealdade e deferência.
Essa família podia incluir parentes distantes, de status social inferior, filhos adotivos e filhos ilegítimos reconhecidos. Seu poder extrapolava os limites de suas terras, expandindo-se pelas vilas, dominando as Câmaras Municipais e a vida colonial. A casa grande foi o símbolo desse tipo de organização familiar implantado na sociedade colonial. Para o núcleo doméstico convergia a vida econômica, social e política da época.
J. Baptiste Debret, Regresso de um Proprietário, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, 1834 – 1839.
A posse de escravos e de terras determinava o lugar ocupado na sociedade do açúcar. Os senhores de engenho detinham posição mais vantajosa. Possuíam, além de escravos e terras, o engenho. Abaixo deles situavam-se os agricultores que possuíam a terra em que trabalhavam, adquirida por concessão ou compra.
Em termos sociais podiam ser identificados como senhores de engenho em potencial, possuindo terra, escravos, bois e outros bens, menos o engenho. Compartilhavam com eles as mesmas origens sociais e as mesmas aspirações.
O fato de serem proprietários independentes permitia-lhes considerável flexibilidade nas negociações da moagem da cana com os senhores de engenho. Eram uma espécie de elite entre os agricultores, apesar de haver entre eles um grupo que tinha condições e recursos bem mais modestos.
Esses dois grupos – senhores de engenho e agricultores -, unidos pelo interesse e pela dependência em relação ao mercado internacional, formaram o setor açucareiro.
Os interesses comuns, porém, não asseguravam a ausência de conflitos no relacionamento. Os senhores de engenho consideravam os agricultores seus subalternos, que lhes deviam não só cana – de – açúcar, mas também respeito e lealdade. As esposas dos senhores de engenho seguiam o exemplo, tratando como criadas as esposas dos agricultores.
Com o tempo, esse grupo de plantadores independentes de cana foi desaparecendo, devido à dependência em relação aos senhores de engenho e às dívidas acumuladas. Essa situação provocou a concentração da propriedade e a diminuição do número de agricultores.
J. Baptiste Debret, Uma senhora brasileira em seu lar, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, 1834 – 1839.
Existiam também os lavradores, que não possuíam terras, somente escravos. Recorriam a alguma forma de arrendamento de terras dos engenhos para plantar a cana. Esse contrato impunha-lhes um pesado ônus, pois em cada safra cabia-lhes, apenas, uma pequena parcela do açúcar produzido. Esses homens tornaram-se fundamentais à produção do açúcar. O senhor de engenho deixava em suas mãos toda a responsabilidade pelo cultivo da cana, assumindo somente a parte do beneficiamento do açúcar, muito mais lucrativa.
Nesta época, o termo “lavrador de cana” designava qualquer pessoa que praticasse a agricultura, podendo ser usado tanto para o mais humilde dos lavradores como para um grande senhor de engenho, conforme explica o historiador americano Stuart Schwartz.
No século XVI o açúcar tornou-se o principal produto de exportação brasileiro. Apesar da atividade mineradora do século XVIII e da concorrência do açúcar produzido nas Antilhas, essa posição manteve-se até o inicio do século XIX. Em todo esse tempo, segundo Schwartz, “houve tanto bons quanto maus períodos e, embora o Brasil nunca recuperasse sua posição relativa como fornecedor de açúcar no mercado internacional, a indústria açucareira e a classe dos senhores de engenho permaneceram dominantes em regiões como Bahia e Pernambuco.”
Fonte: www.geocities.com/www.multirio.rj.gov.br
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