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Crônica do Viver Baiano Seiscentista
Quando escrevo para todos
que não falo em cultos modos,
mas em frase corriqueira
Os doutos estão nos cantos
os ignorantes na Praça
Eu não me quero emendar,
pois faço versos em rimas,
e às unhadas os sujeito
de quem os corta, e belisca.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
1 – ÂNGELA
Pertende o Poeta casar-se com esta Senhora, e por se
achar alcançado em annos, e abatido em bens, Intro-
duzio amizade com seo Irmão o Capitão Francisco
Moniz de Souza fazendo especial menção delle na festa
das virgens e depois com hum soneto, e varias obras
pertendendo assim introduzir-se naquella casa. Posto
com effeyto nella, vio huma manhãa de Natal as tres
Irmãas, a cuyas vistas fez as seguintes décimas
Manuel Pereira Rabelo, licenciado
que digo eu? este mundo inteiro
namorei eu tão primeiro,
que nisto de namorar
podeis vós comigo estar
a soldada de Escudeiro.
são feias, mas são mulheres
VIO HUMA MANHÃA DE NATAL AS TRES IRMÃAS, A CUJAS
VISTAS FEZ AS SEGUINTES DÉCIMAS
1 Numa manhã tão serena
como entre tanto arrebol
pode caber tanto sol
em esfera tão pequena?
quem aos pasmos me condena
da dúvida há de tirar-me,
e há de mais declarar-me,
como pode ser ao certo
estar eu hoje tão perto
de três sóis, e não queimar-me.
2 Onde eu vi duas Auroras
com tão claros arrebóis,
que muito visse dois sóis
nos raios de três Senhoras:
mas se as matutinas horas,
que Deus para aurora fez,
tinham passado esta vez,
como pode ser, que ali
duas auroras eu vi,
e os sóis eram mais de três?
3 Se lhes chamo estrelas belas,
mais cresce a dificuldade,
pois perante a majestade
do sol não luzem estrelas:
seguem-se-me outras seqüelas,
que dão mais força à questão,
com que eu nesta ocasião
peco à Luz, que me conquista,
que ou me desengane a vista,
ou me tire a confusão.
4 Ou eu sou cego em verdade
e a luz dos olhos perdi,
ou tem a luz, que ali vi,
mais questão, que a claridade:
cego de natividade
me pode o mundo chamar,
pois quando vim visitar
a Deus em seu nascimento,
me aconteceu num momento,
vendo a três luzes, cegar.
AO MESMO ASSUMPTO
Debuxo singular, bela pintura,
Adonde a Arte hoje imita a Natureza,
A quem emprestou cores a Beleza,
A quem infundiu alma a Formosura. Esfera breve: aonde por ventura
O Amor, com assombro, e com fineza
Reduz incompreensível gentileza,
E em pouca sombra, muita luz apura.
Que encanto é este tal, que equivocada
Deixa toda a atenção mais advertida
Nessa cópia à Beleza consagrada?
Pois ou bem sem engano, ou bem fingida
No rigor da verdade estás pintada,
No rigor da aparência estás com vida.
Vejo-me entre as incertezas
Vejo-me entre as incertezas
de três Irmãs, três Senhoras,
se não três sóis, três auroras,
três flores, ou três belezas:
para sóis têm mais lindezas
que aurora mais resplandor,
muita graça para flor,
e por final conclusão
três enigmas do Amor são,
mais que as três cidras do Amor.
PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A
FORMOSURA DE D. ANGELA.
Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.
Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.
Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.
RETRATA O POETA AS PERFEIÇÕES DE SUA SENHORA A
IMITAÇÃO DE OUTRO SONETO QUE FEZ FELIPPE IV À HUMA
DAMA SOMENTE COM TRADUZI-LO NA LINGUA PORTUGUEZA
Se há de ver-vos, quem há de retratar-vos,
E é forçoso cegar, quem chega a ver-vos,
Se agravar meus olhos, e ofender-vos,
Não há de ser possível copiar-vos.
Com neve, e rosas quis assemelhar-vos,
Mas fora honrar as flores, e abater-vos:
Dois zéfiros por olhos quis fazer-vos,
Mas quando sonham eles de imitar-vos?
Vendo, que a impossíveis me aparelho,
Desconfiei da minha tinta imprópria,
E a obra encomendei a vosso espelho.
Porque nele com Luz, e cor mais própria
Sereis (se não me engana o meu conselho)
Pintor, Pintura, Original, e Cópia.
NO DIA EM QUE FAZIA ANNOS ESTA DIVINA BELLEZA; ESTE PORTENTO DE FORMOSURA
DONA ANGELA, POR QUEM O POETA SE CONSIDERAVA AMOROSAMENTE PERDIDO, E QUASI
SEM REMEDIO PELA GRANDE IMPOSSIBILIDADE DE PODER LOGRAR SEUS AMORES: CELEBRA
OBSEQUIOSA, E PRIMOROSAMENTE SUAS FLORENTES PRIMAVERAS COM ESTA LINDISSIMA
CANÇÃO.
1 Pois os prados, as aves, as flores
ensinam amores,
carinhos, e afetos:
venham correndo
aos anos felizes,
que hoje festejo:
Porque aplausos de amor, e fortuna
celebrem atentos
as aves canoras
as flores fragrantes
e os prados amenos. 2 Pois os dias, as horas, os anos
alegres, e ufanos
dilatam as eras;
Venham depressa
aos anos felizes,
que Amor festeja.
Porque aplausos de amor, e fortuna
celebrem deveras
os anos fecundos,
os dias alegres,
as horas serenas.
3 Pois o Céu, os Planetas, e Estrelas
com Luzes tão belas
auspiciam as vidas,
venham luzidas
aos anos felizes
que Amor publica.
Porque aplausos de amor, e fortuna
celebrem um dia
a esfera imóvel,
os astros errantes,
e as estrelas fixas.
4 Pois o fogo, água, terra, e os ventos
são quatro elementos,
que alentam a idade,
venham achar-se
aos anos felizes
que hoje se aplaudem.
Porque aplausos de amor, e fortuna
celebrem constantes
a terra florida,
o fogo abrasado,
o mar furioso,
e as auras suaves.
ROMPE O POETA COM A PRIMEYRA IMPACIENCIA QUERENDO
DECLARAR-SE E TEMENDO PERDER POR OUZADO.
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
SEGUNDA IMPACIENCIA DO POETA.
Cresce o desejo, falta o sofrimento,
Sofrendo morro, morro desejando,
Por uma, e outra parte estou penando
Sem poder dar alívio a meu tormento.
Se quero declarar meu pensamento,
Está-me um gesto grave acobardando,
E tenho por melhor morrer calando,
Que fiar-me de um néscio atrevimento.
Quem pertende alcançar, espera, e cala
Porque quem temerário se abalança,
Muitas vezes o amor o desiguala.
Pois se aquele, que espera sempre alcança,
Quero ter por melhor morrer sem fala,
Que falando, peder toda esperança.
FALLA O POETA COM SUA ESPERANÇA.
Não te vás, esperança presumida,
A remontar a tão sublime esfera,
Que são as dilações dessa quimera
Remora para o passo desta vida.
Num desengano acaba reduzida
A larga propensão, do que se espera,
E se na vida o adquirir te altera,
Para penar na morte te convida.
Mas voa, inda que breve te discorres,
Pois se adoro um desdém, que é teu motivo,
Quando te precipitas, me discorres.
Que ne obriga meu fado mais esquivo,
Que se eu vivo da causa, de que morres,
Que morras tu da causa, de que vivo.
AUSENTE O POETA DAQUELLA CASA, FALLECEO D. THEREZA HUA
DAS IRMÃS, E COM ESTA NOTICIA SE ACHOU O POETA COM
VASCO DE SOUZA A PEZAMES, ONDE FEZ O PRESENTE SONETO.
Astro do prado, Estrela nacarada
Te viu nascer nas margens do Caípe
Apolo, e todo o coro de Aganipe,
Que hoje te chora rosa sepultada.
Por rainha das flores aclamada
Quis o prado, que o certo participe
Vida de flor, adonde se antecipe
Aos anos a gadanha coroada.
Morrer de flor é morte de formosa,
E sem junções de flor nasceras peca,
Que a pensão de acabar te fez pomposa.
Não peca em fama, quem na morte peca,
Nácar nasceste, e eras fresca rosa:
O vento te murchou, e és rosa seca.
EPITAFIO À MESMA BELLEZA SEPULTADA.
Vemos a luz (ó caminhante espera)
De todas, quantas brilham, mais pomposa,
Vemos a mais florida Primavera,
Vemos a madrugada mais formosa:
Vemos a gala da luzente esfera,
Vemos a flor das flores mais lustrosa
Em terra, em pó, em cinza reduzida:
Quem te teme, ou te estima, ó morte, olvida.
LIZONGEA O POETA A VASCO DE SOUZA FAZENDO
EM SEU NOME ESTA LACRIMIMOSA NENIA.
Morreste, Ninfa bela,
na florescente idade:
nasceste para flor,
como flor acabaste.
Viu-te a Alva no berço,
a Véspora no jaspe,
mimo foste da Aurora,
a lástima da tarde.
O nácar, e os alvores
da tua mocidade
foram, se não mantilhas,
mortalha a teus donaires.
Oh nunca flor nasceras,
Se imitando-as tão frágil,
no âmbar de tuas folhas
te ungiste, e te enterraste.
Morreste, e logo Amor
quebrou arco, e carcases;
que muito se lhe faltas,
que logo se desarme?
Ninguém há neste monte,
ninguém naquele vale,
o cortesão discreto,
o pastor ignorante:
Que teu fim não lamente,
dando aos quietos ares
já fúnebres endechas,
já trágicos romances.
O eco, que responde
a qualquer voz do vale,
já agora só repete
meus suspiros constantes.
A árvore mais forte,
que gemia aos combates
do vento, que a meneia
ou do raio, que a parte,
Hoje geme, hoje chora
com lamento mais grave
forças da tua estrela
mais que a força dos ares.
Os Ciprestes já negam
às aves hospedagem,
porque gemendo tristes,
andarn voando graves.
Tudo enfim se trocou,
montes, penhas, e vales,
o penedo insensível,
o tronco vegetável.
Só eu constante, e firme
choro o teu duro transe,
o mesmo triste sernpre
por toda a eternidade.
Ó alma generosa,
a quem o Céu triunfante
usurpou a meus olhos
para ser lá deidade.
Aqui onde o Caípe
já te erigiu altares
por Deusa destes montes,
e por flor destes vales:
Agrário o teu Pastor
não te forma de jaspes
sepulcro a tuas cinzas
túmulo a teu cadáver.
Mas em lágrimas tristes,
e suspiros constantes
de um mar tira dois rios,
de um rio faz dois mares.
LIZONGEA OS SENTIMENTOS DE DONA VICTORIA COM
ESTE SONETO FEYTO EM SEU NOME.
Alma ditosa, que na empírea corte
Pisando estrelas vais de sol vestida,
Alegres com te ver fomos na vida,
Tristes com te perder somos na morte.
Rosa encarnada, que por dura sorte
Sem tempo do rosal foste colhida,
Inda que melhoraste na partida,
Não sofre, quem te amou, pena tão forte.
Não sei, como tão cedo te partiste
Da triste Mãe, que tanto contentaste,
Pois partindo-te, a alma me partiste.
Oh que cruel comigo te mostraste!
Pois quando a maior glória te subiste,
Então na maior pena me deixaste.
LIZONGEA O SENTIMENTO DE FRANCISCO MONIZ DE SOUZA
SEU IRMÃO FAZENDO EM SEU NOME ESTE SONETO.
Flor em botão nascida, e já cortada,
Tiranamente murcha em flor nascida,
Que nos primeiros átomos da vida,
Quando apenas sois nada, não sois nada. Quem vos despiu a púrpura
corada?
Como assim da beleza estais despida?
Mas ah Parca cruel! Morte atrevida!
Por que cortaste a flor mais engraçada?
Porém que importa, bem que me desvela
Na flor o golpe, se maior ventura
Vos prometo no Céu, bela Teresa.
De flor ao Céu passais a ser estrela,
E não perde de flor a formosura,
Quem no Céu melhor flor logra a beleza.
PERTENDE O POETA CONSOLAR O EXCESSIVO SENTIMENTO DE
VASCO DE SOUZA COM ESTE SONETO
Sôbolos rios, sôbolas torrentes
De Babilônia o Povo ali oprimido
Cantava ausente, triste, e afligido
Memórias de Sião, que tem presentes.
Sôbolas do Caípe águas correntes
Um peito melancólico, e sentido
Um anjo chora em cinzas reduzido,
Que são bens reputados sobre ausentes.
Para que é mais idade, ou mais um ano,
Em quem por privilégio, e natureza
Nasceu flor, a quem um sol faz tanto dano?
Vossa prudência pois em tal dureza
Não sinta a dor, e tome o desengano
Que um dia é eternidade da beleza.
A VISTA DO EXCESSO DE VASCO DE SOUZA PONDERA O POETA,
QUE O VERDADEYRO AMOR, AINDA TIRADA A CAUSA NÃO CESSA
NOS EFFEYTOS, CONTRA A REGRA DE ARISTOTELES.
Errada a conclusão hoje conheça
O Mestre, que mais douto na ciência
Nos deixou em prolóquio sem falência,
Que em a causa cessando, o efeito cessa.
Porque a dor de um Magoado nos confessa,
Que arrastou a Beleza com violência,
Que o que efeito causara uma assistência,
Apartado da causa então começa:
Apartada a Beleza inda lhe causa
Um efeito tão forte, que suspeito,
Que não tem inda a causa feito pausa.
Porque já em domínios de seu peito,
Se na vida a rendia como causa,
Hoje o vence na morte pelo efeito.
LINZONGEA FINALMENTE O POETA COM ESTAS MORALIDADES TRISTES
DE HUMA VIDA FLORECENTE PELAS FRIAS VOCES DAQUELLA SEPULTADA BELLEZA SUA FORMOSAS
IRMÃAS, AVIVANDOLHE OS MOTIVOS DA DOR.
MOTE
Ya que flor, mis Flores, fui
Vuestro exemplo aora soy,
pues de flor a sol subi,
y oy de mi aun sombras doy.
1 En flor, mis Flores, se muere,
quien en la vida fué flor,
que es la muerte com rigor
de las Flores Malmequiere:
quien de vosotras se huviere
desconocido haste aqui,
su triste flor veya en mi
como en un puro cristal,
que espejo soy de su mal,
ya que flor, mis Flores, fui. 2 Triunfar, Flores, en effecto
ya me visteis de la suerte,
si mal me quiso la muerte,
siempre he sido Amor perfecto:
desengañada os prometto
de la ceniza, en que estoy,
pues al sepulchro me voy,
Flores, para que nasci,
que si Perpetua no fui,
Vuestro exemplo aora soy.
3 de aqueste jardin de Flora,
que flagra oloroso aliento,
ya fui gallardo elemento,
ya fui bellissima aurora:
pero, mis Flores, aora
nada soy, de lo que fui,
bien que los habitos di,
con que a los astros llegué,
y en el cielo me quedé,
Pues de flor e sol subi.
4 Alerta, Flores, que ayrada
la rnuerte uzurpa las flores,
en quien colores, y olores
son exemplos de la nada:
alerta pues que prostada
mis brios llorando estoy;
lo que va de ayer a oy
aprended de um muerto sol,
que ayer candido arrebol,
y oy de mi aun sombras doy.
DESTA VEZ SE DEIXOU O POETA ESQUECER NAQUELLA CASA, ESPERANDO OCCASIÃO
DE DECLARAR SE, E SEMPRE SE ACOBARDOU A VISTA DA CAUSA, SEMPRE EM LUTAS COM
O AMOR, E RESPEYTO.
MOTE
Muero por dizir mi mal,
Va-me la vida en callar.
1 Dos vezes muerto me hallo
de los arpones de Amor,
una al dizir mi dolor,
y otra vez quando lo callo.
No sé corno remediarllo,
pues su implicacion es tal,
que hazes mi dolor mortal,
y con peligro tan fiero,
que quando por callar muero,
Muero por dizir mi mal. 2 Aqui el contrario no es medio
de curar a su contrario,
porque el remedio ordinario
no es para mi mal remedio:
yo tengo un azar, um tedio
a todo, lo que es sanar,
porque todo es peligrar;
si callo, pierdo la vida,
y si digo, mi homicida,
Va-me la vida en callar.
ADMIRAVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA DE SEU ATIENCIOSO SILENCIO.
Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro no peito.
TERCEIRA IMPACIENCIA DOS DESFAVORES DE SUA SENHORA.
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero, nem posso descobrir-vos,
Dai-me agora licença de argüir-vos,
Pois para amar-vos tanto me negais.
Por que razão de ingrata vos prezais,
Não pagando-me o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos
Que a ingratidão a formosenta mais.
Não há cousa mais feia na verdade;
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará uma fealdade?
Depois que sois ingrata, me parece
Torpeza hoje, o que ontem foi beldade
E flor a ingratidão, que em flor fenece.
ENCARECE O POETA A GRAÇA E A BIZARRIA COM QUE SUA SENHORA DESEMBARCOU
A SEUS OLHOS E FOY LEVADA POR QUATRO ESCRAVOS.
1 Esperando uma bonança,
cansado já de esperar
um pescador, que no mar
tinha toda a confiança:
receoso da tardança
de um dia, e mais outro dia
pela praia discorria,
quando aos olhos de repente
uma onda lhe pôs patente,
quanto uma ausência encobria.
2 Entre as ondas flutuando
um vulto se divisava,
sendo, que mais flutuava,
quem por ela está aguardando:
e como maior julgando
o tormento da demora
como se Leandro fora,
lançar-se ao mar pertendia,
quando entre seus olhos via
quem dentro em seu peito mora.
3 Mora em seu peito uma ingrata
tão bela ingrata, que adrede
pescando as demais com rede,
ela só com a vista mata:
as redes, de que não trata
vinha agora recolhendo;
porque como estava vendo
todo o mar feito uma serra,
vem pescar almas à terra,
de amor pescadora sendo.
4 Logo que à praia chegou,
tratou de desembarcar,
mas sair o sol do mar
só esta vez se admirou:
tão galharda enfim saltou,
que quem tão galharda a via,
justamente presumia,
para mais abono seu,
que era Vênus, que nasceu
do mar, pois do mar saía.
5 Pôs os pés na branca areia,
que comparada cos pés
ficou pez, em que lhe pes,
porque em vê-la a areia areia:
pisando a margem, que alheia
de um arroio os dois extremos,
todos julgamos, e cremos
Galatéia a Ninfa bela,
pois bem que vimos a Estrela,
fomos cegos Polifemos.
6 Toda a concha, e toda a ostrinha,
que na praia achou, a brio,
mas nenhum aljôfar viu,
que todos na boca tinha:
porém se em qualquer conchinha
pérolas o sol produz,
daqui certo se deduz,
que onde quer, que punha os olhos,
produz pérolas a molhos
pois de dois sóis logra a luz.
7 Em uma portátil silha
ocaso a seu sol entrou,
e pois tal peso levou,
não sentiu peso a quadrilha:
vendo tanta maravilha
tanta luz de monte a monte,
abrasar-se o Horizonte,
temi com tanto arrebol,
pois sobre as Pias do sol
ia o carro de Faetonte.
OUTRA VEZ O ASSALTÃO NOVOS PENSAMENTOS DE DECLARAR-SE, E TEMER.
MOTE
Ay de ti, pobre cuydado,
que en la carcel del silencio
has de tener tu razon,
porque lo manda el respeyto.
1 Si por fuerça del respeyto,
ou floxedad de alvedrio
nasciste, cuydado mio,
tan captivo, y tan sugeto:
y aun eres tan indiscreto,
que de nescio, y porfiado
quieres por lo bien hablado
librar tu innocencia mucha,
con quien te riñe y no escucha,
Ay de ti, pobre cuydado.
2 Cessa y serás escuchado,
que en la quexa de un tormento
las vozes se lleva el viento,
no el alivio, que es passado:
calla, y no hables deslumbrado
al dueño, à quien reverencio,
y sien la quietud, que agencio,
conviene, que mi razon
se prenda, que mas prision,
Que en la carcel del silencio
3 Mi concejo esto contiene,
y porque mejor se entienda,
antes la razon se prenda,
que quien la rason se tiene:
la prudencia lo previene
con viva demonstracion:
tener quieres duracion?
luego debes entender,
que para rason tener
Has de tener tu rason.
4 Y pues dizirla es perderla,
porque hablada va perdida,
tenla en tu pecho escondida,
que assi vendras a tenerla:
no temas el no entenderla
de tu silencio el objecto:
pues callando te prometto,
que en prueba de rnis lealdades
sepan, que callé verdades,
Porque lo manda el respeto.
A VISTA DE HUM PENHASCO QUE VERTENDO FRIGIDISSIMAS AGUAS LHE CHAMÃO
NO CAIPPE A FONTE DO PARAIZO, IMAGINA AGORA O POETA MENOS TOLERAVEL A SUA
DISSIMULAÇÃO.
Como exalas, Penhasco, o licor puro,
Lacrimante a floresta lisonjeando,
Se choras por ser duro, isso é ser brando,
Se choras por ser brando, isso é ser duro.
Eu, que o rigor lisonjear procuro,
No mal me rio, dura penha, amando;
Tu, penha, sentimentos ostentando,
Que enterneces a selva, te asseguro.
Se a desmentir objetos me desvio,
Prantos, que o peito banham, corroboro
De teu brotado humor, regato frio.
Chora festivo já, ó cristal sonoro,
Que quanto choras, se converte em rio,
E quanto eu rio, se converte em choro.
COM O EXEMPLO DO LACRIMOSO PENHASCO ENTRA A SUSPIRAR,
FAZ PAUSA, E RESOLVE ULTIMAMENTE A PROSEGUIR, RESGATANDO
O SILENCIO A NOBREZA DA CAUSA.
Suspiros, que pertendeis
Com tanta despesa de ais,
Se quando um alívio achais,
todo um segredo rompeis?
Não vedes, que a opinião
sente o segredo rompido,
quando no alívio adquirido
Consta a sua perdição?
Não vedes, que se acompanha
o desafogo do peito,
mais se perde no respeito,
do que no alívio se ganha?
Não vedes, que o suspirar
diminui o sentimento,
usurpando ao rendimento
tudo, quanto dais ao ar?
Mas direis, que uma tristeza
publica a sua desgraça,
porque o silêncio não faça
inútil sua fineza.
Direis bem, que o padecer
da beleza é pundonor,
e guardar segredo à dor
será agravar seu poder.
Eia, pois, coração louco,
suspirai, dai vento ao vento,
que tão grande sentimento
não periga com tão pouco.
Quem disser, que suspirais
por dar à dor desafogo,
dizei-lhe, que tanto fogo
ao vento se acende mais.
Não caleis, suspiros tristes,
que importa pouco o segredo
e jamais me vereis ledo,
como algum tempo me vistes.
EM CONTRAPOSIÇÃO DO QUE RESOLVEO, SE ENTREGA O POETA
NOVAMENTE AO SILENCIO, RESPEYTANDO, A QUE OS SUSPIROS
POSTO QUE CONSOLÃO, NÃO ALLIVIÃO POR MENOS NOBRES.
MOTE
Ay de ti, que en tus suspiros
has de lograr el consuelo,
no el alivio, que es culpar
la attencion del rendimiento.
1 Coraçon: siente tu anhelo,
que quien gime en su tormento,
no haze aggravio al sentimiento,
si hallo en sentir consuelo:
gime dentro en tu desvelo,
que ni te oygan tus retiros,
mas si la nota haze tiros,
ay de ti, que en tus razones
faltas a las submissiones?
Ay de ti, que en tus suspiros!
2 Ay de ti, pobre cuydado,
que en un suspiro sentido
si ganas lo divertido
no pierdes lo desdichado!
ay de ti, que desahogado
al ayre vital del cielo
no creyo, que en tu desvelo
algun alivio consigas,
ni pienso, que en tus fadigas
Has de lograr el consuelo.
3 Si el consuelo se quedó,
en quien suspira, en quien llora,
quede el consuelo en buen hora,
mas el alívio esso nó:
el consuelo podrè yo
en un triste assegurar
que el dar suspiros al viento
es culpa del sentimiento
No el alivio, que es culpar.
4 No se alivia, el que suspira,
si gimiendo se consuela,
que como el gimir anhela,
del alivio se retira:
ten pues, cuydado, la mira,
en que no floxa el tormento,
viva intacto el sentimiento,
que bien el de coro observa,
quien siente, calla, y reserva
la attencion del rendimiento
PORFIA O POETA EM LOUVAR SEU NECESSARIO SIIENCIO, COMO
QUEM FAZ VIRTUDE DA NECESSIDADE.
MOTE
Sentir por solo sentir
es el sentir verdadero,
que en saber sentir está
el premio del sentimiento.
1 Coraçon: suffre, y padece,
que quien alivia el tormento
el premio del suffrimiento
nesciamente desmerece:
siente, y en tus dolores cresce:
suffre, que solo el suffrir
sera el rnedio de luzir:
calla, que la causa es tal,
que está mandando a tu mal
Sentir por solo sentir.
2 Sentir, suffrir, y callar
medio será de salvar-te:
pero no sientan llorar-te
porque es arte de aliviar:
el suffrimiento hade estar
sugeto al arpon severo,
evitando el ser grossero
con silencio, o con rason,
que sentir sin reflexion
Es el sentir verdadero.
3 No suffras, por mas suffrir,
que en suffrir por merecer,
la attencion hecha a perder,
quando llega a competir:
nada intentes conseguir,
que es vana gloria, y quisá
que todo se perderá:
la mudez no es meritoria?
Sabe sentir por la gloria,
Que en saber sentir está.
4 Sabe, que ay indignacion,
en quien te puede ultrajar,
que ay aborrecer, y amar,
mas no sepas la razon:
siente tu injusta passion,
mas no sepa el suffrimiento
la causa de tu tormento:
discurre sin discurrir,
que hallarás en tu sentir
El premio del sentimiento.
PERTENDE AGORA PERSUADIR A HUM RIBEYRINHO A QUE NÃO CORRA,
TEMENDO, QUE SE PERCA: QUE HE MUY PROPRIO DE HUM LOUCO ENAMORADO QUERER QUE
TODOS SIGAM O SEU GAPRICHO. E RESOLVE A COBIÇARLHE A LIBERDADE.
Como corres, arroio fugitivo?
Adverte, pára, pois precipitado
Corres soberbo, como o meu cuidado,
Que sempre a despenhar-se corre altivo.
Toma atrás, considera discursivo,
Que esse curso, que levas apressado,
No taminho. que emprendes despenhado
Te deixa morto, e me retrata ao vivo.
Porém corre, não pares, pois o intento,
Que teu desejo conseguir procura,
Logra o ditoso fim do pensamento.
Triste de um pensamento sem ventura!
Que tendo venturoso o nascimento,
Não acha assim ditosa a sepultura.
SOLITARIO EM SEU MESMO QUARTO A VISTA DA LUZ DO CANDIEYRO
PORFIA O POETA PENSAMENTEAR EXEMPLOS DE SEU AMOR NA BARBOLETA.
Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.
Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constancias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
RATIFICA SUA FIDALGA RESOLUÇÃO TIRANDO DENTRE SALAMANDRA
E
BARBOLETA O MAIS SEGURO DOCUMENTO PARA BEM AMAR.
Renasce Fênix quase amortecida.
Barboleta no incêndio desmaiada:
Porém se amando vives abrasada,
Ai como temo morras entendida!
Se te parece estar restituída,
No que te julgo já ressuscitada,
Quanto emprendes de vida renovada,
Te receio na morte envelhecida.
Mas se em fogo de amor ardendo nasces,
Barboleta, o contrário mal discorres,
Que para eterna pena redivives.
Reconcentra esse ardor, com que renasces,
Que se qual Barboleta em fogo morres,
É melhor, Salamandra, o de que vives.
AO RIO DE CAIPPE RECORRE QUEYXOSO O POETA DE QUE SUA
SENHORA ADMITTE POR ESPOSO OUTRO SUJEITO
Suspende o curso, ó Rio, retrocido,
Tu, que vens a morrer, adonde eu morro,
Enquanto contra amor me dá socorro
Algum divertirmento, algum olvido.
Não corras lisonjeiro, e divertido.
Quando em fogo de amor a ti recorro
E quando o mesmo incêndio, em que me torro,
Teu vizinho cristal tem já vertido.
Pois já meu pranto inunda teus escolhos,
Não corras, não te alegres, não te rias,
Nem prateies verdores, cinge abrolhos.
Que não é bem, que tuas águas frias,
Sendo o pranto chorado dos meus olhos,
Tenham que rir em minhas agonias.
IMAGEM SINGULAR DE SUA DESESPERADA PAYXAO, VENDO QUE SUA
SENHORA SEM EMBARGO DE RECEBERLHES SEUS AMOROSOS DIVERTIMENTOS,
ACEYTAVA EM CASAMENTO HUM SUGEYTO MUYTO DA VONTADEDE DE SEUS
PAYS: MAS NEM ESTAS, NEM OUTRAS OBRAS OUSAVA ELLE A CONFIAR MAIS
QUE DO SEU BAUL
Enfim, pois vossa mercê
não ignora, que é forgoso
acomodar co’as desgraças,
e desbaratar ao gosto:
Ouça os últimos suspiros,
de quem no extrerno amoroso
fala com língua de mágoas,
sente com vozes de fogo.
Que nestas minhas ofensas,
e nestes termos suponho,
que fez dita o meu afeto,
do que você fez estorvo.
Pois adorando excessivo,
o que não logrou ditoso,
só da esperança fez caso,
sern dar ousadia ao logro.
Parecia-me, que nunca
chegasse a ser perigoso
venerar no pensamento
faisas idéias de um gosto.
Mas conhecendo mentiras,
quanto me disse o alvoroço,
repiro agora, o que quis
fazendo negaça ao gosto:
Que como em você conhego,
que lhe será mui custoso
sem fazer da pena opróbrio:
Vendo, que minha esperança
acha o bem dificultoso,
e se encontra coas desgraças
na observação do decoro.
Advirto a minha razão
nos extremos de queixoso
com a raiva da fineza
como refúgio do choro.
Porque limitando a pena
àquele afeto amoroso,
cuja firmeza eterniza,
por alívio o desafogo!
Quero, se é, que pode ser
querer, quem por tantos modos
nem para querer lhe deixa
ação tão tirano afogo!
Que veja você sepulta
a presunção do alvoroço,
que na esperança da posse
era o caminho do logro.
Para que em mudos suspiros
melhor segurem meus olhos,
que a influência de estrela
só neste estado me há posto.
E assim só dela. me queixo,
porque fora lance impróprio
clamar contra as divindades
nesta queixa, que a Amor formo.
Com que advertir-lhe é preciso,
que de tudo, o que me dôo,
na execução de agravo
as glórias julgo por sonho.
Pois se cheguei a adorar,
foi preciso tão notório
do destino, a que rendido
para este fim nasci logo,
E o pertender suspirando
com um desvelo, e com outro
foram protestos do incêndio,
foi do excessivo acordo.
Idolatrar um prodígio,
não foi prodígio, nem noto,
que o rendimento, e desvelo
ficassem acaso opostos:
Porque advertindo, que o céu,
e o Planeta Luminoso
jurararn pleito homenagem
na beleza desse rosto:
O conhecer Liberdade
à vista de tanto assombro
fora, perdendo os sentidos
ser indiscreto e ser louco.
CHORA O POETA A ULTIMA RESOLUÇÃO DE SEU IDOLATRADO
IMPOSSIVEL TAM MERECEDORA DESTES DELICADOS VERSOS
Alto: divino impossível,
de cuja dificuldade,
formosura, e discrição
qual é maior, não se sabe.
Se impossível pelo estado,
a dificuldade é grande,
pois casada, e a teu gosto
que força há de conquistar-te?
Se impossível na dureza,
a ser pedra incontrastável,
basta ser de lavradora,
para que nunca se lavre.
Se impossível pelo estorvo
da família vigilante
é o impossível maior,
que ao meu coração combate.
Mas se és, divino impossível,
de tão alta divindade,
creio, que esperanças mortas
ressurgirás a milagres.
Se és um milagre composto
de neve incendida em sangue,
e sempre o Céu de tou rosto,
mostra dois astros brilhantes:
As mãos umas maravilhas,
um par de jesmins as faces,
o corpo um garbo vivente.
os pés um vivo donaire:
Se são milagres divinos,
Francelinda, as tuas partes,
para viver, quem te adora,
que farás. senão milagres!
Dá-me por milagre a vida
na esperança de lograr-te,
verás ressurgir com glória
uma esperança cadáver.
E se és enigma escondido,
eu sou segredo inviolável,
pois ouves, e não percebes,
quem te diz, o que não sabes.
De que selve a discrição,
com que o teu nome ilustraste,
sendo a Palas destes tempos,
Minerva destas idades.
Discorre em tuas memórias
os dias, manhãs, e tardes,
que foste emprego de uns olhos,
que mudamente escutaste.
Porque uns olhos, que atrevidos
registam a divindade
são sempre d’alma rendida
emudecidas linguagens.
Lembra-te, que em tua casa,
onde cortês me hospedaste,
não me guardaste o seguro
das leis da hospitalidade.
Por que matando-me entonces
traidoramente suave
me calei eu, por guardar
essas leis, que tu violaste.
Se inda não cais, em quem sou,
porque me estrova explicar-me
de uma parte o teu decoro,
e o meu temor de outra parte.
Terei paciência por ora,
té que me tire os disfarces
Amor, que com se vendar,
me deu lições de vendar-me.
E se penetras, quem sou,
porque já o conjeturaste,
e escolhes de pura ingrata
não crer-me, por não pagar-me:
Recorre à tua beleza,
que sei, que ela há de obrigar-te
a crer, que em minhas finezas
corto por multas verdades.
E pois me toca pesar
as tuas dificuldades,
e a ti tua formosura
e discrição pesar cabe.
Julguemos ambos de dois,
qual dá cuidado mais grande,
formosura, e discrição,
ou tantas dificuldades.
CHORA O POETA DE HUMA VEZ PERDIDAS ESTAS ESPERANÇAS
A Deus vão pensamento, a Deus cuidado,
Que eu te mando de casa despedido,
Porque sendo de uns olhos bem nascido
Foste com desapego mai criado.
Nasceste de um acaso não pensado,
E cresceu-te um olhar pouco advertido,
Criou-te o esperar de um entendido.
E às mãos morreste de um desesperado:
Ícaro foste, que atrevidamente
Te rernontaste à esfera da luz pura,
De donde te arroiou teu vôo ardente.
Fiar no sol, é irracional loucura,
Porque nesse brandão dos céus luzente
Falta a razão, se sobra a formosura.
VAGAVA O POETA POR AQUELLES RETIROS FILOSOFANDO EM SUA
DESDITA SEM PODER DESAPEGAR AS HARPIAS DE SEU JUSTO SENTIMENTO
Quem viu mal como o meu sem meio ativo!
Pois no que me sustenta, e me maltrata,
É fero, quando a morte me dilata,
Quando a vida me tira, é compassivo.
Oh do meu padecer alto motivo!
Mas oh do meu martírio pena ingrata!
Uma vez inconstante, pois me mata,
Muitas vezes ctuel, pois me tem vivo.
Já não há de remédio confiancas;
Que a morte a destruir não tem alentos,
Quando a vida empenar não tem mudanças.
E quer meu mal dobrando os meus tormentos,
Que esteja morto para as esperanças,
E que ande vivo para os sentimentos.
AO PÉ DAQUELLE PENHASCO LACRIMOSO QUE JA DICEMOS PERTENDE
MODERAR SEU SENTIMENTO, E RESOLVE, QUE A SOLEDADE Ó NÃO ALIVIA
Na parte da espessura mais sombria,
Onde uma fonte de um rochedo nasce,
Com os olhos na fonte, a mão na face,
Sentado o Pastor Sílvio assim dizia.
Ai como me mentiu a fantesia
Cuidando nesta estância repousasse!
Que muito a sede nunca mitigasse,
Se cresce da saudade a hidropisia.
Solte o Zéfiro brando os seus alentos,
E excite no meu peito amantes fráguas,
Que subam da corrente os movimentos.
Que é irana oficina para as mágoas
Ouvir nas folhas combater os ventos,
Por entre as pedras murmurar as águas.
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