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Nascimento: 19 de abril de 1886, Recife, Pernambuco.
Falecimento: 13 de outubro de 1968, Rio de Janeiro.
Manuel Bandeira – Vida
Manuel Bandeira 1950 – 64 anos
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho poeta brasileiro que também destacou como ensaísta, contista, crítico, tradutor, jornalista e professor; representante da primeira fase do modernismo no Brasil, era um mestre do verso livre e influenciou gerações de escritores
Autor de ensaios, antologias de poetas brasileiros, composições teatrais clássicas e modernas, biografias, histórias da literatura, quinze romances e tradutor de obras de Schiller, Shakespeare, Ines de la Cruz e Omar Khayyam, sua fama está ligada à poesia para o qual ele tinha mostrado alguma vontade desde a infância..
Manuel Bandeira escreveu mais de 20 livros de poesia e prosa.
Os poemas de Manuel Bandeira tem uma delicadeza e beleza única.
Temas recorrentes que podem ser encontrados em suas obras são: o amor das mulheres, sua infância na cidade Nordeste do Recife problemas, amigos e saúde. Sua delicada saúde afetou sua poesia, e muitos de seus poemas retratam os limites do corpo humano.
Manuel Bandeira – Poeta
Manuel Bandeira 1957 – 71 anos
Poeta brasileiro. Um dos nomes mais importantes do modernismo, considerado um clássico da literatura brasileira no século XX. Membro da ABL.
Ele foi um escritor, conhecido por O Poeta do Castelo (1959), Crônica da Cidade Amada (1964) e Maré, Nossa História de Amor (2007). Ele morreu em 13 de outubro de 1968, em Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Um dos maiores poetas do modernismo, Manuel Bandeira é também considerado um clássico da literatura brasileira no século XX. Sua obra caracterizou-se pela simplicidade alcançada graças a um esforço de redução às essências, quer no plano temático, quer no da linguagem.
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife PE em 19 de abril de 1886. Ainda jovem, mudou-se para o Rio de Janeiro RJ, concluindo estudos no Colégio Pedro II. Mais tarde abandonou o curso de arquitetura por motivo de doença (tuberculose) e em 1913 internou-se no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde conheceu o poeta francês Paul Éluard. De volta ao Brasil iniciou em periódicos sua produção literária. Conforme confessou o próprio poeta, sua vida não teve grandes acontecimentos. Foi professor de literatura hispano-americana na Faculdade Nacional de Filosofia e elegeu-se para a Academia Brasileira de Letras em 1940.
Sua vida revela-se em sua obra, onde temas universais como o amor e a morte são tratados no nível da experiência diária, embora alcançando uma generalidade que ultrapassa de muito a condição biográfica. De seu primeiro livro, A cinza das horas (1917), em que se evidenciam as raízes tradicionais de sua cultura, até sua última obra poética, Estrela da tarde (1963), Bandeira revelou grande capacidade de adaptar-se aos mais diferentes estilos e formas, percorrendo uma trajetória que vai da musicalidade difusa do simbolismo a experiências de poesia espacial e concreta.
Pode ser visto, assim, como um virtuose da arte poética, e sua poesia percorreu um longo processo de amadurecimento, cujo início coincide com suas primeiras experiências como modernista. Isto, entretanto, não bastaria para classificá-lo como um grande poeta, tal como é considerado unanimemente pela crítica. Sua poesia ultrapassou a condição de mestria na técnica do verso e ganhou uma dimensão mais profunda pela unidade temática que pode ser surpreendida na diversidade de formas.
Característico dessa unidade profunda é o humor poético de Bandeira. Embora tido como precursor pelas inovações surpreendentes de seu livro Carnaval (1919), no qual figura o poema “Os sapos”, uma das pedras de toque do movimento modernista, o humor de Bandeira só se desenvolveu plenamente em seu quarto livro, Libertinagem (1930). Nessa obra, que consolidou seu prestígio, tornou-se visível a influência da Semana da Arte Moderna de 1922, com suas experiências libertárias.
Modernista, Bandeira declarou-se contrário ao “lirismo funcionário público”, preferindo “o lirismo difícil e pungente dos bêbedos / o lirismo dos clowns de Shakespeare”. Mas esse “lirismo pungente” não seria mais revelado só através de versos românticos, como em A cinza das horas. A intervenção da inteligência crítica, colidindo com a sensibilidade profundamente romântica do poeta, produziria o humor. Este marcaria seus versos com a auto-ironia, como em “Pneumotórax”, em contraposição ao desencanto romântico.
O humor manifestou-se também como fruto da observação do cotidiano, transfigurando-o, como em “As três mulheres do sabonete Araxá”, ou por meio de alusões literárias e inversões. Cite-se, por exemplo, o verso “a primeira vez que vi Teresa”, alusão irônica ao célebre “a vez primeira que fitei Teresa” de Castro Alves. A inversão mais profunda surge em “Momento num café”, onde alguém se descobre diante de um cortejo em que o corpo passa “liberto para sempre da alma extinta”. O que lembra outra inversão num poema erótico em que “os corpos se entendem, mas as almas não”.
Além dos livros de poesia citados, Bandeira deixou ainda os seguintes: Ritmo dissoluto, publicado pela primeira vez em Poesias (1924); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinqüent’anos, publicado pela primeira vez em Poesias completas (1940); Belo belo, que surgiu na edição de 1948 das Poesias completas; Mafuá do malungo (1948) e Opus 10 (1952).
Foi como poeta que Manuel Bandeira conquistou sua posição de relevo na literatura brasileira, mas seria injusto relegar a plano secundário a prosa límpida de seus ensaios, crônicas e memórias. Nesse campo, publicou obras como De poetas e de poesias (1954), Intinerário de Pasárgada (1957), Flauta de papel (1957) e Andorinha, andorinha (1966).
Deve-se destacar igualmente seu trabalho como escritor didático e organizador de numerosas antologias, trabalho que pode ser ilustrado por títulos como Noções de história da literatura (1940), Apresentação da poesia brasileira (1946), Literatura hispano-americana (1949) e Gonçalves Dias (1952).
O poeta de amplos recursos foi também um exímio tradutor de poesia. Além da bela coletânea dos seus Poemas traduzidos (1945), construiu textos notáveis ao passar para o português obras de Schiller (Maria Stuart, 1955), Shakespeare (Macbeth, 1961) e Brecht (O círculo de giz caucasiano, 1963), entre muitos outros autores. Manuel Bandeira morreu no Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1968. Suas poesias completas haviam sido reunidas, pouco antes, em Estrela da vida inteira (1966).
Manuel Bandeira – Obras
Manuel Bandeira
Poesia:
A Cinza das Horas – Jornal do Comércio – Rio de Janeiro, 1917 (Edição do Autor)
Carnaval – Rio de janeiro,1919 (Edição do Autor)
Poesias (acrescida de O Ritmo Dissoluto) – Rio de Janeiro, 1924
Libertinagem – Rio de Janeiro, 1930 (Edição do Autor)
Estrela da Manhã – Rio de Janeiro, 1936 (Edição do Autor)
Poesias Escolhidas – Rio de Janeiro, 1937
Poesias Completas acrescida de Lira dos cinqüent’anos) – Rio de Janeiro, 1940 (Edição do Autor)
Poemas Traduzidos – Rio de Janeiro, 1945
Mafuá do Malungo – Barcelona, 1948 (Editor João Cabral de Melo Neto)
Poesias Completas (com Belo Belo) – Rio de Janeiro, 1948
Opus 10 – Niterói – 1952
50 Poemas Escolhidos pelo Autor – Rio de Janeiro, 1955
Poesias completas (acrescidas de Opus 10) – Rio de Janeiro, 1955
Poesia e prosa completa (acrescida de Estrela da Tarde), Rio de Janeiro, 1958
Alumbramentos – Rio de Janeiro, 1960
Estrela da Tarde – Rio de Janeiro, 1960
Estrela a vida inteira, Rio de Janeiro, 1966 (edição em homenagem aos 80 anos do poeta).
Manuel Bandeira – 50 poemas escolhidos pelo autor – Rio de Janeiro, 2006.
Prosa:
Crônicas da Província do Brasil – Rio de Janeiro, 1936
Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938
Noções de História das Literaturas – Rio de Janeiro, 1940
Autoria das Cartas Chilenas – Rio de Janeiro, 1940
Apresentação da Poesia Brasileira – Rio de Janeiro, 1946
Literatura Hispano-Americana – Rio de Janeiro, 1949
Gonçalves Dias, Biografia – Rio de Janeiro, 1952
Itinerário de Pasárgada – Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954
De Poetas e de Poesia – Rio de Janeiro, 1954
A Flauta de Papel – Rio de Janeiro, 1957
Itinerário de Pasárgada – Livraria São José – Rio de Janeiro, 1957
Prosa – Rio de Janeiro, 1958
Andorinha, Andorinha – José Olympio – Rio de Janeiro, 1966
Itinerário de Pasárgada – Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1966
Colóquio Unilateralmente Sentimental – Editora Record – RJ, 1968
Seleta de Prosa – Nova Fronteira – RJ
Berimbau e Outros Poemas – Nova Fronteira – RJ
Antologias:
Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, N. Fronteira, RJ
Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana – N. Fronteira, RJ
Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna – Vol. 1, N. Fronteira, RJ
Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna – Vol. 2, N. Fronteira, RJ
Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, N. Fronteira, RJ
Antologia dos Poetas Brasileiros – Poesia Simbolista, N. Fronteira, RJ
Antologia Poética – Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961
Poesia do Brasil – Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963
Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas – Editora do Autor, RJ, 1966
Manuel Bandeira – Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, RJ
Antologia Poética (nova edição), Editora N. Fronteira, 2001
Manuel Bandeira – Biografia
Manuel Bandeira
QUANDO TUDO ACONTECEU…
1886 – Nasce Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, no Recife, Pernambuco.
1890 – A família se muda para o Rio de Janeiro. De Petrópolis, datam as primeiras reminiscências do poeta, registradas no poema “Infância”.
1892 a 1896 – Volta a Recife. Formação do que considera sua “mitologia”: “os seus tipos, um Totônio Rodrigues, uma Dona Aninha Viegas, a preta Tomásia, velha cozinheira da casa de meu avô, Costa Ribeiro, têm para mim a mesma consistência heróica das personagens dos poemas homéricos”.
1896 -1902 – A família retorna ao Rio de Janeiro e se instala em Laranjeiras. Como intermediário entre a mãe e os quitandeiros, padeiros e açougueiros, conhece a gente humilde da rua, contato que matura sua atitude e, depois, seu estilo poético. Matricula-se no Externato do Ginásio Nacional (atual Pedro II). Desenvolve o gosto pelos clássicos e pela literatura em contato com os professores João Ribeiro e José Veríssimo. Declama, ainda adolescente, uma oitava d’Os Lusíadas para Machado de Assis, no bonde, e se enche de orgulho. Publica o primeiro poema, um soneto em alexandrinos, na primeira página do Correio da Manhã.
1903 -1908 – Parte para São Paulo e matricula-se na escola Politécnica para ser arquiteto. A tuberculose o atinge no fim do ano letivo de 1904, quando abandona os estudos “sem saber que os versos, que eu fizera em menino por divertimento, principiaria então a fazê-los por necessidade, por fatalidade”. Volta ao Rio em busca de clima serrano.
1910 – Influenciado por Apollinaire e outros vanguardistas, escreve os primeiros versos livres. Parte para a Europa e se interna no Sanatório de Clavadel, onde conhece Paul Eugène Grindel (que será famoso mais tarde como Paul Éluard).
1914 – Com a guerra, volta ao Rio.
1916 – Morre a mãe, Francelina Ribeiro de Souza Bandeira.
1917 – Publica Cinza das Horas, ainda ao gosto simbolista, cujos 200 exemplares são custeados pelo autor.
1918 – Falece a irmã, Maria cândida de Souza Bandeira, sua enfermeira desde
1904. 1919 – Publica Carnaval.
1920 – Falece o pai, Manuel Carneiro de Souza Bandeira, e o poeta se muda para o Rio, na Rua do Curvelo, onde ficará até 1933. Ali escreve os livros O Ritmo Dissoluto (publicado em 1924), Libertinagem (1930), partes de Estrela da Manhã (1936) e Crônicas da Província do Brasil (1936).
1921 – Conhece Mário de Andrade.
1922 – Não participa da Semana de Arte Moderna, mas se aproxima de vários modernistas. Falece o irmão, Antônio Ribeiro de Souza Bandeira.
1925 – Ganha o primeiro dinheiro com literatura, 50 mil réis, colaborando para o Mês Modernista, do Jornal A Noite.
1929 – 30 – Escreve crônicas semanais para o Diário Nacional e para várias rádios, além de traduções e biografias.
1937 – Ganha, aos cinqüenta e um anos, com o Prêmio da Sociedade Felipe de Oliveira (5 mil cruzeiros), o primeiro lucro material com a poesia. “Nunca eu vira até aquela data tanto dinheiro em minha mão”.
1938 – Nomeado pelo Ministro Gustavo Capanema professor de literatura do Colégio Pedro II.
1940 – Eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Inclui nas Poesias Completas o volume Lira dos Cinquent’anos.
1943 – Assume a cadeira de Literatura Hispano-americana na Faculdade Nacional de Filosofia.
1946 – Recebe o prêmio de poesia do IBEC (50 mil cruzeiros).
1948 – Sai Belo Belo, com a nova edição das Poesias Escolhidas.
1949 – Lança a primeira edição de Mafuá do Malungo, versos de circunstância, impresso em Barcelona por João Cabral de Melo Neto.
1954 – Publica Itinerário de Pasárgada (Memórias) e De Poetas e de Poesia (crítica).
1957 – Publica as crônicas Flauta de Papel. 1960 – Lança Estrela da Tarde .
1966 – Nos seus oitenta anos, a Editora José Olympio lança Estrela da Vida Inteira (poesias) e Andorinha Andorinha (crônicas organizadas por Carlos Drummond de Andrade).
1968 – Morre Manuel Bandeira.
RECIFE EM VERSOS
Eles vêm chegando, um a um. Cumprimentam-se emocionados. Sentam-se à mesa do Restaurante Reis, reservada para o reencontro histórico. Não se viam desde a homenagem, em 1936, ao poeta e amigo comum, nos seus cinquent’anos. Mário de Andrade é o primeiro a se manifestar.
– Aqui Bandeira se reunia com Jaime Ovalle, Osvaldo Costa, eu mesmo, quando vinha ao Rio e você, Milano, pra comer o que ele chamava de nosso “prato de resistência”. Era o “Bife à Moda da Casa”.
– E que acabou sendo o nome de uma das crônicas que escreveu para o “Mês Modernista” do Jornal A Noite, em 1925, diz Dante Milano.
– Aliás, crônicas que escreveu por minha insistência, lembra Mário.
– Sobre isso, Bandeira deixou o seguinte registro: “No prato do restaurante entrava de tudo: era uma mixórdia, que entupia. Assim a minha colaboração, onde havia um cocainômano que rezava: ‘O pó nosso de cada dia nos dai hoje…’, e depois da ‘Lenda Brasileira’ e da Notícia tirada de um Jornal’, este ‘Dialeto Brasileiro’, escrito especialmente para irritar certos puristas”…, recita Milano.
Entre um gole e outro, Gilberto Freyre lembra nostálgico:
– Em 1929, Manuel não queria deixar o Recife, na sua segunda visita, sem ver um Maracatu. Cheguei a escrever uma nota sobre esse dia: “O Maracatu do beco de Cruz das Almas se aproximou do poeta com todo o vagar. O poeta esperou-o parado, até que se encontraram, o barulho do Maracatu já enorme. A emoção do poeta foi enorme. Seus olhos se arregalaram. Por um momento, o menino que nunca morreu nele, dominou o homem. O homem é que ficou pequeno e secundário. Quase ridículo, com seus óculos e seu dente chumbado a ouro. Nessa noite, completou-se a intimidade profunda, que se rompera no Rio e em São Paulo, de Manuel Bandeira com o Recife. Talvez eu não exagerasse dizendo que foi um dos instantes mais dramáticos na vida de Manuel Bandeira. O que faltava à “Evocação do Recife” se apossou dele no silencio daquela noite – o ritmo do Maracatu..”
– Aliás, o poema “Evocação do Recife”, que é de Libertinagem (1930), foi um pedido seu, né Freyre?”, diz Mário.
– É mesmo; eu lhe pedi o poema sobre o Recife e é um dos maiores poemas que já se fizeram em nossa língua. Escrevi sobre isso na Homenagem a Manuel Bandeira (edição de duzentos e um exemplares, custeados pelos amigos e promovida por Rodrigo M. F. Andrade) : “O pedido foi uma sem-cerimonia; foi mesmo um atrevimento. Mas deu certo. Esplendidamente certo. O poema de encomenda deu certo”. (E se põe a lembrar alguns versos da “Evocação”):
Rua da União…
Como eram lindos os nomes das rua da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade…
… onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora…
… onde se ia pescar escondido
Capiberibe
– Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Ouvindo a conversa na mesa ao lado, uma leitora folheia o Itinerário de Pasárgada, memórias escritas por Bandeira a pedido de Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, em 1954.
Encontra uma curiosa passagem: “Na ‘Evocação do Recife’ as duas formas ‘Capiberibe – Capibaribe’ têm dois motivos. O primeiro foi um episódio que se passou comigo na classe de Geografia do Colégio Pedro II. […] Certo dia, [o professor José Veríssimo] perguntou à classe: “Qual o maior rio de Pernambuco?
‘Não quis eu que ninguém se antecipasse e gritei imediatamente do fundo da classe: ‘Capibaribe!’ Capibaribe com a, como sempre tinha ouvido dizer no Recife.
Fiquei perplexo quando Veríssimo comentou, para grande divertimento da turma: ‘Bem se vê que o senhor é um pernambucano! “(pronunciou ‘pernambucano’ abrindo bem o e) e corrigiu; ‘Capiberibe’. Meti a viola no saco, mas na ‘Evocação’ me desforrei do professor”.
A outra intenção para a repetição era musical: “Capiberibe a primeira vez com e, a segunda com a, me dava a impressão de um acidente, como se a palavra fosse uma frase melódica dita na segunda vez com bemol na terceira nota. De igual modo, em ‘Neologismo’ o verso ‘Teodoro, Teodora’ leva a mesma intenção, mais do que o jogo verbal.”
A leitora relembra o poema “Neologismo”, do livro Belo Belo, de 1948:
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
A INFÂNCIA E O COTIDIANO
A leitora ergue os olhos para a mesa ilustre. Milano está de pé lendo o que escreveu na edição de Homenagem, em 1936:
– “Só quando alguém é verdadeiramente poeta é que seu olhar abre um claro na vida e consegue descobrir a poesia de toda as coisas, visíveis mas ignoradas”.
– Isso quem ensinou a ele foi o pai, diz Ribeiro Couto, vizinho do poeta quando este veio ao Rio após a morte do pai de Bandeira em 1920. Está dito no Itinerário, comenta Couto. Tira o livro da maleta marrom e procura o trecho (enquanto a leitora voraz, que a tudo acompanha, tenta encontrar apressadamente as mesmas páginas).
– O pai havia pedido a um mendigo que recitasse versos para ganhar uns trocados. O sujeito solta logo uma décima e os versos finais diziam: “Tive um amores…Vendi-os/ Tive uns chinelos…Deixei-os”. Veja o que diz o aprendiz Bandeira: “Assim, na companhia paterna, ia-me embebendo dessa idéia de que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas. O próprio meu pai era um grande improvisador de nonsenses líricos”…
Ao lado, a atenta leitora pensa logo na frase do poeta: “A poesia é feita de pequeninos nadas” e abre a página do poema “Madrigal tão Engraçadinho”, do livro Libertinagem (1930):
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida,
[inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos].
Enquanto lê, ela se dá conta de que há uma emoção elevada difusa e escondida no mundo das pequenas coisas do dia-a-dia. A poesia, então, parece ser desentranhada do chão do cotidiano mais prosaico e brotar inesperadamente, num súbito alumbramento.
Os amigos vizinhos pedem mais uma rodada de chopp.
Couto insiste nos anos de formação do poeta:
– O Milano acertou quando escreveu anos atrás: “Há um menino saci que brinca nos olhos espertos dele, através dos óculos”. É que Bandeira descobre o segredo de sua poesia quando identifica a emoção da infância com a de natureza artística . Está aqui nessa passagem do Itinerário: “[…] o conteúdo emocional daquelas reminiscências da primeira meninice [quando tinha três anos em Petrópolis e, depois, dos seis aos dez , no Recife] era o mesmo de certos raros momentos em minha vida de adulto: num e noutro caso alguma coisa que resiste à análise da inteligência e da memória consciente, e que me enche de sobressalto ou me força a uma atitude de apaixonada escuta”.
Murilo Mendes, até então silencioso, explica:
– Talvez por essa razão, Bandeira tenha sido o poeta em cujos versos eu mais me conheci e em cuja poesia eu achei o complemento da minha sensibilidade. As estrofes finais do poema “Infância”(Belo Belo), por exemplo, são marcas dessa aprendizagem funda, que transforma “em beleza e clarão, seus desalentos, seus desencantos” (como escrevi certa vez).
Permitam-me relembrá-las:
Descoberta da rua!
Os vendedores a domicílio.
Ai mundo dos papagaios de papel, dos piões, da amarelinha!
Uma noite a menina me tirou da roda de coelho-sai, me levou,
[imperiosa e ofegante, para um desvão da casa de Dona Aninha
[Viegas, levantou a sainha e disse mete.
Depois meu avô… Descoberta da morte!
Com dez anos vim para o Rio.
Conhecia a vida em suas verdades essenciais.
Estava maduro para o sofrimento
E para a poesia!
O POETA E A DOENÇA
– E ainda se dizia um poeta menor! diz Murilo Mendes.
– O pai queria que fosse arquiteto, recorda Pedro Dantas, mas Bandeira adoeceu ao fim do primeiro ano letivo da Escola Politécnica de São Paulo, em 1904. A poesia foi seu antídoto ao tédio. Sempre se achou um poeta de desabafos e circunstâncias. Onde mesmo ele fala sobre isso, Couto?
– Deixe-me ver… (folheia o Itinerário). Aqui está: “Tomei consciência de que era um poeta menor; que me estaria para sempre fechado o mundo das grandes abstrações generosas; que não havia em mim aquela espécie de cadinho onde, pelo calor do sentimento, as emoções morais se transmudam em emoções estéticas: o metal precioso eu teria que sacá-lo a duras penas, ou melhor, a duras esperas, do pobre minério das minhas pequenas dores e ainda menores alegrias”. Para ele, Cinza das Horas, seu primeiro livro em 1917, não passava de “queixumes de um doente desenganado”…
A leitora, sem perder uma linha sequer das falas vizinhas, lembra os primeiros versos do poema “Desencanto”:
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Como o próprio poeta afirma, a tuberculose teria transformado aquele menino “turbulento, nada sentimental”. Tornara-o paciente, ensinando a humildade. A fiel leitora ouve, na mesa ao lado, Murilo Mendes dizer que “Manuel Bandeira é um franciscano da poesia”. Apura os ouvidos para entender melhor.
– Na mesma Homenagem, em que todos vocês escreveram, explico assim: “[Bandeira] chega a elogiar e exaltar as coisas mais desprezíveis, os bichos mais abandonados, os objetos que não teriam destaque nem mesmo na casa dos dois mil réis. Há uma absoluta ausência de banhas nessa poesia esquemática e ascética: entendo que o poeta Manuel Bandeira, por esta ou aquela razão – aceito também a de ordem fisiológica – exerce na sua vida e na sua arte um método de despojamento, de desenfartamento que o afasta do espírito capitalista”. É o que penso até hoje.
– Simplicidade talvez seja a palavra mais justa para sua poesia, diz Jorge de Lima, recolhido até então a um canto silencioso. Eu mesmo, dizem por aí, fui convertido pelo poeta de “Evocação do Recife”, ao tentar fazer uma pilhéria, um pastiche com esse poema. Acabei dedicando ao amigo o poema “O Mundo do Menino Impossível”.
– Melhor ainda seria falar de uma “sublime humildade”, fruto de uma lenta aprendizagem do estilo, diz Mário. Foi no Morro do Curvelo, nos anos vinte, no andar mais alto de um velho casarão em ruínas, no convívio com a garotada “sem lei nem rei”, e na observação da pobreza, que Bandeira diz ter reaprendido os caminhos da infância. Diz ainda no Itinerário que a rua ensinou-lhe o “elemento do humilde cotidiano”, que não resultava, portanto, de nenhuma intenção modernista..
– Mas Mário, você mesmo o chamou de “São João Batista do Modernismo”, diz Gilberto Freyre. Não posso crer que não tenha havido influências dos modernistas na sua poesia. E vice-versa, claro. Basta lembrar de “Pneumotórax” ou “Pensão Familiar”. Afinal, ele termina sua “Poética” num grito definitivo: “- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação”…
Manuel Bandeira
ENTRE A TRADIÇÃO E O MODERNISMO
– Concordo com você, Freyre, responde Mário; cheguei mesmo a dizer, numa das correspondências que mantive por mais de duas décadas com Manú (apelido que eu gostava porque lhe dava um ar de deus indiano), a seguinte frase: “Você em poesia nasceu vestido pra inverno lapão. Foi tirando as roupas aos poucos. Hoje você é um poeta nu.”
– E se deve isso ao modernismo? interfere Jorge de Lima.
– É que Bandeira aproveitou do modernismo o que já dispunha em latência, explica Mário. E quanto mais pessoais são seus versos, mais se despersonaliza, mais é toda gente… Relembro o que escrevi num ensaio sobre ele: “[…] a rítmica dele acabou se parecendo com o físico de Manuel Bandeira. Raro uma doçura franca de movimento. Ritmo todo de ângulos, incisivo, em versos espetados, entradas bruscas, sentimento em lascas, gestos quebrados, nenhuma ondulação”.
– Como o verso final do poema “Cacto”, comenta Nava: “Era belo, áspero, intratável”.
A leitora, então, começa a pensar em outros poemas “intratáveis” do poeta e cantarola baixinho os versos do “Noturno da Parada Amorim”, do livro Libertinagem, a seu ver de inegável influência surrealista:
O violoncelista estava a meio do Concerto de Schumann
Subitamente o coronel ficou transportado e começou a gritar:
[-Je vois des anges! Je vois des anges!
[E deixou-se escorregar sentado pela escada [abaixo.
O telefone tilintou.
Alguém chamava?… Alguém pedia socorro?…
Mas do outro lado não vinha senão o rumor de um pranto
[desesperado!…
(Eram três horas.
Todas as agências postais estavam fechadas.
Dentro da noite a voz do coronel continuava a gritar: – Je vois des
[anges! Je vois des anges!
A discussão ao lado começa a ficar agitada:
– Para mim, diz Dante Milano, o modernismo fez a passagem, no poeta Bandeira, da melancolia de uma “vida que podia ter sido e que não foi” (verso de “Pneumotórax”), para outra que “ficava cada vez mais cheia de tudo”, do poema “Canção do Vento e da Minha Vida”, da Lira dos Cinquent’anos. Aliás, essa idéia não é minha, não. É de Otto Maria Carpeaux, que infelizmente não pode vir…
– Bandeira sempre resistiu a “militar” no movimento modernista, explica Mário. Ele dizia: “Pouco me deve o movimento: o que eu devo a ele é enorme. Não só por intermédio dele vim a tomar conhecimento da arte de vanguarda na Europa (da literatura e também das artes plásticas e da música), como me vi sempre estimulado pela aura de simpatia que me vinha do grupo paulista”. Mas não quis participar da Semana de Arte Moderna para não atacar publicamente os parnasianos e simbolistas…
– A quem, afinal, deve suas primeiras influências, acrescenta Freyre. Mas, prossegue, quando Guilherme de Almeida revelou aos paulistas o poema “Os Sapos”, do livro Carnaval, em 1919, os modernistas o adotaram e Ronald de Carvalho leu o texto bravamente no Teatro Municipal, em 22, sob vaias do público contrário ao movimento.
Pedro Dantas puxa o coro da primeira estrofe e do refrão:
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
“Meu pai foi à guerra!”
“Não foi”- “Foi”- “Não foi”.
– Aliás, diz Mário, houve até uma revista que exagerou na crítica ao Carnaval: “O Sr. Manuel Bandeira inicia o seu livro com o seguinte verso: ‘Quero beber! cantar asneiras..’ Pois conseguiu plenamente o que desejava.”
Entre as risadas, Jorge de Lima lembra que o terceiro livro, O Ritmo Dissoluto, de 1924, também gerou mal-estar em alguns críticos; no entanto, Bandeira o considerava seu “livro de transição” e explica com as palavras do poeta do Itinerário.
– “Transição para quê? Para a afinação poética dentro da qual cheguei, tanto no verso livre como nos versos metrificados e rimados, isso do ponto de vista da forma; e na expressão das minhas idéias e dos meus sentimentos, do ponto de vista do fundo, à completa liberdade de movimentos, liberdade de que cheguei a abusar no livro seguinte, a que por isso mesmo chamei de Libertinagem”.
QUANDO A POESIA SE FAZ MÚSICA
– Não é d’ O Ritmo dissoluto aquele poema musicado por Jaime Ovalle, o “Berimbau”? pergunta Murilo Mendes.
– É sim, responde Mário. Bandeira dizia que “Berimbau” era a sua “Amazônia que não vi”… Os compositores sempre viram uma “música subentendida” em seus versos. A lista dos textos musicados é enorme, principalmente os de fundo popular: “Trem de Ferro” (musicados quatro ou cinco vezes, uma delas por Vieira Brandão), “Irene no Céu”(por Camargo Guarnieri), “Na Rua do Sabão” (por Siqueira) etc. Há também os casos de textos para melodias já existentes, como o “Azulão” (de Jaime Ovalle) e “Modinha”, de Villa-Lobos.
– Aliás, acrescenta Couto, Villa-Lobos musicou muito bem o poema “Debussy”, do livro Carnaval, chamando-o “O Novelozinho de Linha”. No verso repetido “para cá, para lá”, Bandeira afirma ter tido a intenção de reproduzir a linha melódica do autor de La Fille aux Cheveux de Lin.
– Para mim, retruca Mário, o poema evoca bem mais Eric Satie…. A fatura é esplêndida, mas não tenho a “sensação Debussy” ao ler seus versos.
– O fato é que a peça acabou vaiada na semana de Arte Moderna, lembra Pedro Nava.
Mas vejam como os versos balançam como a melodia:
Para cá, para lá…
Para cá, para lá…
Um novelozinho de linha…
Para cá, para lá…
Para cá, para lá…
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai…)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
– Psiu… –
Para cá, para lá…
Para cá e …
– O novelozinho caiu
INFLUÊNCIAS
Manuel Bandeira
– A repetição de versos, às vezes de estrofes inteiras, se deve mesmo à influência da música, explica Mário. “Sinto que na música é que conseguiria exprimir-me completamente”, dizia o poeta. “Tomar um tema e trabalhá-lo em variações ou, como na forma sonata, tomar dois temas e opô-los, fazê-los lutarem, embolarem, ferirem-se e estraçalharem-se e dar a vitória a um ou, ao contrário, apaziguá-los num entendimento de todo repouso … creio que não pode haver maior delícia em matéria de arte”… Ele também aproveitava versos de cantigas de roda ( “Bão Balalão, Senhor Capitão”, “O anel que tu me deste” e outras), além de trovas populares, coplas de zarzuelas, couples de operetas francesas…
– Soube que o verso livre foi uma conquista difícil para seu espírito habituado ao clássico, diz Ribeiro Couto. O ritmo metrificado foi aos poucos cedendo, por força – vejam só! – dos exercícios de traduções em prosa (principalmente as de Poe por Mallarmé, sem esquecer que o próprio Bandeira foi um grande tradutor de poesias…), menus, receitas de cozinha, fórmulas de preparados para pele, como esta que está no Itinerário:
Óleo de rícino
Óleo de amêndoas doces
Álcool de 90º
Essência de rosas.
– A outra influência certamente foi o desenho, diz Murilo Mendes, mais ainda do que a pintura. Ele buscava “uma linha sem ponto morto”, “uma linha viva”, como ele dizia. Bandeira também desenhava. E bastante bem.
– Pedimos mais uma rodada? pergunta Milano.
– Sim, responde Freyre, ainda há tanto por lembrar… Afinal, virá ou não Tristão de Ataíde? Gostaria de ouvi-lo falar da fonte lusitana na poesia bandeiriana.
– Na ausência dele, anima-se Pedro Dantas, permitam-me reler o que eu disse na Homenagem: “Manuel Bandeira é, pois, um clássico, o nosso grande clássico, pela língua que escreve, pela técnica, pelo espírito. Se quiséssemos traçar-lhe uma ascendência, seria a grande linhagem da lírica portuguesa, dos trovadores palacianos, passando por Sá de Miranda, Camões e Bocage, até Antero de Quental e Antônio Nobre.”
A leitora, que havia se distraído da conversa envolta nos poemas musicais, relembra o que disse Adolfo Casais Monteiro quando revela o poeta brasileiro aos portugueses, nos anos 40. O trecho ainda está vivo em sua memória: “[…] a doença, que levou o poeta a esse ‘gosto da tristeza’[…] parece tê-lo guiado por um caminho inteiramente diferente do que seguiu, por exemplo, um Nobre […] Enquanto Nobre é um temperamento que se derrama pelas coisas e se entrega ao sofrimento, dir-se-ia que Bandeira o cultiva, se defende dele por uma “aceitação céptica”: Manuel Bandeira cultiva a dor mas não a doença. E neste traço de sua fisionomia já podemos distinguir um dos veios essenciais da obra: o interferir da inteligência nos caminhos da sensibilidade e do instinto.”
PROCESSO CRIATIVO
De repente, a leitora sente um sobressalto. Ao lado, Murilo Mendes fala em “transe inconsciente”, “poemas feitos em sonhos”. Ela se inclina, curiosa.
– É o caso do poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, diz Mendes, o de mais longa gestação. Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o nome “pasárgada”, campo dos persas, num autor grego e imaginou um jardim das delícias. Vinte anos depois, na Rua do Curvelo, desanimado pelos impedimentos da doença, saltou-lhe o grito: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Conta o poeta: “Senti na redondilha a primeira célula do poema “. Tenta escrever, mas fracassa. Anos depois, “o mesmo desabafo de evasão da ‘vida besta’. Desta vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim”. Como disse Casais Monteiro, “Pasárgada é o mundo em que o poeta já não é tísico”, onde a mais doida fantasia é o cotidiano do homem normal…
– Outros poemas também foram criados sem controle da consciência, lembra Mário, como a “Última Canção do Beco”.
– Esse poema já é dos tempos da Rua Moraes e Valle, diz Pedro Nava. Bandeira mudou-se pra lá em 1933. Sua vista se detinha no becozinho sujo, onde viviam as lavadeiras, costureiras, garçons de cafés. Dali datam os poemas de Estrela da Manhã (1936) e Lira dos Conquent’anos (1940). Dali também vem o seu “sentimento de solidariedade com a miséria”, tão bem expresso no “Poema do Beco”.
A leitora recorda o dístico inesquecível:
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
– O que eu vejo é o beco.
– Mas, sobre o transe, prossegue Mendes, foi no dia de se mudar de lá, exausto após a arrumação, que ele conta como se deu o fenômeno: “De repente a emoção se ritmou em redondilhas, escrevi a primeira estrofe, mas na hora de vestir-me para sair, vesti-me com os versos surdindo na cabeça, desci à rua, no Beco das Carmelitas me lembrei de Raul de Leoni, e os versos vindo sempre, e eu com medo de esquecê-los . Tomei um bonde, saquei do bolso um pedaço de papel e um lápis, fui tomando as minhas notas numa estenografia improvisada, senão quando lá se quebrou a ponta do lápis, os versos não paravam… Chegando ao meu destino pedi um lápis e escrevi o que ainda guardava de cor… De volta à casa, bati os versos na máquina e fiquei espantadíssimo ao verificar que o poema se compusera, à minha revelia, em sete estrofes de sete versos de sete sílabas”.
Impressionada, a leitora abre a página do poema e nota a regularidade na segunda estrofe, sua preferida:
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
POESIA DA AUSÊNCIA
Manuel Bandeira
A idéia do quarto como resguardo da memória ocupa a mente da leitora. Interessante como o poeta, recolhido no seu isolamento de doente, se abre para o mundo, para a vida boêmia da Lapa, para a pobreza, para os amigos. É mesmo a “evasão para o mundo”, como dizia Sérgio Buarque de Holanda. A leitora pensa ainda no tema do vazio, das ausências, das perdas, da morte, das separações. O poeta recolhe no seu quarto as experiências do mundo à sua volta e as eterniza na poesia! Poeta da “integritas”, exclama! Como no poema “Gesso”, fragmentos diversos, metonímias da experiência se reencontram numa nova unidade Algo que está fadado à extinção permanece na poesia e as faltas, as ausências, ganham corporeidade nas imagens líricas…. A leitora vibra com sua descoberta e começa a procurar os exemplos de como a melancolia se transmuda em luto ao longo da obra.
Lembra de alguns versos de “Belo Belo”:
[…] Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo – que foi? passou – de tantas estrelas cadentes.
[…]
Os mortos, reflete a leitora, habitam a poesia e amparam o poeta em sua solidão. Busca-se prousthianamente o tempo perdido.
Sem esforço, saltam-lhe os versos finais do poema “Profundamente”, com o famoso tema bíblico, medieval e agora moderno, do “Ubi sunt?”:
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
– Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo Profundamente.
A leitora sai de seu transe hipnótico ao ouvir gargalhadas ao lado.
É Couto relembrando a entrada do poeta na Academia Brasileira de Letras, em 1940:
Manuel Bandeira 1940 – 54 anos
– Ele não queria de jeito nenhum vestir o fardão. E além do mais, dizia que ouro, louro e imortalidade o horrorizavam. Mas acabou aceitando e, de vez em quando, batia boca com Olegário Mariano por causa dos prêmios de poesia…
Faz-se um silêncio solene. Gilberto Freyre resolve quebrar o clima:
– Afinal, pergunta, Bandeira era ou não era um amante contumaz?
Os amigos se entreolham. Ninguém arrisca. Mário hesita:
– Bem…
Jorge de Lima, piscando muito os olhos, ousa um pouco mais:
– Dizem que nunca realizou o amor…
– Mas amou tanto em versos! Como é possível? exclama Milano.
– Soube que confessou uma grande paixão, até hoje incógnita, e que a ela teria dedicado o poema e o livro “Estrela da Manhã”, diz Couto.
– Para ele, diz Mário, o melhor jeito de se livrar de uma obsessão era fazendo uma cantiga, um poema… De que outro modo, sabendo-se desenganado aos dezoito anos, teria sobrevivido até os oitenta e dois? Lembram-se do que disse o médico em Clavadel, em 1914? “O Sr. tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida; no entanto está sem bacilos, como bem, dorme bem, não apresenta, em suma, nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos… Quem poderá dizer?…”
– E continuou a esperar a morte, vivendo como que provisoriamente, diz Pedro Dantas.
– E com que naturalidade a esperou em “Consoada” (Opus 10, 1952)! diz Jorge de Lima, recordando os versos finais:
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
A leitora sorri. Pensa que o maior acontecimento da vida do poeta foi mesmo o texto. Fecha o livro.
Lembra a frase de Bandeira: “Sei, por experiência, que no Brasil todo sujeito inteligente acaba gostando de mim”. Levanta-se e se dirige à mesa vizinha.
Cumprimenta cada um dos sete amigos. Confessa ter sido testemunha participante do reencontro e anuncia que registrará em breve o que ouviu e aprendeu.
Fonte: br.geocities.com/en.wikipedia.org/www.vidaslusofonas.pt
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