PUBLICIDADE
Línguas Indígenas no Brasil – Idiomas
Línguas que se desenvolveram no Brasil há milhares de anos, com total independência em relação às tradições culturais da civilização ocidental.
Atualmente existem cerca de 170 Línguas Indígenas no Brasil, faladas por aproximadamente 270 mil pessoas, concentradas sobretudo na região amazônica.
Até hoje são conhecidos dois troncos lingüísticos (tupi e macro-jê), 12 famílias que não pertencem a nenhum tronco (caribe, aruaque, arawá, guaicuru, nambiquara, txapakura, panu, catuquina, mura, tucano, makú, yanomámi), e dez línguas isoladas, que não estão agrupadas em nenhuma família.
A família mais numerosa do tronco tupi é a tupi-guarani, cujas línguas (19 no total) são faladas por 33 mil índios, localizados em sua maioria nas áreas de floresta tropical e subtropical. Nessa família, o guarani (15 mil falantes) e o tenetehara (6.776 falantes) destacam-se entre os demais idiomas.
No tronco macro-jê, a família mais numerosa é a jê, que compreende línguas (8 no total) faladas principalmente nos campos de cerrado.
As mais populosas são a caingangue (10.426 falantes) e a xavante (4.413 falantes).
Os outros idiomas que predominam no país são o tucüna (18 mil falantes, língua isolada); o macuxi (15.287 falantes, família caribe); o terena (9.848 falantes, família arauaque); e o yanomám (6 mil falantes, família yanomámi).
Urna funerária tupinambá
Influência na língua portuguesa
O português sofreu grande influência das línguas nativas, especialmente do tupinambá, a língua de contato entre europeus e índios.
O tupinambá foi amplamente usado nas expedições bandeirantes no sul do país e na ocupação da Amazônia. Os jesuítas estudaram a língua, traduziram orações cristãs para a catequese e o tupinambá se estabeleceu como língua geral, ao lado do português, na vida cotidiana da colônia.
Desta língua indígena, o português incorpora principalmente palavras referentes à flora (como abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, capim, sapé, taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuticaba e caju), à fauna (como capivara, quati, tatu, sagüi, caninana, jacaré, sucuri, piranha, araponga, urubu, curió, sabiá), nomes geográficos (como Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna e Ipiranga) e nomes próprios (como Jurandir, Ubirajara e Maíra). Em 1757, o tupinambá foi proibido por uma Provisão Real.
Nessa época, o português se fortaleceu com a chegada no Brasil de um grande número de imigrantes vindos da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas do país, em 1759, o português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil.
Cerimônia tupinambá
Extinção das línguas
Estima-se que antes da colonização européia do Brasil o número de línguas indígenas no país era mais do que o dobro do atual.
Todas as línguas que ainda existem correm sério risco de extinção devido ao pequeno contingente de falantes.
A grande maioria da população indígena foi exterminada pelos colonizadores ou morreu vítima de epidemias decorrentes do contato com o homem branco.
Atualmente um outro fator decisivo na extinção das línguas nativas é a perda de territórios, que obriga os índios a migrarem para as cidades, abandonando as suas tradições e modos de vida.
A falta de documentação e registros escritos que possibilitem o estudo das línguas nativas também contribui para o seu desaparecimento.
Entre as línguas já extintas encontram-se o manitsawá e o xipáya (ambas da família juruna), na primeira metade do século XX; as línguas da família camacã (tronco macro-jê), no século XX; e da família purí (tronco macro-jê), no século XIX. A língua kirirí (tronco macro-jê) extinguiu-se apesar de ter sido fartamente estudada e documentada no final do século XVII. Os últimos membros dessa tribo, situada no norte da Bahia, só falam português. As línguas mais ameaçadas atualmente são o maco (língua isolada), com apenas um falante; o baré (família aruák), também com um; o umutina (família bororo), com um falante; o apiacá (família tupi-guarani), com dois; o xetá (família tupi-guarani), com cinco falantes; o coaiá (língua isolada), com sete falantes; o júma (tupi-guarani), com nove falantes; o katawixí (família katukina), com 10 falantes; o parintintín (família tupi-guarani), com 13 falantes; o cararaô (tronco macro-jê), com 26 falantes; e o sabanê (família nambikyara), com 20 falantes.
Barcos indígenas em batalha
As reservas indígenas são, atualmente, os principais locais de preservação da cultura e das línguas nativas brasileiras. As mais conhecidas são a dos Yanomámi e o Parque Indígena do Xingu. A primeira, localizada nos estados de Roraima e do Amazonas, é uma das maiores em extensão territorial, com 9.664.975 ha.
Concentra 9.300 índios, que falam várias línguas da família yanomámi (ninám, sanumá, yanomám e yanomámi). No nordeste do Mato Grosso está o Parque Indígena do Xingu. As 17 tribos que vivem no local evitam a extinção de suas línguas, preservando entre elas o txucarramãe (família jê), o caiabi (família tupi-guarani), o kamayurá (família tupi-guarani), o txkão (família caribe) e o trumai (língua isolada).
As Línguas Indígenas e sua relação com seus universos sócio-culturais
Línguas Indígenas no Brasil
Até 1.500, marco histórico da colonização, eram faladas no Brasil aproximadamente 1.300 línguas indígenas. Epidemias e doenças contagiosas, guerras, caça aos escravos, campanhas de extermínios, destruição dos meios de subsistência, redução dos territórios de caça, coleta e pesca, imposição dos costumes estrangeiros, obrigando a uma assimilação forçada, entre outros, levaram muitos povos indígenas à morte física e cultural.
Atualmente, 180 línguas são encontradas pelo território brasileiro, o que significa a destruição de cerca de 85% dessa diversidade.
Apesar dessa violência histórica, ainda hoje há grupos inteiros que só falam a sua língua indígena materna. Há alguns grupos bilíngues, que falam o português e a sua língua indígena. Hoje existem aproximadamente 216 povos indígenas e alguns destes não possuem mais sua língua materna e falam apenas o português (cerca de 46 povos falam apenas o português).
As línguas indígenas brasileiras possuem grande importância cultural e científica. Quando falamos da língua de um povo, estamos também falando da sua cultura, história, percurso geográfico, cosmovisão.
A diversidade linguística existente no Brasil foi classificada de acordo com suas semelhanças e diferenças.
Este estudo sobre as línguas indígenas brasileiras produz um conhecimento a respeito dos universos culturais desses povos.
A cultura de um povo é um conjunto de respostas que ele dá às experiências pelas quais ele passa e aos desafios que lhe são feitos ao longo de sua história.
E a língua é uma das mais importantes chaves para se iniciar o conhecimento sobre um povo.
A língua, assim como a cultura, também é uma construção social, ou seja, se forma junto com o povo e vai sendo moldada ao longo do tempo, passando por mudanças e sendo, por isso, dinâmica.
Um povo pode crescer demograficamente, ter dificuldades com a alimentação, abrigo, defesa, ou pode se dividir, tomando direções diferentes.
Tais fatores vão acarretando diversas experiências de vida e respostas diferentes a estes desafios. Tudo isso pode contribuir para a diferenciação entre as línguas.
Pelo grande número de Línguas Indígenas no Brasil, podemos deduzir que por aqui passaram muitos e muitos grupos humanos. Portanto, o conhecimento das línguas indígenas, suas semelhanças e diferenças, nos levam ao conhecimento das experiências e aprendizados acumulados pelos povos que as falam.
Para facilitar a compreensão da classificação das línguas, vejamos uma análise semelhante realizada com as línguas que se originam do Latim.
Na medida em que os povos latinos foram vivendo sua história e se estabelecendo em diferentes lugares, compondo e trilhando diferentes experiências, o latim foi se modificando e criando as diversas línguas: como o português, o espanhol, o italiano e outras, agrupadas em “famílias linguísticas”.
O Latim é a origem comum de diversas famílias linguísticas e recebe o nome de “Tronco Linguístico”..
Uma análise semelhante realizada com as línguas que se originam do Latim: O mesmo processo aconteceu com as línguas indígenas brasileiras, com um agravante: a amarga história de invasão do Brasil pelos colonizadores. Colonização esta que gerou não apenas o extermínio de diversas etnias, mas também a assimilação aos usos, costumes e língua dos colonizadores, que foi tão violenta quanto o genocídio aqui ocorrido.
A maior parte das línguas indígenas se concentra na parte norte ou oeste do Brasil, pelo fato dos primeiros contatos terem acontecido na região leste.
Apenas quatro povos desta região conseguiram conservar suas línguas e suas culturas: os Fulni-ô em Pernambuco, os Maxakali em Minas Gerais, os Xokleng em Santa Catarina e os Guarani que migram pelas regiões litorâneas do sul e sudeste.
A classificação em Troncos e Famílias Indígenas Linguísticas mais aceita pelos estudiosos foi a realizada pelo Professor Aryon Rodrigues (1986).
As línguas indígenas brasileiras são classificadas em dois troncos linguísticos: o TUPI (com cerca de 10 famílias linguísticas) e o MACRO-JÊ (com aproximadamente 12 famílias).
E há ainda outras línguas que não puderam ser agrupadas em troncos e foram consideradas por Rodrigues como famílias linguísticas de uma etnia apenas (10 línguas que não se identificam com nenhum dos dois troncos).
Seguindo este raciocínio, o Brasil tem cerca de trinta e cinco famílias de línguas indígenas.
O tronco Tupi é o maior e o mais conhecido. Os povos indígenas pertencentes a este tronco linguístico se encontram dispersados geograficamente pelo território brasileiro, geralmente, em regiões úmidas e com florestas ou no litoral.
Os povos indígenas constituintes do Tronco Macro-Jê situam-se em regiões de cerrado e caatinga que vão desde o sul do Pará até o sul do país.
A vida dos povos indígenas é regulamentada por normas e tradições e existe uma profunda ligação com o mundo sobrenatural, o mundo cósmico.
Os mitos são narrativas que explicam a origem do mundo e dos seres para cada etnia. E os rituais são cerimônias que marcam as várias fases da vida de um povo, como a gestação, o nascimento, a passagem para a vida adulta, o casamento e a morte. Existem também rituais ligados à plantação, à colheita, à caça e à guerra.
Todos estes momentos rituais são celebrados de acordo com as particularidades culturais de cada povo. Os rituais, a forma da aldeia, a maneira de celebrar a vida e a morte, entre outras características possuem uma profunda ligação com as línguas e o caminho histórico e geográfico percorrido pelos indígenas. Sendo assim, o estudo das línguas e sua classificação, nos aproxima da compreensão dos universos de sentido dos indígenas em toda a sua diversidade.
ASPECTOS DA HISTÓRIA DAS LÍNGUAS INDÍGENAS DA AMAZÔNIA
Língua, cultura e constituição física
É fato bem estabelecido e facilmente demonstrável que língua, cultura e constituição física, embora com frequência historicamente associadas, são propriedades independentes nos seres humanos (veja-se, p. ex., F. Boas, Race, language, and culture, New York: Macmillan, 1940). Na Amazônia um bom exemplo é o povo Kamayurá: suas características físicas externamente observáveis são as mesmas de outros povos do Alto Xingu como os Waurá ou os Kuikúru, e sua cultura está completamente integrada no complexo cultural alto-xinguano, mas sua língua é a única representante, nesse complexo, da família lingüística Tupi-Guaraní, que inclui um grande número de povos amazônicos de línguas estreitamente aparentadas, porém física e culturalmente distintos dos Kamayurá.
As línguas amazônicas hoje: quantidade e diversidade
Hoje são faladas na Amazônia cerca de 250 línguas indígenas, sendo que cerca de 150 em território brasileiro. Embora aparentemente altos, esses números são o resultado de um processo histórico – a colonização européia da Amazônia – que reduziu drasticamente a população indígena nos últimos 400 anos.
Estima-se que, só na Amazônia brasileira, o número de línguas e de povos teria sido de uns 700 imediatamente antes da penetração dos portugueses (cf. Rodrigues 2001). Apesar da extraordinária redução quantitativa, as línguas ainda existentes apresentam considerável diversidade, caracterizando a Amazônia como uma das regiões de maior diferenciação linguística do mundo, com mais de 50 famílias linguísticas.
O estudo comparativo e classificatório das línguas: as famílias linguísticas e os troncos linguísticos
O conhecimento científico das línguas é adquirido basicamente pela linguística descritiva, cujo objetivo é documentar, analisar e descrever as línguas, de modo a torná-las objetos comparáveis, tanto para estudos classificatórios, como para estudos teóricos. As classificações linguísticas podem ser tipológicas ou genéticas.
Estas últimas consistem em agrupar as línguas em conjuntos para os quais se pode estabelecer uma bem fundada hipótese de comum origem no passado.
Esses agrupamentos genéticos são chamados famílias linguísticas e sua identificação fornece um critério classificatório de natureza histórica, que é utilizado não só pelos linguistas, mas também pelos antropólogos como indicativo de relações históricas entre os povos.
O número de línguas numa família pode variar de muitas dezenas a apenas uma. Famílias com apenas uma língua são frequentemente chamadas de línguas isoladas ou isolados linguísticos.
Na Amazônia, como em toda a América do Sul, é provável que a maioria dos isolados linguísticos representem sobreviventes de famílias maiores, reduzidas durante o processo de colonização europeia.
A constituição de uma família com diversas línguas, o que é o caso mais comum, implica em que houve em algum tempo do passado uma língua ancestral, da qual as línguas atuais são modificações diferenciadas.
A essa língua ancestral, inferida e reconstruída a partir da comparação das línguas atuais, é dado o nome de proto-língua. Uma vez estabelecidas diversas famílias linguísticas, pode surgir evidência de que algumas delas e suas respectivas línguas ancestrais provêm de outra língua ancestral, outra protolíngua, mais antiga.
A um conjunto de famílias nessa situação tem-se chamado de tronco linguístico. Como todo procedimento classificatório, a classificação das línguas em famílias e troncos genéticos organiza nosso conhecimento sobre elas e sobre os povos que as falam.
A reconstrução de traços culturais do passado
São reconstruíveis para as protolínguas as palavras e outros elementos linguísticos que se encontram preservados em todas ou na maioria das línguas de uma família – ou das famílias de um tronco – com forma e significado regularmente deriváveis de uma só forma mais antiga.
A comparação da palavra para faca nas línguas da família Tupi-Guaraní, p. ex., Tupinambá kysé, Guaraní antigo kytsé, Mbyá kytxé, Kaapór kyhé, etc., leva à reconstrução para o Proto-Tupí-Guaraní da forma *kytxé com o mesmo significado de faca. Por aí podemos concluir que os falantes pré-históricos da proto-língua da família Tupí-Guaraní utilizavam facas como instrumentos cortantes, embora nada possamos dizer sobre a natureza de tais facas (é possÃvel que se tratasse de facas feitas de taquara, já que nas línguas da família Tuparí – aparentada com a família Tupí-Guaraní dentro do tronco Tupí – a forma correspondente, kyté na língua Tuparí, significa taquaral).
A presença não ambígua de um conceito numa proto-língua implica a existência da coisa correspondente, de modo que, ao reconstruir formas lingüísticas, estamos reconstruindo também fragmentos de cultura pré-histórica. Na Amazônia, um caso particularmente interessante é o da reconstrução de palavras relacionadas à agricultura na proto-língua do tronco Tupi.
A comparação das línguas das dez famílias que constituem esse tronco permite a reconstrução das palavras para ‘roça’, ‘cavador de cova’, ‘mandioca’, ‘batata doce’, ‘cará’, ‘abóbora’, ‘cabaça’, ‘socar’ e outras que indicam claramente que o povo pré-histórico que falava aquela língua já era agricultor como seus descendentes modernos. Note-se que a idade estimada para o Proto-Tupí é de cerca de 5.000 anos.
Se essa estimativa estiver correta, temos um dado que reforça outras informações, menos claras do que essa, da antigüidade da agricultura na Amazônia e, particularmente, entre os povos Tupí.
A família Tupí-Guaraní e o tronco Tupi
Os troncos lingüísticos, enquanto conjuntos de famílias oriundas de uma mesma proto-língua mais remota, podem ainda mostrar relações genéticas com outros troncos ou com famílias não classificadas em nenhum tronco, as quais podem no fundo ser consideradas como troncos com uma só família. Dado o maior distanciamento genético, os indícios dessas relações são muito mais
raros e mais difíceis de perceber. Assim mesmo, no que toca ao tronco Tupí, foram detectados sinais de parentesco com a família Karíb e com o tronco Macro-Jê (Rodrigues 1985, 2000a). A família Karíb é também esse incialmente amazônica, estendendo-se do Alto Xingu à costa do Mar Caribe, e a hipótese de uma origem comum com o tronco Tupí não nos afasta da Amazônia.
Já do tronco Macro-Jê pode-se dizer que, ao contrário, é tipicamente não amazônico, pois das doze famílias nele incluídas, apenas duas, Rikbaktsá e Jê, têm línguas dentro da Amazônia, mas esta última, cujos povos são habitantes típicos dos campos cerrados e dos campos do sul do Brasil, está representada na Amazônia por apenas três povos e as respectivas línguas (Suyá, Pana rá e Kayapó), que aí penetraram em épocas relativamente recentes. Sendo as línguas do tronco Macro-Jê faladas por povos tipicamente não amazônicos, parentesco genético entre elas e línguas amazônicas como as do tronco Tupi, se confirmado, é indicativo de movimentos populacionais para dentro ou para fora da Amazônia em tempos muito mais antigos que o da diversificação do tronco Tupí.
As línguas não amazônicas da família Tupi-Guaraní
A constatação de que o tronco Tupí é essencialmente amazônico dá lugar a uma outra questão interessante: e as línguas da família Tupí-Guaraní situadas fora da Amazônia, na bacia dos rios Paraná e Paraguai, como a Guarani, e na costa leste do Brasil, como a Tupí e a Tupinambá?
Na primeira metade do século XX pensava-se que a família Tupí-Guaraní fosse toda oriunda da bacia platina, do espaço entre os rios Paraná e Paraguai, e que daí tivesse penetrado na Amazônia. Essa concepção mudou com o avanço dos conhecimentos linguísticos e dos estudos arqueológicos.
Linguistas e arqueólogos concordam agora em que os antepassados dos Guarani devem ter passado dos formadores dos rios Tapajós e Madeira para o alto rio Paraguai e daí para o sul. Entretanto, não há ainda consenso entre arqueólogos e linguistas quanto à rota seguida pelos antepassados dos Tupí e Tupinambá da costa atlântica. A hipótese levantada por alguns arqueólogos (Lathrap 1980, Brochado 1984, Noelli 1996) é a de que esses povos teriam deixado a Amazônia migrando para leste a partir do médio Amazonas, passando para a costa do Pará e do Maranhão e ocupando o litoral atlântico até à altura do atual Estado de São Paulo.
Entretanto, uma hipótese baseada em evidências linguísticas (Rodrigues 2000) indica um caminho quase inverso: os antepassados dos Tupí e dos Tupinambá teriam deixado a Amazônia migrando para o sul, tal como os antepassados dos Guarani – não juntamente com estes, mas provavelmente um pouco antes deles – e teriam passado para o alto rio Paraná, a partir do qual teriam tomado um ou mais de seus grandes afluentes orientais, como o rio Grande e o Tietê, que teriam subido até chegar à Serra do Mar e ao litoral sueste. Os Tupi teriam ficado no alto Tietê, na região de Piratininga e de São Vicente, ao passo que os Tupinambá teriam alcançado, pelo Paraíba do Sul, o litoral do Rio de Janeiro, expandindo-se daí para o nordeste e o norte, até penetrar de novo na Amazônia pela costa do Maranhão e do Pará. Independentemente dos Guaraní e dos Tupí e Tupinambá, um terceiro povo Tupí-Guaraní, provavelmente mais próximo destes do que daqueles, migrou para o sul, mas na altura do rio São Miguel, afluente do rio Mamoré, encaminhou-se para noroeste e reentrou na Amazônia, em sua parte sudoeste, na atual Bolívia.
Descendentes dessa migração são os Guarayo.
As línguas tupi-guarani do nordeste da Amazônia
A região, que se estende do baixo Xingu para leste, passando pelo Tocantins e indo até além do Gurupi, até o Pindaré no Maranhão, e que alcança para o norte o Amapá e a Guiana Francesa, é a que estou chamando aqui de nordeste da Amazônia. Essa é uma região que foi habitada por muitos povos de línguas da família Tupi-Guaraní, os quais sofreram fortes consequências da colonização europeia a partir do início do século XVII. Vários desses povos desapareceram no decorrer desses 400 anos e de outros sobreviveram apenas poucas famílias.
Além das epidemias de novas doenças, os principais fatores de destruição dos povos e de apagamento de suas línguas foram os aldeamentos forçados para a doutrinação religiosa e para a utilização de sua força de trabalho, o recrutam ento para as tropas e as obras do governo colonial e a venda para o trabalho escravo nas propriedades rurais e nos incipientes estabelecimentos urbanos.
Alguns conseguiram escapar da ação colonialista em certos momentos, para serem novamente alcançados após poucos ou muitos anos. Um ou outro desses caíram de novo sob o controle dos não índios só na segunda metade do século XX, como os Araweté e os Asuriní do baixo Xingu, os Parakanã e os Asuriní do Tocantins, os Guajá do Maranhão ou os Jo’é ou Zo’é do Cuminapanema, no norte do Pará.
É pela documentação atual das línguas destes sobreviventes da hecatombe colonial e pós-colonial e pelos registros lingüísticos, ainda que limitados, de viajantes e pesquisadores do século XIX e da primeira metade do século XX, que sabemos não só que tal povo falava ou fala uma língua da família Tupi-Guaraní, mas ainda a que ramo mais particular desta essa língua pertence, isto é, com que outras línguas ela compartilha mais traços de herança comum.
É pelo estudo comparativo sistemático e minucioso desses dados que também é possível para o linguista assegurar que os povos indígenas desta região não são descendentes dos Tupinambá do Maranhão e do Pará, como havia sido suposto por diversos antropólogos em virtude de analogias culturais e do simples fato de que uns e outros são linguisticamente tupi-guaranis. A língua Tupinambá, da qual havia falantes aqui no Pará ainda em meados do século XVIII, pertence a um daqueles ramos da família Tupi-Guaraní (o sub-conjunto III) que deixaram a Amazônia migrando para o sul em tempos pré-históricos e depois voltaram para o norte pela costa atlântica.
Embora não seja raro um povo mudar de língua – com exceção dos Fulniô, os povos indígenas do nordeste brasileiro falam hoje só a língua portuguesa – as línguas normalmente ficam ligadas aos povos por muitos séculos, de modo que a história das línguas reflete a história dos respectivos povos.
Anteriormente dei a ideia de que a reconstrução de palavras de uma proto-língua leva à reconstrução de elementos da cultura pré-histórica dos que falavam essa, mas, além disso, o estudo comparativo das línguas permite obter mais informações históricas sobre contatos havidos entre povos de diferentes línguas e sobre as migrações que levaram um povo a entrar em contato com outros.
O estado atual de nosso conhecimento sobre as línguas tupí-guaraní revela, por exemplo, que tanto os povos dessa filiação hoje estabelecidos no Amapá, como os Wayampí, e os que agora vivem no Maranhão, como os Urubu-Ka’apór, os Guajajára e os Guajá, são oriundos do Pará, os primeiros do baixo rio Xingu, os últimos do Tocantins.
Em ambos os casos as evidências lingüísticas corroboram indicações etnográficas e históricas.
Indicadores lingüísticos da história recente dos povos tupí-guaraní no nordeste da Amazônia são palavras provenientes da Língua Geral Amazônica, as quais denunciam o contato desses povos com essa língua no s séculos XVII e XVIII, seja junto aos mamelucos, cafusos e brancos que a falavam mais que a portuguesa, seja em conseqüência da ação de missionários católicos que também a utilizavam.
A Língua Geral Amazônica
Um aspecto histórico importante da Amazônia brasileira é o desenvolvimento da Língua Geral Amazônica como produto da interação entre os Portugueses e os Tupinambá no século XVII.
Os filhos de mestiços de homens portugueses e mulheres tupinambá, que logo passaram a constituir a maior parte da população não indígena da nova colônia, falavam a língua de suas mães, a qual, fora do contexto social e cultural indígena, foi-se diferençando mais e mais do Tupinambá falado pelos índios e no século XVIII já se distinguia nitidamente como uma nova língua.
Como língua dos mamelucos, tornou-se a língua comum à população mestiça e não mestiça tanto nos incipientes núcleos urbanos como nos estabelecimentos do interior amazônico, de modo que também passou a ser a língua das missões religiosas, onde eram reunidos índios originalmente falantes de muitas outras línguas.
Por essa razão passou a ser tratada como língua geral. Hoje nós a chamamos Língua Geral Amazônica para distingui-la de outra, surgida em situação análoga, na Província de São Paulo, a Língua Geral Paulista.
No final do século XIX foi introduzido o nome Nheengatu, com o qual se designa alternativamente a Língua Geral Amazônica.
A partir da segunda metade do século XVII esta língua passou a ser o idioma dominante na conquista portuguesa da Amazônia, levada a todas as partes atingidas pelas tropas, pelos colonos e comerciantes e pelos missionários. Como língua dos colonizadores ela foi aprendida como segunda língua pelos índios contatados ao sul e ao norte do rio Amazonas, e seu uso se estendeu pelo Solimões até a Amazônia peruana e pelo Rio Negro até a Venezuela e a Colômbia.
Ela foi, portanto, a língua predominante do que foi o Estado do Maranhão e Grão Pará, em detrimento da portuguesa, que só tardiamente veio a substituí-la.
A situação de franco predomínio da Língua Geral Amazônica provocou fortes medidas em favor da língua portuguesa na administração do Marquês do Pombal em Portugal e de seu irmão Mendonça Furtado aqui na Amazônia.
Entretanto, os fatores sociais que mais favoreceram a penetração e generalização da língua portuguesa na Amazônia, como a temos hoje, foram o genocídio da população falantes de língua geral durante a repressão à revolta da Cabanagem e, alguns anos depois, a importação maciça para os seringais amazônicos de trabalhadores nordestinos, falantes exclusivos da língua portuguesa. Mais recentemente, sobretudo no século XX, um outro fator terá sido a crescente escolarização unicamente em Português.
A presença extensiva da Língua Geral Amazônica durante mais de duzentos anos influenciou não só o Português amazônico, mas também muitas línguas indígenas de outras famílias, do tronco Tupí e de outras filiações genéticas, como o Jurúna do rio Xingu, o Mawé e o Mundurukú do rio Tapajós, o Pirahã (Múra) do rio Madeira, o Tikúna do rio Solimões e línguas da família Karíb ao norte do rio Amazonas. Na bacia do rio Negro várias línguas indígenas foram inteiramente substituídas pela Língua Geral Amazônica, como é o caso da língua dos Baré, no município de São Gabriel da Cachoeira.
Realmente, a Língua Geral Amazônica foi a principal língua da colonização da Amazônia nos séculos XVII e XVIII, tendo se estendido para oeste até o limite com o Peru e para noroeste até as fronteiras com a Venezuela e a Colômbia.
A constituição e a expansão dessa língua geral caracterizam um dos capítulos mais importantes e mais interessantes da história linguística da Amazônia brasileira, uma história cujo estudo está apenas iniciado (Freire 1983, Rodrigues 1986, 1996, Cabral 2000, Felix 2002).
Fonte: www.amazoe.org.br/www.bibvirt.futuro.usp.br/orbita.starmedia.com
Redes Sociais