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Esta História do Brasil, se dirige aos estudantes do Ensino 2º grau e das universidades e tem a esperança de atingir também o público letrado em geral.
A ambição de abrangência parte do princípio de que, sem ignorar a complexidade do processo histórico, a História é uma disciplina acessível a pessoas com diferentes graus de conhecimento. Mais do que isso, é uma disciplina vital para a formação da cidadania. Não chega a ser cidadão quem não consegue se orientar no mundo em que vive, a partir do conhecimento da vivência das gerações passadas.
Qualquer estudo histórico, mesmo uma monografia sobre um assunto bastante delimitado, pressupõe um recorte do passado, feito pelo historiador, a partir de suas concepções e da interpretação de dados que conseguiu reunir. A própria seleção de dados tem muito a ver com as concepções do pesquisador.
Esse pressuposto revela-se por inteiro quando se trata de dar conta de uma seqüência histórica de quase quinhentos anos, em algumas centenas de páginas. Por isso mesmo, o que o leitor tem em mão não é a História do Brasil – tarefa pretensiosa e aliás impossível – mas uma História do Brasil, narrada e interpretada sinteticamente, na óptica de quem a escreveu.
O recorte do passado, seja ele qual for, obedece a um critério de relevância e implica o abandono ou o tratamento superficial de muitos processos e episódios.
Como todo historiador, faço também um recorte, deixando de lado temas que por si sós mereceriam monografias.Entre tentar “incluir tudo”, com o risco da incongruência, e limitar-me a estabelecer algumas conexões de sentido básicas, preferi a segunda opção. Com esse objetivo, procurei integrar os aspectos econômicos, político-sociais e, em certa medida, ideológicos da formação social brasileira, deixando de lado as manifestações da cultura, tomada a expressão em sentido estrito. Essa exclusão não se baseou em um critério de relevância, mas de outra natureza que é necessário esclarecer.
Parti da constatação de que o inter-relacionamentoentre a estrutura sócio-econômica e as manifestações da cultura é por si só um problema específico, que demanda seguir outros e difíceis caminhos.
Como não poderia percorrê-los, preferi deixar de lado os fatos da cultura, em vez de simplesmente enumerá-los, em umesforço de mera catalogação.
Por exemplo: ao falar das Minas Gerais dos últimos decênios doséculo XVIII, deixei de lado o arcadismo literário, a arquitetura e a música barroca; ao lidar comos anos 20 deste século, deliberadamente, não cogitei do movimento modernista.
Cabe ainda lembrar uma razão adicional para esse procedimento: um outro volume dacoleção versará sobre a literatura.
O leitor poderá perceber, no correr da leitura, os pressupostos deste trabalho, mas háalguns que convém explicitar. Rejeitei duas tendências opostas, na exposição do processohistórico brasileiro. De um lado, aquela que vê a História do Brasil como uma evolução,caracterizada pelo progresso permanente-perspectiva simplista que os anos maisrecentes seencarregaram de desmentir. De outro lado, aquela que acentua na História do Brasil os traçosde imobilismo, como, por exemplo, o clientelismo, a corrupção, a imposição do Estado sobre a sociedade, tanto na Colônia como nos dias de hoje.
A última tendência está geralmenteassociada ao pensamento conservador. Por meio dela, é fácil introduzir a idéia da inutilidadedos esforços de mudança, pois o Brasil é e será sempre o mesmo; conviria assim adaptar-se à realidade, tecida pelos males citados e onde se inclui, não por acaso, a imensa desigualdadesocial.
Na minha exposição, está implícita uma posição oposta a esse tipo de pensamento. Acada passo, na passagem do Brasil Colônia para o Brasil independente, na passagem daMonarquia para a República etc. procurei mostrar que, em meio a continuidades eacomodações, o país muda, conforme o caso no plano socioeconômico ou no plano político e,às vezes, em ambos.
No equilíbrio entre as várias partes do livro, dei maior peso à fase que se inicia em fins doséculo XIX e vai até os dias de hoje. Deliberadamente, à medida que me aproximei da épocaatual, tratei de abrir maior espaço à narrativa, enfatizando os acontecimentos políticos. Essaopção não indica que considere menos significativo o período colonial oua época deconstrução do Brasil independente.
Pelo contrário, aí devem ser buscadas as “raízes do Brasil”,na feliz expressão de Sérgio Buarque de Holanda. Se dei maior ênfase ao período mais próximode nossos dias, foi porque ele se encontra em parte presente na nossa memória e porqueincidediretamente nas opções da atualidade. Não há como negar, por exemplo, que estamosmais interessados na significação do regime militar do que nas capitanias hereditárias.
Tratei de tornar explícita a controvérsia entre historiadores sobre questões relevantes dahistória brasileira, por duas razões. Em primeiro lugar, porque esta é uma boa maneira de sedemonstrar a inexistência de uma verdade histórica imutável, que o historiador vaidescobrindo e sobre a qual põe seuselo.
O passado histórico é um dado objetivo e não purafantasia, criada por quem escreve. Mas essa objetividade, composta de relações materiais, deprodutos da imaginação social e da cultura, passa pelo trabalho de construção do historiador.Como disse antes, ele seleciona fatos, processos sociais etc., e os interpreta, de acordo comsuas concepções e as informações obtidas. Por isso, ao mesmo tempo que não é arbitrária, aHistória-tanto ou mais do que outras disciplinas-se encontra em constante elaboração. Emsegundo lugar, procurei destacar as controvérsias por uma razão mais simples-a de colocar oleitor a par do debate mais recente em torno de questões centrais. Em alguns casos, expusapenas as opiniões em confronto; em outros, achei necessário tomar partido, o que nãosignifica que o leitor deva concordar com o meu ponto de vista.
Considerando-se os fins deste livro, não pude incluir notas contendo observaçõesmarginais e referências às obras utilizadas. Se isso tornou o livro mais leve, criou aomesmotempo um problema para o autor.
Muito do texto se deve a trabalhos de outros autores queincorporei e selecionei para os meus fins. Como não citá-los, sem fazer injustiças e correr orisco de ser acusado de plágio?
Procurei resolver o problema através das referências bibliográficas finais. As referências não abrangem todas as fontes consultadas e não contêmnecessariamente a bibliografia essencial.
Elas abrangem apenas aqueles textos diretamente utilizados na redação. Obviamente, por utilizá-los, considero-os importantes.
Por último, desejo agradecer a todas as pessoas que me ajudaram na elaboração do livro.Fernando Antônio Novais e Luís Felipe de Alencastro leram, respectivamente, os capítulossobre a Colônia e o Império, fazendo várias sugestões, incorporadas em grande medida notexto final. Pedro Paulo Poppovic leu os originais, fez observações e colaborou bastante para olivro. Lourdes Sola, Carlos e Sérgio Fausto, Amaury G. Bier, Albertina de Oliveira Costa, entreoutros, fizeram sugestões sobrepartes do texto ou esclareceram dúvidas sobre questões específicas. Devo agradecer também a instituições e pessoas que, com sua gentileza econhecimento, possibilitaram o uso das imagens constantes do livro. Com o risco de incorrerem omissões, lembro Mônica Kornis, do Setor de Documentação do CPDOC da FGV (RI);JloséÊnio Casalecchi, Diretor do Arquivo do Estado de São Paulo; Cláudia Vada Souza Ferreira,coordenadora do acervo da Fundação Maria Luisa-Oscar Americano (SP); Ângela Araújo,Diretora do Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP); Miyoko Makino, historiógrafa do MuseuPaulista. Wânia Tavares da Silva digitou, com muito cuidado, os originais. Como se costumadizer, o mérito da ajuda é deles; as eventuais falhas do produto final são minhas.
AS CAUSAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E A CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL
Desde cedo, aprendemos em casa ou na escola que o Brasil foi descoberto por PedroÁlvares Cabral em abril de 1500. Essefato constitui um dos episódios de expansão marítima portuguesa, iniciada em princípios do século XV. Para entendê-la, devemos começar pelastransformações ocorridas na Europa Ocidental, a partir de uma data situada em torno de 1150. Foi nessa época que a Europa, nascida das ruínas do Império Romano e da presença dos chamados povos bárbaros, começou pouco a pouco a se modificar, pela expansão da agricultura e do comércio.
Que Europa era essa?
Uma região esmagadoramente rural, onde as cidades haviam regredido e as trocaseconômicas diminuído muito, embora sem desaparecerem completamente.
Ao mesmo tempo,o poder político se fragmentara e se descentralizara, não obstante o mito do Império aindaproporcionar certa coerência cultural e mesmo legal a toda a área.
A expansão agrícola foi possível graças à abertura de novas regiões cultivadas, com aderrubada de florestas, a secagem de pântanos e o incentivo da expansão comercial. Estaresultou de vários fatores. Dentre eles, a crescente existência de produtos agrícolas nãoconsumidos nos grandes domínios rurais que constituíam excedentes econômicos passíveis detroca. Outros fatores foram a especialização de funções, demandando a compra de bens nãoproduzidos em cada domínio rural, e a busca de produtos destinadosao consumo de luxo daaristocracia.
As cidades começaram a crescer e a se transformar em ilhas de relativa liberdade,reunindo artesãos, comerciantes e mesmo antigos servos que tentavam encontrar aí umaalternativa de vida, fugindo dos campos.
A partir doséculo XIII, foram-se definindo por uma série de batalhas algumas fronteirasda Europa que, no caso da França, da Inglaterra e da Espanha, permanecem aproximadamenteas mesmas até hoje.
Dentro das fronteiras foi nascendo o Estado como uma organizaçãopolítica centralizada, cuja figura dominante-o príncipe-e a burocracia em que se apoiavatomaram contornos próprios que não se confundiam com os grupos sociais mesmo os maisprivilegiados, como a nobreza.
Esse processo durou séculos e alcançou seu ponto decisivoentre 1450 e 1550.
Também ocorreu uma expansão geográfica da Europa cristã, antecessora cm outrascondições da expansão marítima iniciada no século XV, pela reconquista de territórios ou aocupação de novos espaços.
A Península Ibérica foi sendo retomada dos mouros; oMediterrâneo deixou de ser um “lago árabe”, onde os europeus não conseguiam sequercolocar um barquinho; os cruzados ocuparam Chipre, a Palestina, a Síria, Creta e as ilhas doMar Egeu; no noroeste da Europa, houve expansão inglesa nadireção do País de Gales, daEscócia e da Irlanda; no leste europeu, alemães e escandinavos conquistaram as terras doBálticoeas habitadas pelos eslavos.
Mas todo esse avanço não foi, como se poderia pensar, um impulso irresistível, semmarchas e contramarchas, rumo aos tempos modernos. Pelo contrário, perdeu o ímpeto euma crise profunda se instalou, aí pelo início do século XIV. Nessa época, uma exploração maisintensa dos camponeses provocou várias rebeliões ao longo dos anos, em lugares tãodiversoscomo o norte da Itália na virada do século XIV, a Dinamarca (1340) e a França (1358).A nobreza dividiu-se internamente em uma série de guerras. Houve declínio da população,escassez de alimentos, epidemias, das quais a mais famosa foi a Peste Negra, que grassou entre 1347 e 1351. Grandes extensões de terra ocupadas por camponeses foram abandonadase aldeias inteiras desapareceram. Esse processo ocorreu, tanto em conseqüência da crisecomo do reagrupamento de terras por parte de grandes senhores que visaramà suaexploração comercial, em novos moldes.
Houve também um retrocesso da expansão territorial: os mouros permaneceram em Granada, os cruzados foram expulsos do OrienteMédio, os mongóis invadiram a planície russa etc.
As discussões mais significativas sobre as causas da crise têm salientado o impacto dasepidemias e as características do meio físico, como as variações do clima e as condições dosolo, mas integram esses fatores em uma explicação maior. Há historiadores que sustentamque, dadas as limitações inerentes à organização social feudal, não havia suficientereinvestimento de lucros na agricultura de modo a aumentar significativamente aprodutividade; com isso, os bens disponíveis se restringiram, levando às guerras entresenhores e camponeses e, em uma seqüência de fatos, à estagnação. Essa explicação, naaparência distante do nosso tema, é importante porque, segundo ela, a única saída para setirar a Europa Ocidental da crise seria expandir novamente a base geográfica e de população aser explorada. Mas isso não quer dizer que fatalmente, em meio à crise, um pequeno país dosudoeste da Europa deveria lançar-se no que viria a ser uma grande aventura marítima.
Por que Portugal iniciou pioneiramente a expansão, no começo do século XV, quase cemanos antes que Colombo, enviado pelos espanhóis, chegasse às terras da América?
A resposta não é simples, pois uma série de fatores devem ser considerados. O própriopeso atribuído a cada um deles pelos historiadores tem variado, seja pela aquisição de novosconhecimentos dos fatos da época, seja pela contínua mudança de concepções sobre o que émais ou menos importante para se explicar o processo histórico. Por exemplo, sem ignorar opapel do Infante Dom Henrique (1394-1460) e de sua lendária Escola de Sagres noincentivo àexpansão, hoje não se acredita que esses fatos tenham sido tão relevantes quanto se pensavaaté alguns anos atrás.
Para começar, Portugal seafirmava no conjunto da Europa como um país autônomo, comtendência a voltar-se para fora. Os portugueses já tinham experiência, acumulada ao longo dosséculos XIII e XIV, no comércio de longa distância, embora não se comparassem ainda avenezianos e genoveses, a quem iriam ultrapassar. Aliás, antes de os portugueses assumirem ocontrole de seu comércio internacional, os genoveses investiram na sua expansão,transformando Lisboa em um grande centro mercantil sob sua hegemonia.
A experiênciacomercial foi facilitada também pelo envolvimento econômico de Portugal com o mundoislâmico do Mediterrâneo, onde o avanço das trocas pode ser medido pela crescente utilizaçãoda moeda como meio de pagamento. Sem dúvida, a atração para o mar foi incentivada pelaposição geográfica do país, próximo às ilhas do Atlântico e à costa da África. Dada a tecnologiada época, eraimportante contar com correntes marítimas favoráveis, e elas começavamexatamente nos portos portugueses ou nos situados no sudoeste da Espanha.
Mas há outros fatores da história política portuguesa tão ou mais importantes do que osjá citados. Portugal não escapou à crise geral do ocidente da Europa.
Entretanto, enfrentou-aem condições políticas melhores do que a de outros reinos. Durante todo o século XV, Portugalfoi um reino unificado e menos sujeito a convulsões e disputas, contrastando com a França,aInglaterra, a Espanha e a Itália, todas envolvidas em guerras e complicações dinásticas.
A monarquia portuguesa consolidou-se através de uma história que teve um dos seus pontosmais significativos na revolução de 1383-1385. A partir de uma disputa cm torno da sucessãoao trono português, a burguesia comercial de Lisboa se revoltou. Seguiu-se uma grandesublevação popular, a “revolta do povo miúdo”, no dizer do cronista Fernão Lopes.
A revoluçãoera semelhante a outros acontecimentos que agitaram o ocidente europeu na mesma época,mas teve um desfecho diferente das revoltas camponesas esmagadas em outros países pelosgrandes senhores.
O problema da sucessão dinástica confundiu-se com uma guerra deindependência, quando o rei de Castela, apoiado pela grande nobreza lusa, entrou em Portugalpara assumir a regência do trono. No confronto, firmaram-se ao mesmo tempo aindependência portuguesa e a ascensão ao poder da figura central da revolução, Dom João,conhecido como Mestre de Avis, filho bastardo do Rei Pedro I.
Embora alguns historiadores considerem a revolução de 1383 uma revolução burguesa, ofato importante está em que ela reforçou e centralizou o poder monárquico, a partir dapolítica posta em prática pelo Mestre de Avis.
Em torno dele, foram se reagrupando os váriossetores sociais influentes da sociedade portuguesa: a nobreza, os comerciantes, a burocracianascente.
Esse é um ponto fundamental na discussão sobre as razões da expansão portuguesa.Isso porque, nas condições da época, era o Estado, ou mais propriamente a Coroa, quem podiase transformar em um grande empreendedor, se alcançasse as condições de força eestabilidade para tanto.
Por último, lembremos que, no início do século XV, a expansão correspondia aosinteresses diversos das classes, grupos sociais e instituições que compunham a sociedadeportuguesa.
Para os comerciantes era a perspectiva de um bom negócio; para o rei era aoportunidade de criar novas fontes de receita em uma época em que os rendimentos da Coroatinham diminuído muito, além de ser uma boa forma de ocupar os nobres e motivo deprestígio; para os nobres e os membros da Igreja, servir ao rei ou servir a Deus cristianizando”povos bárbaros” resultava em recompensas e em cargos cada vez mais difíceis de conseguir,nos estreitosquadros da Metrópole; para o povo, lançar-se ao mar significava sobretudoemigrar, tentar uma vida melhor, fugir de um sistema de opressões. Dessa convergência deinteresses só ficavam de fora os empresários agrícolas, para quem a saída de braços do paísprovocava o encarecimento da mão-de-obra.
Daí a expansão ter-se convertido em umaespécie de grande projeto nacional, ao qual todos, ou quase todos, aderiram e que atravessouos séculos.
O GOSTO PELA AVENTURA
Pela menção dos grupos interessados, podemos perceber que os impulsos para aaventura marítima não eram apenas comerciais. Não é possível tentar entendê-la com os olhosde hoje, e vale a pena, por isso, pensar um pouco no sentido da palavra aventura. Há cincoséculos, estávamos muito distantes de um mundo inteiramente conhecido, fotografado porsatélites, oferecido ao desfrute por pacotes de turismo.
Havia continentes mal ou inteiramentedesconhecidos, oceanos inteiros ainda não atravessados. As chamadas regiões ignotasconcentravam a imaginaçãodos povos europeus, que aí vislumbravam, conforme o caso,reinos fantásticos, habitantes monstruosos, a sede do paraíso terrestre.
Por exemplo, Colombo pensava que, mais para o interior da terra por ele descoberta,encontraria homens de um só olho e outroscom focinho de cachorro.
Ele dizia ter visto trêssereias pularem para fora do mar, decepcionando-se com seu rosto: não eram tão belasquanto imaginara. Em uma de suas cartas, referia-se às pessoas que, na direção do poente,nasciam com rabo.
Em 1487, quando deixaram Portugal encarregados de descobrir o caminho terrestre paraasÍndias, Afonso de Paiva e Pero daCovilhã levavam instruções de Dom João II para localizar oreino do Preste João.
A lenda do Preste João, descendente dos Reis Magos e inimigo ferrenhodos muçulmanos, fazia parte do imaginário europeu desde pelo menos meados do século XII.Ela se construiua partir de um dado real-a existência da Etiópia, no leste da África, onde viviauma população negra que adotara um ramo do cristianismo.
Não devemos tomar como fantasias desprezíveis, encobrindo a verdade representadapelo interesse material, os sonhosassociados à aventura marítima. Mas não há dúvida de queo interesse material prevaleceu, sobretudo quando os contornos do mundo foram sendo cadavez mais conhecidos e questões práticas de colonização entraram na ordem do dia.
O DESENVOLVIMENTO DASTÉCNICAS DE NAVEGAÇÃO. A NOVA MENTALIDADE
Dois últimos pontos devem ser notados ao falarmos em termos gerais da expansãomarítima portuguesa. De um lado, ela representou uma importante renovação das chamadas”técnicas de marear”.
Quando principiaram as viagens lusitanas rumo à Guiné, as cartas denavegação não indicavam ainda latitudes ou longitudes, mas apenas rumos e distâncias.
Oaperfeiçoamento de instrumentos como o quadrante e o astrolábio, que permitiam conhecer alocalização de um navio pela posiçãodos astros, representou uma importante inovação.
Osportugueses desenvolveram também um tipo de arquitetura naval mais apropriada, com a construção da caravela, utilizada a partir de 1441. Era uma embarcação leve e veloz para ascondições da época, de pequeno calado, permitindo por isso aproximar-se bastante da terrafirme e evitar, até certo ponto, o perigo de encalhar. A caravela foi a menina dos olhos dosportugueses, que a empregaram bastante nos séculos XVI e XVII, nas viagens para o Brasil.
O outro ponto importante da expansão portuguesa diz respeito a uma gradual mudançade mentalidade, notável em humanistas portugueses como Duarte Pacheco Pereira, DiogoGomes e Dom João de Castro.
No plano coletivo,as mentalidades não mudam rapidamente, eo imaginário fantástico continuou a existir, mas a expansão marítima foi mostrando cada vezmais como antigas concepções eram equivocadas-por exemplo, a descrição do mundo naGeografia de Ptolomeu-e como era necessário valorizar o conhecimento baseado naexperiência. Com isso, o critério de autoridade, ou seja, a aceitação de uma afirmativa comoverdadeira só por ter sido feita por alguém que se supõe entender do assunto, começou a serposto em dúvida.
A ATRAÇÃO PELO OURO E PELAS ESPECIARIAS
Quais os bens mais buscados no curso da expansão portuguesa?
A dupla formada pelo ouro e pelas especiarias. E fácil perceber o interesse pelo ouro.
Ele era utilizado como moeda confiável e empregado pelos aristocratasasiáticos na decoração detemplos e palácios e na confecção de roupas.
Mas por que as especiarias?
Primeiro é precisoesclarecer o sentido da palavra. Ela provém do latim especia, termo usado pelos médicos paradesignar “substância”. O termo ganhou depoiso sentido de substância muito ativa, muito cara,utilizada para vários fins, como condimento-isto é, tempero de comida-, remédio ou perfumaria. Especiaria se associa também à idéia de produto raro, utilizado em pequenasquantidades. Houve produtos, como o açúcar, que foram especiarias mas, com a introdução deseu consumo em massa, deixaram de ser.
São condimentos, entre outros, a noz-moscada, ogengibre, a canela, o cravo e, naqueles tempos, sobretudo a pimenta, a ponto de se usar aexpressão “caro comopimenta”.
O alto valor das especiarias se explica pelos limites das técnicas de conservação existentesna época e também por hábitos alimentares. A Europa Ocidental da Idade Média foi “umacivilização carnívora”.
Grandes quantidades de gado eram abatidas no início do verão, quandoas forragens acabavam no campo. A carne era armazenada e precariamente conservada pelosal, pela defumação ou simplesmente pelo sol.
Esses processos, usados também paraconservar o peixe, deixavam os alimentos intragáveis, e a pimenta servia para disfarçar o quetinham de desagradável.
Os condimentos representavam também um gosto alimentar daépoca, como o café, que bem mais tarde passoua ser consumido em grande escala em todo omundo.
Havia mesmo uma espécie de hierarquia no seu consumo: na base, os de cheiro acre,como o alho e a cebola; no alto, os condimentos mais finos, com odores aromáticos, suaves,lembrando o perfume das flores.
Ouro e especiarias foram assim bens sempre muito procurados nos séculos XV e XVI, mashavia outros, como o peixe, a madeira, os corantes, as drogas medicinais e, pouco a pouco, uminstrumento dotado de voz-os escravos africanos.
A OCUPAÇÃO DA COSTA AFRICANA E AS FEITORIAS
Costuma-se considerar a conquista da cidade de Ceuta, no norte da África, em 1415,como o ponto de partida da expansão ultramarina portuguesa. Esse episódio, porém, é poucotípico do que viria depois.
Os historiadores portugueses têmversões diversas sobre ele. Paraalguns, a conquista tinha por objetivos principais abrir caminho na busca do ouro do Sudão econtrolar incursões piratas dos árabes nas costas de Portugal. Para outros, foi uma grandeexpedição da nobreza, promovida pelo rei, em busca de saque e aventura.
A expansão metódica desenvolveu-se ao longo da costa ocidental africana e nas ilhas doOceano Atlântico. Fruto de um mesmo movimento, o contato com esses dois espaçosgeográficos resultou em situações tão diversas, que vale a pena separá-los em nossaexposição. O reconhecimento da costa ocidental africana não se fez da noite para o dia. Levou53 anos, da ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes (1434) até a temida passagem doCabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias (1487). A partir da entrada no Oceano Indico, foipossível a chegada de Vasco da Gama à índia, a sonhada e ilusória índia das especiarias.Depois, osportugueses alcançaram a Chinaeo Japão, onde sua influência foi considerável, aponto de os historiadores japoneses chamarem de “século cristão” o período compreendidoentre 1540 e 1630.
Sem penetrar profundamente no território africano, os portugueses foram estabelecendona costa uma série de feitorias, que eram postos fortificados de comércio; isso indica aexistência de uma situação em que as trocas comerciais eram precárias, exigindo a garantiadas armas. A parte comercial do núcleo era dirigida por um agente chamado feitor.
Cabia a elefazer compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos c estocá-las, até que fossemrecolhidas pelos navios portugueses para a entrega na Europa.
A opção pela feitoriapraticamente tornava desnecessária a colonização do território ocupado pelas populaçõesafricanas, bem organizadas a partir do Cabo Verde.
Mas se os portugueses não avançaram territorialmente, a Coroa organizou o comércioafricano, estabelecendo o monopólio real sobre as transações com ouro, obrigando acunhagem de moeda em uma Casa da Moeda e criando também, por volta de 1481, a Casa daMina ou Casa da Guiné, como uma alfândega especial para o comércio africano. Da costaocidental da África, os portugueses levavam pequenas quantidades de ouro em pó, marfim,cujo comércio se achava até então em mãos de mercadores árabes e era feito através do Egito,a variedade de pimenta chamada malagueta e, a partir de 1441, sobretudo escravos. Estesforam, no começo, encaminhados a Portugal, sendo utilizados em trabalhos domésticos eocupações urbanas.
A OCUPAÇÃO DAS ILHAS DO ATLÂNTICO
A história da ocupação das ilhas do Atlântico é bem diferente do que ocorreu na África.Nelas os portugueses realizaram experiências significativas de plantio em grande escala,empregando trabalho escravo.
Após disputar com os espanhóis e perder para eles a posse das Ilhas Canárias, conseguiram se implantar nas outras ilhas: na Madeira, por volta de 1420, nosAçores, em torno de 1427, nas Ilhas de Cabo Verde, em 1460, e na de São Tome, em 1471. Na Ilha da Madeira, dois sistemas agrícolas paralelos competiram pela predominância econômica.
O cultivo tradicional do trigo atraiu um número considerável de modestos camponesesportugueses, que tinham a posse de suas terras. Ao mesmo tempo, surgiram as plantações decana-de-açúcar, incentivadas por mercadores e agentes comerciais genoveses e judeus,baseadas no trabalho escravo. A economia açucareira acabou por triunfar, mas seu êxito foi breve.
O rápido declínio deveu-se tanto a fatores internos como à concorrência do açúcar doBrasil e de São Tomé. De fato, nessa ilha, situada no Golfo da Guiné, os portuguesesimplantaram um sistema de grande lavoura da cana-de-açúcar, com muitas semelhanças aocriado no Brasil.
Próxima da costa africana, especialmente das feitorias de São Jorge da Mina eAxim, a ilha contou com um abundante suprimento de escravos. Nela existiram engenhosque, segundo uma descrição de 1554, chegavam a ter de 150 a 300 cativos. São Tome foisempre um entreposto de escravos vindos do continente para serem distribuídos na América ena Europa, e esta acabou sendo a atividade principal da ilha, quando no século XVII a indústriaaçucareira atravessou tempos difíceis.
A CHEGADA AO BRASIL
Não sabemos se o nascimento do Brasil se deu por acaso, mas não há dúvida de que foicercado de grande pompa. A primeira nau de regresso da viagem de Vasco da Gama chegou aPortugal, produzindo grande entusiasmo, em julho de 1499. Meses depois, a 9 de março de1500, partia do Rio Tejo em Lisboa uma frota de treze navios, a mais aparatosa que até entãotinha deixado o reino, aparentemente com destino às índias, sob o comando de um fidalgo depouco mais de trinta anos, PedroÁlvares Cabral. A frota, após passar as Ilhas de Cabo Verde,tomou rumo oeste, afastando-se da costa africana até avistar o que seria terra brasileira a 21de abril. Nessa data, houve apenas uma breve descida à terra e só no dia seguinte a frotaancoraria no litoral da Bahia, em Porto Seguro.
Desde o século XIX, discute-se se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso,sendo produzida pelas correntes marítimas, ou sejá havia conhecimento anterior do NovoMundo e Cabral estava incumbido de uma espécie de missão secreta que o levasse a tomar orumo do ocidente.
Tudo indica que a expedição de Cabral se destinava efetivamente às índias.Isso não elimina a probabilidade denavegantes europeus, sobretudo portugueses, teremfreqüentado a costa do Brasil antes de 1500.
De qualquer forma, trata-se de uma controvérsiaque hoje interessa pouco, pertencendo mais ao campo da curiosidade histórica do que àcompreensão dos processoshistóricos.
No começo deste livro, falamos em nascimento e descobrimento do Brasil.
Chegou a horade dizer que essas expressões se prestam a engano,pois podem dar idéia de que não haviapresença humana anterior à chegada dos portugueses ao Novo Mundo.
Estamos nos referindoobviamente à existência da população indígena.
O BRASIL COLONIAL 1500-1822
OS ÍNDIOS
Quando os europeus chegaram à terra que viria a ser o Brasil, encontraram umapopulação ameríndia bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos, distribuída aolongo da costa e na bacia dos Rios Paraná-Paraguai.
Podemos distinguir dois grandes blocos que subdividem essa população: os tupis-guaranisc os tapuias. Os tupis-guaranisestendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde pelomenos o Ceará até a Lagoa dos Patos, no extremo Sul. Os tupis, também denominadostupinambás, dominavam a faixa litorânea, do Norte até Cananéia, no sul do atual Estado deSão Paulo; os guaranis localizavam-se na bacia Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entreCananéia e o extremo sul do que viria a ser o Brasil. Apesar dessa localização geográficadiversa dos tupis e dos guaranis, falamos em conjunto tupi-guarani, dada a semelhança decultura ede língua.
Em alguns pontos do litoral, a presença tupi-guarani era interrompida por outros grupos,como os goitacases na foz do Rio Paraíba, pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do EspíritoSanto, pelos tremembés na faixa entre o Ceará e o Maranhão.Essas populações eramchamadas tapuias, uma palavra genérica usada pelos tupis-guaranis para designar índios quefalavam outra língua.
Devemos lembrar que a classificação descrita resulta de estudos recentes dosantropólogos, baseando-se, como dissemos, emafinidades culturais e lingüísticas.
Osportugueses identificaram de forma impressionista muitas “nações” indígenas, como oscarijós, os tupiniquins, os tamoios etc.
É difícil analisar a sociedade e os costumes indígenas, porque se lida com povos de culturamuito diferente da nossa e sobre a qual existiram e ainda existem fortes preconceitos. Isso sereflete, em maior ou menor grau, nos relatos escritos por cronistas, viajantes e padres,especialmente jesuítas. Existe nesses relatos uma diferenciação entreíndios com qualidadespositivas e índios com qualidades negativas, de acordo com o maior ou menor grau deresistência oposto aos portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pelaeficiência militar e pela rebeldia, foram sempre apresentados deforma desfavorável.
Deacordo com os mesmos relatos, em geral, os índios viviam em casas, mas os aimorés viviamcomo animais na floresta. Os tupinambás comiam os inimigos por vingança; os aimorés,porque apreciavam carne humana.
Quando a Coroa publicou a primeira lei em que se proibia aescravização dos índios (1570), só os aimorés foram especificamente excluídos da proibição.
Há também uma falta de dados que não decorre nem da incompreensão nem dopreconceito, mas da dificuldade de sua obtenção. Não se sabe, por exemplo, quantos índiosexistiam no território abrangido pelo que é hoje o Brasil e o Paraguai, quando os portugueseschegaram ao Novo Mundo. Os cálculos oscilam entre números tão variados como 2 milhõespara todo o território e cerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira.
Os grupos tupis praticavam a caça, a pesca, a coleta de frutas e a agricultura, mas seriaengano pensar que estivessem intuitivamente preocupados em preservar ou restabelecer oequilíbrio ecológico das áreas por eles ocupadas.Quando ocorria uma relativa exaustão dealimentos nessas áreas, migravam temporária ou definitivamente para outras. De qualquer forma, não há dúvida de que, pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologiarudimentar de que dispunham, estavam longe de produzir os efeitos devastadores da poluiçãode rios com mercúrio, ou da derrubada de florestas com motosserras, características dasatividades dos brancos nos dias de hoje.
Para praticar a agricultura, os tupis derrubavam árvores e faziam a queimada-técnica queiria ser incorporada pelos colonizadores. Plantavam feijão, milho, abóbora e principalmentemandioca, cuja farinha se tornou também um alimento básico da Colônia. A economia erabasicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio. Cada aldeia produzia parasatisfazer a suas necessidades, havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com outrasaldeias.
Mas existiam contatos entre elas para a troca de mulheres e de bens de luxo, comopenasde tucano e pedras para se fazer botoque.
Dos contatos resultavam alianças em que grupos dealdeias se posicionavam uns contra os outros.
A guerra e a captura de inimigos-mortos emmeio à celebração de um ritual canibalístico-eram elementos integrantes da sociedade tupi.Dessas atividades, reservadas aos homens, dependiam a obtenção de prestígio e a renovaçãodas mulheres.
A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe. Vindosde muito longe, com enormes embarcações, os portugueses, e em especial os padres, foram associados na imaginação dos tupis aos grandes xamãs (pajés), que andavam pela terra, dealdeia em aldeia, curando, profetizando e falando-lhes de uma terra de abundância.
Osbrancos eram ao mesmo tempo respeitados, temidos e odiados, como homens dotados depoderes especiais.
Por outro lado, como não existia uma nação indígena e sim grupos dispersos, muitasvezes em conflito, foi possível aos portugueses encontrar aliados entre os próprios indígenas,na lutacontra os grupos que resistiam a eles. Por exemplo, em seus primeiros anos deexistência, sem o auxílio dos tupis de São Paulo, a Vila de São Paulo de Piratininga muitoprovavelmente teria sido conquistada pelos tamoios. Tudo isso não quer dizer que os índiosnão tenham resistido fortemente aos colonizadores, sobretudo quando se tratou de escravizá-los.
Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência cultural, asepidemias e mortes. Do contato com o europeu resultou uma população mestiça, que mostra,até hoje, sua presença silenciosa na formação da sociedade brasileira.
Uma forma excepcional de resistência dos índios consistiu no isolamento, alcançadoatravés de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em limites muitoestreitos, esse recurso permitiu a preservação de uma herança biológica, social e cultural. Mas,no conjunto, a palavra “catástrofe” é mesmo a mais adequada para designar o destino dapopulação ameríndia.
Milhões de índios viviam no Brasil na época da conquista e apenas cercade 250 mil existem nos dias de hoje.
OS PERÍODOS DO BRASIL COLONIAL
Podemos dividir a história do Brasil colonial em três períodos muito desiguais em termos cronológicos: o primeiro vai da chegada de Cabral à instalação do governo geral, em 1549; osegundo é um longo lapso de tempo entre a instalação do governo geral e as ultimas décadasdo século XVIII; o terceiro vai dessa época à Independência, em 1822.
O que justifica essaperiodização não são os fatos apontados em si mesmos,mas sim aquilo que expressam.
Oprimeiro período se caracteriza pelo reconhecimento e posse da nova terra e um escassocomércio.
Com a criação do governo geral inicia-sea montagem da colonização que irá seconsolidar ao longo de mais de dois séculos, commarchas e contramarchas.
As últimasdécadas do século XVIII são uma referência para indicar um conjunto de transformações naordem mundial e nas colônias, que dão origem à crise do sistema colonial e aos movimentospela independência.
TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORAÇÃO
O descobrimento do Brasil não provocou, nem de longe, o entusiasmo despertado pelachegada de Vasco da Gama à índia.
O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades deexploração e contornos geográficos eram desconhecidos. Por vários anos, pensou-se que nãopassava de uma grande ilha. As atrações exóticas-índios, papagaios, araras-prevaleceram, aponto de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe o nome de terra dos papagaios. O Rei Dom Manuel preferiu chamá-la deVera Cruz e logo de Santa Cruz.
O nome ”Brasil” começou a aparecer em 1503. Ele tem sido associado à principal riqueza da terra emseus primeiros tempos, o pau-brasil. Seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, e amadeira, de grande resistência,era utilizada na construção de móveis e de navios. E curiosolembrar que as “ilhas Brasil” ou coisa parecida são uma referência fantasiosa na Europamedieval. Em uma carta geográfica de 1367, aparecem três ilhas com esse nome, espalhadasno grupo dos Açores, na latitude da Bretanha (França) e na costa da Irlanda.
As primeiras tentativas de exploração do litoral brasileiro se basearam no sistema defeitorias, adotado na costa africana. O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio decomerciantes de Lisboa, liderado pelo cristão-novo Fernão de Loronha ou Noronha, querecebeu o monopólio comercial, obrigando-se em troca, ao que parece, a enviar seis navios acada ano para explorar trezentas léguas (cerca de 2 mil quilômetros) da costa e a construiruma feitoria. O consórcio realizou algumas viagens mas, aparentemente, quando em 1505 oarrendamento terminou, a Coroa portuguesa tomou a exploração da nova terra em suas mãos.
Nesses anos iniciais, entre 1500 e 1535, a principal atividade econômica foi a extração dopau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os índios. As árvores não cresciamjuntas, em grandes áreas, mas encontravam-se dispersas. À medida que a madeira foi-seesgotando no litoral, os europeus passaram a recorrer aos índios para obtê-la. O trabalhocoletivo, especialmente a derrubada de árvores, era uma tarefa comum na sociedadetupinambá. Assim, o corte do pau-brasil podia integrar-se com relativa facilidade aos padrõestradicionais da vida indígena. Os índios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha demandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e quinquilharias, objetos de poucovalor para os portugueses.
O Brasil foi, inicialmente, muito associado à índia, seja como ponto de descanso na rota jáconhecida para esse país, seja como possível passagem de um novo caminho, buscadoprincipalmente pelos espanhóis.
Ao descobrir a América em 1492 chegando às Antilhas,Colombo pensara ter alcançado o Mar da China. A posse da nova terra foi contestada porPortugal, daí resultando uma série de negociações que desembocaram no Tratado deTordesilhas (1494), nome de uma cidade espanhola onde se deu sua assinatura. O mundo foidividido em dois hemisférios, separados por uma linha que imaginariamente passava a 370léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. As terras descobertas a oeste da linha pertenceriam àEspanha; as que se situassem a leste caberiam a Portugal.
A divisão se prestava a controvérsias, pois nunca foi possível estabelecer com exatidãopor onde passava a linha de Tordesilhas.
Só em fins do século XVII os holandeses conseguiramdesenvolver uma técnica precisa de medição de longitudes.
Por exemplo, a foz do Amazonasno norte ou a do Rio da Prata no sul, vistas como possíveis rotas no rumo das índias pela via doOcidente,estariam em território português ou espanhol?
Várias expedições dos dois países sesucederam ao longo da costa brasileira na direção sul até que um português a serviço daEspanha, Fernão de Magalhães, atravessou o estreito que hoje tem seu nome e, navegandopelo Oceano Pacífico, chegou às Filipinas (1521). Esse feito espetacular de navegação foi aomesmo tempo uma decepção para os espanhóis. O caminho das índias pelo Ocidente foraencontrado, mas era demasiado longo e difícil para ser economicamente vantajoso. Os olhos espanhóis se fixaram nas riquezas em ouro e prata que iam sendo encontradas nas terrasamericanas sob seu domínio.
Mas a maior ameaça à posse do Brasil por Portugal não veio dos espanhóis e sim dosfranceses. A França não reconhecia os tratados de partilha do mundo, sustentando o princípiode que era possuidor de uma área quem efetivamente a ocupasse. Os franceses entraram nocomércio do pau-brasil e praticaram a pirataria, ao longo de uma costa demasiado extensapara que pudesse ser guarnecida pelas patrulhas portuguesas. Em momentos diversos, iriammais tarde estabelecer-se no Rio de Janeiro (1555-1560) e no Maranhão (1612-1615).
INÍCIO DE COLONIZAÇÃO-AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Considerações políticas levaram a Coroa Portuguesa à convicção de que era necessáriocolonizar a nova terra. A expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) representou ummomento de transição entre o velho e o novo período. Tinha por objetivo patrulhar a costa,estabelecer uma colônia através da concessãonão-hereditária de terras aos povoadores quetrazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra, tendo em vista a necessidade de sua efetivaocupação.
Há indícios de que Martim Afonso ainda se encontrava no Brasil quando Dom João IIIdecidiu-se pela criação das capitanias hereditárias.
O Brasil foi dividido em quinze quinhões,por uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas,sendo os quinhões entregues aos chamados capitães-donatários.
Eles constituíam um grupodiversificado, no qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo emcomum suas ligações com a Coroa.
Estavam entre os donatários o experiente navegador Martim Afonso; Duarte Coelho,militar de destaque no Oriente, sem grandes recursos, cujahistória no Brasil seria ressaltadapelo êxito em Pernambuco; Jorge Figueiredo Correia, escrivão da Fazenda Real e grandenegociante, associado a Mem de Sá e a Lucas Giraldes, da família dos Giraldi, negociantes ebanqueiros de origem florentina; e Pero do Campo Tourinho, que vendeu suas propriedadesem Portugal e seguiu para o Brasil com seiscentos colonos. Posteriormente, Tourinho veio aser denunciado à Inquisição, após conflitos com os colonos, e embarcou de volta a Portugal.Antes de 1532, Fernão de Noronha recebeu do rei a primeira capitania do Brasil-a Ilha de SãoJoão, que hoje tem seu nome.
Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários, pois osnegócios na índia, em Portugal e nas ilhas atlânticas eram por essa épocabem mais atrativos.
Os donatários receberam uma doação da Coroa, pela qual se tornavam possuidores masnão proprietários da terra. Isso significava, entre outras coisas, que não podiam vender oudividir a capitania, cabendo ao rei o direito de modificá-laou mesmo extingui-la. A posse davaaos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica (arrecadação de tributos) comona esfera administrativa.
A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso dedepósitos de sal dependiam do pagamentode direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pelaexploração de pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aoscapitães-donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham o monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e formarmilícias sob seu comando.
A atribuição de doar sesmarias é importante, pois deu origem à formação de vastoslatifúndios. A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem cujapropriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação-raramente cumprida-de cultivá-lano prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa. Houve em toda a Colônia imensassesmarias, de limites mal-definidos, como a de Brás Cubas, queabrangia parte dos atuaismunicípios de Santos, Cubatão e São Bernardo.
Os direitos reservados pela Coroa, ao instituir as capitanias hereditárias, não se limitarama uma espécie de vigilância quanto à manutenção de sua forma. O rei manteve o monopóliodasdrogas e especiarias, assim como a percepção de uma parte dos tributos. Assegurou aindao direito de aplicar a justiça, quando se tratasse de morte ou retalhamento de partes do corpode pessoas de condição nobre. Nomeou, além disso, uma série de funcionários para garantirque as rendas da Coroa fossem recolhidas.
As capitanias hereditárias são uma instituição a que freqüentemente se referem oshistoriadores, sobretudo portugueses, defensores da tese da natureza feudal da colonização.Essa tese e a própriadiscussão perderam hoje a importância que já tiveram, cedendo lugar àtendência historiográfica mais recente, que não considera indispensável rotular com etiquetasrígidas formações sociais complexas que não reproduzem o modelo europeu. Sem avançarnesteassunto, lembremos que ao instituir as capitanias a Coroa lançou mão de algumasfórmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval européia. E o caso, por exemplo, dodireito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação deengenhosde açúcar; esse direito é análogo às “banalidades” pagas pelos lavradores aos senhoresfeudais. Mas, em essência, mesmo na sua forma original, as capitanias representaram umatentativa transitória c ainda tateante de colonização, com o objetivo deintegrar a Colônia àeconomia mercantil européia.
Sabemos que, com exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco, as outrasfracassaram em maior ou menor grau, por falta de recursos, desentendimentos internos,inexperiência, ataques de índios.
Não por acaso, as mais prósperas combinaram a atividadeaçucareira e um relacionamento menos agressivo com as tribos indígenas.
As capitanias foram sendo retomadas pela Coroa, ao longo dos anos, através de compra esubsistiram como unidade administrativa, mas mudaram de caráter, por passarem a pertencerao Estado. Entre 1752 e 1754, o Marquês de Pombal completou praticamente o processo depassagem das capitanias do domínio privado para o público.
O GOVERNO GERAL
A decisão tomada por Dom João III de estabelecer o governo geral do Brasil ocorreu emum momento em que alguns fatos significativos aconteciam com relação à Coroa portuguesa,na esfera internacional.
Surgiam os primeiros sinais de crise nos negócios da índia, sugeridosno uso da expressão “fumos daíndia”-ou seja, fumaça da índia, pondo em dúvida a solidez docomércio com o Oriente.
Portugal sofrerá várias derrotas militares no Marrocos, mas o sonhode um império africano ainda não estava extinto. No mesmo ano em que Tome de Sousa foi enviado ao Brasil como primeiro governador geral (1549), fechou-se o entreposto comercialportuguês de Flandres, por ser deficitário. Por último, em contraste com as terras do Brasil, osespanhóis tinham crescente êxito na exploração de metais preciosos, em sua colôniaamericana, e, em 1545, haviam descoberto a grande mina de prata de Potosí.
Se todos esses fatores podem ter pesado na decisão da Coroa, devemos lembrar que,internamente, o fracasso das capitanias tornou mais claros os problemas da precáriaadministração da América lusitana. Assim, a instituição do governo geral representou, de fato,um passo importante na organização administrativa da Colônia.
Segundo as crônicas da época, Tome de Sousa era um fidalgo sisudo, com experiência naÁfrica e na índia. Chegouà Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive quatrocentosdegredados, trazendo consigo longas instruções por escrito conhecidas como Regimento deTome de Sousa. As instruções revelam o propósito de garantir a posse territorial da nova terra,colonizá-la e organizar as rendas da Coroa.
Foram criados alguns cargos para o cumprimentodessas finalidades, sendo os mais importantes o de ouvidor, a quem cabia administrar ajustiça, o de capitão-mor, responsável pela vigilância da costa, e o de provedor-mor,encarregado do controle e crescimento da arrecadação.
Não devemos imaginar porém que, no século XVI, o Brasil proporcionasse riquezasconsideráveis aos cofres reais. Pelo contrário, segundo cálculos do historiador VitorinoMagalhães Godinho, em 1558 aarrecadação proveniente do Brasil representava apenas algoem torno de 2,5% das rendas da Coroa, enquanto ao comércio com a índia correspondiam26%.
Vinham com o governador-geral os primeiros jesuítas-Manuel da Nóbrega e seus cincocompanheiros-, com oobjetivo de catequizar os índios e disciplinar o ralo clero de má famaexistente na Colônia. Posteriormente (1532) criou-se o bispado de São Salvador, sujeito aoarcebispado de Lisboa, caminhando-se assim para a organização do Estado e da Igreja,estreitamente aproximados.
O início dos governos gerais representou também a fixação de umpólo administrativo na organização da Colônia. Obedecendo às instruções recebidas, Tome deSousa empreendeu o longo trabalho de construção de São Salvador, capital do Brasilaté 1763.
A instituição de um governo geral representou um esforço de centralizaçãoadministrativa, mas isso não significa que o governador geral detivesse todos os poderes, nemque em seus primeiros tempos pudesse exercer uma atividade muito abrangente.A ligaçãoentre as capitanias era bastante precária, limitando o raio de ação dos governadores.
Acorrespondência dos jesuítas dá claras indicações desse isolamento. Em 1552, escrevendo daBahia aos irmãos de Coimbra, o Padre Francisco Pires queixa-se desó poder tratar de assuntoslocais, porque “às vezes passa um ano e não sabemos uns dos outros, por causa dos tempos e dos poucos navios que andam pela costa e às vezes se vêem mais cedo navios de Portugal quedas capitanias”.
Um ano depois, metido no sertão de São Vicente, Nóbrega diz praticamente amesma coisa: “Mais fácil é vir de Lisboa recado a esta capitania que da Bahia”.
A COLONIZAÇÃO SE CONSOLIDA
Após as três primeiras décadas, marcadas pelo esforço de garantir a posse da nova terra,a colonização começou a tomar forma. Como aconteceu em toda a América Latina, o Brasil viria a ser uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu gênerosalimentícios ou minérios de grande importância.
A política da Metrópole portuguesa consistiráno incentivo à empresa comercial, com base em uns poucos produtos exportáveis em grande escala e assentada na grande propriedade.
Essa diretriz deveria atender aos interesses deacumulação de riqueza na Metrópole lusa, em mãos dos grandes comerciantes, da Coroa eseus afilhados.
Como Portugal não tinha o controle dos circuitos comerciais na Europa,controlados, ao longo dos anos, principalmente por espanhóis, holandeses e ingleses, amencionada diretriz acabou por atender também ao conjunto da economia européia.
A opção pela grande propriedade ligou-se ao pressuposto da conveniência da produçãoem larga escala. Além disso, pequenos proprietários autônomos tenderiam a produzir para asua subsistência, vendendo no mercado apenas um reduzido excedente, o que contrariaria osobjetivos da Coroa e dos grandes comerciantes.
O TRABALHO COMPULSÓRIO
Ao lado da empresa comercial e do regime de grande propriedade, acrescentemos um terceiro elemento: o trabalho compulsório. Também nesse aspecto, a regra será comum atoda a América Latina, ainda que com variações. Diferentes formas de trabalho compulsóriopredominaram na América espanhola, enquanto uma delas-a escravidão-foi dominante noBrasil.
Por que se apelou para uma relação de trabalho odiosa a nossos olhos, que pareciasemimorta, exatamente na época chamada pomposamente de aurora dos tempos modernos?
Uma resposta sintética consiste em dizer que nem havia grande oferta de trabalhadores emcondições de emigrar como semi-dependentes ou assalariados, nem o trabalho assalariado eraconveniente para os fins da colonização. Dada a disponibilidade de terras, pois uma coisa era aconcessão de sesmarias, outra sua efetiva ocupação, não seria fácil manter trabalhadoresassalariados nas grandes propriedades. Eles poderiam tentar a vida de outra forma, criandoproblemas para o fluxo de mão-de-obra para a empresa mercantil.
Dando um salto de vários séculos no tempo, lembremos que, nas primeiras décadas doséculo XX, a disponibilidade de terras no Estado deSão Paulo representou uma alternativapara que imigrantes europeus e asiáticos se transformassem de colonos em pequenosproprietários.
Mas se a introdução do trabalho escravo se explica resumidamente dessa forma, por quese optou preferencialmente pelo negro e não pelo índio?
Em primeiro lugar, lembremos quehouve uma passagem da escravidão do índio para a do negro, que variou no tempo e noespaço.
Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais rentável da empresamercantil, ou seja, na economiaaçucareira, em condições de absorver o preço da compra doescravo negro, bem mais elevado do que o do índio. Custou a ser feita nas regiões periféricas,como é o caso de São Paulo, que só no início do século XVIII, com a descoberta das minas deouro, passou a receber escravos negros em número regular e considerável.
A ESCRAVIDÃO-ÍNDIOS E NEGROS
As razões da opção pelo escravo africano foram muitas. É melhor não falar em causas,mas em um conjunto de fatores. A escravização do índio chocou-se com uma série deinconvenientes, tendo em vista os fins da colonização. Os índios tinham uma culturaincompatível com o trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório, como pretendidopelos europeus. Não eram vadios ou preguiçosos.
Apenas faziam o necessário para garantirsua subsistência, o que não era difícil em uma época de peixes abundantes, frutas e animais.Muito de sua energia e imaginação era empregada nos rituais, nas celebrações e nas guerras.As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eramtotalmente estranhas a eles.
Podemos distinguir duas tentativas básicas de sujeição dos índios por parte dosportugueses. Uma delas, realizada pelos colonos segundo um frio cálculo econômico, consistiuna escravização pura e simples.
A outra foi tentada pelas ordens religiosas, principalmentepelos jesuítas, por motivos que tinham muito a ver com suas concepções missionárias. Elaconsistiu no esforço em transformar os índios, através do ensino, em “bons cristãos”,reunindo-os empequenos povoados ou aldeias. Ser “bom cristão” significava também adquiriros hábitos de trabalho dos europeus, com o que se criaria um grupo de cultivadores indígenasflexível às necessidades da Colônia.
As duas políticas não se equivaliam. As ordens religiosas tiveram o mérito de tentarproteger os índios da escravidão imposta pelos colonos, nascendo daí inúmeros atritos entrecolonosepadres.
Mas estes não tinham também qualquer respeito pela cultura indígena. Aocontrário, para eles chegava a ser duvidoso que os índios fossem pessoas. Padre Manuel daNóbrega, por exemplo, dizia que “índios são cães em se comerem e matarem, e são porcos nosvícios e na maneira de se tratarem”.
Os índios resistiram às várias formas de sujeição, pela guerra, pela fuga,pela recusa aotrabalho compulsório. Em termos comparativos, as populações indígenas tinham melhorescondições de resistir do que os escravos africanos. Enquanto estes se viam diante de umterritório desconhecido onde eram implantados à força, os índios seencontravam em suacasa.
Outro fator importante que colocou em segundo plano a escravização dos índios foi acatástrofe demográfica.
Esse é um eufemismo erudito para dizer que as epidemias produzidaspelo contato com os brancos liquidaram milhares de índios. Eles foram vítimas de doençascomo sarampo, varíola, gripe, para as quais não tinham defesa biológica. Duas ondasepidêmicas se destacaram por sua violência entre 1562 e 1563, matando mais de 60 mil índios,ao que parece, sem contar as vítimas do sertão.
A morte da população indígena, que em partese dedicava a plantar gêneros alimentícios, resultou em uma terrível fome no Nordeste e emperda de braços.
Não por acaso, a partir da década de 1570 incentivou-se a importação de africanos, e aCoroa começoua tomar medidas através de várias leis, para tentar impedir o morticínio e aescravização desenfreada dos índios.
As leis continham ressalvas e eram burladas comfacilidade. Escravizavam-se índios em decorrência de “guerras justas”, isto é, guerrasconsideradas defensivas, ou como punição pela prática de antropofagia.
Escravizava-setambém peloresgaste, isto é, a compra de indígenas prisioneiros de outras tribos, que estavam para ser devorados em ritual antropofágico. Só em 1758 a Coroa determinou alibertação definitiva dos indígenas. Mas, no essencial, a escravidão indígena fora abandonadamuito antes pelas dificuldades apontadas e pela existência de uma solução alternativa.
Como vimos, ao percorrer a costa africana no século XV, os portugueses haviamcomeçado o tráfico de africanos, facilitado pelo contato com sociedades que, em sua maioria,já conheciam o valor mercantil do escravo.
Nas últimas décadas do século XVI, não só ocomércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sualucratividade.
Os colonizadores tinham conhecimento das habilidades dos negros, sobretudo por suarentável utilização na atividade açucareira das ilhas doAtlântico.
Muitos escravos provinham de culturas em que trabalhos com ferro e a criaçãode gado eram usuais. Sua capacidade produtiva era assim bem superior à do indígena.
O historiador americano Stuart Schwartz calcula que, durante a primeira metade do século XVII,nos anos de apogeu da economia do açúcar, o custo de aquisição de um escravo negro eraamortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho e, mesmo depois de uma forte alta nospreços de compra de cativos após 1700, um escravo se pagava em trinta meses.
Os africanos foram trazidos do chamado “continente negro” para o Brasil em um fluxo deintensidade variável. Os cálculos sobre o número de pessoas transportadas como escravosvariam muito. Estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões deescravos, na sua grande maioria jovens do sexo masculino.
A região de proveniência dependeu da organização do tráfico, das condições locais naÁfrica e, em menor grau, das preferências dos senhores brasileiros. No século XVI, a Guiné(Bissau e Cacheu) e a Costa da Mina, ou seja, quatro portos ao longo do litoral do Daomé,forneceramo maior número de escravos. Do século XVII em diante, as regiões mais ao sul dacosta africana-Congo e Angola-tornaram-se os centros exportadores mais importantes, apartir dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda.
Os angolanos foram trazidos em maiornúmero no século XVIII, correspondendo, ao que parece, a 70% da massa de escravos trazidospara o Brasil naquele século.
Costuma-se dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os sudaneses,predominantes na África ocidental, Sudão egípcio e na costa norte do Golfo da Guiné, e osbantos, da África equatorial e tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique.
Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizadosno Brasil provinham de muitas tribos ou reinos, com suas culturas próprias.
Por exemplo: os iorubas, jejes, tapas, hauçás, entre os sudaneses; e os angolas, bengalas, monjolos, moçambiques, entre os bantos.
Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de Janeiro,cadaqual com sua organização própria e fortemente concorrentes.
Os traficantes baianosutilizaram-se de uma valiosa moeda de troca no litoral africano, o fumo produzido noRecôncavo. Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina, à Guiné e ao Golfo de Benin,nesteúltimo caso após meados de 1770, quando o tráfico da Mina declinou. O Rio de Janeirorecebeu sobretudo escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das minas de ouro, o avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital,a partir doinício do século XIX.
Seria errôneo pensar que, enquanto os índios se opuseram à escravidão, os negros aaceitaram passivamente. Fugas individuais ou em massa, agressões contra senhores,resistência cotidiana fizeram parte das relações entre senhores e escravos, desde os primeirostempos. Os quilombos, ou seja, estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pelafuga e recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas,existiram às centenas no Brasil colonial.
Palmares-uma rede de povoados situada em umaregião que hoje corresponde em parte ao Estado de Alagoas, com vários milhares dehabitantes-foi um desses quilombos e certamente o mais importante.
Formado no início doséculo XVII, resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem anos, vindo asucumbir, em 1695, às tropas sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho.
Admitidas as várias formas de resistência, não podemos deixar de reconhecer que, pelomenos até as últimas décadas do séculoXIX, os escravos africanos ou afro-brasileiros nãotiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório. Bem ou mal, viram-se obrigados ase adaptar a ele.
Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva,lembremos que, ao contrário dos índios, os negros eram desenraizados de seu meio,separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho.
Por outro lado, nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravização do negro.
Ordens religiosas como a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietários de cativos.Vários argumentos foram utilizados para justificar a escravidão africana.
Dizia-se que setratava de uma instituição já existente na África e assim apenas transportavam-se cativos paraomundo cristão, onde seriam civilizados e salvos pelo conhecimento da verdadeira religião.Além disso, o negro era considerado um ser racialmente inferior.
No decorrer do século XIX, teorias pretensamente científicas reforçaram o preconceito: o tamanho e aforma do crâniodos negros, o peso de seu cérebro etc. “demonstravam” que se estava diante de uma raça debaixa inteligência e emocionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição.
Lembremos também o tratamento dado ao negro na legislação. O contraste com osindígenas é nesse aspecto evidente. Estes contavam com leis protetoras contra aescravidão,embora, como vimos, fossem pouco aplicadas e contivessem muitas ressalvas. O negroescravizado não tinha direitos, mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e nãouma pessoa.
Vejamos alguns aspectos da questão demográfica. Embora os números apurados variem,há dados sobre a alta taxa de mortalidade dos escravos negros do Brasil, especialmente dascrianças e dos recém-chegados, quando comparada, por exemplo, à da população escrava nosEstados Unidos. Observadores de princípios do século XIX calculavam que a população escravadeclinava a uma taxa entre 5 e 8% ao ano.
Dados recentes revelam que a expectativa de vidade um escravo do sexo masculino, ao nascer, em 1872, era de 18,3 anos, enquanto a dapopulação como um todo era de 27,4 anos. Por sua vez, um cativo homem nascido nos EstadosUnidos em torno de 1850 tinha uma expectativa de vida de 35,5 anos.
Apesar desses números gritantes, não se pode dizer que os escravos negros tenham sidoatingidos por uma catástrofe demográfica tão grande como a que dizimou os índios.Aparentemente, negros provenientes do Congo, do norte de Angola e do Daomé-atual Benim-eram menos suscetíveis ao contágio de doenças como a varíola. De qualquer forma, mesmocom a destruição física prematura dos negros,os senhores de escravos tiveram sempre apossibilidade de renovar o suprimento pela importação.
A escravidão brasileira se tornoumesmo totalmente dependente dessa fonte. Com raras exceções, não houve tentativas de seampliar o crescimento da população escrava já instalada no Brasil.
A fertilidade das mulheresescravas era baixa. Além disso, criar uma criança por doze ou catorze anos era considerado uminvestimento de risco, tendo-se em conta as altas taxas de mortalidade, decorrentes daspróprias condições de existência.
O MERCANTILISMO
A forma pela qual, ao longo de alguns séculos, a Coroa portuguesa tratou de assegurar osmaiores ganhos do empreendimento colonial relaciona-se com as concepções de políticaeconômica vigentes na época, abrangidas pela expressão “mercantilismo”. Falamos em”concepções” no plural porque seria equivocado imaginar que houve uma política econômicados Estados europeus, sempre idêntica, entre os séculos XV e XVIII.
Ela variou muito, de país apaís, de período a período, mas alguns traços essenciais podem ser definidos. Antes de fazerisso, lembremos que a doutrina mercantilista não era, em si mesma, uma teoria econômicabaseada em conceitos, mas um receituário de normas de política econômica. Foi a partir daprática e parajustificá-la que se chegou à formulação de uma teoria.
Tanto a prática como a teoria partiam do princípio de que não há ganho para um Estadosem prejuízo de outro.
Como alcançar o ganho?
Atraindo para si a maior quantidade possíveldo estoque mundial de metais preciosos e tratando de retê-lo.
Isso deveria ser alcançado poruma política de proteção dos produtos do país através de uma série de medidas: reduzir pelatributação elevada, ou proibir a entrada de bens manufaturados estrangeiros e facilitar oingresso de matérias-primas; inversamente, proibir a saída de matérias-primas produzidas nopaís e estimular a exportação de manufaturados quando estes concorressem vantajosamenteno mercado internacional.
Pelo conjunto de medidas, verifica-se que a política mercantilista pressupunha uma amplaintervenção do Estado, seja assumindo diretamente certas atividades econômicas, seja criandocondições favoráveis a determinados grupos para alcançar os objetivos visados. Não se tratavade uma política absurda, como poderia parecer por sua obsessão pelos metais preciosos. Pelocontrário, era coerente com as possibilidades de ação dos Estados nacionais em via de criaçãoe crescimento, em um período no qual a moeda metálica tinha uma grande importância paraconsolidar o Estado.
O “EXCLUSIVO” COLONIAL
Qual o significado e o papel das colônias nesse contexto?
Elas deveriam contribuir para a auto-suficiência da metrópole, transformando-se emáreas reservadas de cada potência colonizadora, na concorrência internacional com as demais.Para isso, era preciso estabelecer uma série de normas e práticas que afastassem osconcorrentes da exploração das respectivas colônias. Esse conjunto de normas e práticas,criado de acordo com as concepções mercantilistas, constituía o sistema colonial. Seu eixobásico consistia no “exclusivo” metropolitano, segundo a expressiva linguagem da época, ouseja, na exclusividade do comércio externo da colônia em favor da metrópole.
Tratava-se de impedir ao máximo que navios estrangeiros transportassem mercadorias dacolônia, sobretudo para vender diretamente em outros países da Europa.
Inversamente,procurava-se também impedir que mercadorias, em especial as não produzidas na metrópole,chegassem à colônia em navios desses países.
Em termos simplificados, buscava-se deprimir,até onde fosse possível, os preços pagos na colônia por seus produtos, para vendê-los commaior lucro na metrópole.
Buscava-se também obter maiores lucros da venda na colônia, semconcorrência, dos bens por ela importados.
O “exclusivo” colonial teve várias formas: arrendamento, exploração direta pelo Estado, criação de companhias privilegiadas decomércio, beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos etc.
Tomando agora o caso português, que nos interessa de perto, seria equivocado pensarque os preceitos mercantilistas foram aplicados sempre consistentemente.
Se insistimos emlhes dar grande importância, é porque eles apontam para o sentido mais profundo dasrelações Metrópole-Colônia, embora não contem toda ahistória dessas relações.Curiosamente, a aplicação mais conseqüente da política mercantilista só se deu em meados doséculo XVIII, sob o comando do Marquês de Pombal, quando seus princípios já eram postos emdúvida no resto da Europa Ocidental.
A Coroa lusa abriu brechas nesses princípios, principalmente devido aos limites de suacapacidade de impô-los. Não estamos falando apenas da existência do contrabando, pois ocontrabando era uma quebra pura e simples das regras do jogo. Estamos falando sobretudo daposição de Portugal no conjunto das nações européias.
Os portugueses estiveram navanguarda da expansão marítima, mas não tinham os meios de monopolizar seu comérciocolonial. Já durante o século XVI, as grandes praças comerciais não se situavam em Portugal,mas na Holanda. Os holandeses foram importantes parceiros comerciais de Portugal,transportando sal e vinho portugueses e açúcar brasileiro, em troca de produtosmanufaturados, queijos, cobre e tecidos. Obtiveram com isso muitas facilidades.
Posteriormente, ao longo do século XVII, a Coroa seria levada a estabelecer relações desiguais com uma das novas potências emergentes: a Inglaterra. Dessas condições resultaque o “exclusivo” colonial luso oscilou de acordo com as circunstâncias, ficando entre a relativaliberdade e um sistema centralizado e dirigido, combinado com concessões especiais. Essasconcessões representavam, no fundo, a participação de outros países no usufruto daexploração do sistema colonial português.
Resumindo todo esse longo processode oscilações do “exclusivo” colonial, podemos dizerque houve uma fase de relativa liberdade comercial de 1530 até 1571, data em que o Rei DomSebastião decretou a exclusividade dos navios portugueses no comércio da Colônia,coincidindo, aliás, a medida com os anos iniciais da grande expansão da economia açucareira.O período da chamada união das duas Coroas (1580-1640), quando o rei da Espanha ocupoutambém o trono de Portugal, caracterizou-se por crescentes restrições à participação deoutros países no comércio colonial, visando especialmente a Holanda, que estava em guerracom a Espanha. Mesmo assim, há notícias de um tráfego regular e direto entre o Brasil eHamburgo na Alemanha, por volta de 1590.
Após o fim do domínio espanhol, com a aclamação de DomJoão IV como rei de Portugal,seguiu-se uma breve fase de “livre comércio”, com pouca regulamentação e ausência decontrole sobre o mercado colonial de importação. Mas, em 1649, passou-se a um novo sistemade comércio centralizado e dirigido, por meio defrotas.
Com capital obtido principalmente decristãos-novos, foi criada a Companhia Geral do Comércio do Brasil. A companhia deveriamanter uma frota de 36 navios armados para comboiar navios mercantes que saíam do Brasil eaqui chegavam, duas vezes por ano; em troca, usufruiria do monopólio das importações devinho, farinha, azeite de oliva e bacalhau e do direito de estabelecer os preços para essesartigos. A partir de 1694, a companhia foi transformada em órgão governamental.
Entretanto, a criação da empresa não impediu concessões feitas por Portugal à Holanda eespecialmente à Inglaterra. Em poucas palavras, a Coroa buscava a proteção política inglesa,dando em troca vantagens comerciais. Um bom exemplo disso é o tratado imposto porCromwell em 1654, emque se garantia aos ingleses o direito de negociar com a colôniabrasileira, exceto no tocante aos produtos monopolizados pela Companhia Geral do Comércio.O sistema de frotas só foi abandonado em 1765, quando o Marquês de Pombal resolveuestimular o comércio e restringir o crescente papel dos ingleses. Isso se fez através da criaçãode novas companhias (Companhia do Grão-Pará e Maranhão; Companhia de Pernambuco eParaíba), que representaram as últimas expressões nítidas da política mercantilista no Brasil.
A GRANDE PROPRIEDADE E A MONOCULTURA DE EXPORTAÇÃO
Dissemos que o sentido mais profundo da colonização, pelo menos até a descoberta dosmetais preciosos, foi dado pela grande propriedade, onde se cultivava predominantementeum gênero destinado àexportação, com base no trabalho escravo. A expressão da línguainglesa plantation, de uso cada vez mais corrente, sintetiza essa descrição.
A afirmativa de que a plantation foi a forma básica da colonização portuguesa no Brasil setornou clássica a partirdos trabalhos de Caio Prado Júnior. Em anos mais recentes, ela vem sendo criticada por historiadores como Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ciro FlamarionCardoso. Teixeira considera que o projeto “plantacionista” era assumido pela classe dominantecolonial, mas a Coroa sempre se preocupou em diversificar a produção e garantir o plantio degêneros alimentícios para consumo na própria Colônia.
Cardoso assinala que a obsessão com oconceito de plantation fez com que se deixassem de lado alguns fatos importantes dacomplexa realidade econômico-social brasileira. Assim, não se deu o necessário relevo às áreasgeográficas periféricas e houve uma excessiva redução da estrutura social a senhores, em umpólo, e escravos, em outro, esquecendo-se a importância dos brancos e ignorando-se aexistência de um campesinato, ou seja, de pequenos proprietários, na sociedade rural.
A crítica é significativa, especialmente porque rediscute concepções assentes, com novoselementos e outro ângulo de visão. Ela chama a atenção para o fato de que o Brasil colonialnão foi só açúcar, ouro, grande propriedade e escravos, mas parece-nos excessivo dizer que oprojeto de colonização de tipo plantation fosse um empreendimento sobretudo da classedominante colonial-senhores de engenho, lavradores de cana e de fumo, comerciantesexportadores-e não da Coroa portuguesa.
Por certo, havia diferenças entre essas duas esferas, mas elas não nasciam de umdesinteresse da Coroa pela plantation. Derivavam, sim, do fato de que de um lado apareciamdiretamente interesses privados; de outro, a principal instituição responsável pela organizaçãogeral da vida na Colônia. Daí, por exemplo, o contínuo interesse do governo português naprodução de alimentos e as resistências opostas pelos proprietários rurais a utilizar terras comesse objetivo menos rentável.
A concepção definidora da colonização pela grande empresa monocultura escravista,adaptada aos interesses da Metrópole, é um modelo cujo valor consiste em dar as linhasbásicas de entendimento de um sistema que caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suasmarcas após a Independência.
Que marcas são essas?
A grande propriedade, a vinculação com o exterior através de uns poucos produtosprimários de exportação, a escravidão e suas conseqüências.
O contraste com a história dos Estados Unidos é revelador.
Destaquemos aqui o fato deque as condições do clima e outras não permitiram a instalação no nordeste dos EstadosUnidos-a Nova Inglaterra-de uma colonização do tipo plantation.
Estabeleceram-se alipequenos proprietários que produziam, a princípio, para a sua subsistência e depois, pouco apouco, para as plantações escravistas do sul do país e para a área das Antilhas.
A produção nãofoi a típica da plantation, mas bastante diversificada-madeiras, cereais, manufaturados-, e,o que é mais importante, os lucros tenderam a se concentrar na colônia. Foi a partir dessenúcleo, não sem enormes abalos, que os Estados Unidos se diferenciaram em termossocioeconômicos, políticos e culturais do que viria a ser o Terceiro Mundo latino-americano.
ESTADO E IGREJA
As duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam destinadas a organizar acolonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica. Embora se trate de instituições distintas, naqueles tempos uma estava ligada à outra. Não existia na época, como existe hoje,o conceito de cidadania, de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado,independentemente da religião.
A religião do Estado era a católica e os súditos, isto é, osmembros da sociedade, deviam ser católicos.
Em princípio, houve uma divisão de trabalho entre as duas instituições. Ao Estado coube opapel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia, dotá-la de umaadministração, desenvolver uma política de povoamento, resolver problemas básicos, como oda mão-de-obra, estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir entre Metrópole e Colônia.
Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do Estado por parte doscolonizadores que se instalariam no Brasil, seja pela força, seja pela aceitação dessaautoridade, ou por ambas as coisas.
Nesse sentido, o papel da Igreja se tornava relevante. Como tinha em suas mãos a educação das pessoas, o “controle das almas” na vida diária, era um instrumento muito eficazpara veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado.Mas o papel da Igreja não se limitava a isso.
Ela estava presente na vida e na morte daspessoas, nos episódios decisivos do nascimento, casamento e morte.
O ingresso nacomunidade, o enquadramento nos padrões de uma vida decente, a partida sem pecadodeste “vale de lágrimas” dependiam de atos monopolizados pela Igreja: o batismo, a crisma, ocasamento religioso, a confissão e a extremaunção na hora da morte, o enterro em umcemitério designado pela significativa expressão “campo-santo”.
Na história do mundo ocidental, as relações entre Estado e Igreja variaram muito de país apaís e não foram uniformes no âmbito de cada país, ao longo do tempo.No caso português,ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado através de um mecanismo conhecido como padroado real.
O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de Roma ao Estadoportuguês, em troca da garantia de que a Coroa promoveria e asseguraria os direitos e aorganização da Igreja em todas as terras descobertas.
O rei de Portugal ficava com o direito derecolher o tributo devido pelos súditos da Igreja conhecido como dízimo, correspondente a umdécimo dos ganhos obtidos em qualquer atividade.
Cabia também à Coroa criar dioceses enomear os bispos.
Muitos dos encargos da Coroa resultavam, pelo menos em tese, em maior subordinaçãoda Igreja, como é o caso da incumbência de remunerar o clero e construir e zelar pelaconservação dos edifíciosdestinados ao culto.
Para supervisionar todas essas tarefas, ogoverno português criou uma espécie de departamento religioso do Estado: a Mesa daConsciência e Ordens.
O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado pelo fato de que a Companhia deJesus até a época do Marquês de Pombal (1750-1777) teve forte influência na Corte. NaColônia, o controle sofreu outras restrições. De um lado, era muito difícil enquadrar asatividades do clero secular-aquele que existe fora das ordens religiosas-, disperso peloterritório; de outro, as ordens religiosas conseguiram alcançar maior grau de autonomia. Amaior autonomia das ordens dos franciscanos, mercedários, beneditinos, carmelitas eprincipalmente jesuítas resultou de várias circunstâncias.
Elas obedeciam a regras próprias decada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da colonização,como a indígena. Além disso, na medida em que se tornaram proprietárias de grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas, as ordens religiosas não dependiam daCoroa para sua sobrevivência.
Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja, quando haviaoportunidade, por um caminho individual. Exemplo célebre é o de alguns padres participantesda InconfidênciaMineira, que se dedicavam a grandes lavouras, a trabalhos de mineração, aotráfico de escravos e diamantes. A presença de padres pode ser constatada praticamente emtodos os movimentos de rebelião, a partir de 1789, prolongando-se após a independência doBrasil até meados do século XIX.
As razões dessa presença estão pouco estudadas. O historiador José Murilo de Carvalho,analisando a época imperial, contrastou o procedimento conservador dos magistrados com ocomportamento rebelde dos padres. Sugeriu quea rebeldia destes tinha origem em suaextração social, nas dificuldades de ascensão na carreira, na atuação mais próxima àpopulação. De qualquer forma, seria engano estender a todo o clero essa característica derebeldia, visível mas excepcional.
Na atividade do dia-a-dia, silenciosamente e às vezes compompa, a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros, e de inculcar napopulação a obediência aos seus preceitos, assim como aos preceitos do Estado.
O ESTADO ABSOLUTISTA E O “BEM COMUM”
O Estado português na época da colonização é um Estado absolutista. Em teoria, todos ospoderes se concentram por direito divino na pessoa do rei. O reino-ou seja, o território, ossúditos e seus bens-pertence ao rei, constitui seu patrimônio. Daí o uso da expressão “Estadopatrimonialista” para definir o Estado absolutista, utilizada por muitos autores, a partir daconceituação do sociólogo alemão Max Weber.
No Estado absolutista não há-sempre em teoria-distinção entre a esfera pública, comocampo de atividade do Estado, e a esfera privada, como campo de ação dos indivíduos comdireitos maiores ou menores. Nele, tudo é público, pois não há limites preestabelecidos aopoder real. Por exemplo, quando em 1446, na época do Rei Afonso V, foi efetuada uma revisãoe organização das leis do reino, seu autor dizia que “o rei tem seu poder das mãos de Deus ecomo seu vigário tenente (isto é, como delegado de Deus) é livre de toda lei humana”.
Tudo isso não quer dizer que o rei não devesse levar em conta os interesses dosdiferentes estratos sociais-nobres, comerciantes, clero, gente do povo-nem que governassesozinho. A preferência pela expressão “Coroa” em vez de “Rei” para designar o poder damonarquia portuguesa é significativa nesse sentido.Se a palavra decisiva cabia ao rei, tinhamuito peso na decisão uma burocracia por ele escolhida, formando um corpo de governo.Mesmo a indefinição das fronteiras entre o público e o privado não foi completa; pelo menosno reinado de Dom João IV (1640-1656), uma série de medidas foram tomadas, principalmenteno âmbito fiscal, com o objetivo de estabelecer limites à ação do rei. O “bem comum” surgiacomo uma idéia nova que justificava a restrição aos poderes reais de impor empréstimos ou seapossar de bens privados para seu uso.
A montagem da administração colonial desdobrou e enfraqueceu o poder da Coroa. Porcerto, era na Metrópole que se tomavam as decisões centrais, mas os administradores doBrasil tinham de improvisar medidas, diante de situações novas,e ficavam muitas vezes se equilibrando entre as pressões imediatas dos colonizadores e as instruções emanadas dadistante Lisboa.
AS INSTITUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL
Vejamos em síntese quais foram as principais instituições e órgãos da administraçãoportuguesa no Brasil, a partir do governo geral. Antes, lembremos que não haviaespecialização clara dos diferentes órgãos como hoje ocorre. Atividades executivas ejudiciárias, por exemplo, não estavam delimitadas.
Existiam autoridades que tantorealizavamtarefas de administrar como de julgar questões surgidas entre as pessoas.
Entre as figuras de cúpula, destacavam-se os governadores de capitania, especialmente osdas mais importantes. Acima deles, ficava o governador-geral. A partir de 1763, quando a sededo governo foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro, tornou-se comum a outorga aogovernador-geral, pelo rei, do título de Vice-Rei e Capitão-General do Mar e Terra do Estadodo Brasil.
Os vice-reis tinham extensas atribuições, dispondodo conjunto das forças armadas.Representavam e encarnavam, à distância, a pessoa do monarca português, o que não erapouco, em uma época de contatos e comunicações difíceis.
Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores: o Militar, o daJustiça e o da Fazenda.
As forças armadas de uma capitania compunham-se da tropa de linha,das milícias e dos corpos de ordenança. A primeira constituía um contingente regular eprofissional permanentemente em armas.
Era quase sempre composta de regimentosportugueses. Para completar os efetivos, as autoridades coloniais deveriam engajar gentebranca da Colônia.
Mas como poucas pessoas queriam voluntariamente ingressar na tropa emseus níveis mais baixos, as autoridades lançavam mão do recrutamento, que se tornou oespantalho da população. Na Bahia, por exemplo, em fins do século XVIII, logo que começava aação violenta dos agentes recrutadores, constatava-se a carestia dos gêneros alimentíciosporque os lavradores abandonavam as roças.
As milíciaseram tropas auxiliares, recrutadas, entre os habitantes da Colônia, para serviçoobrigatório e não-remunerado. Quase não se apresentavam voluntários, e o método dorecrutamento forçado, principalmente dos pobres, aí imperava.
Por último, existiam as ordenanças, formadas por todo o resto da população masculinaentre dezoito e sessenta anos, exceto os padres. Ao contrário das milícias, as ordenançasconstituíam uma força local e para elas não havia recrutamento.
Sua atividade militar limitava-se a exercíciosperiódicos e a agir quando surgissem na localidade tumultos ou outrosacontecimentos extraordinários.
Os órgãos de Justiça, às vezes com funções administrativas, eram representados pelosvários juízes, entre os quais se destacava o ouvidor da comarca, nomeado pelo soberano portrês anos.
Para julgar recursos das decisões, existiam os Tribunais da Relação, presididos pelogovernador ou pelo vice-rei, a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro. Porsua vez, o principal órgão encarregado dearrecadar tributosedeterminar a realização dedespesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador de cada capitania.
Devemos por último fazer referência especial a um órgão de poder constituído demembros da sociedade: as Câmaras Municipais, com sede nas vilas e nas cidades. Elas eramcompostas de membros natos, ou seja, não-eleitos, e de representantes eleitos. Votavam naseleições, que eram geralmente indiretas, os “homens bons”, ou seja, proprietários residentesna cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é,negros, mulatos e cristãos-novos. O campo de atividade das Câmaras Municipais variou muito.Nos primeiros tempos da Colônia, Câmaras como as de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulotornaram-se de fato a principal autoridade das respectivas capitanias, sobrepondo-se aosgovernadores e chegando mesmo, em certos casos, a destituí-los.
Posteriormente, seu poderdiminuiu, refletindo a concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa.
As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. Arrecadavam tributos, nomeavamjuízes, decidiam certas questões, julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias verbais,cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio. Elas foramcontroladas, sobretudo até meados do século XVII, pela classe dominante dos proprietáriosrurais e expressavam seus interesses.
As Câmaras dc Belém e São Paulo, por exemplo,procuraram garantir o direito de organizar expedições para escravizar os índios, e as do Rio deJaneiro e Bahia muitas vezes estabeleceram moratória para as dívidas dos senhores deengenho e combateram os monopólios comerciais.
Graças ao seu enraizamento na sociedade,as Câmaras Municipais foram o único órgão que sobreviveu por inteiro e até se reforçou, apósa Independência.
AS DIVISÕES SOCIAIS
Passemos a uma análise de sociedade, lidando principalmente com suas divisões:
A PUREZA DE SANGUE
Um princípio básico de exclusão distinguia determinadas categorias sociais, pelo menosaté uma carta-lei de 1773. Era o princípio de pureza dc sangue. Impuros eram os cristãos-novos, os negros, mesmo quando livres, os índios em certa medida e as várias espécies demestiços. Eles não podiam ocupar cargos de governo, receber títulos de nobreza, participar deirmandades de prestígio etc. A carta-lei de 1773 acabou com a distinção entre cristãos antigose novos, o que não quer dizer que daí para a frente o preconceito tenha se extinguido.
LIVRES E ESCRAVOS
O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas. Mais profundo do que eleera o corte que separava pessoas e não-pessoas, ou seja, gente livre e escravos, consideradosjuridicamente coisa.
A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor, poisescravos eram, em primeiro lugar, negros, depois, índios e mestiços. Toda uma nomenclaturase aplicava aos mestiços, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos, curibocas ou caboclos,nascidos da união entre branco e índio; os cafuzos, resultantes da união entre negro e índio.
Convém distinguir porém entre escravidão indígena e negra. Do início da colonização atéa extinção formal da escravidão indígena, houve índios cativos e os chamados forros ouadministrados. Estes eram índios que, após a captura, tinham sido colocados sob a tutela doscolonizadores. Sua situação não era muito diversa dos cativos. Entretanto, se em geral asituação do índio era muito penosa, não equivalia à do negro.
A proteção das ordens religiosasnos aldeamentos indígenas impôs limites à exploração pura e simples. A própria Coroaprocurou estabelecer uma política menos discriminatória. Um alvará de 1755, por exemplo,chegou mesmo a estimular os casamentos mistos de índios e brancos, considerando taisuniões sem “infâmia alguma”. O mesmo alvará previa uma preferência em “empregos ehonras” para os descendentes dessas uniões e proibia que eles fossem chamados de”caboclos” ou outros nomes semelhantes que pudessem ser “injuriosos”. Tratamento muitodiferente recebiam as uniões de índio com negro.
Por exemplo, o vice-rei do Brasil mandou darbaixa do posto de capitão-mor a um índio, porque “se mostrara de tão baixos sentimentos quecasou com uma preta, manchando seu sangue com esta aliança e tornando-se assim indignode exercer o referido posto”.
A significativa presença de africanos e afro-brasileiros na sociedade brasileira pode serconstatada pelos indicadores de população no fim do período colonial.
Negros e mulatosrepresentavam cerca de 75% da população de Minas Gerais, 68% de Pernambuco, 79% daBahia e 64% do Rio de Janeiro. Apenas São Paulo tinha uma populaçãomajoritariamentebranca (56%).
Cativos trabalhavam nos campos, nos engenhos, nas minas, na casa-grande.Realizavam nas cidades tarefas penosas, no transporte de cargas, de pessoas, de dejetosmalcheirosos ou na indústria da construção.
Foram também artesãos, quitandeiros,vendedores de rua, meninos de recado etc.
As relações escravistas não se resumiram a um vínculo direto entre senhor e escravo, semenvolver outras pessoas. Houve cativos alugados para a prestação de serviços a terceiros e,nos centros urbanos, existiram os “escravos de ganho”-uma figura comum no Rio de Janeirodos primeiros decênios do século XIX. Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu”ganho”, prestando serviços ou vendendo mercadorias e cobravam deles, em troca, umaquantia fixa paga por dia ou por semana. Escravos de ganho foram utilizados em pequena eem larga escala, de um único cativo até trinta ou quarenta. Se a maioria deles exercia suaatividade nas ruas, caindo inclusive na prostituição e na mendicância, com o assentimento deseus senhores, existiram também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em lojas,ou operários.
ESCRAVOS E ESCRAVOS
Mas entre os escravos existiram distinções. Algumas se referiam ao trabalho exercido,pois havia diferenças entre servir na casa-grande ou trabalhar no campo, ser escravo nagrande propriedade ou “escravo de ganho” nas cidades. Outras distinções referiam-se ànacionalidade, ao tempo de permanência no país ou à cor da pele. “Boçal” era o cativo recém-chegado da África, ignorante da língua e dos costumes; “ladino”, o que já estava relativamente”adaptado”, falando e entendendo português; “crioulo” era o nascido no Brasil. Uma coisa erao preto retinto, em um extremo, e o mulato claro, em outro. Em geral, mulatos e crioulos eram preferidos para as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão, cabendo aos escuros,sobretudo aos africanos, os trabalhos mais pesados.
LIVRES E LIBERTOS
Além das distinções no âmbito da massa escrava, devemos considerar que houve no Brasilcolonial um grande número de africanos ou afro-brasileiros livres ou libertos.
Dados referentesao fim do período indicam que cerca de 42% da população negra ou mulata eram constituídaspor essa categoria. Sua condição era ambígua. Considerados formalmente livres, voltavam naprática a ser escravizados de forma arbitrária. Não podiam pertencer ao Senado da Câmara oua prestigiosas irmandades leigas, como a Ordem Terceira de São Francisco.
Mesmo a liberdadede um ex-escravo podia ser revogada, por atitudes de desrespeito para com seu antigo senhor.
A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seumodo de agir e de pensar. O desejo de ser dono de escravos, o esforço por obtê-los ia daclasse dominante ao modesto artesão branco das cidades. Houve senhores de engenho eproprietários de minas com centenas de escravos, pequenos lavradores com dois ou três, laresdomésticos, nas cidades, com apenas um escravo. O preconceito contra o negro ultrapassou ofim da escravidão e chegou modificado a nossos dias.
Até pelo menos a introdução em massade trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmentedesprezado como “coisa denegro”.
NOBREZA, CLERO E POVO
Em teoria, as pessoas livres da Colônia foram enquadradas em uma hierarquia de ordens(nobreza, clero e povo), uma característica do Antigo Regime. A transplantação desse modelo,vigente em Portugal, teve pouco efeito prático no Brasil. Os títulos de nobreza foramambicionados pelaelite branca, mas não existiu uma aristocracia hereditária. Os fidalgos eramraros, e muita gente comum tinha pretensões a nobreza.
A população livre e pobre abrangia pessoas de condição diversa. Roceiros, pequenoslavradores, trabalhadores povoaram os campos; as poucas cidades reuniram vendedores derua, pequenos comerciantes, artesãos.
Lembremos, de passagem, que esse quadro não foiestático. A descoberta do ouro e dos diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, apartir de princípios do século XVIII,e a vinda da família real para o Rio de Janeiro, no início doséculo XIX, foram, cada um à sua maneira, fatores de diversificação social e de alteração dasrelações entre campo e cidade. Na região mineira e nos centros urbanos, como Salvador e oRio de Janeiro, existiam burocratas e administradores, letrados e gente dedicada às chamadasprofissões liberais, especialmente a advocacia.
HIERARQUIA DAS PROFISSÕES
As diferentes atividades eram desigualmente valorizadas. A de maior prestígio, sobretudonos primeiros tempos, era não propriamente uma atividade, mas “o ser senhor de engenho”.Na famosa expressão do Padre Antonil, em sua obra Cultura e Opulência do Brasil por SuasDrogas e Minas, escrita no início do século XVIII, “o ser senhor de engenhoé título a que muitos aspiram porque traz consigo o ser servido e respeitado de muitos. E […] bem se podeestimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulosentre os fidalgos do reino”.
O comércio era consideradouma profissão menos digna e, em teoria, os homens denegócios estavam excluídos das Câmaras e das honrarias. O fato de que muitos deles fossemcristãos-novos, ou seja, de ascendência judaica, acrescentava outro elemento dediscriminação. Os artesãos tambémeram depreciados, pois considerava-se o trabalho manualuma atividade inferior.
Quase sempre sem representação nas Câmaras, conseguiam às vezesse fazer ouvir pela voz do “juiz de fora”, magistrado profissional indicado pela Coroa quepresidia a Câmara nas cidades maiores.
A partir de um reduzido número, o grupo cresceutanto quantitativamente como em sua expressão social, a ponto de alguns alfaiates secolocarem à frente de uma rebelião contra a Coroa, na Bahia, em fins do século XVIII.
OS QUE MANDAM
No alto da pirâmide social da população livre ficavam os grandes proprietários rurais e oscomerciantes voltados para o comércio externo. Esse era um quadro típico do litoral doNordeste e, mais tarde, do Rio de Janeiro. Desempenhando um papel estratégico na vida daColônia, os grandes comerciantes não foram incluídos na discriminação imposta, em teoria, àsua atividade. Ao contrário, descreveram uma curva de ascensão social e política, a partir demeados do século XVII. Participaram cada vez mais dasCâmaras e irmandades de prestígio eocuparam postos elevados nas milícias.
Entre os dois setores de cúpula, houve pontos de aproximação e de rivalidade. De umlado, eles constituíam, em conjunto, as forças socialmente dominantes da Colônia, diante damassa de escravos e homens livres de condição inferior. A ascensão econômica doscomerciantes facilitou seu ingresso na elite colonial. Através do casamento e da compra deterras, muitos comerciantes se tornaram também senhores de engenho no Nordeste, com issodesfazendo em parte a distinção entre os dois setores.
De outro lado, existiam razões potenciais de conflito. Os grandes comerciantes influíamnos preços dos produtos de exportação e importação, sobretudo quando conseguiam ocuparpostos nas companhias privilegiadas de comércio, organizadas pela Coroa.
Além disso,adiantavam recursos aos grandes proprietários rurais para financiar o plantio e a compra deescravos e equipamentos, com garantia de hipoteca sobre as terras.
As questões de dívidas eas controvérsias sobre pedidos de moratória foram freqüentes na área dos engenhos deaçúcar do Nordeste.
As disputas se acirravam quando vinham acompanhadas de uma divisãode origem entre senhores rurais nativos e comerciantes portugueses.
Um exemplo extremo das divergências foi a chamada Guerra dos Mascates, ocorrida emPernambuco em 1710-1711, que opôs os senhores de engenho, de Olinda e os “mascates”(que, na verdade, pouco tinham de mascates) do Recife. Tratava-se, na realidade, de grandescomerciantes, alguns dosquais aumentaram seu poder ao arrematar, em leilões realizadospela Coroa, o direito de cobrar impostos.
DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA
Uma divisão da sociedade diretamente relacionada com o princípio de pureza de sanguedizia respeito à religião. Os súditos da Coroa residentes no Brasil eram, por definição, católicos.Mas havia os mais e os menos católicos. Estes eram os cristãos-novos, judeus ou seusdescendentes, obrigados a converter-se ao cristianismo por decisão da monarquia lusa (1497).Sobre eles pesava a suspeita adicional de praticar em segredo a religião judaica. Os cristãos-novos tiveram um papel relevante, desde os primeiros tempos da Colônia, como mercadores,artesãos, senhores de engenho, ocupando também cargos civis e eclesiásticos. Em 1603, aMesa da Consciência, em Lisboa, determinou que o bispado do Brasil, com sede em Salvador,só apontasse “cristãos de velha cepa” para os ofícios religiosos em Pernambuco, porque amaioria deles eslava nas mãos de cristãos-novos.
Apesar desse papel relevante, e talvez por isso mesmo, os cristãos-novos foramdiscriminados, alguns deles presos e mortos nas mãos de inquisidores.
Comparativamente,entretanto, as perseguições não tiveram a eficiência das desencadeadas na Américaespanhola. A Inquisição não se instalou em caráter permanente no Brasil, e suas aterrorizantesvisitas, com exceção da realizada ao Estado do Grão-Pará em 1763-1769, ocorreram na épocaem que a Coroa portuguesa esteve nas mãos dos reis da Espanha.
O Santo Ofício inquisitórioesteve naBahia e em Pernambuco entre 1591 e 1595, voltando à Bahia em 1618.
DISCRIMINAÇÃO SEXUAL
Por último, lembremos a divisão entre homens e mulheres, o que nos leva à análise dafamília.
Tradicionalmente, sobretudo por influência dos estudos de Gilberto Freyre, quandofalávamos em família na Colônia logo vinha à mente o modelo patriarcal: o de uma famíliaextensiva, constituída por parentes de sangue e afins, agregados e protegidos, sob a chefiaindiscutível de uma figura masculina. A família patriarcal teve grande importância, marcandoinclusive, como logo veremos, as relações entre sociedade e Estado. Mas ela foi característicada classe dominante, mais exatamente da classe dominante do Nordeste. Entre a gente decondição social inferior a família extensiva não existiu, e as mulheres tenderam a ter maiorindependência, quando não tinham marido ou companheiro. Em Ouro Preto de 1804, porexemplo, considerando-se 203 unidades domésticas, apenas 93 eram encabeçadas porhomens.
Mesmo em relação às famílias de elite, o quadro de submissão das mulheres tinhaexceções. Em determinadas circunstâncias, elas desempenharam um relevante papel nasatividades econômicas.
Isso ocorreu na região de São Paulo, onde as mulheres, descritas porum governador da capitaniapor volta de 1692 como “formosas e varonis”, assumiam aadministração da casa e dos bens, quando os homens se lançavam por vários anos àsexpedições no sertão.
CIDADE E CAMPO
A população da Colônia viveu em sua grande maioria no campo. As cidades cresceram aospoucos e eram dependentes do meio rural. A própria capital da Colônia foi descrita por FreiVicente do Salvador, no século XVI, como “cidade esquisita, de casas sem moradores, pois osproprietários passavam mais tempo em suas roças rurais,só acudindo no tempo das festas.
Apopulação urbana constava de mecânicos que exerciam seus ofícios, de mercadores, deoficiais de Justiça, de Fazenda, de Guerra, obrigados à residência”. Um padre jesuíta refere-seà pobreza da pequena São Paulo, no século XVII, como resultado da constante ausência doshabitantes porque “fora por ocasião de três ou quatro festas principais eles ficam cm suasherdades ou andam por bosques e campos, em busca de índios, no que gastam suas vidas”.
Esse quadro modificou-se, emparte, pela crescente influência dos grandes comerciantese pelo crescimento do aparelho administrativo, o que aumentou o peso qualitativo dascidades.
Fatos como a invasão holandesa e sobretudo a vinda da família real para o Rio deJaneiro tiveram tambémimportância no desenvolvimento dos centros urbanos.
ESTADO E SOCIEDADE
Como definir as relações entre Estado e sociedade?
Comecemos identificando duas interpretações radicalmente opostas. A primeira, que temem Raimundo Faoro um de seus representantes mais significativos, localiza no Estado o pólodominador; a origem da dominação estaria na formação do Estado português que, desde oséculo XIV, caracterizava-se pela centralização precoce e pela vigência de um corpo de leis,como um Estado patrimonialista. Na Colônia, o poder estatal, representado por uma poderosaburocracia, teria iniciado sua obra centralizadora, reforçando os mecanismos de dominação ede repressão. Seus braços atingiriam até mesmo o sertão distante, por meio de caudilhos ebandeirantes que, em última análise, agiam em nome do Estado.
A orientação oposta, mais antiga, se encontra em autores como Oliveira Viana e NestorDuarte, que escreveram seus trabalhos nas décadas de 1920 e 1940.
Para eles, um setor dasociedade imperava na Colônia diante de um Estado frouxo e sem expressão. Os dominadoresteriam sido os grandes proprietários de terras, o senhoriato rural, não só através dadescentralização do poder como da modificação de sua natureza, a qual deixou de ser o dafunção política para servir a interesses privados. Seriam eles quem governavam, legislavam,faziam justiça, guerreavam contra as tribos do interior, em defesa das populações próximas àssuas fazendas. Em suma, agiam como verdadeiros senhores feudais.
Penso que não é possível colocar-se na linha de uma ou outra dessas interpretações, porduas razões principais:
1. elas se apresentam como um modelo imposto a espaços emomentos históricos diversos
2. ao separar radicalmente Estado de um lado e sociedade deoutro, tendem a excluir a possibilidade de entrelaçamento dos dois níveis.
Começando pela primeira dessas razões, podemos dizer que a ausência do Estado e opreenchimento de suas funções por grupos privados ocorreu em certas áreas, como no sertãonordestino voltado para a pecuária, mas não serve para definir o quadro mais geral da Colônia.Por outro lado, o Estado português não se ajusta à idéia de uma máquina burocrática esmagadora, transposta com êxito para a Colônia.
A tentativa de transpor a organizaçãoadministrativa lusapara o Brasil chocou-se com inúmeros obstáculos, dada a extensão daColônia, a distância da Metrópole e a novidade dos problemas a serem enfrentados.
O Estadofoi estendendo seu alcance ao longo do tempo, diríamos melhor ao longo dos séculos, sendomais presente nasregiões que eram o núcleo fundamental da economia de exportação. Atémeados do século XVII, a ação das autoridades somente se exerceu com eficácia na sede dogoverno geral e das capitanias à sua volta. Nas outras regiões, predominaram as ordensreligiosas, especialmente a dos jesuítas, considerada um Estado dentro do Estado, ou osgrandes proprietários rurais e apresadores de índios.
O bandeirismo paulista não foi uma iniciativa do Estado. Compatibilizou-se em regra comos interesses do governoportuguês, definindo-se, porém, ao mesmo tempo, como umainiciativa da sociedade local, independentemente da vontade do poder metropolitano.
Com a descoberta das minas de ouro e diamantes no início do século XVIII, o Estadoaumentou seus controles, com o objetivo de organizar uma sociedade em rápido crescimentoe assegurar a percepção dos tributos sobre as novas riquezas. Mas mesmo aí só o DistritoDiamantino, instalado em Minas Gerais na Comarca do Serro Frio, correspondeu à imagem deum Estado sobrepostoà sociedade, amputando todos os membros que resistissem a seudomínio.
Isso não quer dizer que seja inviável estabelecer um padrão geral das relações entreEstado e sociedade no Brasil colonial, respeitadas as diferenças de tempo e espaço. Emprimeiro lugar, sobretudo quando nos referimos aos níveis mais altos da atividade do Estado,será quase sempre possível distinguir entre a ação do Estado e os interesses dominantes dasociedade.
A Coroa e seus prepostos no Brasil assumiram um papel de organizador geraldavida da Colônia que não correspondia necessariamente a esses interesses.
Por exemplo,medidas tendentes a limitar a escravização dos índios, ou garantir o suprimento de gênerosalimentícios por meio do plantio obrigatório nas fazendas, foram recebidasaté com revoltapelos apresadores de índios e proprietários rurais.
Mas Estado e sociedade não são dois mundos estranhos. Pelo contrário, há um duplomovimento do Estado em direção à sociedade e desta em direção ao Estado.
Esse movimentose caracteriza pela indefinição dos espaços público e privado.
Que significa isso?
Significa que, se por um lado o Estado é penetrado por interesses particulares, por outrosua ação não tem limites claros, decorrentes de garantias individuais dos cidadãos. Os traçosdo Estado patrimonial luso, onde tudo, em última análise, é patrimônio do rei, ajustam-se aostraços da sociedade colonial, na qual predomina a solidariedade familiar.
A família ou as famílias em aliança-e aqui estamos falando de famílias da classedominante-surgem como redes formadas não apenas por parentes de sangue mas porpadrinhos e afilhados, protegidos e amigos.
Para a Coroa, o Estado é um patrimônio régio e osgovernantes devem ser escolhidos entre os homens leais ao rei.
Por sua vez, os setoresdominantes da sociedade tratam de abrir caminho na máquina estatal ou receber as graçasdos governantes em benefício da rede familiar.
Por caminhos diversos, resulta disso um governo que se exerce não deacordo compadrões de impessoalidade e respeito à lei, mas segundo critérios de lealdade.
A expressão”para os amigos tudo, para os inimigos a lei” resume a concepção e a prática que descrevemos.O fato de que ela tenha sido atribuída a um presidente da República mostra que estamosdiante de um padrão decomportamento com longa vida na história do Brasil.
AS PRIMEIRAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
Hoje, o Brasil se caracteriza por conter regiões muito diferentes entre si, mas esse fato eraainda mais acentuado nos tempos coloniais, quando, além de tudo, as comunicações eramdifíceis e existiam áreas inexploradas ou desconhecidas.
O AÇÚCAR
Na sua faixa litorânea, o Nordeste representou o primeiro centro de colonização e deurbanização da nova terra. A atual situação do Nordeste não é fruto da fatalidade,mas de umprocesso histórico.
Até meados do século XVIII, a região nordestina, que era designada como o”Norte”, concentrou as atividades econômicas e a vida social mais significativa da Colônia;nesse período, o Sul foi uma área periférica, menos urbanizada, sem vinculação direta com aeconomia exportadora. Salvador foi a capital do Brasil até 1763 e, por muito tempo, sua únicacidade importante.
Embora não haja dados de população seguros até meados do século XVIII,calcula-se que tinha 14 mil habitantesem 1585, 25 mil em 1724 e cerca de 40 mil em 1750, ametade dos quais eram escravos.
Esses números podem parecer modestos, mas têm muitasignificação quando confrontados com os de outras regiões: São Paulo, por exemplo, tinhamenos de 2 mil habitantes em 1600.
A empresa açucareira foi o núcleo central da ativação socioeconômica do Nordeste. Oaçúcar tem uma longa e variada história, tanto no que se refere a seu uso quanto à localizaçãogeográfica. No século XV, era ainda uma especiaria, utilizada como remédio ou condimentoexótico. Livros de receitas do século XVI indicam que estava ganhando lugar no consumo daaristocracia européia.
Logo passaria de um produto de luxo para o que hoje chamaríamos deum bem de consumo de massa.
Sob o aspecto geográfico, a cana-de-açúcar teve um grande deslocamento no espaço.Originária da índia, alcançou a Pérsia e dali foi levada pelos conquistadores árabes à costaoriental do Mediterrâneo. A seguir, os árabes a introduziram na Sicília e na Península Ibérica.Já em 1300, vendia-se em Bruges (Bélgica) o açúcar produzido na Espanha. No século XV, aprodução das várzeas irrigadas de Valência e do Algarve (sul de Portugal) era comercializadano sul da Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Vimos como a produção açucareira foidominante nas ilhas do Atlântico, onde se fez um verdadeiro ensaio do que viria a ser oempreendimento implantado no Brasil.
Não se conhece a data em que os portugueses introduziram a cana-de-açúcar no Brasil.Foi nas décadas de 1530 e 1540 que a produção se estabeleceu em bases sólidas. Em suaexpedição de 1532, Martim Afonso trouxe um perito na manufatura do açúcar, bem comoportugueses, italianos e flamengos com experiência na atividade açucareira da Ilha da Madeira.
Plantou-se cana e construíram-seengenhos em todas as capitanias, de São Vicente aPernambuco.
Um dos objetivos centrais da criação do governo geral foi incentivar a produção naabandonada Capitania da Bahia.
O Regimento de Tome de Sousa continha uma série depreceitos destinados a estimular o plantio e a moenda de cana, concedendo, entre outrasvantagens, isenção de impostos por um certo tempo. Além disso, o governador-geral, aindapor determinação do regimento, construiu um engenho de propriedade da Coroa em Pirajá,próximo a Salvador.
Na Capitania de São Vicente, Martim Afonso foi sócio, com portugueses e estrangeiros, deum engenho que talvez tenha sido o maior do sul do país-o São Jorge dos Erasmos-, nomederivado do alemão Erasmo Schetz, que o comprou dos sócios originais. Hoje, existem apenasas ruínas do engenho. A produção de cana no Rio de Janeiro, especialmente na região deCampos, teve também expressão, mas até o século XVIII a cachaça e não o açúcar foi oprincipal produto obtido, sendo utilizada sobretudo como moeda de trocano comércio deescravos com Angola.
Os grandes centros açucareiros na Colônia foram Pernambuco e Bahia. Fatores climáticos,geográficos, políticos e econômicos explicam essa localização. As duas capitanias combinavam,na região costeira, boa qualidade desolos e um adequado regime de chuvas. Estavam maispróximas dos centros importadores europeus e contavam com relativa facilidade deescoamento da produção, na medida em que Salvador e Recife se tornaram portosimportantes.
O ENGENHO
A instalação de um engenho constituía um empreendimento considerável. Em regra,abrangia as plantações de cana, o equipamento para processá-la, as construções, os escravos eoutros itens, como gado, pastagens, carros de transporte, além da casa-grande. A operação deprocessamento de cana até chegar ao açúcar era complexa. Já nos primeiros tempos,importava-se em capacidade administrativa e uso de tecnologia, aprimorada ao longo dosanos. Várias fases se sucediam, passando pela extração do líquido, sua purificação e purgação.Acana era moída por um sistema de tambores, impulsionado por força hidráulica ou poranimais.
Os engenhos movidos a água, por seu maior tamanho e produtividade, ficaramconhecidos como engenhos reais.
Tanto no Brasil como em Portugal não foram instaladas refinarias no período colonial. Oaçúcar do Brasil era chamado de barreado porque utilizava-se barro na sua preparação. Issonão significa que fosse de má qualidade. O açúcar barreado resultava tanto no açúcar branco,muito apreciado na Europa, como no mascavo, de cor pardacenta, considerado, na época, dequalidade inferior.
Desse modo, a técnica de se obter açúcar branco com o emprego de barrocompensava, em parte, a inexistência de refinarias.
A instalação e a atividade de um engenho eram operações custosasque dependiam daobtenção de créditos. No século XVI, pelo menos parte desses créditos provinha deinvestidores estrangeiros, flamengos e italianos, ou da própria Metrópole. Posteriormente, noséculo XVII, essas fontes parecem ter-se tornado pouco significativas. Pelo menos na Bahia, as Página 484848duas principais fontes de crédito vieram a ser as instituições religiosas e beneficentes, emprimeiro lugar, e os comerciantes. Antes de 1808 não existiam bancos no Brasil. Instituiçõescomo a Misericórdia, a Ordem Terceirade São Francisco, o Convento de Santa Clara doDesterro, além de suas funções específicas, cumpriram o papel de financiar a atividadeprodutiva através de empréstimos a juros.
Os comerciantes tinham com os senhores de engenho um relacionamento especial.Financiavam instalações, adiantavam recursos para se tocar o negócio e, pela própria posiçãoque ocupavam, tinham facilidade de fornecer bens de consumo importados. As contas entre asduas partes eram acertadas no fim da safra. Muitas vezes os comerciantesaceitavam receberaçúcar em pagamento das dívidas, mas a preço abaixo do mercado. A história final docomércio açucareiro escapava de mãos locais e mesmo de mãos portuguesas. Os grandescentros importadores estavam em Amsterdam, Londres, Hamburgo, Gênova etinham grandepoder na fixação dos preços, por maiores que fossem os esforços de Portugal no sentido demonopolizar o produto mais rentável de sua colônia americana.
Vejamos agora alguma coisa sobre a estrutura social do engenho, começando pelos doisextremos: escravos de um lado, senhores de outro.
Foi no âmbito da produção açucareira quese deu com maior nitidez a gradativa passagem da escravidão indígena para a africana. Nasdécadas de 1550 e 1560, praticamente não havia africanos nos engenhos do Nordeste. A mão-de-obra era constituída por escravos índios ou, em muito menor escala, por índiosprovenientes das aldeias jesuíticas, que recebiam um salário ínfimo.
Tomando o exemplo deum grande engenho-Sergipe do Conde, na Bahia-, cujos registros sobreviveram até hoje,podemos ter uma idéia de como se deu a transição. Em 1574, os africanos representavamapenas 7% da força de trabalho escrava; em 1591 eram 37% e, em torno de 1638, africanos eafro-brasileiros compunham a totalidade da força de trabalho.
Os cativos realizavam um grande número de tarefas, sendo concentrados em sua maiorianos pesados trabalhos do campo. A situação de quem trabalhava na moenda, nas fornalhas enas caldeiras podia ser pior.
Não era incomum que escravos perdessem a mão ou o braço na moenda.
Muitos observadores que escreveram sobre os engenhos brasileiros notaram aexistência de um pé-de-cabra e uma machadinha próximos à moenda para, no caso de umescravo ser apanhado pelos tambores, estes serem separados e a mão ou braço amputado,salvando-se a máquina de maiores estragos.
Fornalhas e caldeiras produziam um calor insuportável, e os trabalhadores se arriscavam asofrer queimaduras. Muitos cativos eram treinados desde cedo para esse serviço, consideradotambém um castigo para os rebeldes. Apesar de tudo, excepcionalmente, escravos subiam nahierarquia de funções e chegavam a “banqueiros”, um auxiliar do mestre-de-açúcar, oumesmo a mestre.
Este era um trabalhador especializado, responsável pelas operações finais e,em última análise, pela qualidade do açúcar.
Os senhores de engenho tiveram um considerável poder econômico, social e político navida da Colônia. Eles formavam uma aristocracia de riqueza e poder, mas não uma nobreza hereditária do tipo que existia na Europa. O rei concedia títulos de nobreza por serviçosprestados ou mediante pagamento. Entretanto, esses títulos não passavam aos herdeiros. Nãodevemos, aliás, exagerar a estabilidade dos senhores de engenho e mesmo sua riqueza,generalizando para o conjunto de uma classe social aquilo que foi característica de algumas famílias. O negócio da cana trazia riscos, dependendo da oscilação de preços, de uma boaadministração, do controle da massa escrava. Os engenhos foram mais permanentes do queseus senhores. Existiram com osmesmos nomes por centenas de anos, porém mudaram váriasvezes de mãos.
Quem eram os senhores de engenho nos primeiros tempos?
Algumas famílias de origem nobre ou com altos cargos na administração portuguesa,imigrantes com posses, comerciantes que se dedicavam ao mesmo tempo à atividadecomercial e à produção.
Bem poucos eram fidalgos e nem todos católicos de longa data.Cristãos-novos estiveram bem representados entre os primeiros senhores de engenhobaianos. De 41 engenhos cujos proprietários puderam tersuas origens identificadas noperíodo de 1587 a 1592, doze pertenciam a cristãos-novos. Com o correr do tempo, a partir demuitos casamentos realizados entre as mesmas famílias, os senhores de engenho seconverteram em uma classe homogênea.
Seus membros mais prestigiosos trataram então detraçar uma genealogia que estabelecesse suas raízes nobres em Portugal.
Os senhores de engenho não viviam isolados na plantation. Pela própria natureza elocalização de sua atividade, geralmente próxima a um porto, estavam em contato com omundo urbano e com um olho no mercado internacional. Afinal de contas, sua riquezadependia não só da capacidade de tocar o negócio no Brasil mas dos preços fixados do outrolado do Atlântico, nos grandes centros importadores.
Entre osdois extremos de senhores e escravos ficavam os libertos e os trabalhadoresbrancos que trabalhavam em serviços especializados como artesãos (ferreiros, carpinteiros,serralheiros etc.) e mestres-de-açúcar.
O grupo mais numeroso de homens livres cujasatividades ligavam-se ao engenho era o dos plantadores de cana, produtores independentesque não possuíam recursos para montar um engenho.
Dependiam portanto dos senhores, masàs vezes tinham algum poder de negociar quando a produção de cana nos engenhos eraescassa. Raramente mulatos ou negros libertos foram plantadores de cana.
Admitida essaexclusão racial, o poder econômico do setor variou muito. Havia desde homens humildes,cultivando pequenas extensões de terra com dois ou três escravos, até outros que possuíamvinte ou trinta cativos e eram candidatos a senhor de engenho.
ALTOS E BAIXOS DA ATIVIDADE AÇUCAREIRA
Não é exato falar de um ciclo histórico da produção açucareira, como foi tradicional entreos historiadores. “Ciclo” dá idéia de surgimento, ascensão e fim de uma atividade econômica, oque certamente não foi o caso do açúcar ou de outros produtos, como o café. O avanço daexploração do ouro no século XVIIT, por exemplo, não significou o fim da economia açucareira.E mais adequado falar em conjunturas, ou seja, fases melhores ou piores, embora possamosdizer que, em meados do século XIX, o açúcar deixou de cumprir papel dominante naeconomia do país.
Sem entrar nas minúcias dos vaivéns do negócio açucareiro, podemos distinguir algumasfases básicas de sua história no período colonial, demarcadas pelas guerras, invasõesestrangeiras e pela concorrência. Entre 1570 e 1620 houve uma conjuntura de expansão, dadoo crescimento da demanda na Europa e por não haver praticamente concorrência. A partir daí, osnegócios se complicaram como conseqüência do início da Guerra dos Trinta Anos nocontinente europeu (1618) e, depois, por causa das invasões holandesas no Nordeste.
As invasões tiveram em geral um efeito muito negativo, embora seja necessário fazeralgumas distinções. A ocupação de Salvador em 1624-1625 foi desastrosa para a economiaaçucareira do Recôncavo Baiano, mas não para Pernambuco. Por sua vez, enquantoPernambuco sofria as conseqüências das lutas resultantes de uma nova invasão holandesaentre 1630 e 1637, a Bahia beneficiou-se da escassez do produto no mercado internacional eda conseqüente elevação de preços.
Na década de 1630, surgiu a concorrência. Nas pequenas ilhas das Antilhas, a Inglaterra, aFrança e a Holanda iniciaram o plantio em grandeescala, provocando uma série de efeitosnegativos na economia açucareira do Nordeste. A formação de preços fugiu ainda mais dasmãos dos comerciantes portugueses e dos produtores coloniais no Brasil.
A produçãoantilhana, também com base no trabalho de escravos, gerou uma elevação do preço destes eincentivou a concorrência de holandeses, ingleses e franceses no comércio negreiro da costaafricana.
Nunca mais a economia açucareira do Brasil voltaria aos “velhos bons tempos”.
Mas no período colonial a renda das exportações do açúcar sempre ocupou o primeirolugar. Mesmo no auge da exportação do ouro, o açúcar continuou a ser o produto maisimportante, pelo menos no comércio legal.
Assim, em 1760 correspondeu a 50% do valor totaldas exportações e o ouro a 46%. Afora isso, no fim do período colonial a produção teve umnovo alento, não só na área nordestina.
Medidas tomadas pelo Marquês de Pombal e umasérie de acontecimentos internacionais favoreceram a expansão. Dentre essesacontecimentos, devemos destacara grande rebelião de escravos ocorrida em 1791 em SãoDomingos, colônia francesa nas Antilhas. Durante dez anos de guerra, São Domingos-grandeprodutor de açúcar e café-saiu da cena internacional. No início do século XIX, produziamaçúcar, por ordem de importância, a Bahia, Pernambuco e o Rio de Janeiro. São Paulocomeçava a despontar, mas ainda como modesto exportador.
Do ponto de vista econômico e social, o Nordeste colonial não foi só açúcar, até porque opróprio açúcar gerou uma diversificação de atividades, dentro de certos limites.
A tendência àespecialização no cultivo da cana trouxe como conseqüência uma contínua escassez dealimentos, incentivando a produção de gêneros alimentícios, especialmente da mandioca.
Acriação de gado esteve também emparte vinculada às necessidades da economia açucareira.Houve ainda outras atividades, como a extração da madeira e o cultivo do fumo.
O FUMO
O fumo foi uma significativa atividade destinada à exportação, embora estivesse muitolonge de competir com o açúcar.
A grande região produtora localizou-se no Recôncavo Baiano,em especial na área em torno da hoje cidade histórica de Cachoeira. Produziram-se váriostipos de fumo, desde os mais finos, exportados para a Europa, até os mais grosseiros, queforam importantes como moeda de troca na costa da África.
A produção de fumo era viável em pequena escala, e isso criou um setor de pequenosproprietários, formado por antigos produtores de mandioca ou imigrantes portugueses compoucos recursos. Ao longo dos anos, esse setor cresceu ao mesmo tempo que crescia nele apresença de mulatos. Uma amostra de 450 lavradores de fumo baianos, entre 1684 e 1725,revelou que somente 3% eram mulatos, enquanto em um estudo semelhante realizado no fimdo século XVIII, essepercentual subiu para 27%.
Seria equivocado porém pensar que nas plantações de fumo se concentrou umaverdadeira classe média rural, ou seja, um campesinato vivendo do trabalho familiar.
Houvegrandes proprietários que combinaram o fumo com outras atividades. Números levantados apartir de recenseamentos locais indicam que pelo menos a metade dos lavradores eracomposta de escravos.2.17.3.
A PECUÁRIA
A criação de gado começou nas proximidades dos engenhos, mas a tendência à ocupaçãodas terras mais férteis para o cultivo da cana foi empurrando os criadores para o interior. Em1701, a administração portuguesa proibiu a criação em uma faixa de oitenta quilômetros dacosta para o interior. A pecuária foi responsável pelo desbravamento do “grande sertão”. Oscriadores penetraram no Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e, a partir daárea do Rio São Francisco, chegaram aos Rios Tocantins e Araguaia.
Mais do que o litoral,foram essas regiões que se caracterizaram por imensos latifúndios, onde o gado seesparramava a perder de vista. No fim do século XVII, existiam propriedades no sertão baianomaiores do que Portugal, e um grande fazendeiro chegava a possuir mais de 1 milhão dehectares.
Por muito tempo os historiadores acreditaram que, pelas características mais livres domanejo do gado, a população do sertão fosse composta sobretudo de índios e mestiços.Estudos recentes constataram também aí a presença de escravos de origem africana, ao ladoda gente livre pobre.
AS INVASÕES HOLANDESAS
As invasões holandesas que ocorreram no século XVII foram o maior conflito político-militar da Colônia. Embora concentradas no Nordeste, elas não se resumiram a um simplesepisódio regional. Ao contrário, fizeram parte do quadro das relações internacionais entre ospaíses europeus, revelando a dimensão da luta pelo controle do açúcar e das fontes desuprimento de escravos.
A resistência às invasões representou um grande esforço financeiro e militar com base emrecursos não só externos como locais. Foi um indício das possibilidades de ação autônoma dagente da Colônia, embora estivesse ainda longe a existência de uma identidade separada daMetrópole. Como diz o historiador Evaldo Cabral de Mello, a guerra foi uma luta pelo açúcar e,sobretudo em seu último período, sustentada pelo açúcar, através dos impostos cobrados pela Coroa.
A história das invasões liga-se à passagem do trono português à coroa espanhola, comoresultado de uma crise sucessória que pôs fim à dinastia de Avis (1580).
Na medida em quehaviaum conflito aberto entre a Espanha e os Países Baixos, o relacionamento entre Portugal eHolanda iria inevitavelmente mudar. Sobretudo, os holandeses não poderiam mais continuar aexercer o papel predominante que tinham na comercialização do açúcar.
Eles iniciaram suas investidas pilhando a costa africana (1595) e a cidade de Salvador(1604). Mas a Trégua dos Doze Anos entre a Espanha e os Países Baixos (1609-1621) deixou Portugal em situação relativamente calma. O fim da trégua e a criação da CompanhiaHolandesa das índias Ocidentais marcam a mudança do quadro. Formada com capitais doEstado e de financistas particulares, a companhia teria como seus alvos principais a ocupaçãodas zonas de produção açucareira na América portuguesa e o controle do suprimentodeescravos.
As invasões começaram com a ocupação de Salvador, em 1624. Os holandeses levarampouco mais de 24 horas para dominar a cidade, mas praticamente não conseguiram sair deseus limites.
Os chamados homens bons refugiaram-se nas fazendas próximasà capital eorganizaram a resistência, chefiada por Matias de Albuquerque, novo governador por elesescolhido, e pelo bispo Dom Marcos Teixeira.
Utilizando-se da tática de guerrilhas e comreforços chegados da Europa, eles impediram a expansão dos invasores. Uma frota compostade 52 navios e mais de 12 mil homens juntou-se, a seguir, às tropas combatentes.
Depois deduros combates, os holandeses se renderam, em maio de 1625. Tinham permanecido na Bahiapor um ano.
O ataque a Pernambuco se iniciou em 1630, com a conquista de Olinda. A partir desseepisódio, a guerra pode ser dividida em três períodos distintos. Entre 1630 e 1637, travou-seuma guerra de resistência, que terminou com a afirmação do poder holandês sobre toda aregião compreendida entre o Cearáe o Rio São Francisco. Nesse período, destacou-se deforma negativa, na visão luso-brasileira, a figura de Domingos Fernandes Calabar, nascido emPorto Calvo (Alagoas), perfeito conhecedor do terreno onde se travavam os combates. Calabarpassou das forçasluso-brasileiras para as holandesas, tornando-se um eficaz colaboradordestas, até ser preso e executado.
O segundo período, entre 1637 e 1644, caracteriza-se por relativa paz, relacionada com ogoverno do príncipe holandês Maurício de Nassau, que foi o responsável por uma série deimportantes iniciativas políticas e realizações administrativas. Visando pôr fim à paralisação daeconomia e estabelecer vínculos com a sociedade local, Nassau mandou vender a crédito osengenhos abandonados pelos donos que haviam fugido para a Bahia. Preocupou-secmenfrentar as crises de abastecimento, obrigando os proprietários rurais a plantar naproporção do número de seus escravos o “pão do país”, ou seja, a mandioca. O príncipe, queera calvinista, foi tolerante com os católicos e, ao que tudo indica, apesar de controvérsias aesse respeito, com os israelitas. Os chamados criptojudeus, isto é, os cristãos-novos quepraticavam o antigo culto às escondidas, foram autorizados a professá-lo abertamente. Duas sinagogas existiram no Recife na década de 1640 e muitos judeus vieram da Holanda. Quandoos holandeses se retiraram do Brasil, uma das cláusulas da rendição autorizou os judeus quehaviam estado ao lado dos flamengos a emigrar. Eles seguiram para o Suriname, para aJamaicae para Nova Amsterdam (atual Nova Iorque), ou retornaram à Holanda.
Nassau favoreceu a vinda de artistas, naturalistas e letrados para Pernambuco. Entre osartistas encontrava-se Frans Post, pintor das primeiras paisagens e cenas da vida brasileira.
O príncipe teve ainda seu nome ligado aos melhoramentos feitos no Recife, elevado pelosholandeses à categoria de capital da capitania, no lugar de Olinda. Construiu ao lado do velhoRecife a Cidade Maurícia, com traçado geométrico e canais-uma tentativa de réplica tropicalda distante Amsterdam. Por causa de desavenças com a Companhia das índias Ocidentais,Nassau regressou à Europa em 1644.
O terceiro período de guerra, entre 1645 e 1654, se define pela reconquista. O fim dadominação espanhola em Portugal,com a ascensão de Dom João IV ao trono português(1640), não pôs fim à guerra.
O quadro das relações entre Portugal e Holanda, anterior aodomínio espanhol, se modificara. As relações pacíficas entre os dois países, anteriores a 1580,não seriam restabelecidas automaticamente.
Os holandeses ocupavam agora parte doterritório do Brasil e dele não pretendiam sair.
O principal centro da revolta contra a presença holandesa localizou-se em Pernambuco,onde se destacaram as figuras de André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, esteúltimo um dos mais ricos proprietários da região. A eles se juntaram o negro Henrique Dias e oíndio Filipe Camarão. Depois de alguns êxitos iniciais dos luso-brasileiros, a guerra entrou emum impasse, prolongando-se por vários anos. Enquanto os revoltosos dominavam o interior,Recife permanecia em mãos holandesas. O impasse foi quebrado nas duas Batalhas deGuararapes, com a vitória dos insurretos (1648 e 1649). Além disso, uma série decircunstâncias complicou a situação dos invasores. A Companhia das índias Ocidentais entraraem crise e ninguém queria mais investir nela seus recursos.
Existia na Holanda um grupofavorável à paz com Portugal, sob a alegação de queo comércio do sal de Setúbal era básicopara a indústria pesqueira holandesa e de maior importância econômica do que os lucrosduvidosos da colônia ultramarina. Por último, o início da guerra entre a Holanda e a Inglaterra,em 1652, tornou escassos os recursos para operações militares no Brasil. No ano seguinte, uma esquadra portuguesa cercou o Recife por mar, chegando-se afinal à capitulação dosholandeses em 1654.
A história da ocupação flamenga é um claro exemplo das relações entre produção coloniale tráfico de escravos. Tão logo conseguiram estabilizar razoavelmente a indústria açucareirano Nordeste, os holandeses trataram de garantir o suprimento de escravos, controlando suasfontes na África.
Na verdade, houve duas frentes de combate, muito distantes geograficamente, masinterligadas. Vários pontos da Costa da Mina foram ocupados em 1637. Uma tréguaestabelecida entre Portugal c Holanda, logo após a Restauração, foi rompida por Nassau com aocupação de Luanda e Benguela, em Angola (1641).
Foram tropas luso-brasileiras, sob ocomando de Salvador Correia de Sá, as responsáveis pela retomada de Angola em 1648. Nãopor acaso, homens como João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros estiveram à frenteda administração portuguesa naquela colônia africana.
Os recursos levantados localmente para a guerra no Nordeste representaram dois terçosdos gastos, na fase de resistência, e a quase totalidade, na luta de reconquista. Da mesmaforma, enquanto na primeira fase da guerra, tropas formadas por portugueses,castelhanos emercenários napolitanos foram amplamente majoritárias, na segunda fase, soldados da terrae, mais ainda, gente de Pernambuco tiveram superioridade numérica. A mesma coisa ocorreucom relação ao comando militar. Foram esses homens os principais responsáveis pela tática deguerra volante, “a guerradoBrasil”, de que resultaram vitórias decisivas sobre os holandeses,em oposição à “guerra da Europa” do tipo tradicional.
Isso não quer dizer que os holandeses não contassem com a ajuda de gente daterra. Porsua importância, Calabar ficou conhecido como o grande traidor na primeira fase da guerra.Mas ele não foi um caso único.
Vários senhores de engenho e lavradores de cana, cristãos-novos, negros escravos, índios tapuias, mestiços pobres e miseráveis estiveram ao lado dosholandeses.
É certo que os índios de Camarão e os negros de Henrique Dias formaram com osluso-brasileiros, mas a mobilização dos setores desfavorecidos se deu em níveis reduzidos. Porexemplo, em 1648, o contingente de HenriqueDias contava com trezentos soldados, o queequivalia a 10% do total dos homens em armas e a 0,75% da população escrava da região.
Asforças luso-brasileiras estavam assim longe de constituir um modelo de união das três raças.
A forma pela qual se deu a expulsão dos holandeses impulsionou o nativismopernambucano. Ao longo de duzentos anos, até a Revolução Praieira (1848), Pernambuco tornou-se um centro de manifestações de autonomia, de independência e de aberta revolta.
Até a Independência, o alvo principaldas rebeliões era a Metrópole portuguesa; depois dela,preponderou a afirmação de autonomia da província em relação ao governo central, muitas vezes colorida com tintas dc reivindicação social. O nativismo de Pernambuco teve conteúdosvariados, ao longo dos anos, de acordo com as situações históricas específicas e os grupossociais envolvidos, mas manteve-se como referência básica no imaginário pernambucano.
Uma pergunta que sempre surge quando se estuda a presença holandesa no Brasil é aseguinte: o destino do país seria diferente se tivesse ficado nas mãos da Holanda e não dePortugal?
Não há uma resposta segura para essa questão, pois ela envolve uma conjectura, umapossibilidade que não se tornou real.
Quando se compara o governo de Nassau com a rudezalusa e a natureza muitas vezes predatória de sua colonização, a resposta parece ser positiva.Mas convém lembrar que Nassau representava apenas uma tendência e a Companhia dasíndias Ocidentais outra, mais próxima do estilo do empreendimento colonial português.
Vista aquestão sob esse ângulo, e quando se constata o que aconteceu nas colônias holandesas daÁsia e das Antilhas, as dúvidas crescem.
A colonização dependeu menos da nacionalidade docolonizador e mais do tipo de colonização implantado. Os ingleses, por exemplo,estabeleceram colônias bem diversas nos Estados Unidos e na Jamaica.
Nas mãos deportugueses ou holandeses, com matizes certamente diversos, o Brasil teria mantido a mesmacondição de colônia de exploração integrada no sistema colonial.
A COLONIZAÇÃO DO NORTE
Longe do centro principal da vida da Colônia, o Norte do Brasil viveu uma existência muitodiversa do Nordeste. A colonização ocorreu aí lentamente, a integração econômica com omercado europeu foi precária até fins do séculoXVIII e predominou o trabalho compulsórioindígena. Para simplificar, estamos falando da região como se fosse um todo, mas nãodevemos esquecer as profundas diferenças entre o Maranhão de um lado e a Amazônia, de outro.
Até 1612, quando os franceses se estabeleceram no Maranhão, fundando São Luís, osportugueses não tinham demonstrado maior interesse por se instalar na região.
Os riscos deperda territorial levaram à luta contra os franceses que ali se tinham instalado e, em 1616, àfundação de Belém. Essafoi a base de uma gradual penetração pelo Rio Amazonas, percorridona viagem de Pedro Teixeira (1637) até o Peru. Em 1690, os portugueses instalaram umpequeno posto avançado, perto de onde hoje se localiza Manaus, na boca do Rio Negro. ACoroa, nas mãosda Espanha, estabeleceu uma administração à parte do Norte do país, criandoo Estado do Maranhão e Grão-Pará, com governador e administração separados do Estado do Brasil.
O Estado do Maranhão teve existência pelo menos formal e intermitente até 1774.
A influência indígena foi nítida, tanto em termos numéricos como culturais. A línguadominante em pleno século XVIII era a “língua franca”, uma variante do tupi.
Houve umaextensa mestiçagem da população, mesmo porque as mulheres brancas eram raras, apesardos esforços de enviar emigrantes dos Açores para São Luís.
Se todas as regiões do Brasil colonial tiveram problemas de escassez de moeda, no Norteesse fato seria ainda mais acentuado. Até meados do século XVIII, foram freqüentes as trocasdiretas de produtos, ou a utilização de pano de algodão ou de cacau como moeda. Astentativas de implantar uma agricultura exportadora, baseada no açúcar e no algodão, emgrande medida fracassaram até as últimas décadas do século XVIII. Por essa época, oMaranhão transformou-se rapidamente em importante região produtora de algodão e o seuplantio se estendeu ao Nordeste.
No seu conjunto, a produção do Norte baseou-se nosprodutos da floresta, as chamadas “drogas do sertão”, como a baunilha, a salsaparrilha esobretudo o cacau nativo, colhido por índios e mestiços ao longo dos rios e trazido até Belém.
A grande presença de indígenas fez do Norte um dos principais campos de atividademissionária das ordens religiosas, com os jesuítas à frente. Estima-se que, em torno de 1740,cerca de 50 mil índios viviam em aldeias jesuíticas e franciscanas. Foi importante a ação doPadre Antônio Vieira, que chegou ao Brasil em 1653 como provincial da Ordem dos Jesuítas edesenvolveu intensa pregação no sentido de limitar os abusos cometidoscontra os índios.
Conflitos entre representantes da Coroa, colonizadores e religiosos foram constantes naregião. Os jesuítas eram muito visados, pois tinham, como vimos, um projeto de aculturação econtrole dos indígenas diverso dos colonizadores. Além disso, possuíam extensas fazendas degado, plantações de algodão, engenhos e participavam ativamente do comércio das drogas dosertão. Muito antes da época do Marquês dePombal, eles enfrentaram uma série deproblemas, sendo expulsos do Maranhão em 1684.
Como apoio da Coroa, voltaram dois anosdepois, mas o equilíbrio entre missionários e colonos seria sempre precário até a expulsãodefinitiva dos jesuítas, em 1759.
A COLONIZAÇÃO DO SUDESTE E DO CENTRO-SUL
Escrevendo a primeira História do Brasil, em1627, Frei Vicente do Salvador lamentava ocaráter predatório da colonização e o fato de que os portugueses tinham sido até entãoincapazes de povoar o interior da nova terra, “arranhando as costas como caranguejos”.
Estaúltima afirmação era em boa parteverdadeira, mas começava a ser contrariada em algumasregiões, especialmente no que hoje chamamos o Centro-Sul do país.
A colonização da Capitania de São Vicente começou, como a do Nordeste,pelo litoral,com o plantio de cana e a construção de engenhos. Essa atividade não foi muito longe.
Oaçúcar produzido concorria desvantajosamente com o do Nordeste, seja pela qualidade dosolo, seja pela maior distância dos portos europeus.
Por outro lado, a existência de índios, em grande número, atraiu para a região osprimeiros jesuítas.
Padres e colonizadores, com objetivos diferentes, iriam se atirar a umagrande aventura no rumo do interior: a escalada da Serra do Mar, abrindo caminho por trilhasindígenas até chegar ao Planalto de Piratininga a uma altura de oitocentos metros. Nada maiscontrastante com esse imenso esforço do que, hoje, uma banal viagem do litoral a São Paulopela Rodovia dos Imigrantes.
Em 1554, os padres Nóbrega e Anchieta fundaramno planalto apovoação de São Paulo, convertida em vila em 1561, aí instalando o colégio dos jesuítas.Separados da costa pela barreira natural, os primeiros colonizadores e os missionários sevoltaram cada vez mais para o sertão, percorrendo caminhos coma ajuda dos índios eutilizando-se da rede fluvial formada pelo Tietê, o Paranaíba e outros rios.
Houve algumas semelhanças entre a região paulista em seus tempos mais remotos e aperiferia do Norte do Brasil: fraqueza de uma agricultura exportadora, forte presença deíndios, disputa entre colonizadores e missionários pelo controle daqueles, escassez de moedae freqüente uso da troca nas relações comerciais.
Particularmente notável foi a influênciaindígena. Um extenso cruzamento, incentivado pelo número muito pequeno de mulheresbrancas, deu origem ao mestiço de branco com índio, chamado de mameluco.
O tupi era umalíngua dominante até o século XVIII. Os portugueses de São Paulo adotaram muitos doshábitos e habilidades indígenas, tornando-se tão capazes de usar o arco e a flecha como asarmas de fogo.
Mais uma vez, missionários e colonizadores se chocaram, dados os seus métodos eobjetivos diversos na subordinação dos índios. Por exemplo, decisões do papa e da Coroa(1639-1640) reiterando os limites à escravização indígena provocaram violentas reações no Riode Janeiro, em Santos e em São Paulo. Os jesuítas foram expulsos da região, só retornando aSão Paulo em 1653.
A EXPANSÃO DA AGROPECUÁRIA
Apesar das semelhanças iniciais com o Norte, a regiãode São Paulo teria, já a partir defins do século XVI, uma história bem peculiar. Os povoadores combinaram o plantio da uva, doalgodão e sobretudo do trigo com outras atividades que os levaram a uma profundainteriorização nas áreas desconhecidas ou poucoexploradas do Brasil. Criadores de gadopaulistas espalharam-se pelo Nordeste, penetrando no Vale do Rio São Francisco até chegarao Piauí. No Sul, o atual Paraná-onde ocorreram algumas tentativas de mineração-tornou-seuma extensão de São Paulo. O gado esparramou-se por Santa Catarina, o Rio Grande do Sul e aBanda Oriental (Uruguai).
Iniciativas individuais combinaram-se com a ação da Coroa, interessada em assegurar aocupação da área e estender o mais possível a fronteira com a América espanhola. Imigrantestrazidos do Arquipélago dos Açores e paulistas fundaram Laguna em Santa Catarina (1684).Alguns anos antes (1680), os portugueses haviam estabelecido às margens do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, a Colônia do Sacramento, pretendendo com isso interferir no comérciodo alto Peru, especialmente da prata, que transitava pelo rio, no rumo do exterior.
AS BANDEIRAS E A SOCIEDADE PAULISTA
A grande marca deixada pelos paulistas na vida colonial do século XVII foram asbandeiras. Expedições que reuniam às vezes milhares de índios lançavam-se pelo sertão, aípassando meses e às vezes anos, em busca de indígenas a serem escravizados e metaispreciosos. Não é difícil entender que índios já cativos participassem sem maiores problemasdessas expedições, pois, como vimos, a guerra-ao contrário da agricultura-era uma atividadeprópria do homem nas sociedades indígenas. O número de mamelucos e índios sempresuperou o dos brancos.
A grande bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares que atacou aregião do Guaíra em 1629, por exemplo, era composta de 69 brancos, 900 mamelucos e 2 milindígenas.
As bandeiras tomaram as direções de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e as regiões ondese localizavam as aldeias de índios guaranis organizadas pelos jesuítas espanhóis. Dentre elas,destacava-se o Guaíra, situado no oeste do Paraná, entre os Rios Paranapanema e Iguaçu,região onde os bandeirantes empreenderam seguidas campanhas de saques, destruição eapresamentode índios.
Algumas bandeiras realizaram imensas viagens, em que a atração poruma grande aventura se mesclava aos objetivos econômicos.
Já veterano, Raposo Tavarespercorreu, entre 1648 e 1652, um roteiro de 12 mil quilômetros: caminhou em direção ao Paraguai até os contrafortes dos Andes, seguiu depois no rumo nordeste atravessando o atualEstado de Rondônia, para depois descer os Rios Mamoré e Madeira e, pelo Amazonas, chegar afinal a Belém.
A figura do bandeirante e as qualidades da sociedade paulista do século XVII foramexaltadas principalmente por historiadores de São Paulo como Alfredo Ellis Jr. e AfonsoTaunay, que escreveram suas obras entre 1920 c 1950. Ellis Jr. escreveu um livro intituladoRaça de Gigantes para exaltar a superioridade racial dospaulistas. Essa superioridade derivariada existência, em número ponderável, de uma população branca, do êxito do cruzamento como índio e da tardia entrada do negro na região. Tudo não passava dc fantasias, com pretensõescientíficas.
Os dois autores acentuaram a independência dos paulistas com relação à Coroa e ocaráter democrático de sua organização social. A origem burguesa ou plebéia dos brancos quepovoaram a região, a mestiçagem com as índias, a pequena propriedade, a administraçãopopular, as bandeiras abertas a gente de qualquer condição teriam sido os principaiselementos componentes do organismo democrático.
Valorizaram também as façanhas dospaulistas, por estenderem as fronteiras do Brasil muito além da linha de Tordesilhas.
A exaltação dos bandeirantes, em São Paulo, está presente na nomenclatura de estradas,avenidas e monumentos.
Monumentos que vão desde a bela obra do escultor Brecheret juntoao Parque do Ibirapuera até o assustador Borba Gato, gigante de botas plantado no bairro deSanto Amaro. A estátua, aliás, é muito pouco realista, pois existem boas indicações dc quemuitos bandeirantes marchavam descalços, por terras, montes e vales, trezentasequatrocentas léguas, como se passeassem nas ruas dc Madri, na expressão de um jesuítaespanhol.
Na verdade, os paulistas não constituíram uma “raça especial”, mas um grupo de origemportuguesa ou mestiça que, por uma série de condições geográficas, sociais e culturais, sedistinguiram de outros grupos.
Sua coragem e arrojo, ou o fato de que tenham contribuídopara a extensão territorial do Brasil, estão fora de dúvida, mas o simples relato de suasfaçanhas mostra que eles não tinham nada a ver com a imagem de heróis civilizadores. Doponto de vista da organização social, os paulistas construíramuma sociedade rústica, commenor distinção entre brancos e mestiços, influenciada pela cultura indígena. Não devemosporém confundir essa sociedade rústica com uma sociedade democrática, pois uma hierarquiadas melhores famílias e a dominação sobre os índios prevaleceram.
A independência dos paulistas precisa ser qualificada. Sem dúvida, não tiveram umcomportamento subserviente com relação à Coroa, cujas determinações muitas vezesdesafiaram.
Foram inclusive chamados por um governador-geral de gente que “não conhecianem Deus, nem Lei, nem Justiça”. Não se pode dizer, porém, que os interesses da Coroa e o bandeirismo estivessem inteiramente divorciados. Houve bandeiras que contaram com odireto incentivo da administração portuguesa e outras, não. De um modogeral, a busca demetais preciosos, o apresamento de índios em determinados períodos c a expansão territorialeram compatíveis com os objetivos da Metrópole.
Os bandeirantes serviram também aospropósitos de repressão de populações submetidas, no Norte eNordeste do país. DomingosJorge Velho e outro paulista, Matias Cardoso de Almeida, participaram do combate no RioGrande do Norte à longa rebelião indígena conhecida como Guerra dos Bárbaros (1683-1713).O mesmo Domingos Jorge Velho conduziu a campanha final de liquidação do Quilombo dosPalmares em Alagoas (1690-1695).
Observadores jesuítas estimaram em 300 mil o número de índios capturados apenas nasmissões do Paraguai. Este número pode ser exagerado, mas outras estimativas também sãosempre elevadas.
O que teria sido feito desses índios?
Os indícios mais fortes vão no sentidode que muitos foram vendidos como escravos em São Vicente e principalmente no Rio deJaneiro, onde a produção de açúcar desenvolveu-se ao longo do século XVII. Segundo dados daCongregação de São Bento, de um terço a um quarto da força de trabalho dos engenhosbeneditinos do Rio de Janeiro era constituída de índios.
Devemos também levar em conta aconjuntura de escassez de suprimento de escravos africanos, entre 1625 e 1650, emconseqüência da intervenção dos holandeses.
Não é uma simples coincidência que naquelesanos tenha ocorrido uma ativação das bandeiras.
Em anos recentes, demonstrou-se que uma parte considerável dos índios apresados foiutilizada na própria economia paulista,em especial no cultivo do trigo. O fato se concentrouno século XVII, ligando-se às invasões holandesas. Com a destruição da frota portuguesa, aimportação de trigo se tornou precária. Ao mesmo tempo, a presença numerosa de tropasestrangeiras no Nordesteampliou as possibilidades de consumo.
Com o fim da guerra, o cultivo do trigo decaiu e acabou se extinguindo, diante do declíniodas reservas de índios e da concorrência do produto importado.
OURO E DIAMANTES
Em suas andanças pelos sertões, os paulistas iriam afinal realizar velhos sonhos econfirmar um raciocínio lógico.
O raciocínio continha uma pergunta: se a parte do continenteque pertencia à América espanhola era rica em metais preciosos, por que estes não existiriamem abundância também na colônia lusa?
Em 1695, no Rio das Velhas, próximo às atuais Sabaráe Caeté, ocorreram as primeiras descobertas significativas de ouro.
A tradição associa a essasprimeiras descobertas o nome de Borba Gato, genro de Fernão Dias. Durante os quarenta anosseguintes, foi encontrado ouro em Minas Gerais, na Bahia, Goiás e Mato Grosso.
Ao lado doouro, surgiram os diamantes, cuja importância econômica foi menor, descobertos no SerroFrio, norte de Minas, por volta de 1730.
A exploração de metais preciosos teve importantes efeitos na Metrópole e na Colônia. NaMetrópole, a corrida do ouro provocou a primeira grande corrente imigratória para o Brasil.Durante os primeiros sessenta anos do século XV111, chegaram de Portugal e das ilhas doAtlântico cerca de 600 mil pessoas, em média anual de 8 a 10 mil, gente da mais variadacondição, desde pequenos proprietários, padres, comerciantes, até prostitutas e aventureiros.
Por outro lado, os metais preciosos vieram aliviar momentaneamente os problemasfinanceiros de Portugal. Na virada do século XVIII, a dependência lusa com relação à Inglaterraera um fato consumado.
Para ficar em um exemplo apenas, o Tratado de Methuen, firmadopelos dois países em 1703, indica a diferença entre um Portugal agrícola, de um lado, e umaInglaterra em pleno processo de industrialização, de outro.
Portugal obrigou-se a permitir alivre entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu território, enquanto a Inglaterracomprometeu-se a tributar os vinhos portugueses importados com redução de umterço doimposto pago por vinhos de outras procedências.
É bom lembrar que a comercialização dovinho do Porto estava nas mãos dos próprios ingleses.
O desequilíbrio da balança comercial entre Portugal e Inglaterra foi, por muitos anos,compensado pelo ouro vindo do Brasil.
Os metais preciosos realizaram assim um circuitotriangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas;outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750),em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra; aterceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãosbritânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra.
Há exagero em dizer que a extração do ouro liquidou a economia açucareira do Nordeste.Ela já estava em dificuldades vinte anos antes da descoberta do ouro e, como vimos, não morreu.
Mas não há dúvida de que foi afetada pelos deslocamentos de população e,sobretudo, peloaumento do preço da mão de obra escrava, dada a ampliação da procura. Emtermos administrativos, o eixo da vida da Colônia deslocou-se para o Centro-Sul,especialmente para o Rio de Janeiro, por onde entravam escravos e suprimentos, e por ondesaía o ourodas minas. Em 1763, a capital do Vice-Reinado foi transferida de Salvador para oRio. As duas cidades tinham aproximadamente a mesma população (cerca de 40 milhabitantes), mas uma coisa era ser a capital e outra, apenas a principal cidade do Nordeste.
Aeconomia mineradora gerou uma certa articulação entre áreas distantes da Colônia.Gado e alimentos foram transportados da Bahia para Minas e um comércio se estabeleceu emsentido inverso. Do Sul, vieram não apenas o gado mas as mulas, tão necessárias aocarregamento de mercadorias. Sorocaba, com sua famosa feira, transformou-se, no interior deSão Paulo, na passagem obrigatória dos comboios de animais, distribuídos principalmente emMinas.
A COROA EO CONTROLE DAS MINAS
A extração de ouro e diamantes deu origem à intervenção regulamentadora mais amplaque a Coroa realizou no Brasil. O governo português fez um grande esforço para arrecadar ostributos.
Tomou também várias medidas para organizar a vida social nas minas e em outraspartes da Colônia, seja em proveito próprio, seja no sentido de evitar que a corrida do ouroresultasse em caos.
Na tentativa de reduzir o contrabando e aumentar suas receitas, a Coroaestabeleceu formas de arrecadação dos tributos que variaram no curso dos anos.
De um modo geral, houve dois sistemas básicos: o do quinto e o da capitação. O primeiroconsistia na determinação de que a quinta parte de todos os metais extraídos devia pertencerao rei.
O quinto do ouro era deduzido do ouro em pó ou em pepitas levado às casas de Página626262fundição. A capitação, lançada pela Coroa em busca de maiores rendas, em substituição aoquinto, era bem mais abrangente. Ela consistia, quanto aos mineradores, em um imposto cobrado por cabeça de escravo, produtivo ou não, de sexo masculino ou feminino, maior dedoze anos. Os faiscadores, ou seja, os mineradores sem escravos, também pagavam o impostopor cabeça, no caso sobre si mesmos. Além disso, o tributo era cobrado sobreestabelecimentos, como oficinas, lojas, hospedadas, matadouros etc.
Outra preocupação da Coroa foi a de estabelecer limites à entrada na região das minas.Nos primeiros tempos da atividade mineradora, a Câmara de São Paulo reivindicou, junto aorei de Portugal, que somente aos moradores da Vila de São Paulo, a quem se devia adescobertado ouro, fossem dadas concessões de exploração do metal. Os fatos seencarregaram de demonstrar a inviabilidade do pretendido, diante do grande número, não sóde portugueses, mas também de brasileiros, sobretudo baianos, que chegava à região dasminas. Disso resultou a guerra civil conhecida como Guerra dos Emboabas (1708-1709),opondo paulistas de um lado, estrangeiros e baianos de outro. Os paulistas não tiveram êxitona sua pretensão, mas conseguiram que se criasse a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro,separada do Rio de Janeiro (1709), e a elevação da Vila de São Paulo à categoria de cidade(1711). Em 1720, Minas Gerais se tornaria uma capitania separada.
Se os paulistas não conseguiram o monopólio das minas, a Coroa procurou evitar que elasse transformassem em território livre. Tentou impedir o despovoamento de Portugal,estabelecendo normas para a emigração.
A entrada de frades foi proibida e uma ordem regiaao governador da capitania determinou a prisão de todos os religiosos que nela estivessem”sem emprego ou licença” (1738). Desde as primeiras explorações, os frades eram suspeitos decontrabando. Um documento da época dizia ser “grande a multidão de frades que sobem àsminas e que sobre não quintarem seu ouro ensinam e ajudam os seculares a quefaçam omesmo”.
Os ourives foram também muito visados pela própria natureza de sua profissão,sendo obrigados a renunciar a ela sob pena de serem expulsos das áreas de mineração.
Outros esforços da Coroa buscaram impedir um grande desequilíbrio entre a região dasminas e outras regiões do país. Foi proibida a exportação interna, da Bahia para as minas, demercadorias importadas de Portugal; tomaram-se medidas no sentido de assegurar osuprimento de escravos para o Nordeste, estabelecendo-se cotas de entrada de cativos naregião mineira.
Arrecadar impostos e organizar a sociedade das minas foram os dois objetivos básicos daadministração portuguesa, relacionados aliás entre si. Para isso, era necessário estabelecernormas, transformar acampamentos de garimpeiros em núcleos urbanos, criar um aparelhoburocrático com diferentes funções. Em 1711, o governador de São Paulo e Minas elevou osacampamentos de Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e Sabará à condição de vila. Depois, vieramCaeté, Pitangui, São João del Reie outros. Ribeirão do Carmo foi a primeira vila a setransformar em cidade, recebendo o nome de Mariana (1745).
Na tentativa de assegurar “a lei e a ordem”, a Coroa criou juntas de julgamento e nomeououvidores.
Estes foram muitas vezes incumbidos não sóde julgar questões como desupervisionar a arrecadação do quinto do ouro, tarefa que, em princípio, devia caber aoprovedormor. Para controlar escravos, escoltar o transporte do ouro e reprimir distúrbiosvieram de Portugal para Minas Gerais, em 1719, duas companhias de Dragões, forças militares profissionais.
Criaram-se também milícias para enfrentar casos de emergência, lideradas porbrancos e compostas não só de brancos como de negros e mulatos livres.
Não devemos concluir da breve descrição de todas essas medidas que a administraçãoportuguesa tenha alcançado plenamente seus objetivos básicos na região das minas. Asgrandes distâncias, a corrupção das autoridades locais, a posição dessas autoridades entre aCoroa e o mundo da Colônia, os conflitos de atribuição dos funcionários foram alguns dosfatores que dificultaram a ação do governo português.
Além disso, seria equivocado pensarque as diretrizes provenientes de Lisboa representassem um todo coerente. Dúvidas, demoras,mudanças de rumo contribuírampara introduzir uma grande distância entre as intenções e arealidade.
A SOCIEDADE DAS MINAS
Não foi apenas de Portugal que gente de toda condição afluiu para Minas. A partir dachegada dos paulistas acompanhados de seus escravos índios, houve migração de várias partesdo Brasil.
Nasceu assim uma sociedade diferenciada, constituída não só de mineradores comode negociantes, advogados, padres, fazendeiros, artesãos, burocratas, militares.
Muitas dessasfiguras tinham seus interesses estreitamentevinculados à Colônia e não por acaso ocorreu emMinas uma série de revoltas e conspirações contra as autoridades coloniais.
Embora os setores mais ricos da população fossem às vezes proprietários de fazendas einvestissem na mineração em locais distantes,a vida social concentrou-se nas cidades, centrode residência, de negócios, de festas comemorativas. Nelas ocorreram manifestações culturaisnotáveis, no campo das artes, das letras e da música.
A proibição de ingresso das ordensreligiosas em Minas incentivou o surgimento de associações religiosas leigas-as Irmandades eOrdens Terceiras. Elas patrocinaram a construção das igrejas barrocas mineiras, onde sedestacou a figura do mulato Antônio Francisco Lisboa-o Aleijadinho-, filho ilegítimo de umconstrutor português e de uma escrava.
Na base da sociedade estavam os escravos. O trabalho mais duro era o da mineração,especialmente quando o ouro do leito dos rios escasseou e teve de ser buscado nas galeriassubterrâneas.
Doenças como a disenteria, a malária, as infecções pulmonares e as mortes poracidente foram comuns. Há estimativas de que a vida útil de um escravo minerador nãopassava de sete a doze anos.
Seguidas importações atenderam às necessidades da economiamineira, inclusive no sentido de substituir a mão-de-obra inutilizada. O número de cativosexportados para o Brasil cresceu entre 1720 e 1750, apesar da crise do açúcar. Os dados depopulação da Capitania de Minas, levantados em 1776, mostram a esmagadora presença denegros e mulatos. Dos cerca de320 mil habitantes, os negros representavam 52,2%; osmulatos, 25,7%; e os brancos, 22,1%.
Ao longo dos anos, houve intensa mestiçagem de raças, cresceu a proporção de mulheres,que em 1776 era de cerca de 38% do total, e ocorreu um fenômeno cuja interpretação é umponto de controvérsia entre os historiadores: o grande número de alforrias, ou seja, delibertação de escravos. Para se ter uma idéia da sua extensão, enquanto nos anos 1735-1749os libertos representavam menos de 1,4% da população de descendência africana, em tornode 1786 passaram a ser 41,4% dessa população e 34% do número total de habitantes da capitania. A hipótese mais provável para explicar a magnitude dessas proporções, que superam por exemplo as da Bahia, c de que a progressiva decadência da mineração tornoudesnecessária ou impossível para muitos proprietários a posse de escravos.
A sociedade das minas foi uma sociedade rica?
Aparentemente, como associamos ouro à riqueza, a resposta pareceria fácil. Mas não ébem assim. Para começar, devemos distinguir entre o período inicial de corrida para o ouro e afase que se seguiu.
No período inicial, isto é, na última década do século XVII e no inicio doséculo XVIII, a busca de metais preciosos sem o suporte de outras atividades gerou falta dealimentos e uma inflação que atingiu toda a Colônia.
A fome chegou a limites extremos emuitos acampamentos foram abandonados. Com o correr do tempo, o cultivo de roças e adiversificação das atividades econômicas mudaram esse quadro de privações.
A sociedademineira acabou por acumular riquezas, cujos vestígios estão nas construções e nas obras dearte das hoje cidades históricas.
Lembremos porém que essas riquezas ficaram nas mãos de uns poucos: um grupodedicado não só à extração incerta do ouro mas aos vários negócios e oportunidades que seformaram em torno dela, inclusive o da contratação de serviços com a administração pública.Abaixo desse grupo, a ampla camada de população livre foi constituída de gente pobre ou depequenos funcionários, empreendedores ou comerciantes, com limitadas possibilidadeseconômicas.
Certamente, a sociedade mineira foi mais aberta, mais complexa do que a doaçúcar. Mas nem por isso deixou de ser, em seu conjunto, uma sociedade pobre.
Se não cabe falar em um ciclo do açúcar, podemos falar de um ciclo do ouro, no sentidode que houve fases marcadas de ascenso e de decadência. O ouro não deixou de existir emMinas, porém sua extração se tornou economicamente pouco atraente. O período de apogeusituou-se entre 1733 e 1748, começando a partir daí o declínio. No início do século XIX, aprodução aurífera já não tinha maior peso no conjunto da economia brasileira. O retrocesso daregião das minas foi nítido, bastando lembrar que cidades de uma vida tão intensa setransformaram em cidades históricas com o sentido também de estagnadas. Ouro Preto, porexemplo, tinha 20 mil habitantes em 1740 e apenas 7 mil em 1804.
Mas o retrocesso não atingiu toda a Capitania de Minas Gerais. Nela, nem tudo eramineração. Mesmo nos tempos de glória do ouro, a fazenda mineira muitas vezes combinava apecuária, o engenho de açúcar, a produção de farinha com a lavra de ouro. Graças à pecuária,aos cereais e mais tarde à manufatura, Minas não regrediu como um todo. Pelo contrário, nocorrer do século XIX iria expandir essas atividades e manter um constante fluxo de importaçãode escravos.
A província mineira representaria uma curiosa combinação de regime escravistacom uma economia que não era de plantation, nem estava orientada principalmente para o mercado externo.
A CRISE DO ANTIGO REGIME
As últimas décadas do século XVIII se caracterizaram por uma série de transformações nomundo ocidental, tanto no plano das idéiascomo no plano dos fatos. O Antigo Regime, ouseja, o conjunto de monarquias absolutas imperantes na Europa desde o início do século XVI, aque estavam ligadas determinadas concepções e práticas, entrou em crise.
O PENSAMENTO ILUSTRADO E O LIBERALISMO
As novas idéias vinham sendo gestadas desde o início do século ou mesmo antes eficaram conhecidas pela expressão “pensamento ilustrado”. Os pensadores ilustrados, homenscomo Montesquieu, Voltaire, Diderot, Rousseau, apesar de divergirem muito entresi, tinhamcomo ponto comum o princípio da razão. Segundo eles, pela razão atingem-se osconhecimentos úteis ao homem e através dela podemos chegar às leis naturais que regem asociedade. A missão dos governantes consiste em procurar a realização do bem-estar dospovos, pelo respeito às leis naturais e aos direitos naturais de que os homens são portadores.O não-cumprimento desses deveres básicos dá aos governados o direito à insurreição.
As concepções ilustradas deram origem no campo sociopolítico ao pensamento liberal,em seus diferentes matizes.
Um fundo comum às várias correntes do liberalismo se encontrana noção de que a história humana tende ao progresso, ao aperfeiçoamento do indivíduo e dasociedade, a partir de critérios propostos pela razão.
A felicidade-uma idéia nova no séculoXVIII-constitui o objetivo supremo de cada indivíduo, e a maior felicidade do maior númerode pessoas é o verdadeiro desígnio da sociedade.
Esse ideal deve ser alcançado através dal iberdade individual, criando-se condições para o amplo desenvolvimento das aptidões doindivíduo e para sua participação na vida política.
No plano econômico, em sua versão extremada, o liberalismo sustenta o ponto de vistade que o Estado não deve interferir na iniciativa individual, limitando-se a garantir a segurançae a educação dos cidadãos.
A concorrência e as aptidões pessoais se encarregariam deharmonizar, como uma mão invisível, a vida em sociedade.
No plano político, a doutrina liberal defende o direito de representação dos indivíduos,sustentando que neles, e não no poder dos reis, se encontra a soberania.
Esta é entendidacomo o direito de organizar a nação a partir de uma lei básica-a Constituição. O alcance darepresentação traçou uma linha divisória entre liberalismo e democracia ao longo do séculoXIX.
As correntes democráticas defendiam o sufrágio universal, ou seja, o direito de representação conferido a todos os cidadãos de um país, independentemente de condiçãosocial, sexo, cor ou religião, ou mesmo a democracia direta,isto é, o direito de participar davida política sem conferir mandato a alguém.
Os liberais trataram em regra de restringir a representação, segundo critérios sobretudo econômicos: para eles, só os proprietários, comum certo nível de renda, poderiam votar ou ser votados, pois às demais pessoas faltavaindependência para o exercício desses direitos.
Na Europa ocidental, o liberalismo deu base ideológica aos movimentos pela queda doAntigo Regime, caracterizado por privilégios corporativos e pela monarquiaabsoluta. Nascolônias americanas, justificou as tentativas de reforma e o “direito dos povos à insurreição”. Eimportante observar que na obra que se tornou a bíblia do liberalismo econômico-Riquezadas Nações, escrita por Adam Smith em 1776-há uma crítica ao sistema colonial, acusado dedistorcer os fatores de produção e o desenvolvimento do comércio como promotor da riqueza.
A escravidão parece a Adam Smith uma instituição anacrônica, incapaz de competir com a mão-de-obra livre.
A CRISE DO SISTEMA COLONIAL
Alguns fatos significativos balisaram as transformações do mundo ocidental, a partir demeados do século XVIII. Em 1776, as colônias inglesas da América do Norte proclamaram suaindependência. A partir de 1789, a Revolução Francesa pôs fimao Antigo Regime na França, oque repercutiu em toda a Europa, inclusive pela força das armas.
Ao mesmo tempo, ocorria na Inglaterra uma revolução silenciosa, sem data precisa, tãoou mais importante do que as mencionadas, que ficou conhecida como Revolução Industrial.
Autilização de novas fontes de energia, a invenção de máquinas, principalmente para a indústriatêxtil, o desenvolvimento agrícola, o controle do comércio internacional são fatores que iriamtransformar a Inglaterra na maior potência mundialda época. Na busca pela ampliação dosmercados, os ingleses impõem ao mundo o livre comércio e o abandono dos princípiosmercantilistas, ao mesmo tempo que tratam de proteger seu próprio mercado e o de suascolônias com tarifas protecionistas.
Em suas relações com a América espanhola e portuguesa,abrem brechas cada vez maiores no sistema colonial, por meio de acordos comerciais,contrabando e aliança com os comerciantes locais.
O mundo colonial é afetado também por outro fator importante: a tendência a limitar oua extinguir a escravidão, manifestada pelas maiores potências da época, ou seja, a Inglaterra ea França.
É comum ligar-se essa tendência ao interesse britânico em ampliar mercadosconsumidores, a partir da vantagem obtida sobre os concorrentes com a Revolução Industrial.
Entretanto, essa afirmação contém apenas uma parte da verdade. A ofensiva antiescravistadecorre também dos novos movimentos nascidos nos países mais avançados da Europa, sob ainfluência do pensamento ilustrado e mesmo religioso,como é o caso da Inglaterra.Acrescente-se a isso, no caso francês, a insurreição de negros libertos e escravos nas Antilhas.Em fevereiro de 1794, a França revolucionária decretou o fim da escravidão em suas colônias;a Inglaterra faria o mesmo em 1807.Lembremos, porém, quanto à França, que Napoleãorevogou a medida em 1802.
Essas iniciativas contrastaram com as tomadas pelos colonos americanos após aindependência dos Estados Unidos em 1776.
Apesar do caráter liberal e anticolonialista da revolução, os interesses dos grandes proprietários rurais predominou: a escravidão só foi extinta em alguns Estados do norte, onde os cativos tinham pouca significação econômica.
Podemos sintetizar todo o processo acima descrito como uma etapa dc formação docapitalismoindustrial que se relaciona com a ascensão da burguesia ao poder.
É preciso,porém, tomar cuidado com uma associação simplista entre esses dois elementos. O fim daaristocracia e a consolidação da burguesia como classe dirigente foi um processo complexo,variável de país a país, tecido por alianças de classe e pelo papel do Estado.
A ADMINISTRAÇÃO POMBALINA
Vejamos agora como esse quadro afetou as relações entre a Coroa portuguesa e suamaior colônia. Em meados do século XVIII, Portugal era um país atrasado, cm relação àsgrandes potências européias.
Dependia da Inglaterra, de quem em troca recebia proteçãodiante da França e da Espanha. Ainda assim, a monarquia lusa procurava manter o sistemacolonial e limitar a crescente presença inglesa no Brasil.
Um marco importante nesse período é o da ascensão de Dom José I ao trono, em 1750.Não propriamente pelo rei, mas por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuroMarquês de Pombal.
Até sua indicação para o ministério, com mais de cinqüentaanos, Pombal tivera umacarreira relativamente obscura como representante de Portugal na Inglaterra e diplomata na Corte austríaca. Sua obra, realizada ao longo de muitos anos (1750-1777), representou umgrande esforço no sentido de tornar mais eficaz a administração portuguesa e introduzirmodificações no relacionamento Metrópole-Colônia.
A reforma constituiu uma peculiarmistura do velho e do novo, explicável pelas características de Portugal. Ela combinava oabsolutismo ilustrado com a tentativa de uma aplicação conseqüente das doutrinasmercantilistas.
Essa fórmula geral se concretizou em uma série de medidas. Vamos salientar asque disseram respeito mais de perto ao Brasil.
De acordo com as concepções do mercantilismo, Pombal criou duas companhiasprivilegiadas de comércio-a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759). A primeira tinha por objetivodesenvolver a região Norte, oferecendo preços atraentes para mercadorias aí produzidas econsumidas na Europa, como o cacau, o cravo, a canela, o algodão e o arroz, transportadascom exclusividade nos navios da companhia. Introduziu também escravos negros que, dada apobreza regional, foram na sua maior parte reexportados para as minas de MatoGrosso. Asegunda companhia buscou reativar o Nordeste dentro da mesma linha de atuação.
A política pombalina prejudicou setores comerciais do Brasil marginalizados pelascompanhias privilegiadas, mas não teve por objetivo perseguir a elite colonial.
Pelocontrário,colocou membros dessa elite nos órgãos administrativos e fiscais do governo, na magistraturae nas instituições militares.
O programa econômico de Pombal foi em grande medida frustrado porque, em meadosdo século XVIII, a Colônia entrou em um período de depressão econômica que se prolongouaté o fim da década de 1770.
As principais causas da depressão foram a crise do açúcar e, apartir de 1760, a queda da produção de ouro. Ao mesmo tempo que as rendas da Metrópolecaíam, cresciam as despesas extraordinárias destinadas a reconstruir Lisboa, destruída por umterremoto em 1755, e a sustentar as guerras contra a Espanha, pelo controle da extensa regiãoque ia do sul de São Paulo ao Rio da Prata.
Pombal tentou coibir o contrabando de ouro e diamantese tratou de melhorar aarrecadação de tributos. Em Minas Gerais, o imposto de capitação foi substituído pelo antigoquinto do ouro, com a exigência de que deveria render anualmente pelo menos cem arrobasdo metal. Depois de uma série de falências, a Coroase incumbiu de explorar diretamente asminas de diamante (1771). Ao mesmo tempo, procurou tornar a Metrópole menosdependente das importações de produtos industrializados, incentivando a instalação demanufaturas em Portugal e mesmo no Brasil.
Uma das medidas mais controvertidas da administração pombalina foi a expulsão dosjesuítas de Portugal e seus domínios, com confisco de bens (1759).
Essa medida pode ser compreendida no quadro dos objetivos de centralizar a administração portuguesa e impediráreas deatuação autônoma por ordens religiosas cujos fins eram diversos dos da Coroa.
Alémdos jesuítas, em meados da década de 1760, os mercedários-segunda ordem em importância na Amazônia-foram expulsos da região e tiveram suas propriedadesconfiscadas.
Mas o alvo principal foi a Companhia de Jesus, acusada de formar “um Estadodentro do Estado”.
No Brasil, a consolidação do domínio português nas fronteiras do Norte e do Sul passava,segundo Pombal, pela integração dos índios à civilização portuguesa.
Se não se contasse comuma população nascida no Brasil identificada com os objetivos lusos, seria inviável assegurar ocontrole de vastas regiões semidespovoadas.
Daí a adoção de uma série de medidas comrelação aos indígenas. A escravidão dos índios foi extinta em 1757; muitas aldeias na Amazôniaforam transformadas em vilas sob administração civil; a legislação incentivou os casamentosmistos entre brancos e índios. Essa política de assimilação se chocava com o paternalismojesuíta, sendo um ponto central de conflito.
Ao mesmo tempo, os jesuítas espanhóis eram acusados de fomentar uma rebeliãoindígena na região de Sete Povos das Missões do Uruguai, contra a entrega daquele territórioaos portugueses-a chamada Guerra dos Guaranis, que durou de 1754 a 1756.
Não podemosesquecer também que as extensas propriedades da Companhia de Jesus eram cobiçadas porparte dos membros da elite colonial e da própria Coroa.
A maioria das propriedades urbanas e rurais confiscadas aos jesuítas foi arrematada emleilão por grandes fazendeiros e comerciantes.
Suas maiores igrejas passaram para as mãosdos bispos não integrados nas ordens religiosas. Muitos dos colégios da companhia setransformaram em palácios dc governadores ou hospitais militares. No todo, houve um grandedesperdício, em especial de bens culturais, como as bibliotecas, que foram consideradas coisade pouco valor.
A expulsão da ordem abriu um vazio no já pobre ensino da Colônia.
A Coroa portuguesa,ao contrário da espanhola, temia a formação na própria Colônia de uma elite letrada.
Já noséculo XVI, a Espanha criou na América várias universidades: a de São Domingos, em 1538, e asde São Marcos, em Lima, e da Cidade do México, em 1551. Nada disso ocorreu na Américalusa, durante todo o período colonial. Aliás, praticamente a mesma coisa aconteceu com aimprensa, que surgiu nas maiores cidades coloniais da América espanhola também no séculoXVI. Enquanto isso, ressalvando-se uma oficina gráfica aberta em 1747 no Rio de Janeiro e logodepois fechada por ordem real, a imprensa no Brasil só nasceria no século XIX, com a vinda deDom João VI.
Para remediar os problemas criados com a expulsão dos jesuítas na área do ensino, aCoroa tomou algumas medidas. Foi criado um imposto especial, o subsídio literário-parasustentar oensino promovido pelo Estado.
O bispo de Pernambuco criou o seminário deOlinda, que se voltou em parte para as ciências naturais e a matemática. Pequenos clubes deintelectuais surgiram no Rio de Janeiro e na Bahia.
As medidas de Pombal contra as ordensreligiosas faziam parte de uma política desubordinação da Igreja ao Estado português. Este tratou porem de evitar conflitos diretos como papa. A Igreja, por sua vez, aceitou a expulsão dos jesuítas. Mais do que isso, em 1773, oPapa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus, convencido de que ela trazia maisproblemas do que vantagens.
A ordem dos jesuítas só voltaria a existir em 1814.
O REINADO DE DONA MARIA
A grande controvérsia entre os historiadores portugueses a favor e contra Pombal levou àvisão de um corte profundo entre a época pombalina e a que a ela se seguiu, o reinado deDona Maria I. A própria expressão “viradeira”, empregada para definir o período posterior àmorte de Dom José em 1797 e à queda de Pombal, é um indício dessa visão.
Muita coisa mudou: as companhias de comércio foram extintas e a Colônia foi proibida de manter fábricasou manufaturas de tecidos, exceto as de pano grosso de algodão para uso dos escravos.
Esse fato e a repressão aos integrantes da Inconfidência Mineira deixaram na historiografiabrasileira uma imagem muito negativa da época que se seguiu à queda de Pombal.
Lembremos porém que, nos anos entre 1777 e 1808, a Coroa continuou tentando realizarreformas para se adaptar aos novos tempos e salvar o colonialismo mercantilista.
O reinado de Dona Maria I e do Príncipe Regente Dom João, ao contrário do anterior, beneficiou-se de uma conjuntura favorável à reativação das atividades agrícolas da Colônia: a produção de açúcar,como vimos, valorizou-se e se expandiu,favorecida pela insurreição dos escravos em SãoDomingos.
Além disso, uma nova cultura ganhou força. O algodão, desenvolvido pelacompanhia de comércio pombalina e incentivado pela guerra de independência dos EstadosUnidos, transformou o Maranhão, por algum tempo, na zona mais próspera da Américaportuguesa.2.24.
OS MOVIMENTOS DE REBELDIA
Ao mesmo tempo que a Coroa lusa mantinha uma política de reforma do absolutismo,surgiram na Colônia várias conspirações contra Portugal e tentativas de independência.Elastinham a ver com as novas idéias e os fatos ocorridos na esfera internacional, mas refletiamtambém a realidade local. Podemos mesmo dizer que foram movimentos de revolta regional enão revoluções nacionais.
Esse foi o traço comum de episódios diversos como a InconfidênciaMineira (1789), a Conjuração dos Alfaiates (1798) e a Revolução de 1817 em Pernambuco.
Discute-se muito sobre o momento em que grupos da sociedade colonial nascidos naColônia, e mesmo alguns portugueses nela residentes, começarama pensar o Brasil como umaunidade diversa de Portugal.
Por outras palavras, em que momento teria surgido a consciênciade ser brasileiro?
Não há resposta rígida para uma pergunta dessa natureza. A consciência nacional foi sedefinindo na medida em que setores da sociedade da Colônia passaram a ter interesses distintos da Metrópole, ou a identificar nela a fonte de seus problemas. Longe de constituir umgrupo homogêneo, esses setores abrangiam desde grandes proprietários rurais, de um lado,até artesãos ousoldados mal pagos, de outro, passando pelos bacharéis e letrados.
Também não tinham em comum exatamente a mesma ideologia. As “idéias francesas” ouo liberalismo da revolução americana eram suas fontes inspiradoras. Mas os setoresdominantes tratavam de limitá-las, sendo, por exemplo, muito prudentes no tocante ao temada abolição da escravatura, que viria ferir seus interesses.
Pelo contrário, para as camadas dominadas a idéia de independência vinha acompanhada de propósitos igualitários de reforma social.
A Guerra dos Mascates em Pernambuco (1710), as rebeliões que ocorreram na região deMinas Gerais a partir da revolta de Filipe dos Santos em 1720 e principalmente as conspiraçõese revoluções ocorridas nos últimos decênios do século XVIII e nos dois primeiros do século XIXsão freqüentemente apontadas como exemplos afirmativos da consciência nacional.
Se épossível dizer que eles indicam essa direção, devemos lembrar que até a independência, emesmo depois, a consciência nacional passa pela regional. Os rebeldes do período se afirmamcomo mineiros, baianos, pernambucanos e, em alguns casos, como pobres, tanto ou mais doque como brasileiros.
Vamos examinar agora os dois movimentos de rebeldia mais expressivos nos fins doséculo XVIII, deixando para logo adiante a Revolução Pernambucana de 1817, que eclodiu já nocontexto da presença da família real no Brasil.2.24.1.
A INCONFIDÊNCIA MINEIRA
A Inconfidência Mineira teve relação direta com as características da sociedade regional ecom o agravamento de seus problemas, nos dois últimos decênios do século XVIII.
Isso nãosignifica que seus integrantes não fossem influenciados pelas novas idéias que surgiam naEuropa e na América do Norte. Muitos membros da elite mineira circulavam pelo mundo eestudavam na Europa. Em 1787, dentre os dezenove estudantes brasileiros matriculados naUniversidade de Coimbra, dez eram de Minas. Coimbra era um centro conservador mas ficavana Europa, o que facilitava o conhecimento das novas idéias e a aproximação com aspersonalidades da época.
Por exemplo, um ex-estudante de Coimbra, José Joaquim da Maia, ingressou naFaculdade de Medicina de Montpellier na França, em 1786. Naquele ano e no ano seguinte teve contatos com Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França,solicitando apoio para uma revolução que, segundo ele, estava sendo tramada no Brasil. Umparticipante da Inconfidência, José Álvares Maciel, formou-se em Coimbra e viveu na Inglaterrapor um ano e meio. Aí aprendeu técnicas fabrisediscutiu com negociantes ingleses aspossibilidades de apoio a um movimento pela independência do Brasil.
Ao lado disso, nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrara em umafase de declínio, marcada pela queda contínua da produção de ouro epelas medidas da Coroano sentido de garantir a arrecadação do quinto. Se examinarmos um pouco a história pessoaldos inconfidentes, veremos que tinham também razões específicas de descontentamento. Emsua grande maioria, eles constituíam um grupo da elitecolonial, formado por mineradores,fazendeiros, padres envolvidos em negócios, funcionários, advogados de prestígio e uma altapatente militar, o comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade.
Todos elestinham vínculos com as autoridades coloniais na capitania e, em alguns casos (AlvarengaPeixoto, Tomás Antônio Gonzaga), ocupavam cargos na magistratura.
José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte, uma exceção. Desfavorecido pela morteprematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e tentarasem êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de alferes, o grau inicial doquadro de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o apelido algo O entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com achegada a Minas do governador Luís da Cunha Meneses, em 1782.
Cunha Meneses marginalizou os membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de amigos.Embora não pertencesse à elite, o próprio Tiradentes se viu prejudicado, ao perder o comandodo destacamento dos Dragões que patrulhava a estratégica estrada da Serra da Mantiqueira depreciativo de Tiradentes.
A situação agravou-se em toda a região mineira com a nomeação do Visconde deBarbacena para substituir Cunha Meneses.
Barbacena recebeu do ministro português Melo eCastro instruções no sentido de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas deouro. Para completar essa quota, o governador poderia se apropriar de todo o ouro existentee, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um imposto a ser pago por cadahabitante da capitania.
Recebeu ainda instruções no sentido de investigar os devedores daCoroa e os contratos realizados entre a administração pública e os particulares.
As instruçõesfaziam pairar uma ameaça geral sobre a capitania e mais diretamente sobre o grupo de elite,onde se encontravam osmaiores devedores da Coroa.
Aqui, abrindo um parênteses, é preciso explicar a origem dessas dívidas. Elas seoriginavam, muitas vezes, de contratos feitos com o governo português para arrecadarimpostos. Na época colonial, era comum conceder essa função pública a particulares com boasrelações na administração. Eles pagavam uma quantia à Coroa pelo direito de cobrar osimpostos, ganhando a diferença entre esse pagamento e o que conseguiam arrecadar. Mas,freqüentemente, os contratadores nem sequer chegavama completar o pagamento à Coroa,daí resultando dívidas que iam se acumulando.
Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos últimos meses de1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não chegaram, porém, a pôremprática seus planos. Em março de 1789, Barbacena decretou a suspensão da derrama,enquanto os conspiradores eram denunciados por Silvério dos Reis. Devedor da Coroa como vários dos inconfidentes, Silvério dos Reis estivera próximo destes, mas optara porlivrar-se deseus problemas denunciando o movimento. Seguiram-se as prisões emMinas e a de Tiradentes no Rio de Janeiro. O longo processo realizado na capital daColônia só terminou a 18 de abril de 1792.
A partir daí, começou uma grande encenação da Coroa, buscando mostrar sua força edesencorajar futuras rebeldias. Só a leitura da sentença durou dezoito horas!
Tiradentes evários outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois, uma carta de clemênciada Rainha Dona Maria transformava todas aspenas em banimento, ou seja, expulsão do Brasil,com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã de 21 de abril de 1792, Tiradentes foienforcado num cenário típico das execuções no Antigo Regime.
Entre os ingredientes dessecenário se incluíam a presença datropa, discursos e acla-mações à rainha. Seguiram-se aretalhação do corpo e a exibição dc sua cabeça, na praça principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes?
A resposta não é simples, pois a maioria das fontes à nossa disposição é constituída doque disseram os réus e as testemunhas no processo aberto pela Coroa, no qual se decidia,literalmente, uma questão de vida ou morte. Aparentemente, a intenção da maioria era a deproclamar uma República, tomando como modelo a Constituição dos Estados Unidos.
O poetae ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga governaria durante os primeiros três anos e depois dissohaveria eleições anuais.
O Distrito Diamantino seria liberado das restrições que pesavam sobreele; os devedores da Coroa, perdoados; a instalação demanufaturas, incentivada. Não haveriaexército permanente. Em vez disso, os cidadãos deveriam usar armas e servir, quandonecessário, na milícia nacional.
O ponto mais interessante das muitas medidas propostas é o da libertação dos escravos,que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de rebeldia não só do Brasil Colôniacomo do Brasil independente.
De um lado, no plano ideológico, é incompreensível que ummovimento pela liberdade mantivesse a escravidão; de outro, no plano dos interesses, como éque membros da elite colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam libertá-los?
Essa contradição surge no processo dos inconfidentes, mas é bom ressalvar que nem sempredepoimentos derivados de interesses pessoais predominaram nas declarações. Alvarenga Peixoto, um dos maiores senhores de escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade doscativos, na esperança de que eles assim se tornassem os maiores defensores da República.Outros, como Alvares Maciel, achavam, pelo contrário, que sem escravos nãohaveria quemtrabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma solução decompromisso, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no Brasil.
A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos históricos de alcanceaparentemente limitado podem ter impacto na história de um país. Como fato material, omovimento de rebeldia não chegou a se concretizar, e suas possibilidades de êxito, apesar doenvolvimento de militares e contatos no Rio de Janeiro, eram remotas. Sob esse aspecto, aRevolução dc 1817, que a partir de Pernambuco se espraiou por uma grande área do Nordeste,teve maior importância.
Mas a relevância da Inconfidência deriva de sua força simbólica: Tiradentes transformou-se em herói nacional, e as cenas desua morte, o esquartejamento de seu corpo, a exibição de sua cabeça passaram a ser evocadas com muita emoção e horror nos bancos escolares.
Issonão aconteceu da noite para o dia e sim através de um longo processo de formação de ummito que tem sua própriahistória. Em um primeiro momento, enquanto o Brasil não se tornouindependente, prevaleceu a versão dos colonizadores. A própria expressão “InconfidênciaMineira”, utilizada na época e que a tradição curiosamente manteve até hoje, mostra isso.”Inconfidência” é uma palavra com sentido negativo que significa falta de fidelidade, não-observância de um dever, especialmente com relação ao soberano ou ao Estado. Durante oImpério, o episódio incomodava, pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela formamonárquica de governo. Além disso, os dois imperadores do Brasil eram descendentes emlinha direta da Rainha Dona Maria, responsável pela condenação dos revolucionários.
A proclamação da República favoreceu a projeção do movimento e a transformação dafigura de Tiradentes em mártir republicano. Existia uma base real para isso. Há indícios de queo grande espetáculo, montado pela Coroa portuguesa para intimidar a população da Colônia,causou efeito oposto, mantendo viva a memória do acontecimento e a simpatia pelosinconfidentes. A atitude de Tiradentes, assumindo toda a responsabilidade pela conspiração, apartir de certo momento do processo, e o sacrifício final facilitaram a mitificação de sua figura,logo após a proclamação da República. O 21 de abril passou a ser feriado, e Tiradentes foi cadavez mais retratado com traços semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo. Assim setornou um dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir não só pela direita e pelaesquerda como pelo povo da rua.
A CONJURAÇÃO DOS ALFAIATES
A Conjuração dos Alfaiates foi um movimento organizado na Bahia em 1798, por gente marcada pela cor e pela condição social: mulatos e negros livres ou libertos, ligados àsprofissões urbanas como artesãos ou soldados, e alguns escravos. Entre eles destacavam-sevários alfaiates, derivando daí o nome da conspiração. Mesmo entre os brancos, predominavaa origem popular, com a importante exceção do médico Cipriano Barata, que iria participar devários movimentos revolucionáriosdo Nordeste, por mais de quarenta anos.
A conspiração se liga ao quadro geral das rebeliões surgidas em fins do século XVIII e tema ver também com as condições de vida da população de Salvador.
A escassez de gênerosalimentícios e a carestia deram origema vários motins na cidade, entre 1797 e 1798. Nosábado de aleluia de 1797, por exemplo, os escravos que transportavam grandes quantidadesde carne destinada ao general-comandante de Salvador foram atacados pela multidão famintae seu fardo dividido entreos atacantes e as negras que vendiam quitutes na rua.
Os conspiradores defendiam a proclamação da República, o fim da escravidão, o livrecomércio especialmente com a França, o aumento do salário dos militares, a punição depadres contrários à liberdade.O movimento não chegou a se concretizar, a não ser pelolançamento de alguns panfletos e várias articulações. Após uma tentativa de se obter apoio dogovernador da Bahia, começaram as prisões e delações. Quatro dos principais acusados foramenforcados e esquartejados.
Outros receberam penas de prisão ou banimento.
A severidade das penas foi desproporcional à ação e às possibilidades de êxito dosconjurados. Nelas transparece a intenção de exemplo, um exemplo mais duro do que o proporcionado pelas condenações aos inconfidentes mineiros.
A dureza se explica pela origemsocial dos acusados e por um conjunto de outras circunstâncias ligadas ao temor das rebeliõesde negros e mulatos. A insurreição de escravos iniciada em São Domingos, colônia francesa nasAntilhas, em 1791, estava em pleno curso e só iria terminar cm 1801, com a criação do Haiticomo Estado independente. Por sua vez, a Bahia era uma região onde os motins de negros iamse tornando freqüentes. Essa situação preocupava tanto a Coroa como a elitecolonial, pois apopulação de cor (negros e mulatos) correspondia, em números aproximados, a 80% dapopulação da capitania.
A inspiração dos rebeldes baianos veio principalmente da Revolução Francesa. No cursodo processo, foram apreendidas obras filosóficas de autores como Voltaire e Condillac, quevários inconfidentes mineiros também conheciam. Ao lado dessas obras, aparecem pequenostextos políticos, de linguagem direta, definidores de posições. Esses textos atravessaram oAtlântico, chegaram às estantes de livros de gente letrada da Colônia e acabaram por inspiraros “pasquins sediciosos” e os panfletos lançados nas ruas de Salvador, em agosto de 1798.
No plano dos fatos materiais, a Conjuração dos Alfaiates pouco representou. Assim comoa Inconfidência Mineira, ela nos interessa pelo seu aspecto simbólico.
Sem alcançar as glóriasda Inconfidência, o movimento foi posto em destaque na historiografia brasileira a partir dcum livro de Affonso Ruy intitulado de A Primeira Revolução Social Brasileira, publicado em1942.
O título é exagerado, mas não há dúvida de que a Conjuração dos Alfaiates foi a primeiraexpressão de uma corrente de raiz popular que combinava as aspirações de independênciacom reivindicações sociais.
A Independência não viria porém pela via de um corte revolucionário com a Metrópole,mas por um processo de que resultaram mudanças importantes e também continuidades comrelação ao período colonial.
A história desse processo passa por episódios novelescos, como atransferência da famíliareal para o Brasil, e atos solenes, como a abertura dos portos, pondofim ao sistema colonial.
A VINDA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL
A guerra que Napoleão movia na Europa contra a Inglaterra, em princípios do século XIX,acabou por ter conseqüências para a Coroa portuguesa. Após controlar quase toda a Europaocidental, Napoleão impôs um bloqueio ao comércio entre a Inglaterra e o continente.
Portugal representava uma brecha no bloqueio e era preciso fechá-la. Em novembro de 1807,tropas francesascruzaram a fronteira de Portugal com a Espanha e avançaram em direção aLisboa. O Príncipe Dom João, que regia o reino desde 1792, quando sua mãe Dona Maria foradeclarada louca, decidiu-se, em poucos dias, pela transferência da Corte para o Brasil. Entre25e 27 de novembro de 1807, cerca de 10 a 15 mil pessoas embarcaram em navios portuguesesrumo ao Brasil, sob a proteção da frota inglesa.
Todo um aparelho burocrático vinha para a Colônia: ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentesdo exército e da marinha, membros do alto clero. Seguiam também o tesouro real, os arquivosdo governo, uma máquina impressora e várias bibliotecas que seriam a base da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Houve muita confusão no embarque, e a viagem não foi fácil. Uma tempestade dividiu afrota; os navios estavamsuperlotados, daí resultando falta de comida e água; a troca de roupafoi improvisada com cobertas e lençóis fornecidos pela marinha inglesa; para completar, oataque dos piolhos obrigou as mulheres a raspar o cabelo.
Mas esses aspectos novelescos nãopodem ocultar o fato de que, a partir da vinda da família real para o Brasil, ocorreu umareviravolta nas relações entre a Metrópole e a Colônia.
A ABERTURA DOS PORTOS
Logo ao chegar, durante sua breve estada na Bahia, Dom João decretou a abertura dosportos do Brasil às nações amigas (28 de janeiro de 1808). Mesmo sabendo-se que naquelemomento a expressão “nações amigas” era equivalente à Inglaterra, o ato punha fim atrezentos anos de sistema colonial. Já no Rio de Janeiro, no mês de abril, o príncipe regenterevogou os decretos que proibiam a instalação de manufaturas na Colônia, isentou de tributosa importação de matérias-primas destinadas à indústria, ofereceu subsídios para as indústriasda lã, da seda e do ferro, encorajou a invenção e introdução de novas máquinas.
A abertura dos portos foi um ato historicamente previsível, mas ao mesmo tempoimpulsionado pelas circunstâncias do momento.
Portugal estava ocupado por tropas francesas,e o comércio não podia ser feito através dele. Para a Coroa, era preferível legalizar o extensocontrabando existente entre a Colônia e a Inglaterra e receber os tributos devidos.
A Inglaterra foi a principal beneficiária da medida. O Rio de Janeiro se tornou o porto deentrada dos produtos manufaturados ingleses, com destino não só ao Brasil como ao Rio daPrata e à costa do Pacífico.
Já em agosto de1808,existia na cidade um importante núcleo de150 a 200 comerciantes e agentes comerciais ingleses. Descrevendo as arbitrariedades daalfândega do Rio de Janeiro, um desses agentes-John Luccock-relatava aliviado, em “que osingleses tinham-se tornado senhores da alfândega, que eles regulavam tudo, e que ordenstinham sido transmitidas aos funcionários para que dessem particular atenção às indicações docônsul britânico”.
A abertura dos portos favoreceu também os proprietários rurais produtores de bensdestinados à exportação (açúcar e algodão principalmente), os quais se livravam do monopóliocomercial da Metrópole.
Daí para a frente, seria possível vender a quem quer que fosse, semas restrições impostas pelo sistema colonial.
Mas a medida contrariou os interesses dos comerciantes e provocou grandes protestosdeles, no Rio de Janeiro e em Lisboa, a ponto de o príncipe Dom João ter de fazer algumasconcessões. Por decreto de junho de 1808, o comércio livre foi limitado aos portos de Belém,São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro; o chamado comércio de cabotagem, ou seja, entreportos da Colônia, ficou reservado a navios portugueses; o imposto sobre produtosimportados, que fora fixado em 24% do valor da mercadoria, foi reduzido para 16%, quando setratasse de embarcações portuguesas. Só a última dessas decisões tinha real importância, maslogo seria ultrapassada pelas concessões feitas á Inglaterra.
A escalada inglesa pelo controle do mercado colonial brasileiro culminou no Tratado deNavegação e Comércio, assinado após longas negociações em fevereiro de 1810.
A Coroaportuguesa tinha pouco campo de manobra. Ela dependia do resultado da guerra contraNapoleão para recuperar o território metropolitano, c suas colônias eram protegidas pelaesquadra britânica.
A tarifa a ser paga sobre as mercadorias inglesas exportadas para o Brasilfoi fixada em apenas 15% de seu valor, pelo tratado de 1810. Com isso, os produtos ingleses ficaram em vantagem até com relação aos portugueses. Mesmo quando, logo depois, as duastarifas foram igualadas, a vantagem inglesa continuou imensa. Sem proteção tarifária, asmercadorias de um país atrasado, como se tornara Portugal, no âmbito do capitalismoeuropeu, não tinham condições de competir em preço e variedade com os produtos ingleses.
Os propósitos industrializantes das primeiras iniciativas de Dom João tornaram-se também,com raras exceções, letra morta.
Um ponto da política britânica seria motivo dc preocupações para os diferentes setoresdominantes da sociedade colonial. Após ter sido grande beneficiária do comércio de escravos,a Inglaterra passara, a partir de fins do século XVIII, a combater a escravidão.
Esse fato é, aliás, um bom exemplo de como devemos ter cuidado em não simplificar processos históricos: a maior potência imperialista da época buscava, ao mesmo tempo, pôrfim a uma instituição profundamente retrógrada, vigente no mundo colonial.
Pelo Tratado de Aliança e Amizade, firmado por Portugal e Inglaterra, junto com o Tratadode Navegação e Comércio, em 1810, a Coroa portuguesa se obrigava a limitar o tráfico deescravos aos territórios sob seu domínio e prometia vagamente tomar medidas para restringi-lo.
Alguns anos mais tarde, quando as potências vencedoras da guerra contra Napoleão,tendo à frente a Inglaterra, se reuniram no Congresso de Viena (1815), o governo portuguêsassinou novo tratado, concordando coma cessação do tráfico ao norte do equador. Emprincípio, deveria assim terminai o tráfico de escravos da Costa da Mina para o Brasil. Umacláusula adicional ao tratado concedeu à Inglaterra o “direito de visita” em alto-mar a naviossuspeitos de transportar cativos, autorizando sua apreensão. Nenhuma dessas medidasimpediu o tráfico que, pelo contrário, se tornou maior no início de 1820 do que era no começodo século.
Mas desenhava-se no horizonte uma disputa que se tornaria aguda no Brasil independente: o governo inglês, de um lado, autoridades e setores dominantes no Brasil, de outro.
A CORTE NO RIO DE JANEIRO
A transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil mudou o quadro dasrelações internacionais no contexto da América do Sul.A política externa de Portugal passou aser decidida na Colônia, instalando-se no Rio de Janeiro o Ministério da Guerra e AssuntosEstrangeiros. Além de realizar uma expedição à Guiana Francesa, incentivada pela Inglaterra, aCoroa concentrou sua ação na área do Prata, especificamente na Banda Oriental-atualUruguai-, região onde espanhóis e portugueses se chocavam desde as últimas décadas doséculo XVII.
Com o objetivo de anexar a Banda Oriental ao Brasil, Dom João VI realizou duasintervenções militares, em 1811 e a partir de 1816.
A derrota de Artigas-principal figura naluta pela independência uruguaia-garantiu aos portugueses a posse da região e aincorporação da Banda Oriental ao Brasil, em 1821, com o nome de Província Cisplatina.Entretanto, os conflitos no Prata estavam longe de terminar.
A vinda da família real deslocou definitivamente o eixo da vida administrativa da Colôniapara o Rio de Janeiro, mudando também a fisionomia da cidade. Entre outros aspectos,esboçou-se aí uma vida cultural.
O acesso aos livros e a uma relativa circulação de idéias forammarcas distintivas do período. Em setembro de 1808, veio a público o primeiro jornal editadona Colônia; abriram-se também teatros, bibliotecas, academias literárias e científicas, para atender aos requisitos da Corte e dc uma população urbana em rápida expansão. Basta dizerque, durante o período de permanência de Dom João VI no Brasil, o número de habitantes dacapital dobrou, passando de cerca de 50 mil a 100 mil pessoas. Muitos dos novos habitanteseram imigrantes, não apenas portugueses mas espanhóis, franceses e ingleses que viriam aformar uma classe média de profissionais e artesãos qualificados.
Além deles, vieram ao Brasil cientistas e viajantes estrangeiros, como o naturalista emineralogista inglês John Mawe, o zoólogo bávaro Spix e o botânico Martius, também bávaro,o naturalista francês Saint-Hilaire, autores de trabalhos que são uma fonte indispensável deconhecimento daquela época. Em março de 1816, chegou ao Rio de Janeiro a Missão ArtísticaFrancesa, incluindo, entre outros, o arquiteto Grandjean de Montigny, autor de projetos deedificações urbanas, e os pintores Taunay e Debret.
Estes deixaram desenhos e aquarelas queretratavam paisagens e costumes do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XIX.
Se muita coisa mudou, não devemos exagerar o alcance das transformações. A presençada Corte implicava uma alteração do acanhado cenário urbano da Colônia, mas a marca doabsolutismo acompanharia a alteração. Um exemplo disso é a imprensa. O primeiro jornalbrasileiro-A Gazeta do Rio de Janeiro-tinha caráter quase oficial e estava sujeito, como todasas demais publicações, a uma comissão de censura encarregada de “examinar os papéis elivros que se mandassem publicar e fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, ogoverno e os bons costumes”. O jornal brasileiro independente dessa época, que continhacríticas à política portuguesa, era o Correio Brasiliense de Hipólito José da Costa, editado emLondres entre 1808 e 1822.
A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817
A presença da Corte no Rio de Janeiro contribuiu para dar à Independência o caráter deuma transição sem grandes saltos. Seria engano supor, porém, que os atritos entre a gente daMetrópole e daColônia tenham desaparecido porque, por algum tempo, a Colônia se vestiu deMetrópole. Ao transferir-se para o Brasil, a Coroa não deixou de ser portuguesa e favorecer os Página808080interesses portugueses no Brasil. Um dos principais focos de descontentamento estavanasforças militares.
Dom João chamou tropas de Portugal para guarnecer as principais cidades eorganizou o Exército, reservando os melhores postos para a nobreza lusa. O peso dos impostosaumentou, pois agora a Colônia tinha de suportar sozinha as despesas da Corte e os gastos dascampanhas militares que o rei promoveu no Rio da Prata.
Acrescente-se a isso o problema da desigualdade regional. O sentimento imperante noNordeste era o de que, com a vinda da família real para o Brasil, o domínio político daColôniapassara de uma cidade estranha para outra igualmente estranha, ou seja, de Lisboa para o Riode Janeiro. A revolução que estourou em Pernambuco em março de 1817 fundiu essesentimento com vários descontentamentos resultantes das condições econômicas e dos privilégios concedidos aos portugueses.
Ela abrangeu amplas camadas da população: militares, proprietários rurais, juizes, artesãos, comerciantes e um grande número desacerdotes, a ponto de ficar conhecida como a “revolução dos padres”.
Chama aatenção apresença de grandes comerciantes brasileiros ligados ao comércio externo, os quaiscomeçavam a concorrer com os portugueses, em uma área até então controlada, em grandemedida, por estes.
Outro dado importante da Revolução de 1817 se encontra nofato de que ela passou doRecife para o sertão, estendendo-se a Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Odesfavorecimento regional, acompanhado de um forte antilusitanismo, foi o denominadorcomum dessa espécie de revolta geral de toda a área nordestina.Não devemos imaginar,porém, que os diferentes grupos tivessem os mesmos objetivos.
Para as camadas pobres dacidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cimado que para baixo. Uma curiosa carta, escrita no Recife pouco após o fim da revolução,descreve como “os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam que éramostodos iguais e não haviam de casar senão com brancas das melhores”.
Os boticários, cirurgiõese sangradores davam-se ares de importância e até os barbeiros recusavam-se a fazer a barbadas pessoas, alegando que estavam “ocupados no serviço da pátria”.
Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização impostapela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se nãoda Colônia, pelo menos do Nordeste.Aquele era, aliás, um momento economicamente difícil, combinando a queda do preçointernacional do açúcar e do algodão com a alta do preço dos escravos. Mais uma vez, nãodevemos supor que, em quaisquer circunstâncias, as posições radicais fossem assumidas pelosmais pobres e as conservadoras, pelos ricos. Por exemplo, um dos membros radicais dolevante, defensor da abolição da escravatura, era o comerciante Domingos José Martins,casado com moça nascida em uma família ilustre da terra.
Os revolucionários tomaram o Recife e implantaram um governo provisório baseado emuma “lei orgânica” que proclamou a República e estabeleceu a igualdade de direitos e atolerância religiosa, mas não tocou no problema da escravidão. Foram enviados emissários àsoutras capitanias em busca de apoio e aos Estados Unidos, Inglaterra e Argentina, em buscatambém de apoio e de reconhecimento.
A revolta avançou pelo sertão, porém, logo emseguida, veio o ataque das forças portuguesas, a partirdo bloqueio do Recife e dodesembarque em Alagoas. As lutas se desenrolaram no interior, revelando o despreparo e asdesavenças entre os revolucionários. Afinal, as tropas portuguesas ocuparam Recife, em maio de 1817. Seguiram-se as prisões e execuçõesdos líderes da rebelião.
O movimento duraramais de dois meses e deixou uma profunda marca no Nordeste.
A INDEPENDÊNCIA
Por volta de 1817, quem dissesse que dentro de cinco anos o Brasil se tornariaindependente estaria fazendo uma previsão muitoduvidosa. A Revolução Pernambucana,confinada ao Nordeste, fora derrotada.
Por sua vez, a Coroa tomava medidas no sentido deintegrar Portugal e Brasil como partes de um mesmo reino. A guerra terminara na Europa, em1814, com a derrota de Napoleão. As razões da permanência da Corte no Brasilaparentemente já não existiam. Dom João decidiu entretanto permanecer na Colônia c cmdezembro de 1815 elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Mesesdepois, após a morte da rainha, seria sagrado rei de Portugal, do Brasil e Algarves, com o títulode Dom João VI.
A Independência se explica por um conjunto de fatores, tanto internos como externos,mas foram os ventos trazidos de fora que imprimiram aos acontecimentos um rumoimprevisto pela maioria dos atores envolvidos, em uma escalada que passou da defesa daautonomia brasileira à idéia de independência.
Em agosto de 1820, irrompeu em Portugal uma revolução liberal inspirada nas idéiasilustradas. Os revolucionários procuravam enfrentar um momento de profunda crise na vidaportuguesa. Crise política, causada pela ausência do rei e dos órgãos de governo; criseeconômica, resultante em parte da liberdade de comércio de que se beneficiava o Brasil; crisemilitar, conseqüência da presença de oficiais ingleses nos altos postos do exército e dapreterição de oficiais portugueses nas promoções. Basta lembrar que, na ausência de DomJoão, Portugal foi governado por um conselho de regência presidido pelo marechal inglêsBeresford. Depois da guerra, Beresford se tornou o comandante do Exército português.
A revolução portuguesa de 1820 tinha aspectos contraditórios para os brasileiros. Podiaser definida como liberal, por considerar a monarquia absoluta um regime ultrapassado eopressivo e por tratar de dar vida a órgãos de representação da sociedade, como é o caso dasCortes. Ao mesmo tempo, ao promover os interesses da burguesia lusa e tentar limitar ainfluência inglesa, pretendia fazer com que o Brasil voltasse a se subordinar inteiramente a Portugal.
No fim de 1820, os revolucionários estabeleceram em Portugal uma junta provisória paragovernar em nome do rei e exigiram sua volta à Metrópole. Decidiram convocar as Cortes, aserem eleitas em todo o mundo português, com o propósito de redigir e aprovar umaConstituição. Estabeleceu-se um critério de representação de acordo com o número dehabitantes, cabendo ao Brasil entre 70 a 75 deputados, em um total de mais de 200. Previu-sea criação no Brasil de juntas governativas leais à revolução nas várias capitanias, que passavama se chamar províncias.
Foram os militares descontentes que iniciaram o movimento de 1820 em Portugal. Foi também entre os militares que ocorreram as primeiras repercussões do movimento no Brasil.
As tropas se rebelaram em Belém e emSalvador, instituindo aí as juntas governativas. No Riode Janeiro, manifestações populares e das tropas portuguesas forçaram o rei a reformular o ministério, a criar juntas onde elas não existiam e a preparar as eleições indiretas para asCortes.
Naquelaaltura, a principal questão que dividia as opiniões era o retorno ou não de DomJoão VI a Portugal. O retorno era defendido no Rio de Janeiro pela “facção portuguesa”,formada por altas patentes militares, burocratas e comerciantes interessados em subordinar oBrasil à Metrópole, se possível de acordo com os padrões do sistema colonial. Opunha-se a isso e ao retorno do monarca o “partido brasileiro”, constituído por grandes proprietáriosrurais das capitanias próximas à capital, burocratas e membros do Judiciário nascidos no Brasil.
Acrescentem-se a eles portugueses cujos interesses tinham passado a vincular-se aos da Colônia: comerciantes ajustados às novas circunstâncias do livre comércio e investidores emterras e propriedades urbanas, muitas vezes ligados por laços de casamento à gente da Colônia.
Falamos em “partido brasileiro” entre aspas, porque com essa expressão se designa nãopropriamente um partido, mesmo de organização frouxa como seria característico dospartidos brasileiros, mas uma corrente de opinião. As articulações políticas se fizeram, nesseperíodo, sobretudo através das lojas maçônicas, uma instituição cujo nascimento se deu naEuropa.
Em seus primeiros tempos, provavelmente em fins da Idade Média, a maçonaria reuniuprincipalmente artesãos ligados à construção c daí o seu nome derivado de maçon, “pedreiro”em francês. A partir do século XVII, tomou a forma de um movimento secreto constituído porgrupos de iniciados, visando a combater as tiranias e a Igreja. No Brasil, onde os padresparticiparam freqüentemente de atos de rebeldia, a maçonaria teve a feição de um núcleoantiabsolutista, cujos membros mais extremados tendiam a defender a independência do país.Por exemplo, um grande número de maçons participou ativamente da Revolução de 1817, e os preparativos revolucionários foram feitos, em boa parte, em clubes e lojas secretas, emboranão se possa afirmar que fossem todos ligados à maçonaria.
A questão do regresso ou não de Dom João VI logo se esvaziou. Temendo perder o tronocaso não regressasse a Portugal, o rei decidiu-se afinal pelo retorno.
Embarcou em abril de1821, acompanhado de 4 mil portugueses. Em seu lugar, ficava como príncipe regente seufilho Pedro, futuro Dom Pedro I. Nos meses seguintes, ocorreram no Brasil as eleições para as Cortes.
Quase todos os eleitos eram nascidos no Brasil. Entre eles, estavam alguns defensoresradicais ou ex-radicais da Independência, como Cipriano Barata (Bahia), Muniz Tavares(Pernambuco) e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (São Paulo), que haviam participado daRevolução dc 1817. Também se incluíam nomes como o do Padre Feijó e Nicolau de CamposVergueiro, políticos de relevo nos anos seguintes da história do Brasil.
As Cortes começaram a se reunir em janeiro de 1821, meses antes da chegada dosdeputados eleitos no Brasil. Tomaram-se uma série de medidas que produziram profundodescontentamento na Colônia.
Os governos provinciais passariam a ser independentes do Riode Janeiro, subordinando-se diretamente a Lisboa. Houve uma tentativa nas Cortesde revogaros acordos comerciais com a Inglaterra, que eram do interesse tanto dos ingleses como dosgrandes proprietários rurais brasileiros e dos consumidores urbanos. Acrescente-se a isso ofato de que os líderes da revolução liberal punham lenha na fogueira, com suas referênciasdesdenhosas à Colônia. Para muitos deles, o Brasil era “uma terra de macacos, de bananas e de negrinhos apanhados na costa da África” que estava precisando de um cão de fila paraentrar nos eixos.
Entre fins de setembro e outubro de 1821, novas medidas tomadas pelas Cortesfortaleceram no Brasil a opção pela independência, até aí apenas esboçada.
Decidiu-setransferir para Lisboa as principais repartições instaladas no Brasil por Dom João VI,destacaram-se novos contingentes detropas para o Rio de Janeiro e Pernambuco e, pontodecisivo, determinou-se a volta para Portugal do príncipe regente.
O “partido brasileiro” concentrou seus esforços no objetivo de conseguir a permanência de Dom Pedro no Brasil. A decisão do príncipe de ficar no país,solenizadano “dia do fico”(9 de janeiro de 1822), representou a escolha de um caminho sem retorno.
Mesmo assim, o registro do Senado da Câmara do Rio de Janeiro revela que, formalizada a permanência, o presidente do Senado da Câmara levantou das janelas do palácio uma série de vivas repetidos pelo povo: “Viva a Religião, Viva a Constituição, Viva as Cortes, Viva El-Rei Constitucional, Vivao Príncipe Constitucional, Viva a União de Portugal com o Brasil”.
Os atos do príncipe regente posteriores ao “fico” foram atos de ruptura. As tropasportuguesas que se recusaram a jurar fidelidade a Dom Pedro viram-se obrigadas a deixar oRio de Janeiro.
Esboçava-se a partir daí a criação de um exército brasileiro. Dom Pedro formouum novo ministério, composto de portugueses, mas cuja chefia coube a um brasileiro, JoséBonifácio de Andrada e Silva.
Os irmãos Andrada-Antônio Carlos, Martim Francisco e José Bonifácio-, especialmenteeste último, foram figuras centrais da política brasileira naqueles anos.José Bonifácio provinhade uma das famílias mais ricas de Santos, onde seu pai se dedicara à exportação de açúcar.Estudou em Coimbra e permaneceu na Europa entre 1783 e 1819. Ocupou cargosadministrativos importantes em Portugal, tendo sido professor universitário em Coimbra. Devolta ao Brasil, foi chamado a presidir em março de 1821 a junta provisória de São Paulo.Atribui-se a ele a autoria das Lembranças e Apontamentos, escritas para orientar a ação dosdeputados brasileiros às Cortes, onde, entre outros pontos, se sugere a fundação de “umacidade central no interior do Brasil”, com o objetivo de desenvolver o povoamento.
Não é fácil rotular o pensamento de José Bonifácio. Defendia idéias progressistas nocampo social, como a gradativa extinção do tráfico de escravos e da escravidão, uma reformaagrária e a livre entrada de imigrantes no país. Politicamente, era um liberal conservador,adversário das “esfarrapadas bandeiras da suja e caótica democracia”, como disse em certaocasião.
Considerava adequada para o Brasil a forma monárquica de governo, sustentada poruma representação dos cidadãos restrita às camadas dominantes e ilustradas.
Ao longo dos acontecimentos que resultaram na Independência, definiram-se comalguma clareza as correntes conservadoras e radicais do “partido brasileiro”.
Convémesclarecer o significado dessas expressões, pois ele varia de acordo com a situação históricaque estejamos considerando.
No quadro dos anos imediatamente anteriores à Independência, a corrente conservadoradefendia, em princípio, a maior autonomia do Brasil com relação a Portugal, assumindo só emum segundo momento a idéia de independência. A forma de governo desejável, segundo osconservadores, era a monarquia constitucional, com representação limitada, como garantia da ordem e da estabilidade social. É mais difícil definir a corrente radical, pois nela se incluíamdesde monarquistas preocupados em assegurar maior representação popular e as liberdades,especialmente a de imprensa, até os chamados “extremados”, para os quais a independências e associava à idéia de República, de voto popular e, em alguns casos, de reforma da sociedade.
Um exemplo concreto das divisões se encontra na discussão sobre a conveniência de seeleger no Brasil uma Assembléia Constituinte e sobre a forma de se proceder à eleição quedeveria ocorrer na primeira metade de 1822. José Bonifácio e todo um grupo eram contráriosà convocação, enquanto homens como Gonçalves Ledo, Muniz Barreto, José Clemente Pereira,Martim Francisco manifestavam-se a favor.
Quando em junho de 1822 Dom Pedro acolheu a proposta, abriu-se um debate sobre oseguinte tema: a eleição deveria ser direta ou indireta? Gonçalves Ledo defendia a eleição direta, dizendo que se “o maior número pede eleição direta, a lei as deve sancionar, [pois] sópor ela se pode dizer que o Povo nomeou seus representantes”. Ao contrário, após terem sidoacolhidas as eleições indiretas, realizadas aliás já depois da Independência, as instruções eleitorais-correspondentes aproximadamenteà lei eleitoral de nossos dias-“justificaram amedida, tendo em vista as condições brasileiras. No Brasil, diziam as instruções, não havia uma “população homogênea em que estão difundidas as luzes e as virtudes sociais”.
Após a decisão de se convocar uma Constituinte, aceleraram-se as decisões derompimento, mesmo quando se invocava ainda o propósito de “união com Portugal”. Passou-se a exigir como requisito para aproveitamento no serviço público a adesão à causa da união eindependência do Brasil; recomendou-se aos governos provinciais não dar posse aempregados vindos de Portugal. Em agosto, o príncipe regente decretou que as tropas vindasda Metrópole seriam consideradas inimigas; Gonçalves Ledo e logo depois José Bonifácio dirigiram manifestos às nações amigas.
A chegada de despachos de Lisboa que revogavam os decretos do príncipe regente,determinavam mais uma vez seu regresso a Lisboa e acusavam os ministros de traição deualento à idéia de rompimento definitivo.
A Princesa Dona Leopoldina e JoséBonifácio enviaram às pressas as notícias ao príncipe, em viagem a caminho dc São Paulo. Asrecomendações ao portador de que arrebentasse uma dúzia de cavalos se fosse preciso, parachegar o mais rápido possível, indica o interesse de José Bonifácio em apressar aindependência e fazer de São Paulo o cenário da ruptura final.
Alcançado a 7 de setembro de 1822, às margens do Riacho Ipiranga, Dom Pedro proferiuo chamado Grito do Ipiranga, formalizando a independência do Brasil.
A l9 de dezembro, com apenas 24 anos, o príncipe regente era coroado Imperador, recebendo o título de Dom PedroI. O Brasil se tornava independente, com a manutenção da forma monárquica de governo.Mais ainda, o novo país teria no trono um rei português. Este último fato criava uma situaçãoestranha, porque uma figura originária da Metrópole assumia o comando do novo país. Emtorno de Dom Pedro I e da questão de sua permanência no trono muitas disputas iriamocorrer, nos anos seguintes.
O BRASIL NO FIM DO PERÍODO COLONIAL
Antes de entrar na análise dos anos imediatamente posteriores à Independência, convémdar uma olhada geral no Brasil, tal como se apresentava no fim do período colonial.
Vamos nos concentrar no território e na população.
Desde o início do século XVIII, a extensão geográfica da Colônia nada mais tinha a ver coma incerta linha de Tordesilhas. A expansão das bandeiras paulistas, para o oeste, e doscriadores de gado e forças militares, para o sudoeste, ampliaram de fato as fronteiras do país.
O avanço minerador, a partir do século XVIII, deu mais um empurrão, de modo que afisionomia territorial do Brasil já se aproximava bastante da atual.
Restava fazer reconhecer de direito as novas fronteiras, uma questão a ser resolvidaprincipalmente com a Espanha. Isso ocorreu com o Tratado de Madri, firmado entre as Coroasportuguesa e espanhola, que reconheceu o princípio de posse para quem fosse ocupanteefetivo de uma área. Os portugueses saíam ganhando.
Houve uma exceção referente às fronteiras do Sul: Portugal renunciou à Colônia do Sacramento, fundada no Rio da Prata,próximo a Montevidéu, hoje em território uruguaio. Em troca, recebeu uma área na margem esquerda do Rio Uruguai, o chamado Território das Sete Missões, ocupado por índios ejesuítas.
Apesar do acordo, as controvérsias a respeito das fronteiras do Sul não cessaram. Umnovo acordo, datado de 1761, anulou o Tratado de Madri. Em seqüência, o Tratado de SantoIldefonso (1777) restituiu aos espanhóis as Sete Missões. Os portugueses mantiveram suaspretensõesà Colônia do Sacramento, base estratégica para o contrabando da prata trazida daBolívia e do Peru pelo Rio Paraná.
Durante a presença de Dom João VI no Brasil, em duasoportunidades as tropas portuguesas intervieram na região. Mas, de um modo geral, as fronteiras brasileiras estavam definidas.
Isso não quer dizer que houvesse em todas as partes de território brasileiro umapopulação assentada. Pelo contrário, vastas regiões do país eram praticamente inexploradas,ou ocupadas por índios sem contato com os colonizadores. Não há números confiáveis sobre apopulação do Brasil no fim do período colonial.
As contagens mandadas realizar pela Coroaexcluíam com freqüência os menores de sete anos, os índios e algumas vezes até os escravos.
Essa era, em termos muito gerais, a fisionomia do Brasil no tocante ao território e à população, no fim do período colonial. Seus habitantes já não se arrastavam como carangueijos pelo litoral, porém ainda se concentravam – cerca de 74% – em torno dos principais portos exportadores e no interior das capitanias costeiras do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba.
Boris Fausto
Fonte: www.ajdmweb.org
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