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A grande maioria da população brasileira – 79,7% dos habitantes – reside nas áreas urbanas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 1999, do IBGE. As regiões Sudeste, Sul e Nordeste apresentam o maior índice, com 88,7%, 78,4% e 63,6% de moradores urbanos, respectivamente.
As cidades de São Paulo (10 milhões de habitantes), Rio de Janeiro (5,6 milhões), Salvador (2,3 milhões) e Belo Horizonte e Fortaleza (ambas com 2,1 milhões) continuam sendo os municípios brasileiros mais populosos.
O processo de urbanização no Brasil começa na década de 40. A expansão das atividades industriais em grandes centros atrai trabalhadores das áreas rurais, que vêem na cidade a possibilidade de rendimentos maiores e melhores recursos nas áreas de educação e saúde. O censo de 1940, o primeiro a dividir a população brasileira em rural e urbana, registra que 31,1% dos habitantes estavam nas cidades.
O Brasil deixa de ser um país essencialmente agrícola no final da década de 60, quando a população urbana chega a 55,92%. Para essa mudança contribui a mecanização das atividades de plantio e colheita no campo – que expulsa enormes contingentes de trabalhadores rurais – , e a atração exercida pelas cidades como lugares que oferecem melhores condições de vida, com mais acesso a saúde, educação e empregos.
Rua 15 de Novembro, anos 10, São Paulo
O rápido crescimento do estado de São Paulo no início do século XX faz com que a rua 15 de Novembro se torne o centro financeiro da capital paulista. A burguesia cafeeira diversifica suas atividades, investindo no setor financeiro e na indústria, e os imigrantes impulsionam o desenvolvimento. Em 1910, o Grupo Matarazzo, exemplo do poder do estado, é o maior complexo industrial da América do Sul.
Foto: Guilherme Gaensly/Arquivo do Estado
Nos anos 70, a população urbana soma 52 milhões contra 41 milhões de moradores nas áreas rurais. As grandes cidades, por concentrarem o maior número de fábricas, são as que mais atraem os trabalhadores vindos do campo. Nesse período, a capital de São Paulo recebe aproximadamente 3 milhões de migrantes de diversos estados. A região Sudeste destaca-se como a mais urbanizada. Entre 1970 e 1980, a expansão urbana mantém-se em níveis elevados (4,44% ao ano), e no final da década 67,6% dos brasileiros já residem em centros urbanos. Em 1980, todas as regiões brasileiras têm nas cidades a maioria de seus habitantes.
Avenida Paulista nos anos 10, São Paulo: No começo do século, a avenida Paulista é a mais elegante área residencial da
cidade de São Paulo. Em seus casarões, verdadeiros palacetes, residem os chamados barões do café, ricos fazendeiros de famílias tradicionais paulistas que fizeram fortuna no século XIX.
Foto: Guilherme Gaensly/Arquivo do Estado
O processo de urbanização diminui nos anos posteriores, mas as áreas rurais passam a registrar crescimento negativo pela primeira vez, por causa da redução de sua população em números absolutos. Entre 1991 e 1996, as cidades ganham cerca de 12,1 milhões de habitantes, o que resulta na elevada taxa de urbanização de 78,36%. O ano de 1996 é um marco da superioridade numérica da população urbana em todos os estados brasileiros. O último a fazer a transição é o Maranhão, que até 1991 apresentava a maior parte da população em áreas rurais.
Na mesma década de 90, porém, o surgimento de novos postos de serviço desvinculados da agricultura nas áreas rurais tende a diminuir o êxodo do campo. Hoje, prestação de serviços, construção civil, comércio e área social são setores em crescimento nas áreas rurais e já chegam a garantir rendimentos mensais maiores que os da cidade.
A maioria dos migrantes não tem escolaridade nem experiência profissional, o que faz com que aceitem empregos mal remunerados e se sujeitem a trabalhos temporários ou atividades informais para sobreviver, como as de camelôs ou vendedores ambulantes. Os baixos rendimentos levam esse trabalhador para a periferia das grandes cidades – com freqüência, loteada por favelas e moradias irregulares e, por isso, mais baratas. Muitas dessas residências, feitas de modo precário e com materiais frágeis, são erguidas próximas a margens de córregos, charcos ou terrenos íngremes, e enfrentam o risco de enchentes e desmoronamento em estações chuvosas.
Avenida Paulista nos anos 10, São Paulo: No início do século, a avenida Paulista era ocupada pelas ricas mansões dos
barões do café. Nas décadas de 60 e 70, os casarões foram derrubados para dar lugar a arranha-céus, que transformaram a região num dos principais centros financeiros e empresariais do mundo.
Foto: Luiz Aureliano
A distância das áreas centrais dificulta o acesso dessa população aos serviços de saúde e à educação, e as periferias atendem precariamente a suas necessidades básicas de abastecimento de água, luz, esgoto e transportes públicos. Levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo, de 1993, revela que 71,1% dos domicílios em favelas da cidade de São Paulo depositam seus dejetos ao ar livre ou canalizam-nos para córregos ou represas próximas. Faltam creches para os filhos das mulheres que trabalham, a alimentação insuficiente ou de má qualidade contribui para o surgimento de doenças e desnutrição infantil e as poucas opções de lazer para os adolescentes favorecem a eclosão da violência .
Nas últimas décadas, o movimento em direção às áreas periféricas é significativo nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador e pode ser observado na dimensão da população de suas áreas metropolitanas, que prosperam a taxas médias de 2,4% ao ano. Hoje, de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador são as metrópoles que mais enfrentam esse tipo de problema.
Urbanização com tecnologia: desafios, mas muitas oportunidades
A urbanização traz inúmeros benefícios para o desenvolvimento econômico. As cidades são centros econômicos de inovação, cultura, conhecimento, novas ideias e suas aplicabilidades. Existe uma clara e positiva correlação entre o crescimento econômico e o grau de urbanização de um país. Embora nem todo país urbanizado seja desenvolvido, não há um único país desenvolvido que não esteja altamente urbanizado. Portanto, sem sombra de dúvida, as cidades são polos de atração para talentos e capital humano. Mas, por outro lado, a urbanização acarreta imensos desafios sociais e econômicos.
Nas cidades dos países emergentes, como o Brasil, o crescimento rápido da economia e da urbanização gera uma pressão muito forte na infraestrutura das cidades, gerando problemas de trânsito, quedas de energia, bolsões de pobreza, criminalidade e deficiências nos sistemas de ensino e saúde. O mesmo acontece em outros países, como na Índia, onde se estima que em 2050 cerca de 700 milhões de indianos estarão morando nos centros urbanos.
Uma volta pelo Brasil nos mostra que as suas grandes cidades apresentam uma infraestrutura que não dá conta do seu crescimento. Em maior ou menor grau, os problemas são praticamente os mesmos. A densidade populacional cresce e este crescimento é desordenado. É um crescimento orgânico com as cidades se espalhando em termos de população e área geográfica. Imaginando que a economia do país crescerá em torno de 5% ao ano, em cerca de cinco anos ela será quase 30% maior que hoje. Isto implica em mais carros nas ruas, mais aparelhos domésticos consumindo energia, mais procura por serviços, e assim por diante.
Hoje, em algumas cidades brasileiras, já se fala no apagão da mobilidade, com o trânsito caótico e o engarrafamento crônico afetando a qualidade de vida e roubando recursos da economia. Segundo a Fundação Dom Cabral, estima-se que somente em São Paulo os gargalos urbanos roubem R$ 4 bilhões cada ano da economia.
Tentar resolver os problemas da maneira que comumente estamos acostumados, ou seja, apenas pelo lado físico, abrindo mais ruas e avenidas, construindo mais escolas e colocando mais policiais nas ruas, não será suficiente. Nem sempre haverá espaço para abrir novas avenidas e nem sempre será possivel obter orçamentos que aumentem significativamente a força policial. Além disso, uma nova avenida pode simplesmente resultar em maior volume de tráfego, aumentando o problema e gerando mais poluição. Mas é indiscutivel que algo precisa ser feito urgentemente e por que não começarmos a criar uma urbanização mais inteligente?
Precisamos resolver os dilemas econômicos, sociais e ambientais que nortearão as políticas públicas de forma inovadora, quebrando hábitos arraigados e gerando novos modelos de uso da infraestrutura urbana.
A tecnologia tem um papel fundamental neste processo revolucionário. Entretanto, as soluções para cada cidade não serão necessariamente as mesmas. As características específicas de cada uma demandarão soluções próprias, mas todas, sem dúvida, ancoradas no uso intensivo de tecnologia.
Por exemplo, algumas soluções inovadoras para transporte e trânsito já vêm sendo colocadas em prática, com sucesso, em cidades como Estocolmo, Londres e Cingapura. Em Estocolmo, um novo sistema inteligente de pedágio reduziu de maneira impressionante os congestionamentos de tráfego e as emissões de carbono.
Em Londres, um sistema de gerenciamento de congestionamentos reduziu o volume de tráfego a níveis da década de 1980. Em Cingapura, um sistema pode prever velocidades no tráfego com precisão de 90%. Com algumas melhorias, o sistema vai poder também prever, em vez de apenas monitorar, outras condições do trânsito.
Mas por que fazer isso? Como as cidades são polos econômicos que indiscutivelmente começarão a competir entre elas pela atração de mais negócios para fazer crescer sua economia, para atrair talentos e negócios é imprescindível uma infraestrutura de qualidade, que possibilite uma mobilidade urbana segura e adequada, que ofereça serviços de saúde e educação de bom nível e que crie opções de lazer. Em resumo, que ofereça qualidade de vida. As cidades deverão ser gerenciadas como empresas, visando a crescimento econômico, mas aliando este crescimento à sustentabilidade e qualidade de vida. A atratividade baseada única e exclusivamente em isenção de impostos e doação de terrenos para indústrias está se esgotando rapidamente.
A reengenharia do modelo de urbanização passa por um bom planejamento de longo prazo, perfeitamente conectado às inovações tecnológicas. A infraestrutura urbana deve ser baseada na convergência dos mundos analógico e físico com o mundo digital.
Na Coreia do Sul está sendo construída uma nova cidade, chamada Songdo, para servir de experimentação do modelo de urbanização do futuro. Mas nem sempre será possivel criar uma nova cidade e mudar a cidade antiga para o novo local. Portanto, os desafios para a criação de cidades inteligentes são imensos.
Os processos de revitalização urbana devem ser elaborados e implementados sem interromper o dia-a-dia dos cidadãos. A gestão das cidades pode e deve ser redesenhada. Muitas vezes os órgãos administrativos atuam de forma isolada, sem conexão entre si. Ou atuam de forma sobreposta, com conflitos de interesse surgindo a todo instante. Processos arcaicos e a falta de tecnologia para integrar sistemas e dados também são outra fonte de ineficiência administrativa.
Os orçamentos são sempre limitados e muitas vezes falta planejamento nas ações. É comum vermos cidades resolvendo suas questões de infraestrutura através de medidas de curto prazo, sem sustentabilidade no longo prazo.
Portanto, para exercerem seu papel de motores da economia, a maioria das cidades deve assumir atitudes pró-ativas e holísticas de melhoria de suas propostas de qualidade de vida para seus cidadãos, assim como redesenhar os modelos obsoletos de gestão e processos de governança que, na maioria das vezes, não se alinham mais com a complexa sociedade em que vivemos. E é preciso reconhecer o papel fundamental que as tecnologias podem assumir nos seus projetos de urbanização sustentável.
Cezar Taurion
Os Desafios da Urbanização Brasileira: Um Enfoque Microespacial
1. Introdução
A consolidação de trajetórias de crescimento sustentado para a economia brasileira requer a definição de diretrizes nacionais destinadas a balizar não apenas as opções macroeconômicas do país, mas também os esforços para promover uma distribuição de bem estar mais equitativa. Contudo, é importante ressaltar que tais esforços vêm ocorrendo em um ambiente extremamente desfavorável do ponto de vista distributivo. A distribuição da renda real no Brasil destaca-se como das mais iníquas entre os países do Terceiro Mundo, comparável apenas a algumas sociedades primitivas da África e do Caribe; qual seja, em completo desacordo com os altos padrões de modernidade atingidos pelo parque industrial e pela tecnologia brasileira.
Historicamente, a questão distributiva tem se revelado como a contradição mais perversa e persistente do modelo brasileiro de desenvolvimento e se manifesta primordialmente, através das chamadas iniqüidades espaciais, ou seja, através das desigualdades de bem-estar entre regiões e cidades. Assim, por uma ótica prospectiva, pode-se presumir que as transformações estruturais que vem caracterizando a sociedade brasileira no limiar do milênio, terão forte impacto sobre a configuração do espaço geoeconômico nacional, modificando não apenas as formas de relacionamento entre as regiões e cidades, mas também, o potencial e a natureza do crescimento de cada uma dessas unidades espaciais.
Nas fases mais primitivas do desenvolvimento, as economias caracterizam-se por estruturas produtivas desarticuladas. Em termos locacionais, a produção tende a concentrar -se no entorno de algumas poucas fontes de suprimento de matérias primas e/ou na vizinhança imediata dos grandes mercados. Posteriormente, com a aceleração do crescimento econômico e com a progressiva interdependência entre os setores produtivos, os padrões locacionais das atividades econômicas também se alteram, dando origem às cidades de porte médio e a interiorização do desenvolvimento.
Significa dizer que, do ponto de vista do comportamento intertemporal das desigualdades espaciais de bem-estar, o fato que melhor caracteriza o processo de modernização de qualquer sociedade é a crescente importância atribuída ás desigualdades intra-regionais vis a vis as desigualdades interregionais. Em outras palavras, nas economias desarticuladas a produção tende a se organizar espacialmente em torno de algumas poucas cidades primazes e suas respectivas áreas de influência ao passo que, mais tarde, com o aumento da escala e da diversificação da produção nacional, as unidades espaciais tornam-se mais especializadas e as desigualdades microespaciais (entendidas aqui como abrangendo micro regiões, áreas urbanas e intra-urbanas) tendem a suplantar as diferenças macroespaciais, passando assim, a se constituir no ponto focal das políticas pró-equidade de bem-estar.
Além das suas conotações estritamente econômicas, a predominância do fato microespacial reflete duas outras manifestações de caráter político-institucionais, ambas atuando no sentido de reforçar as pressões em prol dos objetivos redistributivas. A primeira tem a ver com a consolidação da democracia e consiste essencialmente, na ampliação dos canais de participação política de amplos segmentos da população, em particular, daqueles ditos excluídos e de baixa renda. A segunda tem natureza mais organizacional e diz respeito à tendência mundial que favorece i) a progressiva desregulação da economia; ii) a descentralização das decisões alocativas e iii) a menor participação do Estado na produção.
Dentro dessa linha de preocupações normativas, o presente trabalho procura discutir os principais desafios enfrentados pela política urbana nas primeiras décadas do novo milênio. A ideia é, primeiramente, identificar em que medida, as modificações recentes no cenário brasileiro podem ser responsabilizadas por alterações significativas nos padrões de uso do espaço nacional. Em seguida, o trabalho examina como o surgimento desses novos padrões de uso do espaço pode dar lugar a formas alternativas de intervenção regional e urbana; ou seja, novos instrumentos da política urbana.
Para fins de simplificação do argumento, convencionou-se que as três principais modificações no cenário brasileiro de desenvolvimento e seus respectivos rebatimentos espaciais fossem reunidos sob o rótulo de novos paradigmas do desenvolvimento espacial brasileiro. O primeiro trata dos rebatimentos espaciais (com ênfase nos aspectos microespaciais) derivados de uma economia cuja evolução caracteriza-se por preços estáveis e taxas de crescimento sustentáveis. O segundo, diz respeito às implicações espaciais da progressiva globalização dos fluxos de fatores, bens, serviços e informações. Finalmente, o terceiro paradigma refere-se aos efeitos espaciais das mudanças na atuação do Estado como agente indutor e regulador do desenvolvimento econômico.
2. Os Novos Paradigmas do Desenvolvimento Espacial Brasileiro
A experiência internacional mostra que ambientes caracterizados por preços relativos demasiadamente instáveis impõem um confisco de renda sobre as regiões menos desenvolvidas e, dessa maneira, constituem um poderoso mecanismo regressivo de redistribuição da renda. Em outras palavras, as variações de preços tendem a propagar -se de uma região para outra através de bruscas flutuações de preços relativos, elevando as margens de risco das regiões retardatárias. Cria – se, dessa forma, um mecanismo cumulativo e pernicioso que tende a perpetuar as desigualdades espaciais e agravar a pobreza absoluta nas áreas menos aquinhoadas. Em contraste, preços estabilizados tornam o cenário macroeconômico mais previsível e as oportunidades de investimento nas áreas retardatárias revelam-se mais promissoras.
Com efeito, a consecução de um cenário de crescimento sustentado com estabilidade de preços, tem se constituído na primeira prioridade da política econômica brasileira ao longo das últimas décadas.
Com esse propósito, o governo federal tem recorrido, quase que de maneira unívoca, às políticas monetária e fiscal, como instrumentos capazes de resolver desequilíbrios de curto prazo entre a oferta e a demanda agregadas. Parece natural, portanto que, face à premência dessas questões conjunturais e as imposições para se obter resultados políticos rápidos e de grande visibilidade, as preocupações s com o longo prazo, em especial, as de caráter redistributivo, sejam relegadas a um plano secundário.
Na maioria das vezes, a condução da política de estabilização parte de hipóteses simplificadoras, como as que admitem a existência de distribuições de rebatimentos espaciais com variâncias muito pequenas, ou ainda, as que supõem que os resultados da política de estabilização se distribuem de maneira uniforme entre as regiões e cidades. A prática mostra, contudo, que esses pressupostos estão longe de refle tira realidade dos países do terceiro mundo, onde a regra geral, é a ocorrência de graves disparidades espaciais de riqueza e renda.
Outra conseqüência dessa visão simplista tem a ver com o que a literatura denomina de falácia da gestão eficiente do curto prazo. Com freqüência, os defensores da supremacia do curto prazo afirmam que a gestão eficiente da conjuntura é condição necessária e suficiente para que os problemas de longo prazo sejam automaticamente resolvidos; ou ainda, que a solução dos problemas estruturais pode ser obtida através de sequências de soluções eficientes no curto prazo.
Aqui, mais uma vez, a experiência internacional é decisiva quando não apenas comprova a ocorrência de graves conflitos entre objetivos de curto e longo prazo, mas também demonstra que a gestão eficiente dos primeiros não garante a consecução dos últimos.
Na maioria dos casos, os rebatimentos da política macroeconômica sobre o espaço (e também sobre o meio ambiente), além de significativos, tendem a ser assimétricos, dando origem a graves problemas operacionais para a administração dos custos e benefícios resultantes do crescimento.
A guisa de exemplo, vale reportar que instrumentos de política tais como: a contenção dos gastos governamentais, o controle do endividamento público, a taxa de juros real e a redefinição dos encargos entre as diferentes esferas de governo, são consideradas variáveis fundamentais para explicar a configuração espacial do desenvolvimento brasileiro.
O segundo paradigma, trata dos rebatimentos espaciais decorrentes da retomada do crescimento via inserção da economia brasileira na divisão internacional do trabalho, ou seja, trata dos efeitos espaciais da globalização. Por sua vez, o grau de sucesso da integração da economia nos fluxos internacionais de comércio depende da capacidade interna para melhorar os padrões de competitividade da produção nacional e da progressiva redução das barreiras tarifárias e não tarifárias. Pela ótica fiscal, implica eliminar subsídios e outros incentivos que distorcem ou mascararam a estrutura de custos das empresas. No seu rebatimento espacial, significa também privilegiar aquelas regiões e áreas urbanas com fortes ligações com o exterior e vantagens comparativas na produção de bens e serviços exportáveis. Sob essa ótica, todas as vantagens comparativas regionais e locais devem ser exploradas de forma exaustiva e as atividades exportadoras devem se constituir no foco principal do dinamismo da economia espacial.
De acordo com o Banco Mundial, ocorreram três ondas de globalização na história moderna. A primeira abrangeu o período entre 1870 e 1914. Após a Primeira Grande Guerra, o mundo recolheu se por de trás das ideias do nacionalismo exacerbado, dos sentimentos anti-imigrante e das drásticas restrições ao comércio. Durante a segunda onda de globalização (1945-1980), a maioria dos países em desenvolvimento teve pouca participação no crescimento do comércio global, ou seja, os fluxos de comércio foram altamente seletivos tanto em termos de países como de produtos participantes deste crescimento. Finalmente, a terceira onda de globalização, iniciada nos anos oitenta, tem revelado características distintas das anteriores, uma vez que, se por um lado – i) incorpora aos mercados globais um amplo segmento de países em desenvolvimento, por outro ii) marginaliza economias com renda declinante e pobreza crescente. Ademais, iii) a migração internacional e os movimentos de capital, considerados como sem importância durante a segunda onda, tornam-se de novo relevantes.
Na medida em que as economias abrem as suas fronteiras para o comércio internacional, os sistemas urbanos de países distintos passam a se intercomunicar de maneira mais ativa, convergindo eventualmente para um sistema de cidades definido em escala supranacional ou mundial. Na transição do nível nacional para o global, a hierarquia das cidades passa a ser redefinida de acordo com as suas vantagens comparativas internacionais. Significa dizer, que qualquer centro urbano que possua uma alta posição hierárquica no sistema global de cidades é reconhecido internacionalmente como uma cidade mundial, ou seja, um aglomerado urbano capaz de exercer liderança na disseminação (trickling-down) de informações tecnológicas e de mercado para outras cidades com menor nível hierárquico. Em resumo, a crescente internacionalização ou globalização dos fluxos de bens, serviços e informações, deu origem a uma rede mundial de metrópoles onde são geradas e por onde transitam as decisões financeiras, mercadológicas e tecnológicas capazes de moldar os destinos da economia mundial.
O critério utilizado por Friedmann para ordenar esses nós urbanos dentro de uma hierarquia de cidades mundiais, procura combinar aspectos tais como:
i) o fato da cidade ser a sede de importantes empresas multinacionais, transnacionais ou de grandes empresas nacionais
ii) ser um centro financeiro moderno e de grande porte, dotado de atividades terciárias e quaternárias de ponta e;
iii) o fato de dispor de um parque manufatureiro inovador e com escala internacional. Significa dizer que, de acordo com essas condições, a aglomeração urbana que engloba as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro/São Paulo e o eixo que os une, pode ser vista como um único nó de alta hierarquia no sistema mundial de cidades.
Ademais, tudo indica que o grau de sucesso para a inserção do país na divisão internacional do trabalho irá depender fundamentalmente, da capacidade das duas metrópoles, Rio e São Paulo, integrarem as suas economias e assim, exercerem em conjunto, o papel de cidade mundial no sistema urbano global. A palavra de ordem é, portanto, implementar políticas cooperativas capazes de explorar, ao máximo, as externalidades e complementaridades recíprocas entre as duas metrópoles. Cumpre notar ainda, que essa atitude cooperativa representa uma experiência inédita no cenário brasileiro, uma vez que envolve problemas e práticas de gestão urbana em uma escala nunca antes vivenciadas pelo país. Nesse particular, a análise dos dados sobre investimentos privados nessa região revela que a persistência de severos desequilíbrios nos parques produtivos das duas metrópoles, pode vir a se transformar em fator impeditivo para que os ajustamentos dos respectivos parques obtenham êxito. O mesmo pode ser dito com relação às deficiências de infraestrutura. Do ponto de vista da região a nível agregado, a evidência empírica indica que tem ocorrido uma melhoria nos padrões de integração global da região. Contudo, pela ótica micro regional, os dados revelam um processo de ajustamento demasiadamente concentrado em termos da localização (Vale do Paraíba paulista) e da escala dos empreendimentos (na seção paulista do Vale do Paraíba, cerca de 30 projetos nos cinco principais setores – todos de alta tecnologia medidos pelo valor dos investimentos planeja dos, representavam em 2000, mais de 94% do investimento privado total naquela sub-região).
Finalmente, o terceiro e último paradigma refere-se à diminuição da ingerência do Estado na condução da economia. Compreende, portanto, a desregulação dos mercados aliada a menor participação do Estado como empresário e produtor de bens e serviços; que assim, abstêm-se de competir com o setor privado nas decisões alocativas da economia. Dentre as exceções a essa regra, cabe mencionar a produção de algumas atividades meritórias e de bens públicos. Em contrapartida, é reforçado o papel do Estado como mediador dos conflitos entre os demais segmentos da sociedade, como agente indutor do desenvolvimento e como regulador de serviços urbanos concedidos e/ou privatizados.
É fácil constatar que nas últimas décadas, o governo federal vem reduzindo o seu papel na condução da política urbana. Em parte, isto decorre de um entendimento político que o governo federal não deveria continuar a ter uma atuação destacada nessa área e a maior parte das suas atribuições deveria ser repassada para as esferas estadual e municipal, revitalizadas a partir da Constituição de 1988.
Nessas condições, os investimentos federais na área urbana passariam a assumir um caráter setorial (em habitação e saneamento, por exemplo) e meramente complementar a ação dos estados e municípios. De fato, o repasse de atribuições para as esferas subnacionais de governo vem adquirindo expressão em vários segmentos urbanos, como no caso do controle estadual sobre os sistemas metroviários e de trens de subúrbio.
O resultado desse processo, foi a despreocupação com os referenciais nacionais da política urbana, em especial naqueles aspectos que dizem respeito ao papel regulatório constitucionalmente atribuído à União. É, sobretudo neste papel que residem as maiores possibilidades para restabelecer um mínimo de coerência entre as ações locais e as prioridades nacionais de desenvolvimento urbano, incluindo-se nestas últimas, as diretrizes de ordenamento territorial no país.
Pela ótica institucional, a menor intervenção do Estado implica, de um lado, na perda de algumas atribuições tradicionais, tais como, a intermediação e a aplicação direta de recursos em atividades produtivas, ao passo que, de outro, resulta na incorporação de novas funções tais como, a identificação de oportunidades de investimento, a definição e promoção dos novos complexos industriais, agro-industriais e de serviços, a preservação do meio-ambiente, além da administração de ações restritivas, tipo zoneamento.
Ainda do ponto de vista político-institucional, a ênfase no desenvolvimento microespacial significa focalizar primordialmente as complementaridades entre cidades em detrimento da concepção da cidade como entidade isolada e autárquica. Surge assim, a ideia dos consórcios municipais, cuja prioridade é assegurar a consolidação de uma cidade como parte de um conjunto maior formado por centros urbanos fortemente interdependentes e complementares.
Essa argumentação possui desdobramentos relevantes não apena s para a formulação da política nacional de desenvolvimento urbano, mas também para as maneiras como se definem e organizam as entidades locais de fomento. Na fase em que predominam os desequilíbrios inter-regionais, faz sentido organizar essas entidades de acordo com o traçado das fronteiras macroregionais. Na medida, contudo, que as desigualdades intraregionais (internas às macroregiões) tornam-se dominantes, os mecanismos de decisão devem ser redimensionados, de molde a incorporar as particularidades de cada microregião, metrópole e demais cidades importantes.
3. Ações do Governo com Impacto Microespacial
A extensão do território brasileiro, aliada a diversidade de recursos naturais e as desigualdades de renda e riqueza, aumenta o potencial de conflito entre as unidades microespaciais. A guisa de ilustração, vale mencionar a guerra fiscal entre os estados da federação e o pleito de vários estados do Sul e do Sudeste visando eliminar as transferências de recursos incentivados para o Norte e Nordeste. Em ambos os casos, a justificativa baseia-se no eventual agravamento da recessão nacional e nos crônicos déficits do setor público. Dentre outras razões aventadas, algumas fazem menção ao fraco desempenho dos programas de fomento regional no passado, as alegadas margens de desperdício dos recursos incentivados e a ausência de prioridades regionais bem definidas.
Mais recentemente, a inserção do Brasil nos fluxos internacionais de comércio e a tendência para uma redução generalizada das tarifas externas, também tem sido utilizadas para justificar o redimensionamento e até mesmo a eliminação dos incentivos de caráter regional ou local. Nessa mesma linha de raciocínio, circulam propostas onde os mecanismos de renúncia fiscal seriam substituídos por fundos orçamentários com a função de transferir recursos para as áreas menos desenvolvidas.
Em resumo, a proposição das regiões mais industrializadas focaliza duas questões principais: a redução nos montantes globais transferidos e a modificação nos critérios e mecanismos alocativos dos incentivos fiscais. Em ambos os casos, a proposta básica implica reduzir a ingerência do Estado na alocação dos investimentos privados.
A despeito de algumas concessões, as elites e grande parte da burocracia das áreas menos desenvolvidas têm procurado preservar alguns dos benefícios obtidos no passado. Configuram-se, dessa forma, os fortes conflitos de interesses entre os propositores da redução e/ou remanejamento das transferências de cunho espacial e os defensores dos mecanismos de incentivos.
Na realidade, é fato amplamente aceito que a ação do governo é, na maioria das vezes, a grande responsável pelos desequilíbrios espaciais que caracterizam os países com renda média e grande extensão territorial. Mais do que isso, é preciso considerar que, ex-ante, os novos paradigmas espaciais trazem embutido um forte viés a favor da concentração locacional que, por sua vez, fortalece as desigualdades espaciais de bem-estar
O caso dos rebatimentos da globalização ilustra bem a maneira como atuam as forças que favorecem a concentração.locacional. De acordo com o segundo paradigma, o crescimento seria liderado por um seleto grupo de atividades produtivas intimamente associadas ao comércio exterior, especialmente setores orientados para as exportações. Sabe-se, por outro lado, que uma parcela relevante dos setores exportadores (manufaturados, commodities e serviços especializados) revela forte preferência locacional pelos grandes centros urbanos e metrópoles do Sudeste. Convém não esquecer que, a despeito da recessão dos anos oitenta e da estagnação dos noventa, aquelas metrópoles ainda detêm posição comparativamente vantajosa (economias de aglomeração) frente às demais cidades brasileiras, especialmente no que diz respeito à disponibilidade de infra-estrutura e ao tamanho do mercado metropolitano.
A simulação dos efeitos dos novos paradigmas do desenvolvimento espacial brasileiro sugere uma seqüência de duas fases distintas de crescimento: na primeira, o crescimento se concentra nas regiões metropolitanas do Sudeste, ao mesmo tempo em que as demais metrópoles e cidades menores permanecem praticamente estagnadas. Nessa etapa, os movimentos migratórios dirigidos para o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte são rapidamente reativados em resposta ao aumento da demanda derivada das atividades exportadoras por mão de obra qualificada e semiqualificada. Na medida em que uma parcela desses novos migrantes é constituída por pessoas com qualificação insuficiente, aumentam os salários nas indústrias exporta doras ao mesmo tempo em que cresce a informalidade e o desemprego da mão de obra metropolitana pouco qualificada.
Na segunda etapa, o crescimento se irradia (trickles down) para as regiões retardatárias e cidades menores e os fluxos migratórios distribuem-se de maneira mais homogênea pelo território nacional. Enquanto isso, as grandes cidades, em particular, as metrópoles localizadas nas regiões mais desenvolvidas, continuam sendo pressionadas pela forte demanda por serviços da infra-estrutura econômica e social.
4. Os Novos Instrumentos para o Desenvolvimento Microespacial
A avaliação crítica da experiência brasileira com incentivos fiscais e creditícios deram origem a algumas mudanças radicais na maneira de visualizar as potencialidades econômicas das economias locais e dos municípios. No passado, era usual proteger as atividades produtivas locais através do oferecimento de vantagens fiscais, preços da terra subsidiados, serviços de terraplanagem e obras de preparação do terreno, suprimento de água e energia barata, assistência técnica à agricultura e facilidades de armazenagem e comercialização.
De maneira geral, essa experiência revela que as tentativas para proteger a economia local através desses artifícios, frequentemente resultam no estímulo a competição predatória e na pulverização de recursos financeiros entre municípios concorrentes.
Municípios localizados em uma mesma região, normalmente dispõem de recursos (insumos, matérias-primas e mão-de-obra) similares e, na prática concorrem entre si para atrair atividades e empresas com características também semelhantes. Considerando que o tamanho dos mercados é limitado, a produção é levada a se dividir entre municípios concorrentes e o somatório dos municípios deixa de auferir economias de escala, além de perder vantagens para competir com as demais regiões.
São também freqüentes os casos de benefícios sociais que acabam se transformando em benefícios privados. As experiências com distritos industriais e mais recentemente com os Arranjos Produtivos Locais (APLs), ilustram bem esse tipo de distorção. Considere-se o exemplo de uma cidade com alguma atividade industrial antiga localizada na área central já congestionada. Com as vantagens oferecidas pelo novo distrito industrial, muitas dessas atividades vislumbram a possibilidade de se deslocar para o distrito. Na eventualidade de outras atividades novas não serem atraídas para a região, a resultante será a modernização da indústria já existente, com pequeno impacto sobre a oferta local de emprego. Ou seja , a produção local poderá até crescer, muito embora, sem a correspondente criação de novas oportunidades de emprego. Os incentivos oferecidos pelo novo distrito serão assim internalizados pelas atividades preexistentes e os benefícios concebidos originalmente como sociais, serão transformados em benefícios privados.
Pela ótica social, a política de ocupação do espaço brasileiro prioriza os investimentos na infraestrutura de serviços básicos e o ordenamento do uso do solo urbano e rural. Contudo, considerados isoladamente, esses investimentos podem produzir resultados contrários ao desejado. Quando a melhoria da infra -estrutura de serviços básicos (habitação, saúde, saneamento, educação) em uma determinada metrópole ocorre em detrimento do bem-estar das cidades menores, os investimentos ditos sociais acabam estimulando o influxo de novos migrantes para o núcleo metropolitano, agravando os déficits crônicos de serviços básicos no próprio núcleo. O abrandamento desse mecanismo perverso irá depender do sucesso de políticas que visem reorientar os novos migrantes para destinos alternativos localizados dentro e fora da área de influência metropolitana. Fica assim, mais uma vez evidenciada, a importância de se dispor de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, cujo propósito é harmonizar os interesses das várias regiões brasileiras.
4.1 Arranjos Produtivos Locais, Complexos Industriais e Agro-Industriais
Conforme foi mencionado na Seção 2 acima, a concepção mais moderna de desenvolvimento espacial requer que o Estado atue como agente indutor e regulador desse desenvolvimento. Com efeito, a implantação/ expansão/complementação dos aglomerados produtivos (a exemplo dos Arranjos Produtivos Locais, Complexos industriais e agro-industriais) constitui um poderoso instrumento indutor de mudanças nos padrões de desenvolvimento espacial de países como o Brasil, especialmente em regiões pouco densas, como as áreas de fronteira. Na prática, esses aglomerados propõem explorar, de forma eficiente, as relações intersetoriais entre determinados conjuntos de atividades produtivas. Significa dizer, que certos empreendimentos considerados como economicamente inviáveis, quando tomados individualmente, tornam-se factíveis quando avaliados como parte de um complexo maior de atividades inter -relacionadas. O propósito é também criar um aglomerado o mais auto-suficiente possível, de atividades produtivas capazes de maximizar a utilização dos recursos disponíveis na região.
Em resumo, o conceito tradicional de complexo (ou cluster) industrial privilegia a concentração espacial de atividades articuladas via relações de compra e venda de insumos e produtos. No mundo real, os complexos revelam forte tendência para a justaposição locacional dos seus integrantes. A minimização dos custos de transportes, a redução dos estoques médios de peças e componentes, as externalidades no treinamento da mão de obra especializada e a necessidade de compatibilização dos cronogramas de investimento, são algumas das principais razões que concorrem para reforçar a tendência à justaposição dos integrantes do complexo em um mesmo sítio ou dentro de um perímetro territorialmente restrito.
Cumpre ainda notar que a introdução de novas tecnologias tem ampliado consideravelmente o leque de integrantes dos comple xos modernos e competitivos. São bons exemplos os complexos baseados em biotecnologia, química fina, serviços quaternários (P&D) ou aqueles baseados em indústrias tradicionais (madeireiros, têxteis, produtos alimentares) e de beneficiamento de produtos agrícolas e minerais.
4.2 Descentralização e Ação Cooperativa Municipal
Modernamente, a criação de mecanismos que protegem as atividades locais contra a competição externa cedeu lugar à preocupação com o fortalecimento das complementaridades entre cidades, o que, por sua vez, requer que os municípios pertencentes a uma mesma região geoeconômica se agrupem em consórcios e associações municipais capazes de promover a integração entre as suas respectivas estruturas de produção.
A ideia de promover perfis de produção interdependentes deve ser interpretada de maneiras diferentes conforme os municípios façam parte de uma área de influência metropolitana, de uma região agrícola ou de uma região industrial. A cada tipo de região correspondem modalidades diferenciadas de integração e associação municipal. O mesmo ocorre com os mecanismos participativos e com os arranjos institucionais usados para promover essa integração.
Considere-se um primeiro grupamento que inclui os centros (municípios) urbanos de pequeno, médio e grande porte localizados nas áreas de influência imediata das grandes regiões metropolitanas. Para todos os efeitos, trata-se dos municípios que hospedam atividades produtivas fortemente complementares a economia do núcleo metropolitano mais próximo. No caso de algumas metrópoles como Porto Alegre e Belo Horizonte, onde já se delineiam alguns sinais de desconcentração industrial para o interior, compete aos municípios tirar proveito dessa tendência natural e, se possível, acelerá-la. Em outros casos, a incidência de deseconomias de aglomeração (alto custo da terra, da mão de obra e dos congestionamentos) no núcleo metropolitano é forte o suficiente para definir eixos de penetração para o interior da sua área de influência. Em São Paulo, por exemplo, o processo de desconcentração envolve a relocalização para o interior não apenas dos supridores de insumos e componentes, matérias primas e serviços de apoio mas também e principalmente das atividades mãe.
Um segundo grupamento de municípios abrange os centros agrícolas, de serviços de apoio e beneficiamento de produtos agrícolas distantes das grandes metrópoles. Neste segundo grupo de municípios o elemento diferenciador é o menor grau de interdependência produtiva com a metrópole. A dependência econômica em relação à metrópole é forte, mas resume-se a algumas interelações via demanda final, ou seja, são consumidores dos bens e serviços produzidos na metrópole. A sobrevivência dos integrantes desse segundo grupo irá depender da capacidade de integrarem as suas economias com o parque produtivo da metrópole.
Finalmente, o terceiro grupo trata dos municípios caracterizados i) pelo maior grau de autonomia da economia local em relação ao parque produtivo da metrópole, ii) pelo maior distanciamento físico em relação à metrópole. Na maioria das vezes, são cidades cuja base econômica depende essencialmente de uma única indústria ou de um número reduzido de atividades industriais e serviços a elas relacionadas.
Apesar de muito simplificada, essa tipologia regional permite ressaltar as principais diferenças existentes entre os mecanismos participativos e os arranjos institucionais utilizados para promover a integração e associação municipal em cada um dos três grupos acima discutidos.
A bem da verdade, a promoção do desenvolvimento municipal com base na exploração das complementaridades internas a cada grupo requer que os instrumentos públicos tradicionais sejam reavaliados. Isto não implica, contudo, que os instrumentos fiscais, creditícios e de desenvolvimento comunitário utilizados no passado sejam completamente abandonados. Ao contrário, a ideia é visualizá-los sob uma nova ótica de cooperação entre grupos locais e parceiros externos.
A ampliação das responsabilidades das administrações locais na formação dos consórcios e associações municipais exige duas mudanças imediatas de atitude. Primeiramente, requer que os governos municipais passem a priorizar a integração econômica e a cooperação política em um nível supra-municipal. Em segundo lugar, requer o reaparelhamento da máquina administrativa local, dotando-a de maior agilidade no trato com os investidores externos, com outros níveis de governo e com a comunidade local. No passado recente, as autoridades municipais adotavam uma atitude passiva, a espera que eventuais investidores se dispusessem a aplicar seus recursos nos novos empreendimentos locais. A prática parece desmentir o caráter automático dos incentivos e demonstra a necessidade de se criar condições mais efetivas para que a atração de novas atividades produtivas se materialize. Isto pode ser feito através de acordos prévios que envolvam, de um lado, as decisões do governo para expandir a infra-estrutura (água industrial, energia, transportes) e, de outro, os investimentos do setor privado em atividades diretamente produtivas. Caso um grupo de empresários decida implantar um complexo industrial, as autoridades locais assumiriam o compromisso de apoiá-lo através da criação de facilidades de transporte, terraplanagem ou treinamento da mão-de-obra necessária ao empreendimento. Em contrapartida, os titulares dos projetos procurariam compatibilizar as suas escalas de produção e os prazos de maturação dos investimentos, a fim de dar forma a um complexo de atividades integradas.
No mundo real, cabe às entidades supra-municipais (consórcios, associações etc.) em cooperação com as autoridades municipais a tarefa de identificar as oportunidades de investimento local através da realização de estudos de pré-viabilidade que demonstrem para os empresários de outras regiões a viabilidade econômica dos novos empreendimentos. Essa etapa também envolve um intenso trabalho de divulgação das oportunidades de investimento assim identificadas. Em seguida, durante a fase de implantação do complexo, a tarefa de operacionalização mais difícil diz respeito ao monitoramento dos projetos que compõem o mesmo. Para efeitos práticos, o monitoramento consiste na seleção de um conjunto de variáveis críticas a serem acompanhadas durante a implantação e operação dos investimentos. Tradicionalmente, esse acompanhamento limita-se ao aspecto financeiro, o que dá margem a sérios vazamentos de benefícios e custos sociais.
Ao contrário do que ocorre com os projetos de natureza econômica, existe pouca experiência com os procedimentos de monitoramento e controle dos projetos sociais nas áreas urbanas. Nesse particular, algumas considerações parecem ser críticas para determinar o grau de sucesso de um empreendimento social. Dentre estas, a mais importante diz respeito aos custos do monitoramento, o que inclui desde as pesquisas de campo eventuais até a implantação permanente de uma rede de coleta de informações por amostragem. Mais precisamente, esses custos dependem, em primeiro lugar, do objetivo ou objetivos do projeto ou programa social. Outro fator determinante é o número de variáveis a ser monitorado. Quanto maior o número de variáveis e mais limitativas as dificuldades de coleta, maior será o custo do sistema. O terceiro fator refere-se à periodicidade com que as variáveis são coletadas e finalmente o último fator determinante tem a ver com o número de projetos a ser monitorado. Na prática, a preocupação com os custos impõe que o conjunto de variáveis a ser monitorado seja reduzido a um mínimo indispensável.
Finalmente, deve-se considerar como parte integrante da atividade de monitoramento, a operacionalização de um sistema de acompanhamento que imponha prêmios e penalidades aos desvios positivos e negativos medidos com respeito aos objetivos originais do projeto ou programa.
4.3 Modalidades Inovadoras de Financiamento da Infra-estrutura
Com a redução drástica da capacidade de financiamento público, grande parte da responsabilidade pelo crescimento econômico vem sendo progressivamente transferida para o setor privado, o que, por sua vez, requer modalidades de engenharia financeira inovadoras e capazes de criar um ambiente favorável à cooperação e as joint ventures entre os vários agentes da sociedade.
Os investimentos na infra-estrutura de serviços básicos – água, energia, transportes, comunicações, saneamento básico – pelo seu vulto e importância estratégica, sempre foram considerados como prerrogativa tradicional do Estado. Não obstante, são freqüentes os casos em que a poupança doméstica não é capaz de fazer face às necessidades de investimentos nessas áreas, o que, no passado, obrigou os governos a recorrer a empréstimos e financiamentos externos, como forma de assegurar um ritmo de expansão da infra-estrutura condizente com o crescimento da economia.
Na atualidade, restrições financeiras e institucionais têm motivado a busca de alternativas para financiar e operar os serviços públicos ditos essenciais. Dentre as mais promissoras, destacam-se as modalidades de financiamento conhecidas como project financing e as parcerias público privadas. O “projeto financing” propõe desenvolver distintos arranjos para a operação privada dos empreendimentos com funding de fontes privadas e oficiais, sem aval ou garantias do governo. A garantia passa a ser o retorno do próprio empreendimento, sendo os riscos diluídos entre os diversos participantes. Por isso mesmo, a utilização do project finance como forma de financiar a expansão dos serviços da infra-estrutura urbana requer a fixação de normas claras e seguras.No caso das parcerias público-privadas existe um contrato administrativo de concessão de obras e/ou prestação de serviços públicos de médio e longo prazo (de 5 a 35 anos) firmado entre os órgãos da administração direta ou indireta e uma empresa privada; cabendo ao parceiro privado fazer o investimento inicial que será amortizado em um longo período de tempo, através de parcelas mensais….A implantação da infra-estrutura necessária para a prestação do serviço contratado pela Administração dependerá de iniciativas de financiamento do setor privado e a remuneração do particular será fixada com base em padrões de performance e será devida somente quando o serviço estiver à disposição do Estado ou dos usuários.O risco é compartilhado entre as partes envolvidas e o financiamento é predominantemente privado.
A despeito dos esforços no sentido de ampliar as fontes de financiamento aos investimentos na infra -estrutura urbana, persistem algumas limitações de caráter institucional/legal associadas:
i) ao esgotamento das possibilidades de exploração dos tributos municipais face ao ônus suportado pelos contribuintes.
ii) às restrições constitucionais à ampliação da cobrança de taxas por serviços prestados.
iii) aos limites impostos pelas desigualdades de renda ao aumento de tarifas dos serviços de utilidade pública.
iv) ao engessamento do orçamento em decorrência de compromissos financeiros e vinculações legais.
v) às restrições de acesso ao crédito interno e externo.
vi) aos conflitos entre municípios e governos estaduais com respeito à titularidade do poder concedente
5. Considerações Finais
Dentre as mudanças comportamentais que tem caracterizado a virada do milênio, uma das mais relevantes e menos estudadas, é a que trata dos rebatimentos microespaciais das notáveis transformações estruturais vivenciadas pela economia. Ou ainda, dos efeitos do crescimento sustentado, da abertura da economia nacional e das novas modalidades de atuação do Estado sobre o desempenho social, econômico e político das microregiões, áreas metropolitanas, municípios e estratos intraurbanos.
Concretamente, implica discutir de que forma e com que intensidade as alterações nas preferências locacionais dos agentes econômicos podem afetar a distribuição espacial das atividades econômicas e, por essa via, a configuração atual do sistema brasileiro de cidades.
Nesse ambiente de transformações estruturais, as economias locais deverão evoluir segundo trajetórias de crescimento cada vez mais diferenciadas entre si e, como conseqüência, irão demandar ações específicas a fim de se ajustar a disponibilidade interna de fatores, insumos e matérias primas.
Do ponto de vista das transformações sócio -políticas, a consolidação da democracia tende a criar novos canais de participação política para vastos segmentos da sociedade e amplia as pressões a favor da redistribuição da renda e do atendimento das necessidades básicas da população. Ou seja, aumentam as demandas locais para melhorar a acessibilidade da população pobre aos serviços da infra -estrutura social.
Finalmente, pela ótica das transformações institucionais, os mercados tornam-se menos regulados e as decisões alocativas passam a ser progressivamente descentralizadas. Em contrapartida, amplia -se a necessidade de criar novos mecanismos de monitoramento e controle a fim de garantir a compatibilidade entre as decisões tomadas de forma descentralizada pelos vários agentes públicos e privados.
Hamilton Tolosa
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Fonte: www.geobrasil2001.hpg.ig.com.br/www.portal2014.org.br/www.inae.org.br
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